Inovação social e sustentabilidade

Enviado por Ladislau Dowbor


  1. Um pouco de realismo
  2. A economia do desperdício
  3. Os processos de decisão: rumos da racionalidade
  4. Bibliografia

Um pouco de realismo

Não há mais como negar, hoje, a amplitude dos desafios que enfrentamos. Um dos resultados indiretos das tecnologias da informação e da comunicação, aliadas à expansão das pesquisas em todos os níveis, é que emerge com clareza o tamanho dos impasses. Não se trata de discursos acadêmicos ou de empolamentos políticos. São dados, nus e crus, e já bastante confiáveis, sobre processos que nos atingem a todos. Gradualmente, aquela atitude de lermos no jornal as desgraças do mundo, e suspirar sobre coisas tristes mas distantes, vai sendo substituida pela compreensão de que trata de nós mesmos, dos nossos filhos, e que a responsabilidade é de cada um de nós. Uma amostra dos relatórios internacionais mais recentes deixa as coisas claras.

Mudança climática

O aquecimento global está na ordem do dia. Não há dúvidas que a mídia frequentemente se apropria das notícias científicas para um alarmismo mais centrado na venda da notícia e da publicidade do que própriamente para informar o cidadão. Mas indo diretamente à fonte, vemos no IV Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que "o aquecimento do sistema climático é inequívoco, como se tornou agora evidente a partir de observações do aumento das temperaturas médias globais do ar e dos oceanos, derretimento generalizado da neve e do gelo, e a elevação global do nível médio do mar".

Não é o caso aqui de entrar em detalhes técnicos. O aquecimento global, particularmente graças à ampla divulgação do filme Uma verdade inconveniente de Al Gore, tornou-se presente pela primeira vez para a massa da população razoavelmente informada. Os dados científicos saem aos poucos dos laboratórios, penetram entre os formadores de opinião, e sobem gradualmente para o nível de quem toma decisões nos governos e nas grandes empresas. Neste nível, gera-se gradualmente uma tensão entre os que tomaram consciência dos desafios, e os que se satisfazem com o chamado business as usual, expressão que entre nós pode ser traduzida com o popular empurrar com a barriga.

A conta do aquecimento global

A lentidão na mudança de comportamentos no nível das estruturas de poder tem seus custos. Nicholas Stern, que foi economista-chefe do Banco Mundial, e portanto é pouco propenso a extremismos ecológicos, foi encarregado pelo governo Blair de fazer as contas. As contas do Relatório Stern referem-se aos dados climáticos mais confiáveis, que ele utiliza para avaliar o impacto propriamente econômico: o que acontecerá, em termos de custos, ao se verificarem as projeções climáticas já razoavelmente seguras, calculando-se os impactos mais prováveis, sem desconhecer o grau inevitável de incerteza. Trata-se da primeira avaliação abrangente da "conta climática".

O Relatório está tendo um grande impacto mundial, pois veio justamente preencher esta grande necessidade, por parte de pessoas de bom-senso e não especializadas, de entender os pontos centrais da questão. A análise dos dados, segundo Stern, "leva a uma conclusão simples: os benefícios de uma ação forte e precoce ultrapassam consideravelmente os custos. As nossas ações nas próximas décadas poderiam criar riscos de ampla desarticulação da atividade econômica e social, mais tarde neste século e no próximo, numa escala semelhante à que está associada com as grandes guerras e a depressão econômica da primeira metade do século 20. E será dificil ou impossível reverter estas mudanças".

Os mecanismos de mercado são simplesmente insuficientes, pois em termos de mercado, sai mais barato gastar o petróleo que já está pronto no subsolo, queimar a cana no campo, encher as nossas cidades de carros. E os dois principais prejudicados do processo, a natureza e as próximas gerações, são interlocutores silenciosos. A visão sistêmica e de longo prazo se impõe, e isto implica mecanismos de decisão e de gestão que vão além do interesse microeconômico imediato. Neste ponto, Stern é direto nas suas afirmações: "A mudança climática apresenta um desafio único à ciência econômica: trata-se da maior e mais abrangente falência do mercado já vista". É uma declaração forte, que marca a evolução geral das opiniões sobre os nossos processos decisórios por parte de especialistas que pertencem ao próprio sistema, e não mais apenas de críticos externos.

Desigualdade de renda

Um outro eixo dramático de transformação está na realidade social que enfrentamos. A ONU realizou, dez anos após o "Social Summit" de Copenhague, um balanço da situação no planeta. A apresentação vai muito além do conceito de pobreza, envolvendo amplamente "indicadores não econômicos de desigualdade".

No plano da desigualdade econômica, o resultado é que "as análises dos padrões de desigualdade sugerem que a desigualdade de renda e consumo entre países se manteve relativamente estável durante os últimos 50 anos", o que em si é impressionante, dados os imensos avanços nos meios técnicos disponíveis neste período. Houve sem dúvida um avanço na situação da parte mais pobre da população. No entanto, "aprofundando a análise, a imagem que emerge não é tão positiva. Primeiro, a maior parte da melhoria na distribuição de renda no mundo pode ser explicada pelo rápido crescimento econômico da China e, em menor proporção, da India, com boa parte da mudança refletindo os ganhos dos segmentos mais pobres da sociedade às custas dos grupos de renda média nestes dois países. Segundo, a participação dos 10% mais ricos da população mundial aumentou de 51,6% para 53,4% do total da renda mundial. Terceiro, quando tiramos a China e a India da análise, os dados disponíveis mostram um aumento da desigualdade de renda devido ao efeito combinado de disparidades mais elevadas de renda dentro dos países e do efeito distributivo adverso do aumento mais rápido da população nos países mais pobres. Quarto, "gap" de renda entre os países mais ricos e os mais pobres aumentou nas décadas recentes".(Onu, Inequality... p. 44)

A desigualdade de renda interna dos países diminuiu durante os anos 1950, 1960 e 1970 na maior parte das economias desenvolvidas, em desenvolvimento e de planejamento central. Desde os anos 1980, no entanto, este declínio se tornou mais lento ou se estabilizou, e dentro de numerosos países a desigualdade esta crescendo de novo. É igualmente novo o crescimento da desigualdade em países desenvolvidos: "Um estudo da evolução da desigualdade econômica em nove países da OCDE confirma em geral a visão de que ocorreu um deslocamente significativo na distribuição de renda em todos os países analisados, com a posssível exceção do Canadá".(Onu, Inequality... p. 48)

A América Latina continua bem representada: "Uma característica que distingue o padrão de desigualdade interna na América Latina das outras regiões é a participação dos 10% das familias mais ricas na renda total."..."O fosso mais profundo situa-se no Brasil, onde a renda per capita dos 10% mais ricos da população é 32 vezes a dos 40% mais pobres. Os níveis mais baixos de desigualdade de renda na região podem ser encontrados no Uruguay e na Costa rica, países onde as respectivas rendas per capita dos 10% mais ricos são 8,8 e 12,6 vezes mais elevadas do que as dos 40% mais pobres".(Onu, Inequality...p. 50)

Onde progressos foram constatados, foi graças a programas de combate à pobreza: "No nível global um progresso considerável foi feito na redução da pobreza durante as últimas duas décadas, em grande parte como resultado de programas e políticas anti-pobreza mais focados"..."Os avanços feitos na China e na India contribuiram substancialmente para uma imagem positiva no nível global. Como estes dois países representam 38% da população mundial, a rápida expansão das suas economias levou a uma redução significativa do número de pessoas que vivem em pobreza absoluta no mundo; entre 1990 e 2000 este número baixou de 1,2 bilhão para 1,1 bilhão. Na China, a proporção de pessoas vivendo com menos de 2 dólares por dia caiu de 88% para 47% entre 1981 e 2001, e o número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia caiu de 634 milhões para 212 milhões. Na India, a proporção dos que vivem com menos de 2 dólares por dia baixou de 90% para 80%, e o número dos que vivem em extrema pobreza baixou de 382 para 359 milhões". (Onu, Inequality...p. 51) O impacto positivo principal, portanto, é claramente devido à China, e no conjunto, a imensidão do drama se mantém.

O nosso interesse principal aqui não está apenas nas cifras e nos respectivos dramas, mas no fato que elas representam claramente a necessidade de intervenções positivas, organizadas, para enfrentar a pobreza. E como a desigualdade constitui o principal problema hoje, ao lado da destruição do meio-ambiente, temos de concentrar esforços muito mas amplos na compreensão das políticas ativas de combate à pobreza e de resgate da sustentabilidade.


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