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O Clube da OAB (página 2)

Fernando Lima

 

2. A necessidade da crítica

         A Ordem dos Advogados do Brasil a todos fiscaliza, mas não admite qualquer controle de seus atos. Suas decisões são tomadas de forma soberana, no âmbito do Conselho Federal e do Conselho Seccional, sem qualquer possibilidade de questionamento, embora ela não tenha qualquer cerimônia para fiscalizar, criticar e cobrar, dos Poderes Constituídos, o respeito aos princípios constitucionais e republicanos, como na recente campanha, liderada pelo jurista Fábio Konder Comparato, que pretende fazer aprovar, pelo Congresso Nacional, e pelas Assembléias Legislativas, a regulamentação do plebiscito, como forma de ampliar a participação direta do povo nas decisões políticas do Estado brasileiro.

        Para o jurista José Ernesto Manzi, construiu-se, em defesa da OAB,

"a figura jurídica inexistente de autarquia sui generis, única forma de excluí-la das restrições e controle exercido sobre os outros órgãos de fiscalização profissional. Entretanto, o fato da OAB possuir maiores responsabilidades democráticas, ao contrário de colocá-la à margem do controle da sociedade (e do TCU), lhe deve impor maior transparência, que só ocorre quando a instituição se democratiza pela submissão ao povo, origem de todo o poder, inclusive o de fiscalizar (a Advocacia). O que a torna autarquia é o exercício de função própria ao Estado (fiscalização, desdobramento do poder de polícia), mediante arrecadação de contribuição de nítida natureza fiscal, por compulsória a todos os que pretendam exercer a profissão. Não é objeto deste trabalho adentrar na discussão acerca da natureza jurídica da OAB, mas entende-se suficiente a afirmação de que, na democracia, só pode fiscalizar, quem se sujeita a ser fiscalizado." (MANZI, José Ernesto. Reflexões sobre a advocacia, em seu contexto de indispensabilidade à administração da Justiça. Texto inserido no Jus Navigandi nº 325 (28.5.2004). Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5244

        Nada mais natural, portanto, que a Ordem dos Advogados do Brasil, que tanto se esmera em defender os princípios democráticos e republicanos, e que não costuma perder a oportunidade para se gabar do que faz, nada mais natural que ela, dando o bom exemplo, adotasse esses mesmos princípios em sua própria casa, admitindo os questionamentos e ouvindo as críticas dos advogados, que não são poucas, em todo o Brasil, especialmente em relação às anuidades e ao exame de ordem. Apenas para dar mais um exemplo, cabe lembrar a questão, por mim denunciada, em artigo publicado em 2003, das taxas judiciárias e da sua indevida destinação, para a assistência e a aposentadoria dos advogados, apesar de já existir jurisprudência contrária do próprio Supremo Tribunal Federal. No entanto, tudo indica que, até hoje, a OAB/SP, uma das beneficiadas por essas verbas, não tomou qualquer providência a respeito.

        Ressalte-se que não devem entender os advogados, ou os dirigentes da OAB, que as minhas críticas tenham qualquer intenção de denegrir a imagem de nossa autarquia corporativa. Ao contrário, se as faço é porque acredito que elas são indispensáveis, e que deveriam ser democraticamente aceitas pela OAB, porque é preciso que, através do debate, sejam corrigidos os seus erros, que no meu entendimento não são poucos. Apenas para demonstrar que não estou sozinho, embora seja muito evidente a necessidade da crítica, no regime democrático, cito as palavras da Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista concedida a um jornal de Belém, em outubro de 2005, falando a respeito de suas freqüentes críticas ao Judiciário:

     "a idéia geral é de que não se pode falar sobre os defeitos do Judiciário com o risco de expor as fraquezas, de diminuir esse poder. Penso ao contrário: as instituições passam a ser mais seguras quando os seus membros têm a consciência de que é preciso mudar e fazer as correções, e sempre defendi que essas correções devam ser feitas de dentro para fora, porque nós sabemos o que fazer. É muito melhor do que fazer de fora para dentro. Há muito tempo, meu posicionamento dentro do STJ é: vamos fazer a reforma do Judiciário. Se nós não a fizermos, ainda assim ela virá e será traumática, porque virá de fora para dentro e quem está fora não sabe efetivamente o que precisa ser mudado."

3. A relevância constitucional da OAB

        Não resta dúvida de que à Ordem dos Advogados do Brasil foi constitucionalmente confiada uma enorme gama de atribuições e responsabilidades, essenciais, todas, ao aperfeiçoamento das instituições democráticas, e que, à semelhança do que ocorre com o Ministério Público, ela se tornou, virtualmente, um dos Poderes do Estado. Apesar disso e, aliás, especialmente por essa razão, a democracia não pode existir, em hipótese nenhuma, se estiver isenta de críticas a OAB, uma das principais instituições do Estado, que interfere decisivamente no funcionamento das instituições e é, indubitavelmente, essencial, à administração da justiça e à efetividade da prestação jurisdicional. Pelos enormes poderes que concentra, não poderia a OAB, em um regime verdadeiramente democrático, estar imune a qualquer controle. Seria uma democracia capenga, uma democracia de fachada, que jamais poderia corresponder ao interesse público, porque sucumbiria, fatalmente, aos interesses do corporativismo.

        A Ordem dos Advogados do Brasil, como o Ministério Público, a Advocacia Pública e as Defensorias, é essencial à efetividade constitucional. Sem ela, de nada nos serviriam os direitos e garantias fundamentais, consagrados em nossa Constituição, porque é indispensável, para que eles se tornem realidade e para a própria sobrevivência de nosso regime democrático e republicano, a efetividade da prestação jurisdicional. E, aliás, afirmado agora pela Emenda Constitucional nº 45/2004 – como se isso fosse necessário -, que essa prestação deve ser célere, o que todos sabemos que não é, nem nunca foi. E, talvez, nem se pretenda que seja, na realidade.

        A Ordem dos Advogados participa, no Judiciário, em paridade de condições com o Ministério Público, na indicação de advogados para o quinto constitucional. A Ordem fiscaliza todo e qualquer concurso, da área jurídica – mas o seu exame de ordem não é fiscalizado por quem quer que seja.

        Fiscaliza, também, o próprio Poder Judiciário, bem como o Ministério Público, porque ela indica dois advogados, para cada um dos novos Conselhos, inconstitucionalmente criados pela Emenda Constitucional nº 45/2004 – embora sacramentados, já, pelo Supremo Tribunal Federal -, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.

        A respeito da participação dos advogados no Conselho Nacional de Justiça, afirmava José Ernesto Manzi que:

     "a Magistratura deve ser considerada, na lógica da proposta do Conselho, como a mais perigosa das instituições. O Conselho da Justiça terá participação de membros do Ministério Público e da Magistratura, não sendo a inversa verdadeira, ou seja, a Magistratura não integra os Conselhos de Ética da OAB, nem integrará os órgãos disciplinares do Ministério Público. Não há como se preservar a independência de um poder, colocando-o em situação subalterna. Se a impermeabilidade deve ser rompida, como se prega, deve constituir uma via de mão-dupla. Esta a posição de Miguel Reale Júnior, que foi Ministro da Justiça e Conselheiro Federal da OAB, em entrevista à Revista Época (Editora Globo) de 02.02.04." MANZI, José Ernesto, op. cit.

        A OAB fiscaliza, ainda, a atuação legiferante do Estado brasileiro, em seus três níveis, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que podem invalidar todo e qualquer ato normativo, aprovado por qualquer dos Poderes Constituídos. A OAB critica o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Criticou, recentemente, aliás com muita propriedade, através de seu Presidente nacional, em plena sessão solene do Supremo Tribunal Federal, e na presença do próprio Presidente da República, os abusos do Executivo, na edição de medidas provisórias. Criticou, há alguns anos, também através de seu Presidente nacional, uma decisão que concedeu a liberdade ao então senador Jader Barbalho, insinuando, de certa forma, a prática de crime pelo magistrado, que o processou, mas a Justiça absolveu o Presidente da OAB. Critica, freqüentemente, o Legislativo, acusando os seus integrantes de serem despreparados ou corruptos.

         Mas não é só. A Ordem dos Advogados do Brasil avalia os cursos jurídicos e divulga um "ranking" desses cursos. Divulga, freqüentemente, através da mídia, uma imagem extremamente negativa, a respeito dos cursos jurídicos e dos professores universitários. Emite um parecer prévio - que até o presente momento ainda não conseguiu tornar vinculativo -, a respeito da autorização para a abertura de novos cursos. Além disso, a Ordem impede o exercício profissional dos bacharéis que não obtiverem aprovação em seu exame de ordem, que atenta contra diversos princípios constitucionais, entre outros o da autonomia universitária, o da liberdade de exercício profissional e o da legalidade – porque o exame de ordem é disciplinado pela própria OAB, através de um simples "Provimento" de seu Conselho Federal (Provimento nº 81/1996, agora substituído pelo de nº 109/2005).

        Conseqüentemente, como exigência inelutável de qualquer regime democrático que não constitua, apenas, uma dissimulação hipócrita da prevalência dos interesses corporativos e elitistas, a Ordem dos Advogados, que a todos critica e controla,  não poderia estar isenta às críticas e aos controles, sob pena de não poderem ser evitados os abusos, que naturalmente decorrem, sempre, da atribuição de poderes ilimitados, a uma só pessoa ou a um só órgão.  A própria definição da tirania, no expressão de Montesquieu. Exatamente por essa razão, foi criada, com a contribuição de diversos pensadores – e definitivamente sistematizada, há mais de duzentos anos, pelo autor do "Espírito das Leis" -,  a teoria da separação dos poderes, em reação aos abusos e à tirania, depois adotada, a separação dos poderes – ou das funções do Estado -,  como um dos principais fundamentos dos modernos ordenamentos constitucionais.

        Assim, é claro que, em um verdadeiro regime democrático – e republicano -, ninguém pode ser irresponsável. Ninguém pode estar acima de qualquer suspeita, nem isento da obrigação de responder a qualquer questionamento, referente aos seus atos. Todos, governantes e governados, são obrigados a respeitar a Constituição e as leis. Todos, até mesmo o Presidente da República, os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou os membros do Congresso Nacional. Todos, até mesmo os juízes e tribunais, cujas decisões devem ser, sempre, fundamentadas. Todos, até mesmo a OAB. Em especial, a OAB, que tem a enorme responsabilidade, prevista no art. 44, I, de seu Estatuto, de "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, etc." Sem falar, é claro, a respeito da corregedoria da profissão jurídica e do poder de vida ou morte sobre os profissionais, exercido pelos seus tribunais de ética e disciplina.

4. A questão do exame de ordem

        Somente deve poder controlar quem se sujeita, também, aos controles, e somente deve poder criticar quem aceita, democraticamente, as críticas.  Não é, infelizmente, o que acontece, hoje, com a OAB. O seu exame de ordem não é fiscalizado por quem quer que seja; nem pelo Judiciário, nem pelo Ministério Público, nem pelas Universidades. A OAB nunca responde às críticas, nem comparece aos debates agendados pelos diretórios acadêmicos. Limita-se a dizer que os cursos jurídicos formam bacharéis despreparados – o que pode ser verdade, em muitos casos -, e que a ela cabe impedir que esses bacharéis possam exercer a advocacia, o que não é verdade, absolutamente, porque cabe apenas ao Estado brasileiro, de acordo com a Constituição Federal, fiscalizar e avaliar o ensino. O bacharel em direito, tendo recebido um diploma, fornecido por uma instituição fiscalizada pelo Estado, tem o direito público subjetivo de exercer a sua profissão, para a qual obteve a necessária qualificação, de acordo com o ordenamento jurídico vigente. É um rematado absurdo que a OAB pretenda defender, intransigentemente, esse sistema, de controle "a posteriori", pelo qual se permite o funcionamento dos cursos jurídicos que não reúnem os necessários requisitos, para a formação de bons profissionais, para depois patrocinar a reprovação em massa desses bacharéis, que ficam impedidos de trabalhar, em decorrência da reprovação no exame de ordem.

        Mas, apesar de todas essas evidências, decorrentes do exame jurídico e fático da questão, a Ordem dos Advogados do Brasil se limita a repetir mil vezes, por alguns de seus dirigentes – no palanque privilegiado de que sempre dispõe, na mídia -, os seus pobres argumentos, e continua a ignorar as críticas, para as quais tudo indica que não existe qualquer possibilidade de contestação plausível. Enquanto isso, cresce o exército de bacharéis desempregados – talvez sejam mais de cem mil, hoje, em todo o Brasil -, que não podem obter a carteira da Ordem,  e muitos deles passam a trabalhar, para sobreviver, em escritórios de advocacia, como advogados de segunda categoria, porque não podem assinar como advogados, embora possam ter, talvez, toda a qualificação necessária para o exercício da advocacia. Assim, embora plenamente capacitados, porque o exame de ordem não é capaz de aferir, por um passe de mágica, as reais condições do bacharel em direito para o exercício da advocacia, esses advogados-bacharéis, graças à autoritária imposição da OAB, se sujeitam a trabalhar como advogados e a receber remuneração de estagiários.

        Por outro lado, é um enorme absurdo, tantas vezes repetido, que a OAB pretenda que o simples fato de que os cursos jurídicos formem bacharéis despreparados para o exercício da advocacia tenha o condão de lhe transferir a competência para a avaliação desses bacharéis, que já foram exaustivamente avaliados pelas Universidades, que deveriam ter sido corretamente fiscalizadas pelo MEC.  E, se isso não ocorreu, não terá sido, certamente, por culpa dos bacharéis, que já receberam os seus diplomas, autorizando-os a exercerem a advocacia.

        Se esse raciocínio fosse procedente, ou apenas razoável, de que cabe à Ordem reprovar os bacharéis em direito, porque os cursos jurídicos são deficientes, ela poderia, também – e deveria, aliás -, intervir no próprio Judiciário, que todos sabemos, há décadas, que é ineficiente e moroso, para dizer o mínimo. Assim, caberia à Ordem dos Advogados do Brasil indicar advogados, para o lugar dos juízes, para que tivéssemos, finalmente, a tão sonhada celeridade da prestação jurisdicional.

        Se esse raciocínio estivesse correto, de que cabe à Ordem intervir nas Universidades e no MEC, a ela caberia intervir, também, nas questões referentes à segurança pública, por exemplo, porque se o Estado não é capaz de cumprir as suas atribuições constitucionais, referentes à segurança do povo, que para isso paga os seus impostos, caberia à Ordem substituir, também, as autoridades responsáveis pelo combate à criminalidade.

        Talvez fosse o caso, também, de que a OAB pudesse, ou devesse, indicar advogados para o lugar dos parlamentares – federais, estaduais ou municipais -, que, embora eleitos pelo povo, não estejam desempenhando corretamente as suas funções. 

        É evidente, portanto, que as eventuais falhas do MEC, do Judiciário, do Legislativo, do Executivo, ou de quem quer que seja, no desempenho de suas atribuições, não têm o condão de transferir à Ordem dos Advogados a sua competência, mas talvez todos esses exemplos, de argumentação absurda, possam servir para despertar as inúmeras mentalidades acomodadas, que costumam aceitar, sem qualquer questionamento, os fatos consumados – o exame de ordem já vem sendo realizado, pela OAB, há quase uma década -, e não se acanham em dizer que, embora sendo inconstitucional, ele é necessário, devido às deficiências do ensino jurídico.

        5. As anuidades da OAB

         Em relação às nossas anuidades, a Ordem age exatamente da mesma forma. Contra todas as evidências jurídicas, em desrespeito, especialmente, ao princípio da estrita legalidade, em matéria tributária, cada Seccional da OAB fixa os valores das anuidades e das outras contribuições que arrecada. Em cada Estado, vigora um valor diferente, que pode ser fixado, sem qualquer limite, pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados. Em rápida pesquisa na Internet, verificou-se que, em 2005 – não foi possível, ainda, verificar os valores que estão sendo fixados para 2006 -, os advogados pagaram, no Pará, R$500,00; no Rio de Janeiro, R$550,00; no Paraná, R$560,00; em São Paulo, R$600,00; e, em Santa Catarina, R$850,00.

        Evidentemente, quem não pagar, ficará impedido de exercer a advocacia, mas a Ordem costuma afirmar, com a maior tranqüilidade, que esse é o procedimento correto, porque as anuidades "não são tributos, mas dinheiro dos advogados".  Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados do Brasil critique, freqüentemente, o Estado brasileiro, em relação à nossa alta carga tributária, quando, em sua própria casa, não existe qualquer limite para a tributação dos advogados e quando se sabe que a simples inadimplência é capaz de impedir o exercício profissional.

        Ressalte-se que existe um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados – PL nº 3.146/04, de autoria do deputado Antonio Carlos Mendes Thame -, já aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, que estabelece o limite máximo de R$ 285,00 para as anuidades da OAB. O autor desse projeto, em entrevista concedida à Agência Câmara, disse que "o valor adequado das taxas e contribuições evitará a situação atual de inúmeros profissionais inadimplentes, que não podem trabalhar por falta de pagamento e regularização junto à instituição".

       O relator do projeto na Comissão de Finanças e Tributação, deputado João Magalhães, afirmou que "é importante instituir normas gerais para o funcionamento das entidades públicas que exercem a fiscalização do exercício profissional, como é o caso da OAB e de outros conselhos".

6. OAB: corporação profissional ou sindicato?

         A Ordem dos Advogados do Brasil precisa aceitar que não é, nem pode ser, ao mesmo tempo, uma autarquia profissional, de filiação obrigatória, indispensável ao exercício da profissão, e um sindicato.

        A Constituição Portuguesa de 02.04.1976, através da norma constante de seu artigo 267, nº 4, é capaz de demonstrar, com muita propriedade, o abuso da Ordem dos Advogados do Brasil:

"As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos."

        No Brasil, porém, um dos maiores erros da Lei nº 8906/1994 - o Estatuto da OAB, aprovado pelo Congresso Nacional, mas elaborado, o seu anteprojeto, pela própria OAB -, foi a atribuição, à Ordem dos Advogados, também, de uma feição sindicalista, que pode ser observada pela criação das "Caixas de Assistência", que nos termos do parágrafo 5º do art. 62 desse Estatuto recebem a metade do total de nossas anuidades.

        A OAB não pode ser, ao mesmo tempo, um órgão de fiscalização da profissão jurídica (autarquia profissional – filiação obrigatória) e um sindicato (filiação espontânea), preocupado apenas com a aposentadoria, a recreação, o mercado de trabalho e a defesa intransigente dos interesses corporativos dos advogados. A incompatibilidade é absoluta, como nos adverte José Maria e Silva:

"Só mesmo os filhos do acaciano Rui Barbosa para acreditarem nesse conto da carochinha. É mais do que óbvio que os conselhos profissionais são incompatíveis com a atividade sindical. Por uma razão muito simples: o conselho representa a profissão, enquanto o sindicato representa o profissional — e quase sempre os interesses da profissão (que devem ser os da sociedade) ferem os interesses do profissional (que tendem a ser os do seu bolso). Ora, a função do sindicalista (que se ocupa de salário) é incompatível com a função do conselheiro (que se ocupa de ética)."

SILVA, José Maria e. Pelo controle externo da OAB. Texto inserido no Jus Navigandi nº 253 (17.3.2004). Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4999

        O problema não poderia ter sido sintetizado com mais propriedade. A função do sindicalista é incompatível com a função do conselheiro, o que se torna evidente, por exemplo, na questão do Convênio de Assistência Judiciária de São Paulo, que até hoje emprega mais de 40 mil advogados. Os sindicalistas, nessa hipótese, preocupam-se mais com o mercado de trabalho e com a remuneração dos advogados paulistas. Os conselheiros, porém, deveriam preocupar-se com o respeito à Constituição Federal de 1.988, que em seu art. 134 atribuiu à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa dos necessitados. A Lei Complementar nº 80/94 organizou a Defensoria Pública da União e estabeleceu as normas gerais para a sua organização nos Estados, exigindo o concurso público de provas e títulos para o preenchimento dos cargos e proibindo o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Além disso, essa Lei Complementar fixou o prazo de seis meses para que os Estados organizassem as suas Defensorias.

        No entanto, além dos seis meses fixados, já se passaram quase dezessete anos, mas a OAB/SP continua assinando convênios com o Estado e com a Prefeitura, para dar emprego aos advogados paulistas, em vez de ajuizar as competentes ações, para exigir o respeito à Constituição e à Lei Complementar.

        No meu entendimento, situações como essa precisam ser corrigidas, urgentemente, para que a Ordem dos Advogados do Brasil recupere a sua credibilidade e possa ter, por exemplo, completa legitimidade, para combater o nepotismo, no Judiciário e no Ministério Público. Talvez fosse necessária a criação de um Conselho Nacional para fiscalizar a OAB, à semelhança dos que já foram criados, para fiscalizar o Judiciário e o Ministério Público. Somente assim estaria restabelecido o equilíbrio institucional, para que fosse possível evitar os abusos do poder.

        Evidente, portanto, que a Ordem dos Advogados do Brasil não pode ser transformada em um sindicato. Na verdade, esse desvio de atribuições é bem antigo, porque em 1953 a Ordem dos Advogados apresentou, à Câmara dos Deputados, um anteprojeto de lei, finalmente arquivado como inconstitucional, que lhe conferia, também, prerrogativas de sindicato. Mesmo assim, hoje não existem, na prática, na maioria dos Estados brasileiros, sindicatos de advogados, porque eles foram inviabilizados pela própria OAB, que se apoderou de toda a competência, que deveria caber aos sindicatos.

        É muito sintomático, aliás, que o art. 47 de nosso Estatuto estabeleça que "o pagamento da contribuição anual à OAB isenta os inscritos nos seus quadros do pagamento obrigatório da contribuição sindical". Em decorrência desse dispositivo – aí inserido pela própria OAB, recorde-se, no anteprojeto do Estatuto -, fica muito clara a intenção da OAB, de inviabilizar os sindicatos de advogados, para exercer todas as atribuições e concentrar todos os poderes.

7. A aplicação das receitas da OAB

        Por outro lado, é claro que os valores que os advogados pagam à Ordem dos Advogados deveriam servir, apenas, para fazer face às suas necessidades institucionais, no estrito desempenho de sua missão constitucional, de fiscalizar o exercício da advocacia e defender a Constituição, a lei, o Estado democrático, etc. Não é possível que se continue permitindo, à Ordem dos Advogados do Brasil, ampliar, indefinidamente, o seu âmbito de atuação, como no tocante às Caixas de Assistência ou de Previdência, aos serviços de transporte ou aos Clubes dos Advogados, para que depois os advogados inscritos sejam obrigados a pagar a conta de todas essas despesas, sob pena de impedimento do exercício da advocacia e, até mesmo, de cassação da carteira profissional, conforme previsto no art. 38 do nosso Estatuto.

        Para José Ernesto Manzi (op. cit.), é evidente a necessidade de que seja estabelecido um controle sobre a aplicação das receitas da OAB:

"Calcula-se que no Brasil haja 500 mil advogados (210.000 apenas no Estado de São Paulo), com uma anuidade média de R$ 400,00, ou seja, R$ 200.000.000,00. Não se pode tornar livre e fiscalizável apenas interna corporis a aplicação de quantias tão vultosas em nome de uma pretensa independência. Se o Judiciário, segundo a OAB, não perde a independência com o controle externo (que está além de suas contas), porque o mesmo raciocínio não serve para a OAB? Somente com a colocação da Autarquia acima dos Poderes da República e da lei (inclusive a Constituição) é que esse raciocínio se justificaria. Também os advogados, que lutam para pagar os impostos, taxas, despesas e a anuidade, teriam maior certeza que o valor da última é apenas o necessário ao exercício das funções institucionais, sendo gasto de forma comedida, planejada e racional."

        8. O Clube dos Advogados

        Em Carta agora remetida aos advogados pela OAB/PA – que ensejou a elaboração do presente estudo -, disse o seu Presidente que, apesar da "variação da inflação ocorrida no período, mantivemos, para 2006, o valor das anuidades nos mesmos patamares de 2005...", mas confessou, com todas as letras, em seguida, que "no Clube dos Advogados pretendemos realizar outras obras de melhoramento para prepará-lo para receber o advogado e sua família".

        Em meu artigo anterior, já referido, "As Anuidades da OAB",  publicado em janeiro de 2005, perguntei, sem obter, até a presente data, qualquer resposta:

"Quer dizer, então, que as nossas anuidades estão sendo inflacionadas, com as despesas do Clube dos Advogados, e até mesmo, talvez, com as despesas de confecção da fantasia da Rainha do Carnaval? Não seria interessante que a OAB/PA divulgasse, aliás, o que vem sendo gasto nesse Clube, do valor das nossas anuidades ou, talvez, de algum empréstimo bancário? Se essa divulgação já foi feita, peço desculpas, antecipadamente, pela minha ignorância."

Mas o problema talvez não esteja restrito, apenas, à OAB/PA, porque uma rápida pesquisa na Internet revelou que:

a)                           em Joinville, SC, o candidato da situação, Adriano Zanotto, que venceu a eleição da OAB, em novembro de 2000, prometia, entre outras coisas,  a "construção de apartamentos na sede balneária, destinados aos advogados do interior do Estado".                     

 Fonte: http://www.oab-sc.com.br/oab-sc/revista/revista108/oab_obras.htm

b)                          em Salvador, BA, o Clube dos Advogados realizou, em dezembro de 2005, uma festa de confraternização para cerca de 300 advogados e a gastronomia da festa ficou por conta da advogada Cláudia Padilha, dona do bar do clube, que serviu feijoada (grátis para os advogados), e outras iguarias como opção. Fonte: "site" da OAB/BA.

c)                          Em Maceió, AL, o Clube da OAB realizou, com muito sucesso, o seu carnaval, nos dias 6, 7 e 8 de 2005, com a presença de 300 pessoas, em média, por dia, e existia "uma grande estrutura de bar e restaurante, que atendeu plenamente às necessidades de quem compareceu às festas". Além disso, em outra oportunidade, centenas de advogados prestigiaram a festa do Dia das Crianças, com distribuição gratuita de refrigerantes, água mineral, pipoca e sorteio de brindes. Para encerrar, a apresentação de palhaços, que encantaram a garotada.  Fonte: http://www.oab.al.org.br/N210204.htm

d)                          Em Belém, PA, o Clube dos Advogados confirmou, em janeiro de 2005, a sua participação no concurso de Rainha das Rainhas do Carnaval. Fonte: "site" da OAB/PA. Obs.: Não se sabe, até hoje, quem pagou pela confecção da fantasia.

e)                           O Dr. Roberto Busato foi escolhido, por unanimidade, como candidato à Presidência da OAB/PR, para o biênio 1987/1989, sendo de praxe a consulta e as articulações com o Clube dos Advogados de Ponta Grossa. Fonte: http://www.diariodamanha.com.br/051216/oab7.htm

f)                            Em São Paulo, SP, a sede da OAB foi construída em terreno doado e avaliado, na época, pela lei de doação, em CR$ 6 milhões. A OAB/SP ocupou três dos doze andares do prédio que foi construído, inicialmente, com as economias da Caixa de Assistência e o 1º andar foi destinado ao Clube dos Advogados, que então se achava em fase de constituição. Fonte: "site" da OAB/SP.

g)                          Em Porto Velho, RO, o Clube dos Advogados patrocinou, em novembro de 2004, no Mirante Dois e Meio, uma feijoada de confraternização. Antes, já havia realizado o almoço do Dia do Advogado e o Baile do Rubi. Fonte: "site" da OAB/RO.  

h)                          Em SC - A partir deste sábado, dia 17 de dezembro, os advogados catarinenses podem usufruir ainda mais completamente, em seus horários de lazer, da estrutura da sede balneária da OAB/SC, localizada na praia de Cachoeira do Bom Jesus, em Canavieiras. A partir das nove horas da manhã, abre a "Temporada de Verão 2005/2006", que se estende até o dia 30 de março de 2006. Os boxes e vagas disponíveis para barracas e trailers devem ser escolhidos no local, no momento da chegada e somente por advogado adimplente inscrito na OAB/SC, respeitando o horário compreendido entre 11h e 13h, conforme o Regulamento. Para obter maiores informações, consulte o site da sede balneária (sedebalnearia[arroba]oab-sc.org.br) ou ligue para (48) 3266-1179. Fonte: Assessoria de Imprensa.

9. As perguntas:

Esse é, portanto, o grande dilema, em relação ao qual acredito que merecemos, todos os advogados, uma explicação, por parte da OAB, em todas as Seccionais: será que somos todos obrigados a contribuir para a manutenção do Clube dos Advogados, mesmo que não estejamos interessados em freqüentá-lo?  O nosso Estatuto nos obriga a pagar as contribuições, multas e preços de serviços (art. 34), mas onde se enquadra a manutenção do Clube dos Advogados?

De onde estarão sendo retiradas, se é que estão, pelas diversas Seccionais da OAB, as verbas necessárias à manutenção dos Clubes dos Advogados, em todo o Brasil? Das nossas anuidades? Ou de algum empréstimo bancário? Qual seria o fundamento legal para a realização desses empréstimos, ou dessas despesas, se é que ele existe?

Tomara que a Ordem dos Advogados, democraticamente, desta vez, desça de sua majestade, da posição de relevo que merecidamente conquistou, como fiscal da Constituição, da lei, e da moralidade, como intérprete máxima de nosso Código de Ética e Disciplina, através das Escolas Superiores da Advocacia e do Exame de Ordem, como árbitro da ética profissional do advogado, em seus Tribunais de Ética, e como corregedora-geral da nação brasileira, e se digne, coerentemente, a nos dar uma simples resposta, e a nos mostrar, fundamentadamente, que estamos errados, se estivermos, em supor, por falta de informações, talvez, que alguma irregularidade pudesse estar ocorrendo, em qualquer de suas Seccionais, especificamente no que se refere à manutenção dos Clubes dos Advogados.

        Afinal, não basta vencer na vida, é preciso merecer a vitória. Quem já leu a obra de Miguel de Unamuno entende, perfeitamente, porque ele afirmava que é preciso viver de tal maneira que a morte seja, sempre, uma suprema injustiça. Quem já leu o Dom Quixote, de Cervantes, também, poderá concordar que toda vitória imerecida é uma derrota moral e que, mais importante do que a vitória, é o merecimento de quem a conquista.

        Como diria Gabriel Garcia Marques:

"Aprendi que todo mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de fazer a escalada."

Com a palavra, a OAB, para nos explicar como está sendo feita a sua escalada e para demonstrar, certamente, que ela merece a posição de relevo que alcançou.

 

Fernando Lima

profpito[arroba]yahoo.com



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