Surgido um conflito de interesses, impossível de se solucionar em vias amigáveis, cabe ao Estado, quando acionado, resolver determinada querela existente entre dois ou mais indivíduos.
De tal sorte, resta consolidado a todos o direito de ter uma resolução imparcial, segura e harmônica de uma querela, nascendo, assim, um direito subjetivo a este pronunciamento do estatal.
Com efeito, provocado o Estado a dirimir determinado conflito de interesses, mediante uma ação, cabe ao mesmo, através do exercício jurisdicional que lhe é inerente, solucionar o impasse levantado através de procedimentos ordenados, visualizados através de um processo judicial.
Entrementes, como dito, a máquina do Poder Judiciário não poderá iniciar sua caminhada sem que um indivíduo a acione, através de um ato judicial introdutório (petição inicial). E, para que a peça inaugural não seja indeferida de plano, deverá, pois, preencher requisitos impostos pela lei que condicionam a sua existência.
Neste diapasão, visa o sucinto estudo tecer comentários acerca do direito constitucional de ação, demonstrando, especificamente, seus caracteres gerais, dando, ao final, ênfase às teorias e condições hábeis a viabilizar o uso de tal prerrogativa, desde os clássicos entendimentos até os modernos posicionamentos que, inclusive, relativizam preceitos há anos consolidados.
II.1 – CONCEITO DE AÇÃO
A Carta Política de 1988, em seu artigo 5°, inciso XXXV consagra o direito
de ação ao dizer que "a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito". É, pois, o princípio constitucional da inafastabilidade
da jurisdição.
Entende-se, destarte, que ação é o direito de exigir a
Jurisdição, obrigação do Estado, quando legitimamente
acionado, de atuar no sentido de dirimir ou chancelar situações
privadas.
Tanto para o autor como para o réu, a prestação jurisdicional surgida através da ação é o direito público (subjetivo, autônomo e abstrato) a um pronunciamento estatal que venha a solucionar um litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a insegurança gerada pela celeuma levada a juízo, pouco importando qual solução virá a ser dada pelo magistrado, o qual, necessariamente, precisa revestir-se de absoluta e irrestrita imparcialidade.
Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 45), ao citar Liebman, diz que "a
ação é, portanto, o direito subjetivo que consiste no poder
de produzir o evento a que está condicionado o efetivo exercício
da função jurisdicional".
O insigne jurista Moacyr Amaral Santos (1993, p. 163/164) entende o seguinte:
Ação é o direito de pedir ao Estado a prestação
de sua atividade jurisdicional num caso concreto. Assim, o direito de agir
se conexiona a um caso concreto, que se manifesta na pretensão, que
o autor formula e para a qual pede a tutela jurisdicional. O órgão
jurisdicional deverá, assim, proferir, afinal, uma decisão
sobre a pretensão formulada pelo autor, acolhendo-a ou não,
tutelando-a ou não. Será uma decisão sobre o mérito
da pretensão, de procedência ou improcedência do pedido
e, pois, da ação.
Mas uma decisão dessa natureza não a pode proferir o órgão
jurisdicional ao simples pedido do autor, isto é, tão logo
este formule sua pretensão. A ação, invocando a atividade
jurisdicional, suscita um processo, que se desenvolve numa série
de atos destinados a alcançar aquela decisão.
Logo, revela-se como um direito subjetivo e genérico, de ordem pública e abstrata (o que será visto detalhadamente a seguir), que tem qualquer indivíduo de solicitar do Estado a prestação jurisdicional. De tal sorte, vale enfocar que a ação provoca a jurisdição, que se realiza através do processo.
II. 1.1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE AÇÃO
Cabe fazer, neste momento, uma breve abordagem acerca da evolução do conceito de ação, mormente para se registrar o caminho trilhado pelos juristas ao longo da história do direito processual.
Inicialmente, entendia-se que a ação deveria ser vislumbrada sob a ótica eminentemente civilista, no sentido de correlacioná-la, diretamente, ao direito material da parte, o que vigorou desde o direito romano até o século pretérito. É, pois, a Teoria Imanentista, onde, noutras palavras, a ação era simplesmente algo imanente ao próprio direito da pessoa, o que implica dizer que não existiria a ação sem um direito, ou seja, ambos teriam a mesma essência.
Noutro norte, surgiu, em meados do século passado, a polêmica entre os romanistas Windscheid e Muther, donde se chegou à conclusão de que a ação não era o mesmo que o direito, isto é, seria inteiramente autônoma em relação ao direito material. Surgiram, daí, 02 (duas) correntes doutrinárias colimadas na autonomia.
Primeiramente, sob a defesa dos insignes Wach, Helwig e Chiovenda, emana o posicionamento da ação como direito autônomo e concreto. Tal assertiva, portanto, revela-se na Teoria Eclética (ou Concretista), abraçada, também, por Liebman, onde resta preconizado que a ação está condicionada à existência do direito material, exigindo assim do Estado um pronunciamento favorável ao direito substantivo perseguido. Neste diapasão, malgrado o direito de ação pertença ao direito processual (onde se guarda a autonomia), teria, contudo, relação direta com os preceitos materiais. Desta feita, o pedido do autor estaria condicionado ao preenchimento de determinados requisitos, denominados condições da ação.
Em contraposição à Teoria Eclética ou Concretista, encontra-se a Teoria da Asserção, onde a ação é vista como um direito autônomo e abstrato (Degenkolb e Alfredo Rocco), não dependendo, por conseguinte, da existência do direito material da parte que provoca a atuação do Poder Judiciário. Sob esta ótica, as condições da ação (item "II.5" do presente estudo) são aferidas consoante o alegado pelo autor na petição inicial, não podendo o magistrado adentrar com profundidade em sua análise, sob pena de exercer juízo meritório. È o que defende grande parcela dos juristas atuantes no ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo dos ilustres Kazuo Watanabe e Ada Pellegrini Grinover.
A ação é um direito público, eis que se refere a uma atividade pública, oficial e ínsita do Estado, em caráter improrrogável e inviolável.
Apresenta, ainda, caracteres subjetivo e genérico, pois envolve exigência de todo titular de direitos e obrigações deduzidas contra o Poder Público, visando o cumprimento do direito objetivo, não se limitando a casuísmos.
Demonstra-se, também, como direito autônomo, visto que pode ser exercitado sem sequer relacionar-se com a existência de um direito subjetivo material, isto é, apresenta completa independência da necessidade de lesão ao direito material. Com efeito, ocorrendo ou não a transgressão à ordem jurídica substantiva, prevalecerá o direito de ação, fato este que o torna, ainda, abstrato.
Destarte, este ato prefacial que dá início à prestação jurisdicional não fica vinculado ao resultado do processo, valendo-se como instrumento da busca da tutela jurídica. Assim, diante dessas alegações, tem a ação natureza jurídica de direito: público, subjetivo, genérico, autônomo e abstrato.
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