Em julho de 2003 o Instituto de Investigación para la Justicia Argentina com o apoio da Corte Suprema de Justiça da Costa Rica e patrocínio da International Development Research Centre do Canadá reuniu em Heredia na Costa Rica representantes de diversos países da América Latina para discutir o tema "Sistema Judicial e Internet" com fulcro de analisar as vantagens e dificuldades dos sites dos poderes judiciais na rede, os programas de transparência e a proteção dos dados pessoais.
Nesta reunião, que contou com a participação de diversos ministros e magistrados de Cortes superiores de vários países da América do Sul e Central, foram desenvolvidas diversas teses e exposições que culminaram na formulação do mais importante documento já elaborado sobre a difusão de informação judicial em Internet estabelecendo-se regras mínimas a serem adotadas pelos orgãos responsáveis por esta divulgação.
Referidas regras tem o fulcro de servir como modelo a ser adotado pelos tribunais e instituições responsáveis pela difusão de jurisprudência de todos os países da América Latina. Suas premissas auxiliarão os tribunais no trato de dados veiculados em sentenças e despachos judiciais em internet sem que haja prejuízos a transparência de suas decisões.
Como palestrante do evento e um dos elaboradores das regras juntamente com os demais fomos autorizados a propalar a Carta de Heredia no Brasil entendendo ser extremamente útil para evolução das relações estabelecidas pela informática e sistema judicial o debate e a utilização destas regras para o aprimoramento da Justiça eletrônica que deve ser corretamente usufruída sob pena de causar sérios prejuízos aos juridicionados.
Segue abaixo a Carta de Heredia com alguns comentários de nossa autoria:
[Finalidade]
Regra 1. A finalidade da difusão em Internet das sentenças,
e despachos judiciais será:1
(a) O conhecimento da informação jurisprudencial e a garantia
da igualdade diante da lei;
(b) Para procurar alcançar a transparência da administração
da justiça.
Comentário: A regra acima deixa clara a necessidade permanência da publicidade e transparência das decisões judiciais estabelecidas pelas legislações da grande maioria dos Estados latino americanos. No Brasil o artigo 5º.da Constituição Federal de 1988 estatui regra específica quanto à propagação de seus atos assegurando que:
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;
Regra 2. A finalidade da difusão em Internet da informação processual será garantir o imediato acesso das partes, ou dos que tenham interesse legítimo na causa, a seus andamentos, citações ou notificações.
Comentário: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dá ênfase ao princípio da publicidade dos atos judiciais quando diz que:
Art. 5º - .XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos
públicos informações do seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível
à segurança da sociedade e do Estado (grifado);
Verifica-se que a publicidade das informações processuais em Internet tem uma serventia sem precedentes para todos aqueles que fazem parte do contexto
jurídico. Para advogados as informações são necessárias
para fundamentação de petições com jurisprudência
dos tribunais, consulta de processos sem que haja necessidade de dirigir-se
a vara, opção pelo peticionamento eletrônico, informações
institucionais que permitem saber quem são os julgadores dentre outras.
Para as partes que, independentemente de qualquer ajuda, podem consultar seus
processos para saber o andamento ou tirar dúvidas, e para o judiciário,
que expõe de uma forma clara e transparente o teor de suas decisões
e de seu próprio trabalho institucional.
[Direito de oposição do interessado]
Regra 3. Será reconhecido ao interessado o direito de opor-se, mediante petição prévia e sem gastos, em qualquer momento e por razões legítimas próprias de sua situação particular, a que os dados que lhe sejam concernentes sejam objeto de difusão, salvo quando a legislação nacional disponha de modo diverso. Em caso de decidir-se, de ofício ou a requerimento da parte, que dados de pessoas físicas ou jurídicas estejam ilegitimamente sendo difundidos, deverá ser efetuada a exclusão ou retificação correspondente.
Comentário: O tratamento de dados pessoais deve ser feito de forma segura respeitando os direitos a intimidade e privacidade do cidadão. No Brasil ainda não temos leis de proteção de dados e por isso devemos nos utilizar, por enquanto, de mecanismos constitucionais para viabilizar a proteção desses direitos. Como por exemplo, o instituto do habeas data assegurado no artigo 5º. Inciso LXII que permite ao indivíduo mecanismo:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à
pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo
por processo sigiloso, judicial ou administrativo;
Além disso a Carta Magna também assegura o direito de petição
a todos os que dele necessitam para defesa de seus direitos:
Art. 5 XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento
de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa
de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
[Adequação ao fim]
Regra 4. Em cada caso os motores de busca se ajustarão ao alcance e finalidades com que se difunde a informação judicial.2
Comentário: Através das palestras realizadas no Seminário e de nossa própria exposição entendemos que a busca livre realizada nos sites de tribunais apesar de trazer uma publicidade profunda dos processos e julgamentos acaba também trazendo sérios prejuízos a intimidade e privacidade aqueles que procuram as cortes judiciais. Na oportunidade demonstramos um desses prejuízos ocorridos na Justiça do Trabalho brasileira justamente na hora da admissão do empregado na empresa o empregador se valia da pesquisa livre disposta no site do tribunal do trabalho para vetar o acesso ao emprego entendendo que, o empregado já tivesse ajuizado ação na justiça do trabalho não poderia fazer parte de seu quadro de empregados por já estar "viciado".
Por isso a necessidade da adequação dos motores de busca vedando em alguns casos os tipos de busca que trazem prejuízo a intimidade e privacidade do cidadão e, em outros, resguardando o anonimato dos litigantes.
[Equilíbrio entre transparência e privacidade]
Regra 5. Prevalecem os direitos de privacidade e intimidade, quando tratados dados pessoais que se refiram a crianças, adolescentes (menores) ou incapazes; ou assuntos familiares; ou que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a participação em sindicatos; assim como o tratamento dos dados relativos à saúde ou à sexualidade; 3 ou vítimas de violência sexual ou doméstica; ou quando se trate de dados sensíveis ou de publicação restrita segundo cada legislação nacional aplicável4 ou tenham sido considerados na jurisprudência emanada dos órgãos encarregados da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais.5
Neste caso se considera conveniente que os dados pessoais das partes, coadjuvantes, aderentes, terceiros e testemunhas intervenientes sejam suprimidos, anonimizados ou inicializados 6 , salvo se o interessado expressamente o solicite e seja pertinente de acordo com a legislação.
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