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Direito de ação: da visão clássica à moderna (página 2)

Carlos Nazareno Pereira de Oliveira

II. 3 – ELEMENTOS DA AÇÃO

Pode-se dizer, sucintamente, que a ação dispõe de 02 (dois) elementos básicos, quais sejam o subjetivo e o objetivo.

Nesta órbita, as partes (autor e réu – pólo ativo e passivo) caracterizam-se como elementos subjetivos, ou seja, aqueles que participam da relação jurídica processual contraditória desenvolvida perante o juízo.

O elemento objetivo revela-se no pedido (objeto da demanda – art. 282, inciso IV, CPC) e na causa de pedir. Entende-se por pedido como tudo aquilo que é vindicado pelo autor no pleito jurisdicional, bifurcando-se em dois aspectos, o imediato (providência, o que o pólo ativo pretende imediatamente do Estado) e o mediato (bem jurídico que vem como conseqüência – material ou imaterial, quando se tratar de direitos). Já a causa de pedir configura-se como os fatos geradores do pedido e suas razões, assim como a descrição dos fundamentos e conseqüências jurídicas geradas pela lesão ao direito do autor e que dão embasamento ao pleito.

De tal sorte, com os elementos acima aduzidos consegue-se identificar uma ação.

II. 4 – CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES

Classificam-se as ações em 03 (três) tipos distintos, a saber: conhecimento, execução e cautelar.

Com efeito, a ação de conhecimento é aquela que visa fazer um acerto ou assegurar um direito que está controvertido. Quanto o autor levanta uma pugna que afirma lhe assistir razão e o réu discorda daquele posicionamento, cabe ao Estado, através da prestação jurisdicional, atuar no acerto daquela contraposição de vontades. Noutras palavras, demonstra-se como instrumento de atuação do direito material mediante exercício cognitivo no sentido de se descobrir a verdade processual, objetivando a prolação de uma sentença meritória para dar razão àquele que comprova tê-la.

Subdivide-se, a ação de conhecimento, em 05 (cinco) tipos distintos, quais sejam: declaratória, condenatória, constitutiva, executiva latu sensu e mandamental.

Neste espeque, a ação declaratória destina-se apenas a declarar a certeza da existência (positiva) ou inexistência (negativa) de uma relação jurídica específica (a exemplo de uma ação para declarar a inexistência de uma obrigação tributária) ou, ainda, da autenticidade ou falsidade de documentos. Seus efeitos retroagem no tempo (ex tunc).

Por outro lado, a ação condenatória, além de promover a declaração de um direito, visa condenar alguém a cumprir uma obrigação, seja de dar, fazer ou não fazer (exemplificando: cobrança de dívida).
Já a ação constitutiva exterioriza a busca, pelo autor, não só da declaração de seu direito violado, mas uma conseqüente modificação, criação ou extinção de uma relação jurídica, apresentando efeito ex nunc. Dentre seus exemplos práticos mais corriqueiros, podem ser citados: ação de divórcio, revisão de cláusulas contratuais, reconhecimento de paternidade, etc.

Cumpre salientar que alguns doutrinadores trazem à baila, ainda, dentro das ações de conhecimento, a executiva latu sensu, caracterizada pela atuação do Poder Judiciário para efetivar o cumprimento de determinado ato, em caráter auto-executivo (caso da ação de despejo) e, ainda, a ação mandamental, a qual, além de declarar um direito, para ser cumprida, implica numa ordem judicial que poderá ocasionar um crime de desobediência no caso de seu descumprimento.

Além da ação de conhecimento, como já mencionado acima, temos a ação executiva, a qual visa à satisfação de um crédito já definido, seja por uma sentença condenatória (título judicial), seja por um documento revestido, pela lei, de força executiva (título extrajudicial – exemplos: cheque, duplicata, nota promissória, etc.), recusado seu cumprimento pelo devedor.

Há, ainda, a ação cautelar (jurisdição imprópria, extensiva e, em regra, não satisfativa), cuja premissa é evitar que a demora de outra ação venha prejudicar a parte interessada, assegurando, portanto, o resultado útil de uma futura ação e que o autor não tenha um direito perecido com o tempo. Demonstra-se como instrumento de um outro pleito jurisdicional (a exemplo de uma ação cautelar de arresto ajuizada em desfavor do devedor que começa a se desfazer de seus bens para fins de obstar o direito do credor em ter seu crédito satisfeito em vindoura ação de cobrança).

Por fim, cabe ressaltar o caráter híbrido da ação monitória (art.1102a do CPC), onde o credor de determinada obrigação, munido de documento que demonstre a existência de uma dívida, mas que não tenha força executória (caso do cheque prescrito), pode ajuizar ação para vindicá-lo. Neste caso será determinado que o devedor pague o débito em 15 (quinze) dias ou ofereça embargos. Caso sejam estes oferecidos, transformar-se-á o pleito numa ação de conhecimento. Na hipótese de inexistência da interposição de embargos e inadimplemento do réu, surgirá, então, uma ação de execução. Em casos semelhantes, atente-se ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil. Coisa Julgada. Ação Monitória. Cheque prescrito. Documento Hábil à Instrução do Pedido. I. Decidido em acórdão anterior, que reformara sentença indeferitória da inicial, que a ação monitória era juridicamente possível, o provimento da remessa oficial quando do reexame, posteriormente, da decisão de mérito, para extinguir o processo por carência, implica em violação à coisa julgada. II. Ademais, a jurisprudência do STJ é assente em admitir como prova hábil à comprovação do crédito vindicado em ação monitória cheque emitido pelo réu cuja prescrição tornou-se impeditiva da sua cobrança pela via executiva. III. Recurso Especial conhecido e provido, para determinar a apreciação do mérito pelo Tribunal a quo, afastada a preliminar de carência da ação. (STJ – RESP 509829 – MG – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 10.05.2004 – p. 00289) Grifo aditado.

É essa, portanto, a classificação das ações.

II. 5 – DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

A sentença meritória de um processo de conhecimento só poderá ser proferida caso a ação possua 03 (três) requisitos basilares previstos no Código Buzaid. Havendo a obediência aos critérios básicos, terá o pleito obtido a possibilidade de ser julgado em termos meritórios. Do contrário, não haverá julgamento do mérito da questão e, como conseqüência lógica, o pedido formulado pelo autor não será apreciado.

Com efeito, as três condições para admissibilidade pelo Poder Judiciário são: interesse processual ou de agir, legitimidade das partes e possibilidade jurídica do pedido. Há quem entenda, doutrinariamente, que as condições da ação são parte integrante do mérito, malgrado haja quem advogue que as mesmas são uma situação intermediária entre os pressupostos processuais e o mérito da causa.

Ausentes quaisquer destes requisitos teremos, de ordinário, o indeferimento da petição inicial em decorrência de sua inépcia por carência de ação. Observe-se o disposto dos artigos 295, incisos I, II, III e parágrafo único e 267, inciso VI do Digesto Processual Civil, respectivamente:

Art. 295. A petição inicial será indeferida:
I - quando for inepta;
II - quando a parte for manifestamente ilegítima;
III - quando o autor carecer de interesse processual;
Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando:
I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
III - o pedido for juridicamente impossível;
Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:
I - quando o juiz indeferir a petição inicial;
VI - quando não ocorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

Portanto, a presença dos requisitos constitutivos a viabilizar o direito de ação deve ocorrer de forma cumulativa e a falta de qualquer um deles implicará na conseqüente resolução do processo sem julgamento de mérito. Observe-se, neste sentido, os seguintes julgados:

Brasil. 1° TACSP. Ilegitimidade Ad Causam. Ação anulatória de lançamento fiscal. Ajuizamento pelo locatário, objetivando impugnar lançamento do imposto predial e territorial urbano e taxa de serviços urbanos, coleta e remoção de lixo domiciliar e sinistros. Inadmissibilidade. Hipótese em que o autor não se enquadra como contribuinte ou responsável pela obrigação tributária. Ilegitimidade ativa reconhecida. Carência decretada ex officio. Recurso prejudicado." (1º TACSP – AP 0861231-3 – São Vicente – 8ª C. – Rel. Juiz Carlos Alberto Lopes – J. 10.03.2004) Grifo acrescido.
Brasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ação Popular. Pedido Liminar de Anulação de Concurso Público. Interesse Eminentemente Privado das Autoras. A ação popular não se confunde com mandado de segurança. Impossibilidade jurídica do pedido. Extinção do processo sem julgamento do mérito. (TJRJ – AC 12414/2001 – (2001.001.12414) – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Gustavo Kuhl Leite – J. 06.11.2001) Destaque aditado.
Brasil. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Mandado De Segurança. Adicional de Assiduidade. Preliminar de Carência de Ação. Acolhida. Fato Superveniente. Perda Do Interesse Processual. Extinção do Processo Sem Julgamento de Mérito. Unanimidade. A ocorrência de fato superveniente deve ser levada em conta pelo magistrado no momento do julgamento da causa, em face do princípio da economia processual. Restando demonstrada a satisfação do pleito da impetrante pela ocorrência de fato superveniente, verifica-se a ausência de interesse processual no feito, tornando-se desnecessária a tutela jurisdicional do estado. Preliminar de carência de ação acolhida, à unanimidade, a fim de declarar extinto o processo sem julgamento de mérito, com fulcro no art. 267, inciso VI do CPC. (TJES – MS 100030018558 – TP – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – J. 05.04.2004) JCPC.267 JCPC.267.VI Trecho destacado propositadamente.

É de bom alvitre salientar que as condições da ação encontram chancela no Princípio da Economia Processual, Inadmissibilidade das Demandas Inviáveis e Saneamento do Processo (objetivando impedir a realização da audiência de instrução e julgamento sem que haja certeza, ou probabilidade, de ser proferida decisão sobre o mérito). Entrementes, mesmo diante da ausência de uma condição da ação, haverá, indubitavelmente, atividade jurisdicional, pois além da prerrogativa de ter uma demanda julgada, qualquer indivíduo possui o direito a uma decisão sobre a possibilidade de ser decidido o próprio litígio.

II. 5.1 – DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Entende-se como possibilidade jurídica do pedido o fato de que ninguém poderá mover um pleito caso não requeira algo que esteja, em tese, previsto no arcabouço da ordem jurídica.
Ao citar Alfredo Buzaid e Arruda Alvim, o insigne doutrinador Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 50) diz que:

I – Pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte, consiste na prévia verificação que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do ordenamento jurídico.

Arremata ainda o mesmo autor (JUNIOR, 2003, p. 51/52):

Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1°, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2°, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência do direito material.
...
Essa distinção entre a impossibilidade jurídica do pedido imediato e a do pedido mediato foi, aliás, expressamente agasalhada pelo Código no art. 295, parágrafo único.
...
Observe-se, por fim, que da exata conceituação e distinção das figuras de indeferimento da inicial ora apreciadas decorrem efeitos profundamente distintos:
a) Na primeira hipótese (inciso II), o indeferimento importará apreciação do mérito da causa e, com a rejeição liminar do pedido, fará, desde logo, coisa julgada material, impedindo que o autor renove o processo (exemplo: cônjuge judicialmente separado que pretendesse exigir meação em bem adquirido pelo outro consorte após a dissolução da respectiva sociedade conjugal). Equivale a verdadeira declaração de improcedência do pedido.

b) Na hipótese, porém, do inciso III é que teremos a apreciação de uma verdadeira condição da ação, pois o que o juiz vai decidir é que o pedido de tutela jurisdicional é insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário, sem cogitar da sua procedência ou improcedência diante das regras substanciais da ordem jurídica. Não ocorrerá, por isso mesmo, coisa julgada material e não estará a parte impedida de voltar a propor a ação, depois de preenchido o requisito que lhe faltou na primeira oportunidade (exemplos: o promissário comprador que foi julgado carecedor de ação de adjudicação compulsória por ter entrado em juízo sem antes inscrever o título no Registro Imobiliário poderá depois de obter a inscrição, voltar a ajuizar a mesma ação que originalmente lhe fora negada. Da mesma forma, o devedor que teve indeferida sua petição de embargos por falta de penhora terá o direito de voltar a juízo, com a mesma pretensão, uma vez promovida a segurança do juízo executivo). Cogita-se, às vezes, de impossibilidade jurídica do pedido em situações de pretensão formulada contra regra explícita no direito material, como, por exemplo, quando o pai, na constância do pátrio poder, postule exoneração do dever de prestar alimentos aos filhos. O caso, porém, não é, tecnicamente, de pedido juridicamente impossível, mas de improcedência prima facie, capaz de autorizar, de plano, o indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 295, parágrafo único, inc. II.

Há quem entenda que se houver previsão da providência requerida, então sempre haverá possibilidade jurídica do pedido. Contudo, de outra sorte, parte da doutrina defende que se não existir vedação expressa quanto àquilo que se pede em juízo, ocorrerá, obviamente, a possibilidade jurídica do pedido.

Entrementes, deve-se fazer, por necessário, um liame diferencial entre as matérias de direito público e privado. Enquanto neste é suficiente a inexistência de vedação expressa no ordenamento jurídico quanto à petição trazida à justiça pelo autor, naquele só se tem permitido aquilo preconizado pela lei, não se possibilitando fazer pedido sobre o que a legislação não fizer qualquer referência. Dependendo da esfera do direito, pois, aplica-se cada uma das correntes mencionadas no parágrafo anterior.

Cabe trazer, neste momento, um clássico exemplo de impossibilidade jurídica do pedido tratado na doutrina, que é a inadmissibilidade da cobrança de dívida resultante de jogo em decorrência da proibição estatuída no ordenamento brasileiro.

II. 5.2 – DO INTERESSE PROCESSUAL OU INTERESSE DE AGIR

O interesse processual deverá demonstrar uma relação de necessidade, assim como de adequação consoante ao pleito vindicado, nos moldes do direito material colocado para ser dirimido pelo Poder Judiciário.
Diante disso, o interesse de agir se sustenta no binômio "necessidade / adequação do meio", isto é, quem o tem deve apresentar a necessidade de ir a juízo pedir uma solução, devendo fazê-lo através do meio adequado para tal.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2006, p. 436) entendem que:

Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. Verifica-se o interesse processual quando o direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado (v.g., pelo inadimplemento da prestação e resistência do réu à pretensão do autor). De outra parte, o autor movendo a ação errada ou utilizando-se do procedimento incorreto, o provimento jurisdicional não lhe será útil, razão pela qual a inadequação procedimental acarreta a inexistência de interesse processual.

Ainda sobre o tema ora abordado, diz Moacyr Amaral Santos (1993, p. 166) que "o interesse de agir é secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interesse ou necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão".

É de bom tom destacar que parte da doutrina prefere a substituição do termo "adequação" por "utilidade", ante a maior amplitude de abrangência do segundo vocábulo e, ainda, há quem entenda que o interesse de agir engloba as três expressões citadas.

Nasce o interesse de agir, portanto, da necessidade de tutela jurisdicional estatal, acionada pelo meio adequado, determinando, de ordinário, o resultado processual útil pretendido.

II. 5.3 – DA LEGITIMIDADE PARA A CAUSA

A legitimidade para a causa revela-se como a pertinência subjetiva da ação, isto é, a relevância de se verificar se os sujeitos postos no litígio são, abstratamente, os titulares dos interesses levados a conflito.
Com efeito, considerando a teoria do direito autônomo e abstrato, tem legitimidade para propor uma ação todo aquele que se diz, dentro de uma órbita plausível, o titular do direito que persegue.
Neste espeque, havendo a identidade entre a legitimação do direito material levantado à discussão em juízo e a titularidade do direito de ação, estar-se-á diante de uma legitimação ordinária. Moacyr Amaral Santos (1993, p. 167) entende que:

São legitimados para agir, ativa e passivamente, os titulares dos interesses em conflito; legitimação ativa terá o titular do interesse afirmado na pretensão; passiva terá o titular do interesse que se opõe ao afirmado na pretensão. Fala-se então em legitimação ordinária, porque a reclamada para a generalidade dos casos.

Por sua vez, configura-se como legitimação extraordinária as hipóteses em que a legislação autoriza terceiros virem a juízo, em nome próprio, na defesa dos direitos alheios. É o caso da substituição processual estatuída no artigo 6° do Código Buzaid.

Diante disso, a legitimidade, portanto, é uma atribuição específica para agir concretamente, conferida, em caráter exclusivo, pelo direito objetivo aos titulares da lide, podendo, às vezes, ser destinada a outras pessoas que não integram diretamente a relação jurídica afirmada em juízo.

II. 5.4 – DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO NA ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DA AÇÂO

Em consonância às exposições supramencionadas, demonstra-se como a mais acertada a moderna Teoria da Asserção no que tange à análise das condições da ação.

Como já afirmado alhures, a carência de ação não apresenta um liame direto com a existência do direito subjetivo aduzido pelo pólo ativo da demanda, nem com a provável inexistência dos pressupostos para constituição de válida relação processual.

Sob este prisma, o exame das condições da ação deverá ser realizado com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se o julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a o que resta aduzido em juízo. Tal raciocínio significa dizer que o órgão judicial, ao apreciar, por exemplo, a legitimidade das partes, deverá considerar tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que pelo autor restou afirmado. Assim, as condições devem ser avaliadas no momento em que se propõe a demanda, sem análise dos documentos e demais aspectos que a envolvem.

Atente-se a um exemplo prático. À luz da teoria abstrata, não se poderia resolver uma ação sem julgamento de mérito na hipótese em que uma sogra, dizendo-se esposa do marido de sua filha, vindicasse uma separação litigiosa. Neste caso, resta indubitavelmente necessária a análise dos documentos que instruem a inicial para se chegar a tal conclusão. Contudo, caso a mesma sogra, apresentando-se como tal, pleiteasse a separação de sua filha mediante ação competente interposta em desfavor de seu genro, deveria o juiz, portanto, numa simples leitura da peça introdutória e sem qualquer análise suplementar, indeferir, de plano, a exordial, resolvendo o feito sem apreciar o mérito.

Diante disso, deverá o magistrado admitir, pois, provisoriamente, a veracidade dos fatos trazidos à baila, deixando para a ocasião própria o juízo de mérito, ante os elementos de convicção ministrados na instrução processual enquanto análise dos meios probatórios produzidos.

Destaque-se o posicionamento da jurisprudência brasileira acerca da necessidade de aplicação da análise das condições da ação in statu assertionis:

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região. Condições da Ação. Ilegitimidade Passiva Ad Causam. Os requisitos para o exame do mérito – Tanto as ditas "condições da ação", quanto os pressupostos processuais – Devem ser analisados à luz das alegações abstratas lançadas na petição inicial. Isto porque no ordenamento jurídico pátrio, que adotou parcialmente a teoria de Tullio Liebmann sobre as condições da ação, estas constituem requisitos não para existência da ação, mas sim para possibilitar o julgamento do mérito, consoante se denota do art. 267 do Código de Processo Civil. Assim, basta que da análise abstrata dos fatos narrados na petição inicial se observe in statu assertiones as condições da ação, para que se viabilize o exame do mérito em sua plenitude. É a chamada "teoria da asserção" de que nos falam autores consagrados como José Carlos barbosa Moreira e kazuo watanabe. Desta forma, postulando o reclamante na petição inicial a responsabilidade solidária dos reclamados nos títulos do pedido, não resta dúvida que são partes legitimadas a figurar no pólo passivo da demanda. Se o reclamante obterá sucesso nas pretensões, por certo é matéria que diz respeito ao mérito. (TRT 9ª R. – Proc. 03281-2001-662-09-00-8 – (00926-2004) – Rel. Juiz Célio Horst Waldraff – DJPR 23.01.2004) Trecho destacado propositadamente.

Brasil. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Direito Tributário e Fiscal. Ação Ordinária Pretendendo Compensação de Precatório em Face de Débito Tributário. Indeferimento da Inicial, Por Impossibilidade Jurídica Do Pedido, Com Fulcro nos Artigos 295, Parágrafo Único, III, C/C 267, I, Ambos do Código de Processo Civil. Apelação. 1. Pedido de tutela antecipada no âmbito recursal. Possibilidade. Caso concreto, todavia, em que não estão presentes os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil. Relação jurídico-processual não angularizada. Não-concessão da antecipação. 2. Possibilidade, em tese, de outorga da tutela jurisdicional pleiteada pela autora. As condições da ação devem ser verificadas in status assertionis. Pedido e causa de pedir legalmente fundamentados, inclusive em precedentes jurisprudenciais desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Apelo provido. (TJRS – APC 70007419278 – 22ª C.Cív. – Rel. Des. Augusto Otávio Stern – J. 09.12.2003) JCPC.295 JCPC.295.PUN.III JCPC.267 JCPC.267.I JCPC.273 Grifado.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Rito Procedimental. Alteração (Ordinário X Sumaríssimo). Direito Intertemporal. Aplicabilidade Imediata. Para o sistema do isolamento dos atos processuais, adotado pelo nosso ordenamento jurídico, o processo é um todo único, mas composto de atos autônomos, que podem ser isolados, atingindo a Lei nova os atos ainda não praticados, respeitados aqueles findos e os seus efeitos. A imediata aplicabilidade da nova norma aos atos pendentes, não afronta nenhum direito da parte, porquanto as sentenças e os recursos devem obedecer à Lei do tempo em que forem proferidas – princípio processual tempus regit actum. A Lei a ser seguida é aquela vigente no momento em que se debate o direito no Judiciário.

Legitimidade de Parte. Aferição Segundo o Status Assertionis. Constatação no Mérito da Ausência de Direito Material. Decretação da Improcedência da Ação. Pela moderna teoria geral do processo, a aferição da legitimidade de parte, deve ser feita em abstrato, ou seja, segundo o que se afirmou em juízo – status assertionis. Tal conduta se adequa, com maior perfeição, à instrumentalidade da ação e do processo. Se, ao se analisar o mérito, concluir pela ausência do direito pleiteado, a decretação da improcedência é de rigor, porquanto obstar-se-á a repetição da propositura da ação. (TRT 15ª R. – RO 5.407/2000 – Rel. Juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva – DOESP 04.03.2002) Destaque aditado.
Brasil. Tribunal de Alçada do Paraná. Agravo de Instrumento. Ação de Indenização por Danos Morais e Patrimoniais. Preliminar de Ilegitimidade Passiva Ad Causam. Método da Asserção. Agravo Desprovido. 1. As condições da ação são aferidas in status assertionis, ou seja, segundo a assertiva da petição inicial, porquanto as condições da ação são conceituadas como requisitos para o exame do mérito da causa e não condições para a existência da ação e nem mesmo condições para o seu legítimo exercício. 2. Assim, relegando a defesa de mérito para cognição e apreciação final, após a devida instrução probatória, conquanto a matéria prescinde de prova cabal, na qual se constatará a existência ou não da situação substancial inserta na inicial. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TAPR – AI 0165577-6 – (13827) – 4ª G.Cív. – Rel. Fernando Wolff Bodziak – DJPR 27.04.2001) Grifo acrescido.

O processualista Alexandre Freitas Câmara (1998, p. 124/125), tratou, com maestria, do tema ora abordado, conforme transcrição a seguir:

Parece-nos que a razão está com a teoria da asserção. As condições da ação são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das "condições da ação" significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tem do direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo "carecedor de ação"? Ao afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores desta teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade, em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as "condições da ação" quem fizer jus a um pronunciamento jurisdicional favorável.

Parece-nos, assim, que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como fazemos. As "condições da ação", portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquerir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.

Assim, não restam questionamentos acerca de que as condições da ação devem ser analisadas à luz da Teoria da Asserção, isto é, de acordo com o estabelecido na peça primígena.

II. 5.5 – CRÍTICA MODERNA ÀS CONDIÇÔES DA AÇÂO

Por fim, importante citar um movimento moderno da doutrina que critica, veementemente, a existência das condições da ação na forma como resta predisposto no Diploma Processual Civil pátrio. Haveria, então, uma similitude entre estas questões preliminares, a exceção do interesse de agir no particular da necessidade, e o próprio mérito da causa.

Quanto à legitimidade para a causa, há quem entenda que tal requisito se aproxima demasiadamente dos aspectos meritórios a ponto de confundirem-se, notadamente tendo em vista que quem tem legitimação para propor uma ação é aquele que se diz titular do direito perseguido (teoria do direito autônomo e abstrato). De tal sorte, dizendo ser detentor de um determinado direito, jamais poderia ser considerada ilegítima a parte, devendo, por conseguinte, o magistrado adentrar naquele direito e, sendo o caso, não vislumbrando coerência material nas alegações, julgá-lo improcedente.

No que tange à possibilidade jurídica do pedido, advoga-se que, verdadeiramente, quis o legislador falar da possibilidade jurídica da causa de pedir, inexistindo, pois, no ordenamento jurídico brasileiro hodierno, um pedido juridicamente impossível.

Já no que pertine ao interesse de agir, a "adequação", integrante do binômio que o define, inexiste atualmente em virtude do Princípio da Fungibilidade dos Meios. Deveras, o magistrado tem a obrigação de usar a via mais rápida em detrimento da mais lenta, mesmo quando a parte venha a utilizar o caminho errado. Diante dessa conjuntura, o interesse de agir só vigora no aspecto da necessidade.

Desta forma, demonstra-se insofismavelmente relativizada a teoria da existência das condições da ação.

III – CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que:
a) O entendimento prevalecente na doutrina moderna considera a ação como um direito público, subjetivo, genérico, autônomo e abstrato, que todo indivíduo possui de ter um pronunciamento do Estado, o qual, diante de seu poder jurisdicional, deverá solucionar, imparcialmente, os conflitos de interesses trazidos à sua apreciação;
b) Dentre a evolução doutrinária das teorias da ação prevalece a Teoria da Asserção, defendida no ordenamento jurídico brasileiro hodierno por juristas renomados, a exemplo de Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Alexandre Freitas Câmara, devendo, portanto, as condições da ação serem aferidas na exata forma em que se encontram descritas na própria redação da petição inicial;
c) Caracterizam-se como elementos da ação: as partes (pólo ativo e passivo - subjetivo) e o libelo (pedido + causa de pedir – objetivo);
d) Classificam-se os pleitos jurisdicionais como ações de conhecimento (declaratória, condenatória, constitutiva, executiva latu sensu e mandamental), execução e cautelar, não olvidando da natureza híbrida das ações monitórias (conhecimento / execução);
e) Malgrado ainda prevaleça o entendimento da existência de 03 (três) condições da ação (legitimidade ad causam, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir), há quem defenda que só prevalece o interesse de agir, na vertente da "necessidade", o que se demonstra inteiramente plausível e, dependendo de seus fundamentos, merece ser acatado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de processo civil. Coordenação de Anne Joyce Angher. 3. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Luiz Flávio Gomes. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1. Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1998.
JÚNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 40. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. 1 v.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1993. 1 v.

 

Carlos Nazareno Pereira de Oliveira

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