Mito e monarquia na Hispânia visigótica católica



Resumen:

Mito y monarquía en la España visigoda católica. El presente trabajo pretende analizar brevemente dos conceptos significativos, como son la metáfora antropomórfica y la monarquía, especialmente a comienzos de la Edad Media (siglos IV-VIII). Más que un estudio de objetivos concluyentes, el mismo intenta manifestarse como un "ensayo" de análisis documental, punto de partida para nuevas reflexiones sobre la España visigoda. De tal manera, se buscan determinar los alcances que tuvieron dichos conceptos en la configuración del poder político local y en los fundamentos de la realeza de la época.

Palabras clave : mito - rito - cristianización - monarquía - religiosidad

Summary: Myth and Monarchy in Visigothic Catholic Spain. The author of this article discusses the ideas of the anthropomorphic metaphor and of monarchy during the early Middle Ages from the fourth to the eighth century. Rather than a conclusive study of the subject under analysis, his approach is to examine contemporary sources in order to gain a new point of    departure for the questions dealing with Visigothic Spain. He tries to establish the degree of influence exerted by these concepts in outlining local political power and as a support for the monarchy during those centuries.

Key Words: myth - rite - christianization - monarchy - religiousness

Résumé: Mythe et monarchie dans l'Espagne wisigothique catholique. L'article propose l'analyse, de manière succincte, de deux concepts significatifs: la métaphore antropomorphique et la monarchie, en particulier au début du Moyen Âge (IVe-VIIIe siècles). Il ne se présente pas comme une étude aux objectifs concluants, mais tend à être un "essai" d'analyse documentale, point de départ pour de nouvelles réflexions sur l'Espagne wisigothique. Il cherche de cette manière à évaluer la portée de ces concepts dans la configuration du pouvoir politique local et dans les fondements de la royauté.

Monts-Clé: mythe - rite - christianiser - monarchie - religiosité

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O presente ensaio não tem a presunção de dar conta, em poucas páginas, de dois objetos tão difíceis e densos quanto a metáfora antropomórfica e a monarquia, especialmente num momento  complexo como é o da Primeira Idade Média (séculos IV-VIII). Trata-se, antes, de uma parte da pesquisa que temos desenvolvido sobre a religiosidade popular, o mito e a monarquia no reino visigodo católico de Toledo. Dessa forma, mais que um trabalho de objetivos certos e concludentes, propusemo-nos à elaboração de um "ensaio" de análise documental  simples, mas rigoroso, que busca ser mais um ponto de partida, um apoio para novas  reflexões sobre a Hispânia visigótica. Portanto, em muitas ocasiões deixamos, propositalmente, de adensar problemáticas para apenas sugeri-las; propor mais as questões que, de fato, perseguí-las. Assim, nossas pretensões são mais as de indicar caminhos que efetivamente percorrê-los. Esperamos tê-lo conseguido. 

   A partir do abandono oficial do arianismo por Recaredo (586-601), em fins do século VI, a fé católica transformou-se no fundamento ideológico da sociedade do reino visigodo. É clara a intenção estabilizadora das palavras do IIIº concílio de Toledo, de 589, quando diz que Deus incumbira a monarquia do "fardo" do reino em "proveito dos povos". Também elaborava a sua projeção: "a felicidade da futura bemaventurança". Para tanto, o projeto de ação sobre essa realidade passava pela "verdadeira fé", mediante os cuidados do rei. A unidade política assentava-se, pois, na unidade religiosa. De fato, enquanto ideologia, o cristianismo não se apresentava como um mero reflexo do que era vivido, mas como "um projeto de ação sobre ele"[1]. Tal foi a intenção de diversos concílios: o fortalecimento da monarquia e a estabilidade do reino. Ligava-se a sorte dos soberanos aos destinos dos súditos, entendendo-se o poder régio como uma incumbência divina. Estimulando essa correspondência entre os desígnios de Deus e a existência humana, a Igreja, de acordo com a tendência da época, tentaria relacionar o governo terrestre com as esferas celestiais. Caberia, pois, uma idealização de suas estruturas e existência, essencialmente na busca de suas finalidades: "a paz do reino". Assim, apesar de se organizar segundo seu momento histórico, a Igreja, através de sua idealização da monarquia, procuraria superá-lo, apresentando um conjunto de valores articulados e uma trajetória para concretizá-los, confundindo-se ai com a ideologia[2].

   Constituída naquela temporalidade, a monarquia visigoda de Toledo teria que buscar apoio numa temporalidade anterior e se projetar para o futuro. Para tanto, haveria uma recorrência ao mito das origens. "O medo do futuro faz com que as ideologias naturalmente busquem apoio nas forças de conservação"[3]. Mantinham-se, pois, estreitos laços com as antigas cosmologias e, paralelamente, buscava-se uma nova leitura delas. Em sua intenção estabilizadora da monarquia, a Igreja não estaria procurando entender a conversão de Recaredo como uma renovação, como um acontecimento fundador, como um novo princípio, "não com finalidades fabuladoras da pura reconstituição descritiva dos princípios, mas para uma recondução cósmica e humana no status nascens, a qual surge como um novo começar, depois de haver destruído tudo o que entrou em crise"? Para tanto, iria inseri-la em meio ao sagrado, revestindo-a de um caráter místico, sobrenatural, "seguindo os mecanismos típicos da mentalidade mágica"[4]. Aproximava-se, pois, daquelas práticas que pretendia combater. Inserindo a História em um ambiente escatológico, no qual o tempo corresponderia à "dilaceração e desmembramento do ser"[5], o cristianismo procurava construir garantias contra as angústias do momento presente, elaborando, por fim, um novo jogo de luzes em meio ao qual forneceria uma nova percepção de um antigo reflexo.

   Recaredo herdou elementos incorporados à concepção do poder real por Leovigildo (568/571-586), tais como influências ideológicas e inclusive cerimoniais. Discute-se, ainda, se elas provinham de uma herança tipicamente romana tardia ou de influências do Oriente bizantino, uma vez que a Roma oriental ainda mantinha províncias no sul peninsular. Segundo santo Isidoro de Sevilha (ca. 562-636), Leovigildo, seu pai, teria sido o primeiro a utilizar-se do trono e das vestes régias, deferenciando-se dos reis anteriores[6]. A estes elementos, incorporam-se novos conceitos sobre a realeza, com fortes conotações religiosas e morais. Era também o momento em que se estabelecia uma concepção senhorial da realeza, como podemos observar no cronista João de Bíclaro (século VI), bispo de Gerona, contemporâneo dos fatos, que narra a rebelião de um nobre de nome Argimundo que, derrotado, foi "açoitado, teve seu cabelo vergonhosamente cortado e, por fim, sua mão direita amputada, servindo como exemplo a todos na cidade de Toledo, passeando no lombo de um asno para o escárnio de todos cidadãos, ensinando aos súditos a não serem soberbos com seus senhores" (docuit famulos dominis non esse superbos)[7]. Como bem observa J. Orlandis, os súditos, incluindo os duques, são presentados abertamente como "servos" (famuli) de um monarca que é dominus, o senhor[8]

   Identificada com o poder da monarquia e com os privilégios dos potentiores, a Igreja acirrava o anti-semitismo, a luta contra as heresias e o anti-paganismo[9] do reino. Buscava, desta forma, valer-se de sua pré-existência em relação à monarquia católica visigoda, de uma temporalidade "anterior", como um apoio para projetar dimensões futuras. Presumia-se, a partir do abandono do arianismo, segundo a expressão de P. D. King, a constituição de uma societas fidelium Christi[10], com Recaredo sendo chamado de "sanctissimus"[11], mencionado como "o seguidor de Cristo Senhor"[12], ou ainda como "um novo Constantino"[13]. Não haveria aqui uma tentativa de se procurar ler a conversão de Recaredo como uma "atitude primordial", tentando atribuir-lhe um papel "heróico", no sentido dos mitos de fundação heróica e cultural, "que narram a origem dos bens culturais, materiais e espirituais...", fazendo "remontar a fundação não a uma figura autenticamente divina, mas ao ‘herói cultural' como protagonista mítico diferente das figuras divinas"?[14]


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