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Também precedendo a uma Revolução, a obra de LENIN - "Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo" denuncia, em um de seus capítulos (o VI), a partilha do Mundo entre as grandes Potências: Inglaterra, Rússia, França, Alemanha, Estados Unidos e Japão.
Dele excertamos os seguintes tópicos, que julgamos bastante elucidativos:
"O capital financeiro é um fator, poderíamos dizer, tão poderoso, tão decisivo, em todas as relações econômicas e internacionais, que é capaz de subordinar, e subordina, efetivamente, até mesmo Estados que gozam de uma completa independência política."
"O que caracteriza particularmente o capitalismo atual é o domínio dos grupos monopolistas constituídos por grandes empresários. Estes monopólios tornam-se sólidos sobretudo quando reúnem apenas em suas mãos todas as fontes de matérias-primas e nós vimos com que ardor os grupos monopolistas internacionais dirigem os seus esforços no sentido de arrancarem ao adversário toda a possibilidade de concorrência, de se apoderarem, por exemplo,das jazidas de ferro ou de petróleo,etc."
"O capital financeiro não se interessa apenas pelas fontes de matérias primas conhecidas. Ele se interessa igualmente pelas fontes possíveis; com efeito, nos nossos dias, a técnica desenvolve-se com uma rapidez incrível e os territórios hoje inutilizados, podem amanhã tornar-se utilizáveis graças a novos processos..,e graças ao investimento de capitais importantes."
"Nesta partilha do Mundo, nesta ardente corrida aos territórios e aos grandes mercados da Terra, a importância relativa dos Impérios fundados neste Século- século XX- não está de modo algum em proporção com o lugar que as nações que os fundaram ocupam na Europa. As potências que preponderam na Europa, que presidem aos seus destinos, não são preponderantes de igual modo no Mundo. E como a grandeza colonial, promessa de riquezas ainda não avaliadas se repercutirá, evidentemente, sobre a importância relativa dos Estados europeus, a questão colonial, ou preferindo-se, o imperialismo, modificou já e modificará cada vez mais as condições políticas da própria Europa."
Hoje, enquanto apenas 12% (doze por cento) da população mundial, pertencente aos chamados Países ricos (os sete grandes, em oposição aos cento e sessenta e poucos remediados, pobres ou paupérrimos), detém os 2/3 (dois terços) da renda mundial, toda a população restante sobrevive, em sua maior parte, em condições miseráveis que têm tornado o mito da soberania uma das maiores ficções jurídicas atuais.
Exatamente por essa razão, quando vemos as empresas todas a serviço desses países ricos, controladas em sua maioria pelos Estados Unidos, comandando quase que integralmente a política estatal dos subdesenvolvidos, que cada vez mais abdicam de sua autonomia ao se endividarem, pela opção de um modelo econômico de impossível auto-sustentação e desenvolvido com tecnologia estrangeira adquirida a peso de ouro, quando vemos, dizíamos, que essas empresas estrangeiras têm, de certa forma, nas mãos de seus dirigentes, o controle do poder a nível mundial, nos damos conta da urgente necessidade de meditar a respeito.
A nobreza foi substituída, a nível mundial, pelos grandes capitalistas, industriais e chefes das poderosas multinacionais, enquanto que o clero cedeu seu lugar aos adoradores de uma nova divindade: a tecnologia, assim entendida a aplicação de conhecimentos científicos para o lucro e pelo lucro, sem qualquer consideração superior tocante ao bem estar social, à moral ou à decência.
Se para SIEYÉS o problema se identificava com a nobreza e o clero, que exploravam o povo, verdadeiro gerador da riqueza e a quem deveria pertencer o poder, forçoso é reconhecer que hoje, sob um enfoque mundial, esse mesmo povo se encontra cada vez mais em uma situação heterônoma, isto é, subordinado a uma ordem de cuja elaboração não participou. No entanto, sob um enfoque puramente axiológico, acreditamos não exigir prova a assertiva de que a vida de um pobre vale tanto quanto a de um rico, o que leva à conclusão, forçosa, de que o Poder, no plano mundial, para ser democrático, deveria caber à maioria, e de que a exploração dos Países do Terceiro Mundo, decorrente da divisão internacional do trabalho, é tão ou mais odiosa do que aquela da Monarquia absolutista francesa.
"Nós não examinaremos, absolutamente, diz SIEYÉS, o estado de escravidão no qual o povo tem gemido durante tanto tempo, nem este de violência e de humilhação no qual ele ainda se encontra."
Quase duzentos anos depois, vitoriosa a Revolução Francesa, editadas as Declarações de Direitos, todas unanimemente reconhecendo a dignidade humana e o direito a uma existência condigna, capaz de possibilitar o aperfeiçoamento em todos seus aspectos, persiste o estado de escravidão, não mais apenas interno, mas também financiado internacionalmente e orquestrado de acordo com os grandes interesses e os grandes esquemas de poder estruturados a nível mundial.
A luta pelo poder tem levado ao vilipêndio do "Terceiro Estado", que hoje identificamos com os pobres, desde as atrocidades de HITLER e MUSSOLINI até as Guerras Modernas, com a destruição de cidades inteiras – Hiroshima e Nagasaki- e povos, como na Coréia, no Vietnam, no Oriente Médio, no Líbano...
Se nesses duzentos anos a Humanidade, da qual já se disse que, embora ainda não tenha aprendido a se governar, já aprendeu como se destruir, tivesse entendido a mensagem de SIEYÉS e dos revolucionários franceses, que pretendiam inaugurar uma nova era, com a abolição da odiosa Monarquia Absolutista, segundo o lema "liberté, egalité, fraternité", não teríamos cometido tantas atrocidades e o mesmo povo, não o francês, mas o de todas as nacionalidades, teria finalmente atingido aquele ideal: o de resolver o que fazer de seu destino e o de não se suicidar por decisões alheias.
O esquema mundial de Poder, para CELSO LAFER e FELIX PEÑA- "Argentina e Brasil no Sistema das Relações Internacionais"-, com a atenuação do conflito nuclear e a aceleração das mudanças tecnológicas, que levaram à multipolaridade do Poder e à neutralidade ideológica, levou à destruição das barreiras nacionais e a uma nova divisão internacional do trabalho, patrocinada pelo condomínio oligárquico das grandes potências.
Conseqüentemente, os povos são hoje avaliados como "mercados" (para produtos, capitais, capacidade financeira, empresarial e tecnológica) e, como tal, objeto de acordos e tratados de cooperação e integração que nem sempre - ou quase nunca- consultam aos reais interesses do Povo, exatamente porque as decisões não cabem a representantes desse povo, mas aos condomínios de poder mancomunados com os interesses do condomínio oligárquico que rege o Mundo.
Se isso não fosse verdade, como explicaríamos a atual Guerra no Oriente Médio? Como poderíamos explicar, aliás, todas as guerras modernas, que perderam aqueles resquícios de justificativas patrióticas e são, claramente, de inspiração mercenária, com os diversos Estados dispostos a se alinharem ao lado daqueles que oferecerem as maiores vantagens ? A luta pelo controle da Região petrolífera, patrocinada de longe pelo Bloco Capitalista e pelo Socialista, somente serve para empobrecer, violentar e matar o povo desse "Terceiro Mundo".
A atual crise financeira internacional desnudou ainda mais o problema, haja vista que o endividamento excessivo de diversos Países do Terceiro Mundo, processado nos últimos anos, em geral através de decisões autocráticas, impostas pelos governos desses Países, levou a graves crises internas, com inflação galopante, recessão e desemprego, agravando ainda mais o quadro já crônico de miséria, de injustiça social, de criminalidade, de insegurança.
Como conseqüência, criou-se uma confrontação aberta entre Países credores e Países devedores, que levou à declaração conjunta de quatro Presidentes latino-americanos (Argentina, Brasil, Colômbia e México), feita há dois meses, na qual salientam suas dificuldades financeiras e a impossibilidade de pagarem suas dívidas e assinalam que não aceitam serem lançados a uma situação de insolvência forçada e de contínuo estancamento econômico. Desejam esses Países prazos de amortização e períodos de carência adequados, bem como a redução das taxas de juros.
O impasse está criado. O Mundo é governado pelas grandes Potências, que controlam o Sistema Financeiro Internacional, mas esse esquema de Poder levou a uma crise sem precedentes e está sendo, agora, contestado e atacado, embora nenhum desses Países tenha ousado, ainda, declarar a guerra ao sistema financeiro internacional. É o Terceiro Estado reagindo contra os abusos do clero e da nobreza, contra a exploração e as atrocidades da Monarquia Absolutista.
Somente a América Latina "deve" US$333 bilhões (dados de 31 de dezembro de 1.983) aos Países exportadores de capital, a juros flutuantes, decididos unilateralmente pelos mesmos Países !!! Para pagar somente os juros e isso mesmo se não houver qualquer elevação extraordinária, a América Latina precisará de metade de toda a sua receita de exportação, obtida, aliás, em condições adversas, com o preço internacional das mercadorias de sua pauta de exportações manobrado de acordo com os grandes esquemas de Poder.
O resultado desse quadro é por demais evidente, no Terceiro Mundo: a miséria, o desemprego, a desnutrição, as endemias, a marginalidade, a criminalidade, a prostituição, os tóxicos, o lenocínio, o jogo, a corrupção de governantes e de governados, incapazes todos de democraticamente decidirem os destinos de seus próprios Países. Os serviços básicos para o bem estar social são abandonados e as crises se sucedem.
No Brasil, assistimos agora à crise do Sistema Financeiro da Habitação, com a constatação de que o trabalhador brasileiro não terá condições de adquirir uma habitação condigna; assistimos à crise da Previdência Social, que os jornais noticiam deficitária, de tal maneira que, a partir de outubro, não mais terá verbas para fazer face aos seus compromissos; assistimos à crise do ensino, com uma greve de três meses das universidades autárquicas, também carentes de verbas para sua mais simples e elementar manutenção, evidenciada a intenção do governo de implantar o ensino pago.
Que será do povo sem casa, sem pensão e aposentadoria ou assistência médica, sem educação, sem profissão, sem emprego, sem trabalho?
Que será do País sem Universidade, geradora de tecnologia, exatamente a tecnologia capaz de possibilitar o rompimento do círculo vicioso do endividamento externo e da dependência internacional ?
Aos Países desenvolvidos interessa manter os subdesenvolvidos como exportadores de matérias primas e produtos agrícolas, a preços convenientes para o sistema internacional, e como importadores de capitais, de tecnologia e mercados para a atuação das organizações multinacionais.
Mas ao povo, interessa essa situação? Ao Terceiro Mundo, interessa continuar sendo explorado pelos Países ricos, em troca de um alinhamento que lhe possa garantir a "segurança" ?
Dizia SIEYÉS, no seu panfleto:
"O Terceiro Estado não tem tido, até o presente, verdadeiros representantes nos Estados Gerais. Assim, seus direitos políticos são nulos."
Será que não poderíamos afirmar, também, que o Terceiro Mundo não tem tido, até o presente, verdadeiros representantes nos organismos internacionais ? Ou será que o centro das decisões mundiais não se encontra nesses organismos?
O de que podemos ter certeza, a nosso ver, é que os direitos políticos do povo, a nível internacional, são hoje em dia nulos, porque as grandes decisões são tomadas sem levar em consideração os interesses populares. Apenas a título de ilustração, desejamos citar, neste ponto, o caso da instalação dos mísseis americanos na Europa, apesar de todas as manifestações contrárias dos povos locais.
Podemos responder, assim, parodiando SIEYÉS: O que tem sido o Terceiro Mundo até o presente ? Nada.
No Capítulo III de sua obra, sob o título "Que pede o terceiro estado? Tornar-se algo", SIEYÉS alinha as reivindicações do terceiro estado, pertinentes à igualdade de representação nos estados gerais e mostra a necessidade de que os representantes do terceiro estado estejam imunes à influência da nobreza, que tudo pode, distribuindo lugares, empregos, benefícios:
"entre nós, a classe mais hábil do terceiro estado tem sido forçada, para obter o necessário, a se devotar à vontade dos homens poderosos. Essa parte da nação passou a formar como que uma grande antecâmara, na qual, sempre ocupada com o que dizem ou fazem seus mestres, está sempre pronta a tudo sacrificar aos frutos prometidos da felicidade de obedecer. Vendo semelhantes costumes, como acreditar que as qualidades mais indicadas à defesa do interesse nacional não foram prostituídas pelos preconceitos ? 0s defensores mais ferrenhos da aristocracia estarão na ordem do terceiro estado e entre os homens que, nascidos com muito espírito e pouca alma, são tão ávidos do poder e das carícias dos grandes quanto incapazes de sentir o valor da liberdade..."
Seria o caso, hoje, no plano internacional, das "elites" que nos diversos Países do Terceiro Mundo têm atuado mancomunadas com os interesses do capitalismo internacional (ou do comunismo internacional), das multinacionais e dos países ricos, detentores da tecnologia e interessados em manterem a exploração dos países pobres, porque a nosso ver, hoje em dia, o conflito Norte-Sul superou em muito, na realidade, a importância do conflito Leste - Oeste, que vem sendo artificialmente mantido e incrementado, levando mesmo à união de "capitalistas" e "socialistas" em torno de seus interesses comuns, esquecidas as (pretensas) divergências ideológicas.
Trata-se da luta pelo Poder, em escala mundial, que não difere substancialmente da mesma luta que se trava no plano interno.
Se para os revolucionários franceses, as reivindicações eram:
1. que os representantes do terceiro estado sejam escolhidos apenas entre cidadãos que verdadeiramente pertencem ao terceiro estado;
2. que seus deputados sejam em número igual àqueles das duas ordens privilegiadas;
3. que os estados gerais votem não por ordens, mas por cabeças, para o Terceiro Mundo, as reivindicações cabíveis, neste momento, seriam:
a)que os representantes do terceiro mundo sejam escolhidos dentre cidadãos não comprometidos com os interesses das multinacionais ou de governos estrangeiros;
b) que haja uma distribuição de delegados, a nível mundial, que possa dar ao terceiro mundo uma verdadeira representatividade;
c) que na contagem dos votos, as populações dos diversos países representados estejam devidamente computadas, de modo a que se implante, no sistema internacional, uma verdadeira democracia, do maior número, ao invés da democracia do maior poder ou daqueles que têm mais capital. E acrescentaríamos:
d) que as decisões desse organismo internacional, no qual o terceiro mundo tenha sua representação, sejam realmente observadas, de modo que o Mundo possa ser gerido de modo mais democrático, ao invés das vigentes vias de decisão, tão multiformes e quase que secretas, mas sempre tendentes à manutenção do absolutismo oligárquico.
Seriam razoáveis tais reivindicações do terceiro mundo?
Afinal de contas, cento e noventa e cinco anos após a Revolução Francesa e depois de todos os movimentos liberais, hoje é quase um lugar comum em todas as Constituições a afirmativa referente à existência de um regime democrático, como na Constituição Federal Brasileira de 1.967, art. 19, que proclama: "Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido." Todos os Estados se proclamam democráticos.
Como é possível, então, que tenhamos chegado, no Mundo de hoje, a essa situação de profunda injustiça social e de heteronomia, no sentido de que o povo está subordinado a uma ordem jurídica para cuja criação ele não concorreu?
A luta pelo poder não está sendo vencida pelo povo. Ao contrário, devido às condições atuais, em que a detenção do poder, do capital e da tecnologia possibilita os meios indispensáveis para a própria ampliação desse mesmo poder, o que se observa é que os Países pobres (Terceiro Mundo) têm cada vez menor esperança de romper as cadeias do subdesenvolvimento e que quando são levados a certas aventuras desenvolvimentistas, financiadas por interesses estrangeiros, também prejudicam cada vez mais seu povo e criam problemas de difícil solução.
Para CELSO LAFER, os Países subdesenvolvidos ou pobres consideram como característica central do sistema internacional atual a bissegmentação em termos de distribuição de poder econômico e tecnológico e lutam para evitar o congelamento desse sistema, procurando participar das decisões mais vitais, como as relativas à organização do sistema monetário ou do sistema comercial internacional.
A intensificação da concorrência entre as grandes potências, pela conquista de mercados mundiais, contudo, leva em geral à marginalização dos Países em desenvolvimento que não se ajustem aos interesses dos detentores do Poder.
Os Autores ressaltam, neste ponto, que "detentores do Poder", hoje, inclui essencialmente, também, atores não governamentais, exatamente as grandes empresas transnacionais.
Eis o grande inimigo da Democracia, tanto no plano interno quanto no das relações internacionais: o LUCRO, desde que associado à injustiça e à desmedida ganância, posto que a ausência de limitação legal permite que sejam postergadas, em nome da liberdade contratual e dos princípios da livre empresa, todas as garantias que deveriam ser dadas ao povo, sempre o grande prejudicado pela ausência da norma jurídica eficaz.
Dissemos antes que o Homem ainda não aprendeu a se governar. Isso é mais do que evidente, pela simples observação do cotidiano, que ressalta o primado da força e da violência, e a universalidade do governo de homens, ao invés do sonhado governo de leis. E os prejuízos são da mesma forma evidentes, mesmo para aqueles que pensam estar conseguindo benefícios através da opressão e da exploração, revelando seu mais sensível enfoque crítico pela proliferação dos atos de terrorismo, que visam à desestabilização de certos governos ou refletem a luta pelo poder.
Estudos realizados e estatísticas publicadas comprovam a desnecessidade da miséria mundial. Se o Mundo fosse racionalmente administrado, todos colheriam os benefícios, até mesmo aqueles que hoje possuem o "Poder". Sabe-se que a simples destinação dos recursos voltados para o armamentismo, destinados a obter a cristalização de uma estrutura de fatores reais do Poder, para outras atividades sociais, mormentemente as de produção de alimentos, poderia mudar a face do Mundo, mas implicaria também em um sensível deslocamento dos centros de Poder.
A verdade é que estamos hoje, quase dois séculos depois, na mesma situação dos precursores da Revolução Francesa. O Absolutismo é outro, mas as atrocidades são do mesmo tipo. O inimigo da democracia não é mais a nobreza, que os nobres de hoje cederam à plutocracia. O capital, transformado em mercadoria exportável e em fator de poder, associado, ramificado e infinitamente fortalecido, mancomunado com as classes governantes de diversos países, que em nome da segurança e do desenvolvimento têm esquecido os princípios básicos da Justiça social, levou à crise atual, com o virtual confrontamento de credores e devedores, em função da gigantesca dívida externa que sufoca o Terceiro Mundo.
No contexto do Terceiro Mundo, deve-se observar que diversas têm sido as tentativas destinadas a romper a tendência oligárquica do vigente sistema internacional. Através do Pacto Andino, por exemplo, diversos países da América Latina traduziram em medidas concretas sua disposição de encarar ações conjuntas nos planos regional e extra-regional.
Dentro do sistema interamericano, observa-se tendência semelhante à do sistema internacional global, de vez que se encontra claramente dividido em dois segmentos: o NORTE, rico, desenvolvido e exportador de capital e de tecnologia, e o SUL, pobre, subdesenvolvido , exportador de matérias primas e fornecedor de mercados para as multinacionais .
E a tendência que se observa é a do agravamento dessas disparidades, quer em conseqüência da pressão exercida pelas brutais dívidas externas, cujo pagamento levará à total exaustão das economias dos Países do Terceiro Mundo, quer pelo vigente sistema financeiro internacional, integralmente comandado pelos credores, que podem mesmo aumentar unilateralmente os juros da dívida, quer, finalmente, pelos princípios do comércio internacional, também inteiramente controlado pelos Países ricos.
É talvez uma situação ainda mais grave do que a do povo francês sob o jugo do Absolutismo, que lhe impunha suas leis, extorquia seus impostos e tirava seu pão, ordenando com escárnio que comesse brioches, até mesmo porque os monarcas de então não tinham a seu serviço as sofisticações tecnológicas de hoje, capazes de mudar a opinião política de povos inteiros ou, mesmo, de riscá-los da face da Terra.
Qual a forma de solucionar tais problemas?
Como poderá o Terceiro Mundo encontrar sua Bastilha?
Parece-nos que a aliança, como forma de obter ou de ampliar poder no plano internacional, pelo fenômeno da agregação do Poder, é a única solução, desde que sanados os conflitos que necessariamente resultarão, e colocado em primeiro plano o interesse comum de reação contra a exploração internacional.
Afinal, os Países exportadores de capital partilharam o Mundo entre si, mas não acreditamos que a cegueira política dos líderes mundiais responsáveis pela atuação do sistema financeiro internacional possa tornar inelutável o cumprimento da profecia de LENIN, que em 1.920 afirmava ser o imperialismo o prelúdio da revolução social do proletariado.
A verdade é que o grande prejudicado é sempre o povo, que após sofrer sob o jugo de regimes ditatoriais, se revolta e com toda a perda de vidas e de bens, consegue quase sempre apenas substituí-los por outros, às vezes piores do que os anteriores.
Mas essa é a vida, e a luta pelo poder e pela Democracia não cessa, como no dizer do filósofo alemão RUDOLPH VON IHERING, para quem a luta é que caracteriza o Direito, e se o jurisdicionado deixa que alguém pise em seu direito, merece também ser esmagado como um verme.
O Terceiro Mundo, e especificamente a América Latina, encontra-se cada vez mais dependente do capital internacional, e essa dependência vem se agravando em decorrência da ação das filiais das empresas internacionais.
A América Latina teme que essa dependência se agrave cada vez mais, em decorrência de sua marginalização no processo de inovação científica e tecnológica, mas certos governos, como o do Brasil, não parecem se dar conta do problema, posto que o tratamento que dispensam às Universidades Federais sugere, ao contrário, que vem sendo desenvolvida uma política claramente destinada a agravar a crise e a facilitar sempre a implantação e a atuação das multinacionais.
Existe, contudo, na América Latina, a consciência de que é necessário unir forças para aumentar o poder de negociação dos países latino-americanos, frente às grandes empresas multinacionais. Um exemplo é o regime comum de inversão dos Países do Pacto Andino, que resultou da proposta da Junta do Acordo de Cartagena. Outro é o da tentativa de chegar a uma posição externa comum nas negociações sobre as preferências comerciais, e em geral diante dos problemas atuais do comércio internacional e da colocação de produtos nos Países industrializados.
A própria Nota conjunta assinada por Brasil, México, Colômbia e Argentina, a que já nos referimos, representou um alerta dos governos desses Países à comunidade financeira internacional, e às nações que vêm impondo pesadas medidas protecionistas contra as importações e a exigência de melhores condições para o pagamento da dívida e para a exportação de seus produtos.
Os Países do Terceiro Mundo, especialmente aqueles que contraíram grandes dívidas, como Brasil, México e Argentina, não têm condições de suportar indefinidamente as elevações das taxas de juros nos Estados Unidos e, em conseqüência, no resto do Mundo, que aumentam, a cada vez, em centenas de milhões de dólares o valor do saldo devedor desses Países. Além disso, são muito desfavoráveis as atuais condições de pagamento dos juros e amortizações da dívida. O Brasil, apenas para exemplificar, deverá pagar este ano, aproximadamente, USS 12 bilhões, valor superior ao "superavit" previsto na balança comercial, de USS 9 bilhões, o que significa que trabalharemos durante o ano todo, com grande esforço nas exportações e severas restrições nas importações, agravando ainda mais a situação de miséria de nosso povo, para iniciarmos o ano de 1.985 com uma dívida externa muito maior do que a atual.
O Brasil precisa retomar níveis adequados de crescimento e melhorar as condições de vida de sua população, e para isso é imprescindível a renegociação da dívida em bases mais favoráveis, de modo a que possa ser reduzido o impacto do pagamento dos juros e amortizações dessa dívida sobre a vida econômica do País. Também deve ser revista a política de levantamento de barreiras protecionistas contra os produtos brasileiros, por parte dos países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, por que se o País não puder exportar, não poderá produzir, gerar empregos e riquezas, o que, ao invés de possibilitar o desenvolvimento do País, acarretará certamente graves conseqüências sociais, cujos primeiros sinais já se fazem sentir.
O que não pode continuar é a situação, tal como se apresenta atualmente: em 1.983, a América Latina exportou US$ 87,5 bilhões e importou US$ 56,3 bilhões e apesar disso, aumentou bastante sua dívida externa. A América Latina exportou, nesse ano, maior quantidade de mercadorias, mas o faturamento baixou, enquanto que a redução de 29% nas importações privou as populações da Região de bens essenciais, tais como alimentos, remédios, combustíveis, fertilizantes, máquinas e equipamentos. A redução das importações agravou a recessão econômica na América Latina, cujo exército de desempregados já está por volta dos trinta milhões.
Se para SIEYÈS, apenas a Nação teria o poder de elaborar uma Constituição, e conseqüentemente, a França não possuía uma verdadeira Constituição, no Mundo de hoje, sob o enfoque das relações internacionais, podemos afirmar, do mesmo modo, que inexiste uma "Constituição", no sentido de um conjunto de normas jurídicas elaboradas de modo a que o poder delegado (pelo povo) jamais possa tornar-se prejudicial a seus constituintes.
"A Nação existe antes de tudo, dizia SIEYÈS.
Ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, ela é a própria lei. Antes dela e acima dela, existe apenas o direito natural. "
Na mesma linha de raciocínio e admitida a vitória dessas idéias defendidas pelos revolucionários franceses, a tal ponto que hoje todos os Países se dizem democráticos, então é evidente que, no plano internacional, também o povo existe antes de tudo e sua vontade deve ser sempre a lei suprema. Sua vontade será sempre legal e não poderá ser subordinada aos interesses particulares dos diversos Estados e nem mesmo aos do "condomínio oligárquico" que dividiu entre si o governo do Mundo.
O Estado é criação do Homem, existindo assim para cumprir a destinação que lhe foi reservada, sem no entanto poder sobrepujar, por si só, seu criador. Tudo deve ter sempre sua origem e sua finalidade na pessoa humana e em seus direitos fundamentais, considerada sua preexistência. O que vem sendo feito, a nível mundial, não desmente, absolutamente, essas assertivas, mas comprova, tão-somente, a eventual preponderância da força sobre o Direito, embora essa eventualidade já seja de certo modo crônica.
A força da Monarquia Absolutista foi substituída pela das grandes potências. As masmorras da Idade Média e as da Bastilha cederam seu lugar às dependências policiais e dos órgãos de espionagem e informações. As torturas e os canhões têm hoje sucedâneos muito mais eficientes no emprego de meios de extermínio de massa, tais como o Napalm e a chamada guerra química ou bacteriológica. O aparelhamento tributário da Monarquia foi substituído pelo sistema financeiro internacional.
O povo continua sendo o Terceiro Estado – ou o Terceiro Mundo - que apesar de ser reconhecido como o titular do Poder Constituinte, nada tem sido até a presente data e que apenas deseja "tornar-se algo".
Mas seria isso possível, em uma ordem mundial que, curiosamente, pode ser descrita, também, com as palavras de SIEYÉS, quando se referia à separação existente, na França, entre clero, nobreza e povo?
"Não existe, diz uma máxima do Direito Universal, maior falta do que a falta de poder. Sabemos que a nobreza não foi indicada pelo clero e pelo terceiro estado para representá-los . O clero não está, absolutamente, encarregado da procuração dos nobres e dos comuns. Decorre daí que cada ordem é uma nação distinta, que não é mais competente para se imiscuir nos negócios das outras ordens, do que os Estados Gerais da Holanda ou o Conselho de Veneza, por exemplo, possam votar nas deliberações do Parlamento Inglês. Um procurador não pode ligar senão seus comitentes, um representante não tem o direito de falar senão por seus representados. Se se desconhece essa verdade, é preciso anular todos os princípios.
"Vê-se, assim, que é, na realidade, perfeitamente inútil, procurar a relação ou a proporção de acordo com a qual cada ordem deva concorrer para formar a vontade geral. Essa vontade não pode ser una, enquanto subsistem três ordens e três representações. No máximo, essas três assembléias poderão se reunir no mesmo intento, como três nações aliadas podem ter o mesmo desejo. Mas não conseguireis jamais uma nação, uma representação e uma vontade comum. Eu sinto que essas verdades, por mais seguras que sejam, tornam-se embaraçosas em um Estado que não se formou sob os auspícios da razão e da eqüidade política. Que quereis? Vossa casa só se sustenta por artifício, com o auxílio de uma floresta de esteios informes colocados sem gosto e sem esquema, que não seja o de escorar as partes à medida em que elas ameaçam cair; é preciso reconstruí-la, ou resolver-vos a viver ao relento, no dia em que a tortura e a inquietude de ser, enfim, derrubem essas ruínas."
Hoje, nem mesmo o relento restaria aos sobreviventes dessas ruínas, fundadas na injustiça e no absurdo.
Para que se possa esperar um futuro melhor, há que introduzir, nas relações internacionais, dois novos princípios: o da razão e o da eqüidade. Afinal, como perguntaria SIEYÉS, se pudéssemos colher da injustiça e do absurdo os mesmos frutos que da razão e da eqüidade, onde estariam então as vantagens destas?
Resta-nos esperar, apenas, que prevaleçam esses princípios e que o LUCRO seja derrubado do altar em que o colocaram, para que se possa evitar, no âmbito internacional, por parte das multinacionais que decidem os destinos dos povos, a repetição da atitude dos dirigentes da empresa paraense que, devido à elevação do preço da ração, decidiram queimar sessenta mil pintos
HUNTINGTON, SAMUEL P. - Organizações Transnacionais na Política Mundial, in "Multinacionais- os Limites da Soberania", F.G.V.- Rio de Janeiro- 1.979.
LAFER, CELSO/ PEÑA, FELIX- Argentina e Brasil no Sistema das Relações Internacionais, Duas Cidades, São Paulo, 1.983.
LENIN, V.- Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, Global Editora, 2a. edição, São Paulo.
SIEYÉS, EMMANUEL- Qu'est-ce que le Tiers État?, trad. do Autor.
Fernando Lima
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