Informação para a cidadania e o desenvolvimento sustentável

Enviado por Ladislau Dowbor


  1. Resumo
  2. Introdução: informação e governança
  3. O dilúvio de informações
  4. A tecnologia mal assimilada
  5. A informação existe: trata-se de organizá-la

RESUMO:

Os meios de informação e de comunicação estão sendo revolucionados, e abrem perspectivas impressionantes para a racionalização das atividades econômicas e sociais. As mais diversas instituições, como IBGE, SEADE, IPEA, os ministérios, os hospitais, as empresas, as organizações da sociedade civil, todos produzem rios de informação. Temos portanto as tecnalogias e a informação de base, mas não se formaram ferramentas de conhecimento organizado para a ação cidadã. Entre compêndios de estatísticas, e o dilúvio de informações fragmentadas na mídia, continuamos essencialmente confusos. Trata-se de identificar instrumentos concretos de informação para a cidadania, a ser sistematizada segundo as necessidades de participação dos diversos atores sociais. Em termos práticos isto envolve a metodologia para a organização de um sistema integrado de informações municipais; uma atualização da metodologia das contas nacionais para incluir custos ambientais, investimento social e outros elementos não refletidos no sistema atual; o desenvolvimento de um programa de estímulo à mídia local (rádios e TVs comunitárias, universitárias etc.); a produção regular (anual ou bi-anual) de um balanço de qualidade de vida da população, permitindo inclusive ter um pulso sobre os efeitos dos grandes programas sociais; a introdução do ensino do próprio município nas escolas, para que uma nova geração aprenda a conhecer e a administrar os espaços onde vive, e assim por diante. De forma geral, o fato é que a informação organizada pode ser um poderoso racionalizador das atividades sociais, e um esforço grande neste sentido constitui provavelmente a melhor iniciativa que poderíamos tomar, em termos de custo-benefício, pois não se trata de abrir novos campos, mas de aproveitar melhor o que existe.

Introdução: informação e governança

Hazel Henderson nos traz um raciocínio interessante, partindo de um exemplo que nos é familiar: o engarrafamento de trânsito. Podemos deixar a mão invisível resolver o problema, ou seja, deixar que cada um se vire como puder. O resultado será provavelmente um engarrafamento maior segundo as soluções mais óbvias de alternativas de trânsito. Ou podemos fechar ruas e direcionar o trânsito através de um sistema de planejamento autoritário. Ou ainda, podemos deixar que cada um faça as suas opções, mas assegurar que no rádio haja um bom sistema de informação sobre como está o trânsito em cada região. Esta última opção, que Hazel chama de planejamento indicativo, deixa ao cidadão a iniciativa, mas assegura que ele possa fazer a melhor opção de maneira informada, e não às cegas.

A primeira opção gera o caos, e representa de maneira bastante fiel o sistema liberal, onde cada um busca maximizar as suas vantagens sem estar devidamtene informado sobre as iniciativas dos outros. Gera, por exemplo, o comportamento de manada na área financeira, onde uma variação de cotações faz com que todos os expeculadores corram na mesma direção, agravando os desequilíbrios dos quais tentam se proteger. A segunda opção, de planejamento centralizado, gera uma ordem onde a diversidade dos interesses dos protagonistas não é levada em conta, e onde o cidadão perde a iniciativa. Gera sisstemas burocráticos como os que vimos nos países do Leste Europeu, com muita ordem e pouca iniciativa.

O terceiro sistema parte da visão que o cidadão bem informado saberá tomar iniciativas que combinam o seu interesse específico com a lógica sistêmica do processo. Em outros termos, a informação adequada, e bem distribuida, constitui simultaneamente um instrumento de cidadania e de racionalidade do desenvolvimento social.

As sociedades modernas são demasiado complexas para serem ordenadas por um super-poder autoritário. E os instrumentos tecnológicos que manejamos são demasiado poderosos para que se possa generalizar a cultura do vale tudo: seja no uso da energia, ou na preservação da água, ou nas formas de cultivar um campo, é preciso que cada empresa, cada entidade publica, cada organização da sociedade civil tenha uma visão de conjunto do que está acontecendo.

O dilúvio de informações

Os sistemas existentes de informação não foram organizados para a participação cidadã. Em particular, são precários os sistemas de informação sobre os impactos sociais e ambientais das nossas atividades. O resultado é que nossos comportamentos se orientam em função da vantagem individual e do curto prazo, perdendo-se a função racionalizadora da informação sistêmica.

O problema resulta não da ausência da informação, mas de sua irracionalidade. Somos inundados de informações e de fotos sobre crimes horrendos que acontecem na cidade, passamos a nos trancar em casa, e compramos mais grades. Quando todos compram grades, a vantagem comparada é nula, e continuamos inseguros. As soluções, evidentemente, estão nas raízes do problema, nas periferias miseráveis, nas crianças que abandonam a escola, e outros processos sobre os quais continuamos dramaticamente mal informados. Precisamos de informação socialmente organizada que permita ação informada do cidadão, da empresa, do funcionário público, da organização da sociedade civil.

A prefeitura de Porto Alegre passou o seu cadastro de empresas que atuam na cidade, e que se registram para obter o alvará de funcionamento, para um mapeamento micro-regional. Com isto, fica-se sabendo onte estão os bares, as padarias, as farmácias, as indústrias químicas e assim por diante. Quando um cidadão quer abrir uma farmácia, por exemplo, em vez de registrar apenas, de forma burocrática, o pedido de autorização, permite-se ao candidato ver no mapa da cidade onde estão localizadas as farmácias existentes, quais regiões estão sobre-equipadas, e em que partes da cidade faltam farmácias. Gera-se assim uma distribuição adequada dos equipamentos, sem precisar elaborar planos autoritários sobre a rede de farmácias, e sem privar o cidadão da iniciativa, inclusive sobre a micro-localização final. A informação adequada e acessível constitui um poderoso racionalizador social. A informação sensacionalista, caótica e orientada apenas para atrair leitores ou tele-espectadores, gera pessoas desorientadas, inseguras e sem iniciativa.

As deficiências de informação, neste sentido, são calamitosas. Um país "descobre" que falta energia, e organiza-se de última hora um sistema de racionamento energético, como se o abastecimento e o consumo de energia não fossem previsíveis. Isto depois de décadas de incessante martelamente publicitário incitando-nos a comprar maiores geladeiras, aparelhos de ar condicionado e outras formas de maximização de consumo energético. Os Estados Unidos "descobrem" que estão chegando ao fim das suas reservas de petróleo, e se lançam em aventuras militares, quando todo o seu modelo foi organizado na promoção do uso perdulário da energia, inclusive como fator de "status" social. Os países produtores de petróleo contabilizam a venda dos seus recursos como se fosse produção, fator de aumento do Pib, quando na realidade estão vendendo hoje os recursos que faltarão às próximas gerações: a conta dos recursos naturais dilapidados não entra na contabilidade nacional. Os residentes de uma região não são informados sobre o uso de agrotóxicos que podem estar contaminando os lençóis freáticos, gerando doenças, reduzindo o valor dos seus imóveis: pelo contrário, os agrotóxicos só entrarão nos nossos sistemas de informação aumentando o Pib dos produtores. Praticamente nenhuma cidade tem um sistema integrado de informações que permita que os cidadãos exerçam efetivamente a sua cidadânia. Apenas alguns segmentos empresariais começaram a elaborar contas que permitam avaliar a responsabilidade social e ambiental. A articulação da informação entre entidades da sociedade civil são incipientes.

A informação é um recurso precioso, e um poderoso racionalizador das atividades sociais. Preciosa também é a nossa limitada capacidade de atenção, hoje inundada por gigantescas quantidades de lixo informativo que nos desorienta. Na ausência de informações articuladas para pemitir a ação cidadã informada, geramos pessoas passivas e angustiadas. A informação constitui um gigantesco recurso subutilizado.


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