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A composição do reino passava a ser entendida como o conjunto de nações que não era mais o Império, mas a Igreja, unidos pela fé: "unus Dei populus, unumque regnum"[15]. Desde então, procurou-se levar a cabo o trabalho de elaboraçao de uma teoria política, que buscava garantir a monarquia através de um sistema teológico, onde ganham destaque especialmente as idéias de Isidoro de Sevilha. O conhecido cânone 75 do IVº concílio de Toledo, de 633, reconhece o monarca como "ungido do Senhor" (Christum Domini). Preservava-se, contudo, a Monarquia eletiva, dispondo-se que "ninguém prepare a morte dos reis que, mortos pacíficamente, a nobreza de todo povo em união com os bispos, designarão, de comum acordo, ao sucessor no trono". Estipulam-se anátemas para aqueles que fossem culpados de infidelidade, que atentassem contra a estabilidade da "pátria", do povo dos godos e da pessoa do rei. Ressalvava-se, no entanto, que se algum rei desrespeitasse a lei, ou governasse despoticamente, "com soberba, entre delitos, crimes e ambições, seja condenado com a sentença do anátema, por Cristo Senhor, e seja separado e julgado por Deus, porque atreveu-se a trabalhar malvadamente e levar o reino à ruína".
Esta última disposição encontrava respaldo nas Etimologias de Isidoro de Sevilha que recolhia a conhecida sentença "rex eris se recte facias, si non facias non eris"[16]. O mencionado cânone ainda reconhecia o monarca como "escolhido do Senhor", Christos meos, através da Gratia Dei. A famosa frase Rex Dei Gratia não aparece na documentação disponível sobre o reino visigodo de Toledo; porém, as expressões supra citadas, assim como a frase isidoriana "Suintila gratia divina regni"[17] possuem um valor conceitual equivalente.
Numa leitura simbólico-metafórica, ficava estipulado, através da sacralização da monarquia, uma ordem "ético-normativa". Implicava, pois, a submissão de todos aos elementos "supranaturais" que envolviam os reis; a desobediência a eles, vinculava-se também a manifestações "supranaturais", mas ligadas ao conceito cristão do mal, de pecado. Era, desta forma, uma desobediência às leis divinas. A criação da monarquia católica visigoda encaixava-se dentro do que se poderia chamar de mitologia da origem refundante, na medida em que, diante da precariedade e instabilidade decorrentes da incipiente conversão ao cristianismo, recorria à gestualidade ritual ou procurava criar, como mencionamos anteriormente, com Recaredo, uma narração mitológica não estabelecida como memória, mas determinante da nova situação. Não se tratava, como havíamos apontado junto ao raciocínio de A. di Nola, de um mecanismo típico da mentalidade mágica; uma reconstituição cósmica e humana do status nascens, de um novo início, buscando a destruição de todos os elementos anteriores de alteridade, tais como o judaísmo, as heresias e o paganismo? A conversão de Recaredo poderia, assim, ser comparada com uma outra aliança com Deus após o dilúvio.
Montou-se assim, uma concepção teocrática da realeza, com base na sanção divina atribuída à autoridade do monarca. Governo laico e Igreja aproximavam-se a ponto da maioria dos cânones conciliares serem posteriormente referendados pela legislação civil, as Leges in confirmatione concilii. Paralelamente, o Tomus régio elaborava uma série de questões a serem discutidas e decididas nas assembléias conciliares. Aproximação necessária, em especial para a monarquia, uma vez que o caráter eletivo da realeza contribuía para a sua instabilidade. É sabido que em santo Agostinho, são Gregório ou santo Isidoro de Sevilha [18], o mau rei é tido como castigo divino, nunca sendo mencionada a possibilidade de sua deposição. O referido cânone 75 do IVº concílio de Toledo é claro quando diz que, como vimos, o mau rei seria anatematizado por Cristo Senhor, e separado e julgado por Deus. Todavia, a teoria distava muito da prática, e o reino visigodo de Toledo é pleno de deposições e revoltas. O próprio citado concílio trata da deposição de Suintila (621-631) e da ascensão de Sisenando (631-636). Mas não deixa de ser extremamente significativo o fato de o "usurpador" reunir a assembléia dos bispos, não apenas para legitimar o seu golpe: também para tentar buscar garantias, não apenas concretas, mas também, as sobrenaturais que dessem maior garantia à sua pessoa, ao seu poder.
A brecha na teoria encontrada pela nobreza residia na idéia da escolha do monarca pela Gratia Dei. Desta forma, presumia-se que, por trás de uma rebelião bem sucedida, encontrava-se o aval divino. Também, seria possível a argumentação de que o monarca deposto teria perdido o favor divino. Outro subterfúgio para uma deposição provinha da idéia de que o monarca afastado nunca tivera, verdadeiramente, o favor da eleição divina. Todavia seria, neste último caso, um dos subterfúgios satânicos contra o verdadeiro Deus, que é um Deus de vitória, a quem se poderia solicitar o triunfo. Tal é, por exemplo, o caso do rei franco Clóvis (482-511). Estaríamos aqui diante de alguma inspiração das teorias políticas bizantinas? As especulações sobre essa aparente influência ainda permanecem em aberto. O IIIº concílio de Mérida, do ano de 666, para citarmos apenas um exemplo conciliar local, dentre tantos outros encontrados nos de todo o reino, e não nos alongarmos, mostra a preocupação da Igreja com os triunfos militares dos reis visigodos[19] e o Liber Ordinum[20] junta orações a serem feitas quando o monarca saísse em campanha. Apenas a concórdia entre as "partes do corpo" do qual o rei era a cabeça[21], permitiria a vitória sobre os inimigos do povo. Portanto, para reduzir sua instabilidade (ao menos teoricamente), utilizou-se a unção régia como confirmação da Gratia Dei, firmando assim uma união ainda maior entre a monarquia e a Igreja.
Apesar da unção do rei Wamba (672-680) ser a única efetivamente documentada na história da monarquia hispano-visigoda, o mencionado IVº concílio de Toledo dá a entender tratar-se de uma prática antiga, iniciada, talvez, com Recaredo[22]. Pela unção, o monarca reforçava o seu caráter místico de escolhido de Deus e estabelecia a fé católica como fundamento da sociedade e da monarquia. Sua importância fica melhor esclarecida quando, para citarmos um exemplo confirmado, Wamba recusa-se a receber a unção fora de Toledo para que não pairassem dúvidas sobre sua legitimidade[23]. Fica claro, através desse exemplo, que o ritual da unção, nos quadros da monarquia visigoda católica, tinha uma certa eficácia renovadora, um caráter de volta às origens, iniciando um novo tempo a partir de um espaço considerado sagrado para este "renascimento": a cidade de Toledo.
É necessário lembrarmos que, para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, existindo rupturas e rompimentos, diferenciando-se os espaços não consagrados ou "amorfos" e aqueles sagrados, únicos que realmente existem, sendo o restante a extensão sem forma que os rodeia. Da mesma forma, seu tempo também não é homogêneo ou contínuo, com intervalos entre tempos sagrados e profanos, cuja solução de continuidade é dada por meio de ritos, mas sendo o tempo sagrado, por sua própria natureza, reversível, "um tempo mítico primordial feito presente[24].
A pressa na escolha de um novo rei, mesmo distante deste espaço sagrado, por seu turno, não nos aproxima da idéia de que, a ausência do monarca implicaria o retorno do "caos"? Mesmo já eleito, o monarca necessita do ritual da unção: adquirindo a necessária legitimação, o novo monarca pode reintroduzir o reino na "História", dando-lhe um "novo tempo", um novo "afastamento do caos". Sem possuir uma legitimidade baseada na hereditariedade do sangue, a Monarquia visigoda buscou outra, baseada na religião. O monarca, assim ungido, transformava-se num "vigário de Deus"[25], com funções civis e eclesiásticas. O juramento de fidelidade prestado ao rei estava, dessa forma, vinculado ao próprio Deus de quem, em última instância, todos eram súditos. A quebra da fidelidade jurada implicava deslealdade para com o próprio Deus. Tais eram as bases da societas fidelium Christi.
Cristo transpassava-se para o rei como um outro Cristo, um "Alter Christus"[26]. O monarca obrigava-se, pois a compromissos espirituais dentro de suas funções temporais, aspecto que possui um papel importante na teoria política isidoriana: "Os príncipes seculares conservam, às vezes, dentro da Igreja, as prerrogativas da autoridade recebida para proteger, com esse mesmo poder, a disciplina eclesiástica. Para além disso, tais poderes não seriam necessários na Igreja, a não ser para que imponham pelo medo da disciplina aquilo que os sacerdotes não conseguem através da pregação da doutrina"[27]. "Reges a regendo" (sic)[28], afirmava Isidoro de Sevilha, uma vez que conservaria o nome de rei aquele que "governassem com retidão", perdendo-o aquele caísse em "pecado"[29]. Diferenciando o rei do tirano pois, "para os antigos, entre ‘rei' e ‘tirano' não existia diferença alguma" começando apenas mais tarde o costume de designar como "‘tiranos' aos reis depravados"[30], Isidoro de Sevilha ainda ressalta que "a justiça e a piedade" são as mais importantes virtudes régias[31].
A idéia do rei como "Alter Christus" reforça a idéia de uma "recondução", de uma "recriação", retirando o reino visigodo de um aparente "caos", inserindo-o na "nova história linear", a história que "começou/renovou" a partir da vinda de Cristo. Imprimia-se, com ela, uma nova temporalidade. Esta última, não é mais cíclica, mas linear, encaminhando-se para o Juízo Final. Todavia, permanece absorvendo a idéia do "eterno retorno" ou, de forma menos enfática, a da circularidade: o ano litúrgico encerra um ciclo; a unção de um novo rei da início a um novo tempo... Melhor que uma linearidade absoluta, o tempo cristão estabelecia uma "espiral"[32].
O rei é "a cabeça de um corpo"; este último, por sua vez, encontra-se constituído pelo reino. Tal é a concepção do monarca na societas fidelium Christi visigoda: um novo Melquisedec, que reúne o regnum e o sacerdotium[33] apesar dos próprios textos isidorianos, tentarem estabelecer órbitas de ação, como a mencionada Sentença III, 51, 4 sobre a imposição pelo "medo da disciplina" quando a pregação não encontra terreno fácil. Todavia, é esse mesmo autor que alerta os soberanos de que eles "deverão prestar contas a Deus da Igreja, cuja proteção Cristo lhes confia"[34]. Na Lex Visigothorum II, 1, 4, mostra-se claramente uma analogia antropomórfica, com o rei sendo destacado como "cabeça" do corpo que é a sociedade e, segundo o texto isidoriano ao tratar dos "homens e seres prodigiosos", não deixa de mencionar que "a parte fundamental do corpo é a cabeça. E se lhe deu o nome de caput porque é nela que têm origem (initium capiant) todos os sentidos e todos os nervos, e porque é dela que procede todo o princípio de vida. Nela encontram-se todos os sentidos. Vem a ser como a personificação mesma da alma, que vela pelo corpo"[35].
É Recaredo que abre o IIIº concílio de Toledo dizendo que "ainda que Deus omnipotente nos tenha incumbido do fardo do reino em favor e proveito dos povos, designando ao nosso régio cuidado o governo de não poucas gentes, não nos esquecemos de nossa condição de mortais e de que não mereceremos a felicidade da futura bemaventurança, senão nos dedicando ao culto da verdadeira fé e agradando ao nosso Criador, ao menos com a confissão de que [Ele] é digno. Dessa forma, quanto mais elevados estivermos sobre nossos súditos, mediante a glória de nossa régia condição, tanto mais devemos cuidar daquelas coisas que pertencem ao Senhor, e aumentar nossa esperança, e olhar pelas gentes que o Senhor nos confiou". Apenas para citarmos mais um exemplo, dentre outros possíveis, é nestes termos que o soberano Recesvinto (653-672) dirige-se em seu Tomus régio aos clérigos reunidos no VIIIº concílio de Toledo, de 653, sessenta e quatro anos após a conversão de Recaredo: "a autoridade divina submeteu, inteiramente a mim, a totalidade do poder que ele [o pai de Recesvinto] me deixou, pelo que e dado que a saúde da cabeça é a causa do bom estado dos membros, e a felicidade dos povos não consiste senão na benignidade dos príncipes".
Assim, a unção régia estabeleceria uma elaboração mística da Monarquia, transformando o soberano num instrumento do Senhor, criando uma relação de dependência do rei para com Deus. O rex tornava-se um instrumento da vontade divina (não o condicionador dela); o regnum era, pois, uma conseqüência do favor celestial[36]. Integrados pelo juramento de fidelidade, o rei e o reino entram para o campo da sacralidade. O rompimento daquilo que fora jurado por parte do segundo para com o primeiro implicava crime de infidelitas, não apenas para com a pessoa do rei, mas para com o próprio Deus. Era, pois, um sacrilégio. O mesmo ocorria com relação à desobediência das leis. Elas eram a "alma" do corpo público, cujo objetivo maior era a salus populis[37], para estabelecer a pax e combater o mal[38]; ela era a dispensadora de saúde. A atividade legislativa dos reis unia-se à sua condição de minister Dei[39]. Ela deixava de emanar do costume para transformar-se no instrumento essencial com que o rei contava para realizar sua tarefa: a direção da sociedade cristã. Assim, como ressaltamos anteriormente, era intensa a imbricação entre a Monarquia e a Igreja.
Apenas a título de exemplo, dentre tantos outros, tomemos as palavras de Recesvinto na abertura do VIIIº concílio de Toledo, de 653: "Tomem tudo o que está escrito neste Tomo e informa-os bem, lendo-o uma e outra vez, e todas aquelas coisas que nossa majestade indicou conforme seu parecer, vossas beatitudes as levem a efeito, com tanta prontidão e misericórdia com quanta nossa serena mansuetude os recomenda que as cumprais". No concílio de Saragoça, de 691, lemos que "já que a divina Majestade, por meio do excelentíssimo, piedosíssimo e muito amante de Deus, o rei Egica, nosso senhor, mandou que nos reuníssemos nesta cidade de Saragoça e, recomendou-nos muito especialmente que com a afilada espada da justiça se consolide tudo aquilo que é conveniente". A lei agora, provinha da vontade do rei, através de quem Deus atuava.
Se, por um lado, as leis estavam condicionadas pelo meio em que surgiam, por outro, caracterizavam-se pela justiça de quem emanavam, ou seja: eram a vontade de Deus. Disto decorria o fato de que a lei existia para manifestar na sociedade a justiça, criadora da lei e não criada por ela. Um crime não existia apenas quando estava previsto; havia a possibilidade de, cometida uma atitude condenável imprevista, criar-se, naquele momento, uma lei para puní-la[40]. Cabeça do corpo público, o monarca estava dotado dos olhos para descobrir o que era nocivo, da inteligência, para adotar as decisões e governar as partes dependentes do corpo, como expressava claramente a já mencionada Lex Visigothorum II, 1, 4. Ele diagnosticava e medicava, "nullo privatim commodo, sed omnium civium utilitati communi"[41]. Ela deveria ser honesta, justa, possível, de acordo com a natureza, de acordo com os costumes da "pátria, apropriada ao lugar e circunstâncias temporais, necessária, útil e clara [...], não ditada para benefício particular, mas para proveiro do bem comum de todos os cidadãos"[42]. Também, tendo uma origem divina, a lei submetia os monarcas, criadores delas, limitando-os. A lei, desta forma, emerge como a "palavra divina" ―escrita ou oral―, que gerava a criaηão. Era a palavra-poder, que exorcisava a confusão caótica e se tornava realidade de ordem (Cosmos). Aqui, a novidade é representada pelo fato de que o Logos se divinizou e, ao mesmo tempo, personalizou-se a ponto de coincidir com a própria pessoa do fundador. "Logos torna-se, na exegese teológica dos primeiros séculos, o Verbo ou a Palavra de Deus pronunciada por Ele no momento da criação e, com isso a medida e a razão de ser, final e instrumental, da criação do cosmos"[43].
A fé católica adquiriu, assim, uma crescente importância no reino. Tendo-se em conta a profunda e forte religiosidade do homem medieval, condutora, em grande medida, de sua visão de mundo, conduzindo ao primado do sobrenatural e do sagrado, percebemos a monarquia revestida de um caráter místico, sobrenatural, fornecido pela Igreja. Contrapunham-se, dessa forma o milagre cristão do prodígio pagão[44]. É também o momento em que tais termos são qualificados como realidades necessariamente contrapostas. As exigências excludentes do Deus cristão não admite coexistências explícitas e, nesse caminho, o segmento eclesiástico monopoliza a intermediação e a interpretação junto ao Criador, junto ao sagrado.
Procurando se sobrepor ao complexo mitológico greco-romano e cultos orientais, dentre outros, o cristianismo encaminha a idéia de que a magia estaria sob o patronato dos espíritos do Mal. Não poderia existir compromissos com a idolatria, a feitiçaria, a adivinhação... Elas eram, em qualquer caso, obra dos adoradores do diabo, que deveriam ser evitadas. São os magos que costumam "conturbar os elementos, transtornar as mentes humanas e, sem nenhum veneno, somente com a força de suas conjurações, chegam a provocar mortes"[45]. Mostra-se aqui, um clérigo culto explicitando seu temor quanto à magia da palavra pois, apenas pela força da conjuração, das palavras, seria possível provocar-se a morte.
Apesar da prescrição de Santo Isidoro, de que os príncipes deveriam impor pela força o que os sacerdotes não conseguiam pelas palavras, a Igreja quase sempre tentava evitar os efeitos da ação mais enérgica (destruição). Por vezes, substituía os cultos pagãos por outros semelhantes, cristãos, sobrepondo-os aos primeiros (obliteração); ou permitiam a conservação parcial da forma, mas com uma profunda alteração de significado (desnaturação)[46]. Tais expedientes eram fruto de uma tentativa de imposição de uma nova ordem, onde a Igreja aparecia como legítima representante e única intérprete (não condicionadora) dos desígnios divinos. Rejeitava-se a invocação dos espíritos intermediários do Cosmos platônico, os daimones, vistos como anjos caídos. Entendia-se, pois, que a vinda de Cristo encerrara o reino do demônio, que insistia em permanecer através dos subterfúgios da magia. Tais argumentos tentavam, neste momento, definir diferenças entre os prodígios e os milagres. Este último seria um signo da vontade de um Deus omnipotente que, diferentemente dos deuses gentios, poderia ser implorado, mas não obrigado. Diversas premissas cristãs como, por exemplo, as desgraças da vida terrena eqüivalerem a uma garantia de felicidade no futuro, tentavam cortar em suas raízes, toda sorte de magia, buscando tornar ineficientes as séries de premissas psicológicas pelas quais se recorreria a um mago[47]. Mas, à medida em que se buscava diferenciar magia e religião, por vias indiretas, não acabavam por reforçar elementos místicos, sobrenaturais, dos quais também a magia se alimentava?
A societas fidelium Christi tinha por fundamento, a fé católica. Era esta fé que elaborava a unidade da analogia antropomórfica idealizada pelas leis (a palavra escrita), do qual o rei era a cabeça e, simultaneamente, o Alter Christus e o Christus Domini, gratia Dei. Tal situação viabilizava-se ―apesar de contarmos somente com um exemplo efetivamente comprovado, o rei Wamba― atravιs da unção régia, pelo rito. O discurso ritual, tal como o mitológico, faz parte de um contexto social; ambos são elementos, entre outros, que fundamentam a coesão do grupo. "E os mitos, como os ritos, explicam-se essencialmente pela sua função na organização social: a mitologia é a ‘carta pragmática', constitui a espinha dorsal dogmática da civilização primitiva. Contam-se os mitos para justificar, reforçar, codificar as práticas e crenças postas em prática na organização social, totalmente investida pelo discurso ritual"[48] . Efetivada pelos interpretes da vontade divina, ou seja, os membros da Igreja, criava-se a analogia antropomórfica, o regnum, estabelecendo um primado ―teσrico na prática― do espiritual sobre o temporal. Inversamente, dentro de um campo mais amplo, todos os habitantes do reino ―incluindo-se os reis― enquanto cristγos, faziam parte de um corpo maior: a Igreja.
É a idéia de um destino comum que torna necessária e, simultaneamente, viabiliza a conversão de Recaredo. Existia agora um novo coletivo, com claros objetivos a perseguir. O contexto em tudo favorecia. Desde o declínio do Império Romano, vinha se firmando lentamente, uma sensação clara de convívio com o sobrenatural, com o sagrado. As inseguranças da época colaboravam no sentido de espalhar esta sensação. Disto tentava se aproveitar o cristianismo, buscando oferecer respostas para as angústias individuais e coletivas. A presença de um novo poder, que elaborava um outro destino comum, aproximava o regnum da religião. Quanto à forma, Leovigildo já se encarregara de diferenciar o poder da sociedade. Quanto à origem desse poder, o mesmo monarca já mostrara o caminho de sua procedência: o sagrado. Abrira-se o caminho para a identificação entre a monarquia e a Igreja. Firmava-se o dualismo cristão/pagão.
Mas o sucesso desta "reconstituição dos inícios"
dependia de acomodações entre a "religiosidade oficial e/ou
erudita" e a "religiosidade popular". Tal distinção é,
sem dúvida, minimizada ao considerarmos mais o sentimento religioso e,
mais ainda, se entendermos que "religiosidade popular não é aquela
que se identifica com um grupo social, ou que teve origem nele, mas sim aquela
que nas suas manifestações popularizou elementos de diversas procedências"[49].
Assim, o exclusivismo cristão se adapta. O declínio do império
e as invasões germânicas, vistas e sentidas como uma crise cósmica,
implicavam o encerramento de um ciclo. Impunha-se novamente o caos primordial.
A conversão de Recaredo apareceria, sob essa ótica, como um renascimento,
uma nova fundação dos tempos e da História. "Deveis, pois,
estar contentes e cheios de júbilo de que os antigos e canônicos
costumes, com a ajuda de Deus, voltem aos leitos antigos, mediante nossa glória"
diria Recaredo na abertura do concílio de 589. Aqui, a semelhança
com as antigas "cosmogonias" é patente. Vista como um mito de fundação
heróica e cultural, a conversão justifica a origem dos novos bens
culturais, materiais e espirituais; justifica a nova ordem.
É a partir desse episódio que se elabora a analogia
antropomórfica expressa na legislação visigoda. O regnum
é, pois, a obra divina, a criatura e, como ela, dotado de corpo (a sociedade
cristã) e alma (as leis divinas e régias). O monarca Dei Gratia,
denominado Christos Meos, ordena o corpo e afasta o caos. Ele é
a sua cabeça, princípio da vida, personificação
da alma e deve velar pelo corpo[50].
É o governante estabelecido por Deus, responsável pelos remédios
terapêuticos necessários para impedir e corrigir as conseqüências
do pecado que angustiavam o homem desde a Queda. O cristianismo lê o nascimento
da analogia antropomórfica, do regnum, como um novo nascimento
de Adão.
Obtinha-se, dessa forma, a segurança de uma temporalidade anterior e uma projeção para o futuro. Mas Recaredo não deixava de se aparentar a um herói mitológico. Costumeiramente, o mito define-se como um relato das origens, cujo caráter instaurador constitui precisamente sua diferença com relação à fábula; "nos relatos de origem (mitos cosmogônicos ou históricos), os deuses mesclam-se com os heróis, mas raramente intervêm sozinhos; não há dúvida de que algum ser não divino, mas próximo dos deuses, serve para estabelecer uma mediação entre a ordem cosmológica e a ordem dos homens, mas tampouco há dúvida de que é necessário precisar de que se trata de uma mediação bastante particular, sob a forma de ruptura. Adão, Prometeu, [...] simbolizam um passado de ruptura que constitui um pensamento da ordem humana; tudo acontece nas diferentes sociedades como se o pensamento humano tivesse necessidade de dar-se uma origem para constituir as diferenças instauradoras do social"[51].
Sem uma genealogia mítica, o rex era eleito, era um escolhido. Sua transposição para o campo do sagrado operava-se apenas após o ritual da unção, efetivado pelos membros do ordo clericorum. Permanecia assim o conceito de interdito do sagrado; seria perigoso um contato direto com ele. A intermediação do sacrifício ritual, com seu inerente arrependimento, conversão, propiciamento ou trânsito, aparentemente era afastada. O temor do sacrifício como um meio de contatar a divindade através de uma vítima já se havia anunciado anteriormente. Explicava-se as razões do sacrifício de Cristo e se retomava o Sócrates platônico, com o reforço à idéia de que era proibido abdicar de nossa própria vida. O martírio voluntário, com a busca (através da morte pelos princípios cristãos) da salvação pela entrega espontânea da própria vida, estava condenado[52]. Um corpo de especialistas ―os clιrigos― se encarregaria de estabelecer o contato entre o sagrado e os fiιis.
Todavia, apresentado enquanto um honor, o ingresso no cargo régio não deixava de ser também um sacrifício, ritualizado através da unção. Por meio dela, o monarca "morria" no profano para ressuscitar no sagrado. Provindo de entre os mortais, o escolhido teria pecados anteriores, ou estaria pretensamente tentando assemelhar-se ao próprio Deus. Teria, pois, que se arrepender deles. Em seguida, convertia-se no minister Dei; não deixava de ser um favorecido, propiciado com este honor e transitava para o campo do sagrado. Tampouco se afastava a idéia da morte como centro do sacrifício. Os reis tinham seus antecessores tratados como dive memorie e reverende memorie[53], onde se percebe a influência imperial. Não apenas a recordação do monarca defunto, mas a sua própria pessoa permanecia divus. O cristianismo, desta forma, sugeria uma genealogia mítica, de parentesco artificial entre os monarcas.
A questão do monopólio da intermediação com o sagrado, por parte do ordo clericorum, mostra-se complexa diante das realidades do cotidiano. Se para o mundo culto, a leitura da analogia antropomórfica parecia coerente enquanto um sinal divino, tais idéias seriam difíceis de serem assimiladas pela "religiosidade popular". A elaboração da analogia não deixava de ser um sinal mágico. Considerada a restrição espacial do camponês, ligada muito mais ao destino de sua gente, terra e bens locais, a idéia de um regnum, tão abstrata quanto sua teoria, pareceria não ter relação com o seu microcosmo. Nele, tampouco caberia esperar a intermediação de um corpo de especialistas do sagrado para o propiciamento de sua terras, colheitas, saúde, etc. Também, apesar de colocar as obras demoníacas sob o patronato do Mal, o cristianismo acreditava numa infinidade de demônios, entre os quais nomeavam-se os deuses pagãos. Tentou-se o afastamento dos daimones platônicos de seu pseudo-parentesco com os anjos cristãos. Esses últimos "são servidores de Deus que não aspiram sacrifícios, mas simplesmente formam com os homens a comunidade daqueles que estão sob a lei de Deus"[54]. Procurava-se substituir a obra dos deuses e heróis pelo "Verbo Divino" e por uma legião de anjos e homens santos. Mas um ponto básico contrastava com essa argumentação: se os signa supérfluos eram as "superstições" e o Deus cristão era omnipotente, o demônio, encontrado em toda parte não estaria também sob as leis divinas, compondo com a comunidade dos homens? Os sofisticados raciocínios filosóficos da teologia para a explicação da origem do Mal seriam compreensíveis para a mentalidade camponesa? Acreditamos que não.
É interessante lembrarmos que Recaredo ofereceu, no concílio de 589, "ao eterno Deus, por vossas mãos [dos clérigos], como santo e expiatório sacrifício, a esses nobilíssimos povos [visigodos e suevos], que nossa diligência ganhou para o Senhor".
No mito e na religião, o momento primordial do universo é desconhecido e totalmente incontrolável pela sociedade. A elaboração de uma teogonia cristã parece afastada de imediato. As religiões monoteístas-criacionistas apresentam a divindade criadora nas origens, não precedida por nada. Todavia, elas não deixam de possuir resíduos teogônicos como, por exemplo, a questão do relacionamento de Yahweh e seus servos. Apesar da figura de Satã ser apresentada com um sentido de "acusador" no Antigo Testamento, sua expulsão não nos recorda uma teomaquia? O mesmo não poderia ser entrevisto com o Juízo Final do Apocalipse?
Vista como uma "crise cósmica", as invasões bárbaras suscitaram na península, após a conversão dos visigodos ao catolicismo, o nascimento da analogia antropomórfica. Tal como no Gênesis, em que é o Verbo Divino o criador do mundo, organizador do caos primordial, é a "palavra" que ordena, que articula suas partes e conduz. Dentro desses resíduos, a analogia antropomórfica sugerida pela composição do "corpo místico" assemelha-se a uma teogonia, apesar do rei ser tido apenas como minister Dei, responsável pela salus populis, ou seja, através da palavra.
Na medida em que se pensa o reino procedendo do mito, uma linguagem dramática aparece em dois pontos principais correspondendo, respectivamente, aos elementos cósmicos e históricos na religião. O primeiro deles relaciona-se aos mitos de criação. Tal é o corpo que constitui o regnum, local de origem e destino da humanidade, à semelhança do corpo em que vivemos a nossa vida individual. O outro, corresponderia aos mitos de acordos divinos com os homens que incluía a noção de providência, permitindo a leitura dos processos históricos. O monarca nos aparece então como um "novo Noé", retirando-nos do Dilúvio e iniciando nossa caminhada rumo ao Juízo Final. Estrutura-se uma nova aliança entre Deus e a analogia antropomórfica: Alter Christus, o rex é a sua cabeça, princípio de toda vida, personificação da alma, que vela pelo corpo, como nos fala o texto isidoriano. Nessa nova aliança, a "palavra" desempenhava um significativo papel. Através dela, os reis emanavam a justiça divina, criadora da lei e não criada por ela. Este atributo da "palavra" legislativa não nos aproxima da "Criação"? Não seria possível lhe atribuir uma eficácia mágica? Palavra, gesto, mito e rito transmutam-se nas leis e no Credo; no sinal da cruz e nas procissões, no ritual da unção e no corpo que constitui o reino; novo tempo espiralado, nas missas, nos cultos aos santos e às relíquias. A consciência religiosa é uma forma única. É a consciência caracterizada pelo sentido do divino, descrito como um mysterium tremendum. É o princípio da alteridade completa com o humano, irredutíveis a análises ou categorias existenciais ou morais. É a consciência que desperta quando percebe a intervenção de caráter único, a presença do sagrado nesta vida. A essência do rex, é sua comunicação com as partes do regnum. O elemento que os une é a palavra que, por sua vez, é o elemento das origens, é o sagrado.
O nascimento da monarquia católica visigoda, da societas fidelium Christi, portanto, não se instala enquanto cristã, mas se insere: uma religião ―tal como o Cristianismo ou o Islã, para citarmos exemplos― sempre se apoia nos instintos e características religiosas já presentes no meio ao qual se dirige. É uma condição básica: a moldura do espelho não lhe distorce a imagem, mas lhe confere uma forma. Não há legislador, político ou proposta que imponha suas normas de forma duradoura e, paralelamente, altere de forma radical os hábitos milenares do cotidiano. Tentar acomodar o espelho a um limite menor que ele, significa quebrá-lo.
A conversão do reino visigodo de Toledo, não implicou uma viragem radical de sua religiosidade. Sua sociedade segue a tendência da bipolarização entre "poderosos" e "humildes" na qual, à inicial contraposição bárbaro/romano, se sobrepõem o duo cristão/pagão. O cristianismo conta com um reduzidíssimo número de clérigos e leigos cultos, mas ainda enfrenta receios da nova religião para com o conhecimento clássico. Ainda assim, segue a cristianização da cultura antiga, com desvirtuamentos e empobrecimentos acompanhados pela falência das anteriores escolas públicas. As novas escolas, paroquiais, monásticas, episcopais, objetivam a formação de clérigos e possuem, de forma geral, um caráter urbano e semi-urbano. Mas não há grande proliferação de vocações para a Igreja e, desvinculado de motivos religiosos, muitos edifícios de culto cristão são erigidos com vistas a privilégios e isenções fiscais, tal como diversos mosteiros.
Paralelamente, assistimos a um gradual esvaziamento urbano. Inserido em meio a um processo de ruralização econômico-social, o reino visigodo católico não se impõem, mas se adapta. Lançado no meio rural, sem poder contar mais com seus mais fiéis seguidores dos segmentos urbanos, o cristianismo peninsular, em fase de definições, ainda padece da ausência de um programa de evangelização. No campo, as tendências estruturais da época incrementam, em diversas áreas, o fortalecimento de várias práticas pagãs. Mundo de arraigamentos, de permanências e de lentidão, o meio rural não se mostra tendente a abandonar seus antigos ritos, cultos e crenças. Todavia, devido à pluralidade desta "religiosidade popular", e aos temores, angústias e incertezas do momento, abre-se um caminho para uma tentativa de homogeneização: o da religião como elemento de coesão, como catalizador. Tal é o papel que procura desempenhar o cristianismo.
Assim, a progressiva identificação da monarquia com o espaço peninsular, da população hispano-romana com a visigoda, corresponde também à sua aproximação ―especialmente aristocrática― do cristianismo. Entretanto, distantes dos sofisticados argumentos patrísticos que, aliás, lhe seriam incompreensíveis, o mundo rural se "converte" na forma, mas não se "cristianiza" de maneira completa e interiorizada. Seria necessária uma viragem radical em sua mentalidade, ritos e crenças, como deixa claro o De correctione rusticorum de Martinho de Braga (ca. 515-580). Seria difícil para o camponês compreender e crer que apenas um Deus poderia dar conta de todas as tarefas abarcadas pelos antigos deuses. Mesmo que de forma desnaturalizadas, mantém antigas práticas e ritos. O declínio "visível" de seus cultos não implica seu desaparecimento. Na maioria dos casos, sua obliteração não tinha a correspondente mudança de significado. E diga-se: não apenas para o ordo laicorum. As cruzes colocadas às margens de lagos, encruzilhadas, montes, apenas alteravam, na mentalidade e religiosidade rural, o símbolo, não a eficácia de sua magia, de seu significado. As intermediações dos daimones são substituídas; os sacrifícios rituais, monopolizados pelo corpo clerical, como nas missas e na coroação de um novo rei.
Mesmo em termos dos segmentos cultos, o cristianismo realiza concessões. Tal é o que podemos perceber ao tentarmos ler a conversão de Recaredo como uma cosmogonia, ao estilo greco-romano, dos resíduos de teogonia e teomaquia presentes ainda no momento de instalação da nova fé. A substituição destas pelo Verbo Divino apenas acrescentou maior força à magia da palavra. Dessa forma e por essas razões, parece-nos que o cristianismo mostrou-se como uma religião que obtém forças num sincretismo lato, em meio a crises. Também, como forma de justificar novas realidades, privilégios e necessidades de um novo corpo aristocrático que, na analogia antropomórfica, corresponde às partes nobres do corpo. Espiralando o tempo e criando um novo sentido para a História, o "logos cristão encontra-se também perante a contradição de desembaraçar-se do mito recorrendo à mitologia"[55]. Não escapou, assim, do "eterno retorno"...
Notas
[1] G. DUBY, Los tres órdenes o lo imaginario del feudalismo, Madrid, Petrel, 1980, p. 17.
[2] Ruy de O. ANDRADE FILHO, Imagem e Reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (séculos VI e VII), São Paulo, Tese de Doutoramento - FFLCH - USP, 1997, pp. 139-140.
[3] G. DUBY, "História social e ideologia das sociedades", in J. LE GOFF e P. NORA (dirs.) História: novos problemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979, pp. 132-133.
[4] A. NOLA, "Origens", in R. ROMANO (dir.) Enciclopédia Einaudi, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1987, v. 12, p. 16.
[5] AGOSTINHO DE HIPONA, Enarraciones sobre los salmos, 65, 11 ―ed. bilνngüe (latim-espanhol) de B. Martín Pérez, Madrid, BAC, 1965, v. 2―.
[6] ISIDORO DE SEVILHA História dos Godos,51 ―ed. bilνngüe (latim-espanhol) de C. Rodríguez Alonso, León, Centro de Estudios e Investigación "San Isidoro" - Archivo Histórico Diocesano - Caja de Ahorros y Monte de Piedad de León, 1975―.
[7] JOÃO DE BÍCLARO, Crônica, aprox. 590, 3 ―ed. bilνngüe (latim-espanhol) de J. Campos, Juan de Bíclaro, obispo de Gerona. Su vida y su obra, Madrid, CSIC, 1960―. Citado a partir de agora como JOΓO DE BÍCLARO, Crônica.
[8] J. ORLANDIS, "El rey visigodo católico", in A A V.V., De la Antigüedad al Medievo (siglos IV-VIII). IIIº Congreso de Estudios Medievales, Madrid, Fundación Sánchez-Albornoz, 1993, p. 56.
[9] Faremos apenas referências à questão judaica sem nos aprofundarmos nela, o que extrapolaria nosso tema e as páginas que nos cabem, razão pela qual realizaremos o mesmo procedimento com relação à questão das heresias. Sobre o paganismo, tivemos oportunidade de tratá-lo noutros momentos: Ruy de O. ANDRADE FILHO, Imagem e Reflexo; IDEM "Paganismo e escravidão nos concílios católicos do reino visigodo", Temas Medievales,9 (1999), 99-114; IBIDEM "Espaços e fronteiras entre o cristianismo e o paganismo no reino visigodo católico", in E. NODARI, J. Mª PEDRO e Z. M. G. IOKOI (orgs.), História: fronteiras. XXº Simpósio Nacional da ANPUH, São Paulo, Humanitas, 1999, v. 2, pp. 1025-1042.
[10] P. D. KING, Derecho y sociedad en el reino visigodo, Madrid, Alianza, 1981, pp. 155 et passim.
[11] IIIº Concílio de Toledo (589) ―La Colección Canónica Hispana V. Concilios Hispanos: segunda parte, ed. de G. Martínez Díez y F. Rodríguez, Madrid, CSIC-Instituto Enrique Flórez, 1992. p. 50 e Concilios visigóticos e hispano-romanos, ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. Vives, Barcelona-Madrid, CSIC-Instituto Enrique Flórez, 1963, p. 107―. Para simplificarmos nossas citações conciliares, procederemos da seguinte maneira a partir de agora: 3Toledo, 1 (589) ou 5Toledo, Tomus (633) ou seja: 3º concílio de Toledo, cânone 1, ano de 589; 5º concílio de Toledo, Tomus régio, ano de 633.
[12]Vitas Sanctorum Patrum Emeritensium V, IX, 4 ―ed. bilνngüe (latim-inglês) de J. N. Garvin, Washington D.C., The Catholic University of America Press, 1946―. Citado, a partir de agora como VSPE.
[13] JOÃO DE BÍCLARO Crônica, aprox. 590, 1.
[14] NOLA, op. cit., p. 14.
[15] A. BARBERO y M. VIGIL La formación del feudalismo en la Península Ibérica, Barcelona, Crítica, 1978, p. 175.
[16] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, IX, 3 ―ed. bilíngüe (latim-espanhol) de J. O Reta e M. A M. Casquero, com introdução de M. C. Díaz y Díaz., Madrid, BAC, 1982, v 1―. A partir de agora citado apenas como Etimologias.
[17] ISIDORO DE SEVILHA, História dos Godos, 62.
[18] ISIDORO DE SEVILHA, Sentenças, III, 48, 10: "Se é certo que o Apóstolo disse: ‘Não há autoridade que não provenha de Deus', como o Senhor, através da boca do profeta, disse de certas autoridades: ‘Eles foram reis, mas não eleitos por mim?'; como se houvesse dito: ‘Sem que eu me mostre favorável mas, inclusive, muito irado'. Daí que, mais abaixo, adicione o mesmo profeta: ‘Dar-te-ei um rei em minha fúria'. Com o que fica evidenciado, com toda clareza, que tanto a boa quanto a má autoridade são instituídas por Deus; mas a boa, sendo Ele favorável e a má, estando irado"; et passim. ISIDORO DE SEVILHA, Sentenças ―ed. bilνngüe (latim-espanhol) de J. Campos e I. Roca, Santos Padres Españoles, Madrid, BAC, 1971, v. 2―.
[19]3Mérida, "Depois dedicarmos nossas ações de graças ao sereníssimo e clementíssimo príncipe e senhor nosso rei Recesvinto, para quem Aquele que lhe outorgou o poder real também lhe conceda uma vida feliz na tranqüilidade da paz e de tal modo lhe de a vitória sobre seus inimigos, que com o auxílio da graça submeta à sua jurisdição o colo de seus adversários...".
[20]Liber Ordinum,149-55. Le Liber Ordinum en usage dans l'église wisigothique et mozarabe d'Espagne, du cinquième au onzième siècle ―ed. M. Fιrotin, Paris, Firmin-Didot, 1904―.
[21] Veja-se a Lex Visigothorum II, 1, 4.
[22] Para a questão das unções régias veja-se A. BARBERO, "El pensamiento político visigodo y las primeras unciones regias en la Europa medieval", Hispania,XXX (1970), 245-326 agora também em IDEM, La sociedad visigoda y su entorno histórico, Madrid, Siglo XXI, 1992, pp. 1-77.
[23] JULIAO DE TOLEDO, Historia Wambae regis, 3, 50-54 ―ed. de W. Levison in Sancti Iuliani Toletanae Sedis Episcopi Opera. Pars I, Turnholt, Brepols, 1976 (Corpus Christianorum, Series Latina CXV)―.
[24] M. ELIADE, Lo sagrado y lo profano, Barcelona, Labor, 1981, pp. 25 e 63.
[25]16 Toledo, 9 (693) et passim.
[26] BARBERO y VIGIL, op. cit., p. 175.
[27] ISIDORO DE SEVILHA, Sentenças, III, 51, 4 et passim.
[28] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, IX, 3, 4.
[29] ISIDORO DE SEVILHA, Sentenças, III, 48, 7 et passim.
[30] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, IX, 3, 19-20.
[31]Ibidem, IX, 3, 5; Sentencias III, 49, 1-4 et passim.
[32] Para algumas das idéias que nos sugeriram as possibilidades supra citadas, veja-se A A V.V., Les temps chrétien de la fin de l'Antiquité au Moyen Age (III-XIII siècles). Colloques Internationaux du Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, Centre National de la Recherche Scientifique, 1984.
[33] ISIDORO DE SEVILHA, De ortu et obitu Patrum, 105 ―ed. bilνngüe (latim-espanhol) de C. Chaparro Gómez, Paris, Les Belles Lettres, 1985―. Veja-se também BARBERO y VIGIL, op. cit., p. 175 e ss.
[34] ISIDORO DE SEVILHA, Sentenças, III, 51, 6 et passim.
[35] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, XI, 1, 25; tivemos oportunidade de discutirmos os simbolismos do corpo humano no texto isidoriano de forma mais detalhada em Ruy de ANDRADE FILHO, "A respeito dos homens e dos seres prodigiosos. Uma utopia do homem e de sua existência na obra de Santo Isidoro de Sevilha (Etimologias, Livro XI)", Revista USP, 1994, 76-83.
[36] Apenas para citarmos alguns exemplos, dentre vários, veja-se a Lex Visigothorum XII, 2, 14, o Tomus régio do 3Toledo (589) e o 5Toledo, 1 (636), que menciona o fato do reino todo o reino ter sido confiado por Deus ao soberano.
[37]Leges Visigothorum X, 1, 4; XII, 2, 14 et passim.
[38]Leges Visigothorum II, 1, 1; XII, 2, 1 et passim; 6Toledo, 16 (638); 7Toledo, 1 (646); 14Toledo, 12 (684) et passim. Veja-se também KING, op. cit., pp. 42-70.
[39]Lex Visigothorum IV, 2, 29 et passim.
[40] Veja-se KING, op. cit., pp. 42-70.
[41]Leges Visigothorum II, 1, 29; XII, 2, 1; I, 1, 3 et passim.
[42] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, II, 10, 6; V, 21.
[43] G. P. CARPRETINI, et al., "Mythos/Logos", in ROMANO (dir), op. cit., pp. 90-91. Sobre a magia da palavra, veja-se, dentre outros, E. CASSIRER, Linguagem, mito e religião, Porto, Rés, 1976, pp. 79-106.
[44] F. CARDINI, Magia, brujería y superstición en el Occidente medieval, Barcelona, Península, 1982, p. 20.
[45] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, VIII, 9, 9.
[46] J. LE GOFF, "Cultura clerical e tradições folclóricas na civilização merovíngia", in IDEM, Para um novo conceito de Idade Média. Tempo, trabalho e cultura no Ocidente, Lisboa, Estampa, 1980, pp. 213-214.
[47] CARDINI, op. cit., p. 17.
[48] M. DETIENNE, "Mito/Rito", in ROMANO (dir), op. cit., v. 12, p. 60.
[49] H. FRANCO JR., Peregrinos, Monges e Guerreiros. Feudo-Clericalismo e Religiosidade em Castela Medieval, São Paulo, Hucitec, 1990, p. 41. Tal como no caso da cultura em H. FRANCO JR, "Meu, Teu, Nosso. Reflexões sobre o conceito de cultura intermediária", in IDEM, A Eva Barbada. Ensaios de mitologia medieval, São Paulo, Edusp, 1996, pp. 31-44, que indica ser melhor que "‘cultura popular' seja chamarmos aquele denominador cultural comum de cultura intermediária", também acreditamos ser melhor pensarmos em uma "religiosidade intermediária" como tivemos oportunidade de argumentar noutra ocasião em ANDRADE FILHO, Imagem e Reflexo, pp. 175-218, razão pela qual não nos deteremos aqui sobre essa questão.
[50] ISIDORO DE SEVILHA, Etimologias, XI, 1, 5.
[51] M. AUGÉ, El genio del paganismo, Barcelona, Muchnik, 1993, p. 182.
[52] O concílio de Elvira, de fins do século III e inícios do IV já estipulara em seu cânone 60 que não fossem contados entre os mártires aqueles que tivessem perdido a vida por terem destruído ídolos.
[53]Leges Visigothorum II, 1, 5; XII, 2, 15 et passim.
[54] AGOSTINHO DE HIPONA, La Ciudad de Dios, XI, 13 ―ed. bilνngüe (latim-espanhol) de S. Santamarta del Río y M. Fuertes Lanero, Madrid, BAC, 1988. 2 vols.―.
[55] G. P. CAPRETTINI, "Mythos/Logos", in ROMANO (dir.), op. cit., v. 12, p. 94.
Ruy de O. Andrade Filho1
1UNESP - Assis - FUNDUNESP, Brasil
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