Há temas cujo simples enunciado — mesmo encerrando enfoque teoricamente
sustentável — recomenda a apresentação concomitante de
um atestado de sanidade mental de seu autor, tal a primeira reação
que despertam. Pode-se imaginar qual tenha sido o espanto, até mesmo
a indignação, quando, séculos atrás, "um maluco"
afirmou pela primeira vez que nossa velha e familiar terra não era "plana",
mas uma esfera "pendurada" no espaço, sem que seus habitantes
"caíssem" no abismo. Alguém — devem ter pensado os sensatos
da época — em seu juízo normal, poderia negar "a evidência"
palpável de que "o mundo" era uma vasta e imóvel extensão
de terra, com saliências e depressões? Bastaria olhar serenamente
em volta para se rejeitar a louca novidade.
Nas devidas proporções, a tese que encabeça o presente
ensaio possivelmente provocará sorrisos céticos na área
do Direito Internacional Público e entre os experientes estudiosos das
relações internacionais; intelectuais que, no momento, despertam,
com seus escritos acadêmicos, o interesse de uma reduzida faixa de sofisticados
leitores mas que — a serem verdadeiras a necessidade e urgência aqui anunciadas
— serão cada vez mais solicitados como voluntários ou involuntários
"obstetras" de uma nova ordem mundial. O "bebê" do
novo mundo se prenuncia com enjôos, "fomes" estranhas e outras
alterações no comportamento da velha mãe Terra, já
um tanto idosa para novas concepções, cansada de ilusões
ideológicas, descobridores da pólvora, infindáveis conflitos,
incertezas e sofrimentos físicos bem concretos de seus filhos menos favorecidos.
Estamos — é o que o presente ensaio pretende provar — nos aproximando
do parto dessa reorganização do mundo, uma gravidez que vem de
longe, meio disfarçada, como que oriunda de uma relação
ilícita. E digo isso sem nenhuma intenção de contundência
literária. "Parteiro" amador embora, a simples leitura dos
jornais — com o apoio não bem explícito dos especialistas, temerosos
do rótulo de "utópicos" — revela que o feto já
se mexe nas entranhas políticas, econômicas e sociais de nosso
planeta, dando seus pequeno chutes em forma de desemprego, dívidas governamentais
impagáveis, poluição ambiental, aquecimento global, preocupação
com a futura escassez de água e alimentos, crescimento populacional descontrolado,
guerras comerciais, guerras preventivas, desrespeito à Organização
das Nações Unidas, arrogância de um certo país rico,
terrorismo, mentirosas manobras contábeis de grandes corporações,
crime organizado, etc. Se os progenitores da futura criança — os governantes
em geral — por ignorância ou medo do que possa estar crescendo no atormentado
ventre — "seria um monstro?" —, sabem, ou não, que vão
ser pais, isso não tem a menor importância. O feto está
lá, aumentando a cada dia. Cedo ou tarde terão que se defrontar
com o indesejado pimpolho ensangüentado. É melhor, porém,
que comecem, já — trocando idéias e não chumbo, germes
ou radiação —, a preparar o berço e o enxoval de uma criança
que, aparentemente — ultrapassadas as dores do parto —, só lhes trará
felicidade; ou pelo menos uma preponderância da felicidade sobre o velho
e rotineiro sofrimento. A humanidade deseja e merece, finalmente, a paz e o
trabalho, algo que nunca conseguirá plenamente com a atual descoordenada
estrutura mundial — é o que tentaremos provar. Já abusando de
comparações biológicas, diríamos que em qualquer
organismo evoluído o fígado não "briga" com os
rins e demais órgãos; o cérebro não martiriza a
pele — principalmente se mais escura — e todos "obedecem", harmonicamente
— salvo doença —, os comandos da glândula pituitária e do
sistema nervoso. No chamado "concerto das nações", o
que pouco constatamos é um "concerto" harmonioso, pois não
há, ainda, um regente plenamente confiável, benigno, com batuta
voluntariamente aceita pela orquestra toda e que possa silenciar alguns tambores
guerreiros excessivamente independentes, de modo que o conjunto, como um todo,
funcione melhor.
Deixemos, porém, de metáforas. E não estranhe o leitor
o excesso de considerações fáticas e políticas em
uma conceituada e sisuda revista de artigos jurídicos porque o Direito
Internacional Público é essencialmente dependente dos fatos e
das mutáveis relações de força. Syngman Rhee, professor
de Direito Internacional Público que presidiu a Coréia do Sul
de 1948 a 1960 chegou a afirmar, desiludido, que o Direito que lecionava simplesmente
"não existia", tal a preponderância da força sobre
as normas internacionais. O que o mundo, hoje, pensa sobre um determinado presidente
de país do hemisfério norte reforçaria sua opinião.
Vamos aos fatos.
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