Alceu Amoroso Lima o "Tristão de Athayde" e a missão da universidade

Enviado por Raymundo de Lima


  1. Pessoa pública
  2. A universidade "humanista integral" ou um projeto para além do especialismo
  3. Os ossos do ofício de "ser professor"
  4. Finalmente...
  5. Referências bibliográficas

Alceu Amoroso Lima (1893-1983), também conhecido como "Tristão de Athayde", pseudônimo de escritor das crônicas que marcaram época nos jornais do Rio de Janeiro mais de meio século, também foi um dos pensadores da universidade brasileira. Na época em que o governo Lula se revela disposto a fazer as reformas que o país necessita, é necessário e urgente olharmos todos os ângulos de análise e discussão sobre a universidade.

Para Amoroso Lima a universidade é o mais importante lugar de transmissão e invenção de cultura da nação. O chamado espírito universitário – termo pouco usado hoje por ambos os materialistas, tanto o "neoliberal" como o "marxista" – tinha uma significação especial em sua concepção de filosofia pedagógica "humanista", "global" ou "integral" [sic!].

O espírito universitário, resumidamente, para o pensador católico é: 1) a crença na existência de uma hierarquia de valores que sustenta a filosofia, a sabedoria, a ciência, a técnica. A "espiritualidade" não é uma matéria que pode ser ensinada, mas um "modo de ser, de ensinar e de conviver" entre elas (1961, p. 38-9); 2), é a "unidade e transcendência" – logo, deve estar acima das demais, cuja função é fazer laço profundo dos diversos cursos e atividades do pensamento. Tal como a própria palavra "universidade" sugere "universo dos saberes", o  espírito universitário não deve se render à fragmentação desse todo em especialidades; 3) o "espírito universitário" é o que visa formar o ser humano em "pessoa integral", universal e dedicada à vida moral (p. 46). "A universidade [portanto] deve estar em sintonia com o espírito do mundo [que naquela época essencialmente era ainda visto como totalidade" (1944, p. 220).

Pessoa pública

Como pessoa, Alceu já no início de sua carreira, soube superar três frustrações em concursos para o magistério, que, depois não somente veio a ser reconhecido como um excelente professor universitário, como também chegou aos mais alto posto da instituição de reitor da mais importante universidade do país. Também foi membro dos Conselhos Nacional e Federal de Educação, de 1935 a 1969, escritor de renome nacional, e editor de livros. Nos anos 30, "foi um dos principais líderes católicos no embate com os chamados pioneiros da educação nova" (Cauvilla, W. 2000: 12). E se imortalizou como membro da Academia Brasileira de Letras.

Sua trajetória política é surpreendente. Foi da "direita" católica e "conservadora", nos anos 30, para a "esquerda", também chamada de "progressista", nos anos 60. O escritor Nelson Rodrigues, tido como um homem avesso à esquerda marxista brasileira,  sempre expressou em suas crônicas sua admiração ao "doutor Alceu", que no tempo da ditadura militar passou a ser visto como um "homem de esquerda".

Alceu foi marcadamente influenciado pelas filosofias de J. Maritain (humanismo integral), E. Mounier (Personalismo), Ortega y Gasset (Perspectivismo ?), entre outros, e, sobretudo, pela filosofia cristã. Também recebeu influência dos pensadores considerados de esquerda. Seus comentadores e estudiosos de sua obra o consideram  um democrata, um defensor da liberdade e um crítico ferrenho do totalitarismo, seja este de direita ou de esquerda. Apesar da mudança gradativa de seu posicionamento político, é no sentido de sua aversão ao totalitarismo que deve ser reconhecida sua coerência de homem público.

A universidade "humanista integral" ou um projeto para além do especialismo

Como filósofo da educação, sua perspectiva era humanista e otimista, pois acreditava na transformação da sociedade a partir de uma educação integral da pessoa humana. O fim último da educação haveria de elevar o indivíduo a ser uma pessoa, termo que toma emprestado do cristianismo. Ou seja, a categoria 'indivíduo' define-se como o que é comum ao homem, ao animal, a planta, ao micróbio, enfim, a qualquer ser vivo. A categoria cristã 'pessoa' indica a substância que possui algo do divino, que tem espírito e é moralmente moldado para ações elevadas. Portanto, segundo Alceu, a educação deveria ter uma função de ascese, ou seja, elevar o espírito humano ao que melhor este possa ser desenvolvido: a sabedoria. A educação – ou formação profissional – que faz a pessoa ser apenas uma expert em conhecimentos [científicos] seria uma formação insuficiente e até mesmo anti-humanista. A educação deveria ser "integral" , ou seja, deveria promover a alma humana ao grau mais elevado de cultura, de civilização e sabedoria conquistada pela humanidade.

É na universidade onde se conserva a tradição do conhecimento. Mas também é nesse espaço onde o conhecimento precisa estar aberto às renovações, através dos empreendimentos de pesquisas, da aplicação e teste junto à realidade, e das ações diversas no campo das idéias, sempre no sentido de melhorar a humanidade. A universidade é, sobretudo, a instituição comprometida com a Verdade - com a busca da verdade ou com o desmascaramento da mentira. Amoroso Lima inspirando-se no tomismo e no aristotelismo acreditava que "a verdade é sempre uma "proporção entre extremos" (sic).

Desde os embates entre católicos e liberais por uma educação nova, nos anos 30, o católico Alceu Amoroso Lima, concebia a universidade enfrentando um duplo desafio: formar pessoas bem preparadas em cultura geral (pessoas cultas, porém não necessariamente eruditas, isto é, não enciclopédicas, não diletantes ou de saber superficial) e, também, especializadas em algum ramo do conhecimento científico. Acreditava que a pessoa formada nos fundamentos da cultura geral estaria afastada da "tentação do antropocentrismo inumano" e do "super-humanismo" (,1961: 171), também estaria evitando se render ao vício da especialidade, cujo pecado é levar o profissional a ser um sujeito fragmentado (ou alienado) em ver a totalidade das coisas.

Mas, Alceu "observa que [em nosso tempo] nenhuma cultura geral verdadeira é possível sem a especialização". A universidade precisa ser ao mesmo tempo, a "síntese cultural" e a "análise científica" dos objetos de investigação. "A Universidade deve se alimentar do espírito que alimentou o seu nascimento, no séc.13: educar para a vida e ter um sentido mais internacional [universalizante] que nacional (1961: 46). Seu compromisso é promover a humanização integral entre pessoas, também entre as classes e povos" (1961: 220)[grifo nosso].


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