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A Lei Maria da Penha tem como fundamento o disposto no art. 226, § 8º, da Constituição
Federal, segundo o qual "O Estado assegurará a assistência
à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos
para coibir a violência no âmbito de suas relações."
Embasa-se, outrossim, na Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
A preocupação altruística do legislador, no novel diploma,
cinge-se a preservar a saúde física e mental e o aperfeiçoamento
moral, intelectual e social da mulher contra a agressão masculina. Até
porque pelas estatísticas, dentre as hipóteses de agressão
no seio da família, a violência doméstica preponderante
é aquela praticada pelo homem contra a mulher.
Após a edição da Lei dos Juizados Especiais Criminais (9099/95),
a violência doméstica (leia-se: lesão corporal dolosa) passou
a ser processada e julgada pelos juizados. Segundo o art. 88, passou, ao lado
da lesão corporal culposa, a ser crime de ação pública
condicionada à representação. E, como é de geral
conhecimento, os juizados não têm como objetivo o endurecimento
de penas ou de medidas contra o autor do fato, ao contrário, sua finalidade
precípua é sempre buscar a despenalização mediante
imposição de penas não privativas de liberdade, com ênfase
à pena pecuniária e à pena restritiva de direitos.
Destaque-se que os Juizados Criminais trouxeram uma oxigenação
momentânea na atividade policial, mas têm representado grande fonte
de impunidade aos infratores, porquanto seu caráter pedagógico,
até o momento, não foi assimilado a contento. Em São Paulo,
existem poucas varas especializadas nas infrações de menor potencial
ofensivo, de modo que as varas criminais cumulam as competências. O que
se vê é a natural e acentuada preocupação dos magistrados
criminais com os processos que versam crimes mais graves, relegando os de menor
potencial a um segundo plano. Uma das conseqüências provenientes
deste quadro foi a frágil ou quase inexistente punição
do agressor doméstico.
Isto sem falar que a mulher quase sempre se retrata perante o magistrado. No
jargão popular, "retira a queixa", chegando-se à
quase absoluta impunidade do homem agressor.
Para contrastar com a impunidade e com os altos índices de violência
doméstica e familiar, alguns diplomas passaram a ser editados, inicialmente
de modo tímido até se chegar à atual Lei Maria da Penha.
Assim, primeiramente, no campo dos Juizados, o legislador, visando minorar os
excessos praticados pelo homem contra a mulher, através da Lei 10.455/02,
de 13 de maio de 2.002, inseriu ao parágrafo do art. 69, parágrafo
único, a possibilidade de o juiz, cautelarmente, determinar o afastamento
do homem do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
A lesão dolosa permanecia na competência dos Juizados Criminais.
Dois anos após, através da Lei 10.886, de 17 de junho de 2.004,
tratando diretamente do tema Violência Doméstica, foi acrescentado
um § 9º ao art. 129, segundo o qual se a lesão for praticada contra ascendente,
descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva
ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou hospitalidade, a pena passou
a ser de seis meses a um ano. Não ficou aí. Instituiu-se uma causa
de aumento de pena, com a inserção do § 10 ao art. 129, segundo
o qual nos casos previstos nos §§ 1º a 3º do art. 129, se as circunstâncias
são as indicadas no parágrafo nono deste artigo, aumenta-se a
pena em 1/3 (um terço).
A lesão dolosa, em sua forma fundamental, continuou na competência
dos Juizados Criminais.
Percebe-se que até aquele momento, na ótica do legislador, nenhuma
medida surtira efeito contra o agressor familiar ou doméstico.
Por último, sobreveio a Lei Maria da Penha apresentando modificações
de cunho penal, processual penal e familiar que minimizarão ou ao menos
reduzirão a impunidade e o destemor do agressor que grassa nos lares
nacionais.
Como o legislador se convenceu que a fórmula adotada pela Lei 9.099/95
desatendia aos propósitos de redução dos altos índices
de violência familiar e doméstica contra a mulher fez opção
pelo seu total ou quase total banimento.
Infelizmente, ver-se-á que o rito procedimental adotado foi mal escolhido.
Diversos doutrinadores têm pugnado pela inconstitucionalidade do termo
mulher no atual diploma, uma vez que afrontaria o princípio da isonomia
a proteção exclusiva da mulher, constitucionalmente assegurado.
Não seria admissível uma lei voltar-se somente para a tutela do
gênero feminino.
Seria inconstitucional a lei em comento?
Entendemos que não.
O gênero feminino precisa de proteção, assim como as minorias
que exigem cotas nas universidades, os homossexuais que buscam a igualdade com
os heterossexuais.
O Direito Penal de Gênero considera as relações de dominação
entre os sexos, dando azo à constatação de que as mulheres
vêm sendo historicamente vitimizadas pela opressão masculina que
se desenvolve das mais variadas formas e em diversos aspectos, sendo a violência
física e sexual apenas algumas de suas manifestações.
Para nós, não há supervalorização do sexo
feminino. Como pelo menos 30% das mulheres brasileiras são vítimas
de violência doméstica, justifica-se essa "discriminação
positiva", ensejando paulatinamente, após o reconhecimento de uma igualdade
formal, uma igualdade material entre os sexos com melhor equilíbrio social,
intelectual, econômico, educacional etc.
A lei foi publicada no dia 08 de agosto de 2.006 e por expressa disposição
de seu art. 46, tem uma vacatio legis de 45 dias. Assim, a vigência
do diploma se deu no dia 22 de setembro de 2.006.
Os principais mecanismos oferecidos pela Lei de tutela à mulher no campo
penal e processual penal são os seguintes: a) dá nova redação
ao § 9º do art. 129 do CP modificando a pena que passa a ser de 3 meses a 3
anos e cria uma agravante genérica ao CP (arts. 43 e 44); b) autoriza
a prisão preventiva e modifica a Lei de Execuções Penais
(arts. 20, 42 e 45); c) veda a incidência da Lei 9099/95 (art. 41); d)
cria medidas protetivas de urgência para o agressor e para a ofendida
(arts. 22 e 23); e) autoriza a criação em cada Estado dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher através
de Lei Estadual (art. 14). Crítica. Melhor seria Vara de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, pois se foi afastada a incidência
da Lei dos Juizados (9099/95), foi por entender que os Juizados Criminais não
atendem às perspectivas de redução da violência contra
a mulher. Ora, a manutenção do vocábulo Juizado
mostra, no mínimo, contra-senso e incoerência técnica.
5.1 – PROCESSO E JULGAMENTO
Durante a vacatio legis – 08/08/06 a 21/09/06 – as infrações
contra a mulher, em regra, permaneceram na esfera dos Juizados Especiais Criminais
(Lei 9099/95) com todos os benefícios nela previstos – conciliação
civil de danos, transação penal, representação nos
crimes de lesão corporal e suspensão condicional do processo.
Pós vacatio legis: A lei está vigendo desde 22 de setembro.
Agora, os processos serão processados e julgados pelas Varas Criminais,
consoante rito dos crimes apenados com detenção (CPP, arts. 538/540).
Por ter sido banida a Lei 9099/95, questiona-se: todos os institutos referidos
no parágrafo anterior igualmente ficam sem aplicabilidade? A nosso ver
sim, com exceção do instituto da representação no
crime de lesão corporal dolosa, cujo entendimento será esboçado
adiante.
5.2 – VARAS CRIMINAIS. Antes da instalação das Varas especializadas
– Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher –
passam as Varas Criminais a ter competência cumulativa – cível
e criminal – na solução dos conflitos oriundos de violência
doméstica (art. 33). Em face da competência cumulativa, caberá
aos juízes criminais exercer o poder geral de cautela na hipótese
de concessão de medida protetiva (art. 22 e ss).
Consigne-se que a concessão de qualquer medida assinalada neste diploma,
por exemplo, afastamento do homem do lar conjugal, esgota a jurisdição
penal – têm natureza satisfativa –, malgrado possa haver necessidade de
revisão da medida imposta, substituição ou imposição
de outra(s).
A seleção da justiça comum em lugar dos Juizados Criminais,
modelo de justiça consensual que tem sido, mostra-se um retrocesso. Cremos
que o legislador tomou este rumo não por falta de opção,
mas por ser pobre em criatividade. Dentro da ritualística processual
atual duas vertentes genéricas existem – Lei 9099/95 e Código
de Processo Penal. Como entendeu que a mulher vítima de violência
doméstica ficou sem tutela alguma diante dos institutos da Lei 9099/95,
somente vislumbrou o Código de Processo Penal, com suas deficiências
e mazelas. Menos mal nos Estados que possuem Delegacias de Defesa da Mulher,
como São Paulo, que têm desempenhado papel de inegável valor
no atendimento às mulheres vítimas de crimes sexuais. Certamente,
permanecerão à testa de tão importante atribuição
e desempenharão com lisura, desvelo e respeito à pessoa humana
o acompanhamento de cada caso que surgir.
5.2.1 – Crítica ao paradoxo. A vanguarda e o retrógrado.
O legislador poderia ter mostrado vanguardismo e fecundidade, criando um novo
procedimento ou até valendo-se de ritos especiais mais recentes em detrimento
do rito preconizado pelo revelho Código de Processo Penal. A manutenção
de procedimento superado contrasta com tantos avanços em favor da mulher.
Perdeu-se, mais uma vez, grande oportunidade de propiciar aos operadores do
direito em sua completude alterações legislativas harmonizadas
com os dias atuais em que se anseia por um Poder Judiciário mais célere
e dinâmico na prestação jurisdicional.
5.3 – DIREITO DE PREFERÊNCIA (art. 33, parágrafo único).
Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para
o processo e o julgamento das causas referidas no caput, à semelhança
de réus presos.
É inquestionável que o magistrado criminal deverá sopesar
com razoabilidade os direitos fundamentais sub judice e atuar com senso
aguçado. É que os processos de réus presos, igualmente,
hão de receber tratamento preferencial, porquanto a liberdade é
um dos bens maiores a se resguardar – por exemplo, a medida satisfativa solucionou
a querela relativa à violência familiar e doméstica e afastou
a urgência.
5.4 – COMPETÊNCIA RECURSAL. Da rejeição da denúncia,
caberá o recurso em sentido estrito. Da sentença de mérito
caberá apelação. Os dois recursos serão endereçados
ao Tribunal de Justiça estadual.
Importante novidade deriva da concessão, revisão ou substituição
de uma das medidas protetivas de urgência. Qual o recurso que a parte
poderá manejar? A lei previu. Aquela que se sentir prejudicada impetrará
agravo de instrumento, na forma do CPC, dirigido a uma das Câmaras do
Tribunal de Justiça. Torna-se aparentemente esdrúxula a hipótese,
no entanto é o que se extrai do art. 22, § 4º, da Lei 11.340/06, verbis:
Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber,
o disposto no caput e nos parágrafos 5º e 6º do artigo 461 da Lei nº
5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). E, para
integral compreensão da mens legis, a redação do
art. 461 e seus parágrafos é a seguinte:
§ 5º - Para a efetivação da tutela específica ou a
obtenção do resultado prático equivalente, poderá
o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias,
tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca
e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento
de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição
de força policial.
§ 6º - O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade
da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Assim, os juízes criminais e seus cartórios precisam se adequar
à novidade de conceder medidas de apoio, denominadas de protetivas, às
mulheres em situação de violência doméstica ou familiar,
vez que as medidas assumem um resultado prático imediato equivalente
ao do cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer.
Por certo, os juízes cominarão multa diária ao varão
no caso de descumprimento à determinação imposta.
Importante: se o agressor quiser discutir o mérito da medida protetiva
determinada pelo juiz criminal deverá fazê-lo na Vara de Família.
Jamais na Justiça Criminal, quando somente o recurso de agravo terá
cabimento.
5.4.1 – Tribunal de Justiça de São Paulo. O Tribunal de
Justiça de São Paulo determinou em dois julgamentos (22/01/07)
que a competência para julgar ações de separação
de casais continua com as varas de Família e Sucessões, mesmo
com relato de violência doméstica contra a mulher, a menos que
haja pedido de medidas protetivas.
A Câmara Especial do TJSP entendeu que quando não se pede nenhuma
medida protetiva, nos termos da nova lei, o pedido de separação
deve ser processado pelas varas de Família e Sucessões.
De outro lado, havendo pedido de medidas protetivas de urgência, apresentado
quando do registro de boletim de ocorrência por suposta prática
de violência doméstica e familiar contra a mulher, determina-se
a competência de uma vara criminal.
A lei trouxe o conceito de violência doméstica e familiar em seu texto. Diz o art. 5º que " (...) Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual".
Pouco importa a forma de violência perpetrada contra a mulher, na residência
ou fora dela, pelo companheiro ou por qualquer familiar, que a tutela da lei
incidirá.
Critérios definidores da competência: 1º) violência contra
mulher e 2º) que ela faça parte do âmbito doméstico, familiar
ou de relacionamento íntimo do agente do fato, pouco importando o
local da agressão.
Observação: Para os civilistas, grande novidade adveio, pois o
dispositivo, em seu inciso III, reconhece a relação homossexual
dentro do contexto familiar, ao admitir qualquer relação íntima
de afeto e no parágrafo único preconizar que a relação
pessoal independe de orientação sexual.
I - a violência física, entendida como qualquer conduta
que ofenda sua integridade ou saúde corporal, como por exemplo, lesões
corporais e tortura;
II - a violência psicológica: consiste na conduta que cause
dano emocional e diminuição da auto-estima. Ainda, a que lhe prejudique
e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões. Em qualquer hipótese
o agente deverá atuar mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração
e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que
lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação. Exemplos: o cárcere privado, a ameaça
e o constrangimento ilegal;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual
não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação
ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer
modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto
ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício
de seus direitos sexuais e reprodutivos.Exemplos: estupro, atentado ao pudor,
lenocínio e prostituição;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais,
bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados
a satisfazer suas necessidades. Exemplo: crimes patrimoniais em geral, com a
ressalva à imunidade absoluta (CP, art. 181). A repercussão maior
será no Direito de Família;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.
8.1 – O CRIME DE LESÃO CORPORAL. Para excluir o crime de lesão corporal praticado no ambiente familiar ou decorrente de violência contra a mulher da esfera dos Juizados Especiais Criminais foi alterada a pena de 6 meses a 1 ano para 3 meses a 3 anos. É curial que a redução da pena mínima para três meses teve por fim harmonizá-la à pena da lesão corporal dolosa do caput de 3 meses a 1 ano. No entanto, se o objetivo precípuo do legislador era o de coibir a violência doméstica e familiar, perdeu grande oportunidade de manter a pena majorada, mostrando-se injustificável sua redução. Também foi inserido um parágrafo de número onze ao art. 129, com o fito de agravar a pena do agressor à vítima portadora de deficiência física. A redação dos parágrafos é a seguinte:
Art. 129. § 9º. Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha
convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três)
anos".
§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada
de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
8.1.1 – Sujeitos do delito. Por se tratar de crime comum, o sujeito
ativo pode ser qualquer pessoa. No pólo passivo, o crime é
próprio, exigindo uma qualidade especial do sujeito passivo; assim, define
a lei que podem figurar como vítimas a mulher, o ascendente, descendente,
irmão, cônjuge, companheiro ou convivente. Atente-se que o legislador
não se limitou a tipificar unicamente a conduta do homem que agride a
mulher, mas, inclusive a situação inversa, de mulheres que agridem
o homem no âmbito das relações domésticas, de coabitação
ou de hospitalidade. Embora esta situação seja rara, no dia-a-dia
forense nos deparamos com casos semelhantes e que não poderiam ficar
sem a devida e idêntica punição. Lembre-se que no dispositivo
está, dentre outras, a tutela ao idoso ofendido em qualquer das figurações
mencionadas; a violência contra o idoso é tão intensa e
covarde como a que vem sendo desencadeada contra as mulheres. Por derradeiro,
se a vítima não for nenhuma das referidas, por certo a infração
será punível na forma do caput, seguindo-se os ditames da Lei
9099/95.
8.1.2 – Causa de aumento de pena. Se no âmbito das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a vítima
portar alguma deficiência, adita-se um terço à pena. É
a regra do § 11 recém-inserta.
8.1.3 – REPRESENTAÇÃO NO ART. 129, § 9º. Como se viu acima
(item 2), a Lei 11.340/06 vedou a aplicação da Lei 9099/95. Significa
que os institutos que despenalizam as infrações de menor potencial
ofensivo – composição civil de danos, transação
penal e suspensão condicional do processo – não podem ser aplicados
à lesão corporal em comento.
Como a mesma Lei 9099/95 estabeleceu em seu art. 88 o rebaixamento do crime
de lesão corporal dolosa simples para crime de ação pública
condicionada à representação, significa dizer que o crime
de lesão corporal em estudo voltou a ser de ação pública
incondicionada? A primeira impressão é que sim. Mas o art. 16
da Lei 11.340/06 prevê regras específicas ao estabelecer que "Nas
ações penais públicas condicionadas à representação
da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia
à representação perante o juiz, em audiência especialmente
designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido
o Ministério Público".
Segundo alguns entendimentos, se a Lei Maria da Penha, expressamente em seu
art. 41, proíbe a aplicação da Lei 9099/95 aos crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher, aboliu-se a
representação nos crimes de lesão corporal dolosa, voltando
este a ser de ação pública incondicionada. Dizem alguns
autores que o art. 16 tem seu campo de incidência nos demais crimes de
ação pública condicionada à representação,
como a ameaça.
Respeitamos a interpretação, mas ousamos dela discordar. A interpretação
sistemática conduz ao convencimento da manutenção do statu
quo ante. É certo que a Lei 11.340/06 foi extremamente rigorosa nos
campos penal e processual, buscando intimidar e punir severamente os agressores
com previsões mais gravosas que as usuais. Todavia, ao viabilizar a renúncia
perante o magistrado em audiência específica nos casos de crimes
de ação pública condicionada, certamente flexibilizou aquela
rigidez. Quisesse afastar, por completo, todos os institutos despenalizadores
e o diploma evitaria toda e qualquer interpretação favorável
ao agente.
Pelo Código de Processo Penal, a vítima que representa e volta
atrás antes de expirado o prazo de seis meses, retira do Ministério
Público a legitimidade para propor ação penal contra o
agente. Este instituto processual é denominado de retratação.
A Lei 9099/95 propicia a renúncia ao direito de representação,
se o ofendido se compõe civilmente com o autor do fato (art. 74, parágrafo
único). Seguindo este modelo, a Lei Maria da Penha permite a renúncia
à representação somente perante o magistrado em audiência
especialmente designada para isto (art. 16). É curial que esta solenidade
não se presta a outro crime senão ao de lesão corporal
dolosa contra a mulher em situação de violência doméstica
ou familiar.
Mais. O fim maior colimado pelo diploma é a tutela da mulher agredida,
nas modalidades tratadas no art. 5º, referente ao Título II, o qual exatamente
aborda a violência doméstica e familiar contra a mulher. Se o art.
16 que trata da renúncia ao direito de representar vem disposto no Título
IV, pertinente às Disposições Gerais dos procedimentos
a serem adotados desde a fase policial, certamente tratou o legislador da violência
em suas diversas manifestações e possibilitou a retratação
para a vítima.
A lógica também favorece esta interpretação, vez
que a exclusão da Lei 9.099/95 vem explicitada no art. 41, no Título
VII, correspondente às Disposições Finais. A topologia
dos títulos permite concluir que a previsão anterior prefere a
posterior, caso não a revogue explicitamente.
8.2 - AGRAVANTE GENÉRICA. O incremento feito ao artigo 61, inciso
II, alínea "f", do Código Penal teve objetivos especiais.
A anterior redação admitia o aumento da pena-base quando houvesse
afronta aos princípios de apoio e assistência que deve haver nas
relações dentro do lar, isto é, nas relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. . O incremento
decorrente da nova redação, in verbis: "Art. 61. (...);
II – (...): f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com
violência contra a mulher na forma da lei específica"
teve por objetivo punir mais gravosamente o agente que incorrer em uma das formas
de violência familiar ou doméstica contra a mulher – seja
física, psicológica, sexual ou patrimonial – preconizadas nos
arts. 5º a 7º, da Lei 11.340/06. Destarte, abstraindo-se o bis in idem
que fatalmente advirá se o agente incursionar nas sanções
do art. 129, § 9º, haverá a incidência, por exemplo, em crimes
de ameaça, estupro, tortura, constrangimento ilegal, contra a honra e
outros. Inexiste empecilho para que o agente incorra em mais de uma espécie
de violência, por exemplo, estupro e tortura.
9.1 – PROCESSO E JULGAMENTO. Afastado o rito dos Juizados, a processo
e o julgamento das lesões corporais será consoante o rito dos
crimes apenados com detenção (CPP, arts. 538/540).
9.2 – PRISÃO CAUTELAR. Segundo dispõe o art. 20 da Lei,
"Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução
criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo
juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou
mediante representação da autoridade policial".
Em sintonia com o disposto no Código de Processo Penal, prevê o
parágrafo único do art. 20 que "O juiz poderá revogar
a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo
para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões
que a justifiquem".
Para harmonizar a nova possibilidade de prisão cautelar, o art. 42 da
Lei 11.340/06, acrescentou um inciso ao art. 313 do Código de Processo
Penal:"IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução
das medidas protetivas de urgência."Anote-se que a perda da liberdade
exclusivamente existirá, se durante o inquérito ou o processo-crime,
o agressor de algum modo inviabilizar a execução de qualquer das
medidas protetivas de urgência concedidas pelo magistrado.
Questão interessante surge: é possível a prisão
em flagrante delito?
Em regra não, pois as medidas protetivas de urgência são
concedidas em situações excepcionais no bojo de uma agressão
à mulher nas hipóteses catalogadas pela lei em comento.
Exemplificando: o marido agride violentamente a esposa que leva a notitia
criminis à autoridade policial. No contexto, é solicitado
e o juiz determina o afastamento do lar conjugal, eis que existem provas seguras
de que as agressões se repetem há longa data. Obviamente, como
a análise judicial é posterior ao fato, não se admite a
custódia em flagrante. Contudo, uma vez afastado do lar conjugal, se
o marido, descumprir a execução da medida protetiva de urgência,
admite-se sua prisão preventiva. Agora, se além de descumprir
a medida protetiva, voltar a agredir a esposa, viabiliza-se a prisão
em flagrante por este novo fato. Sendo possível na hipótese decretar-se
a prisão preventiva do agressor, certamente o flagrante será permitido,
vez que presente requisito autorizador da prisão preventiva.
9.2.1 – Intimação da mulher em caso de prisão cautelar:
diz o art. 21 que: A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais
relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à
saída da prisão, sem prejuízo da intimação
do advogado constituído ou do defensor público. A precaução
com o bem-estar da mulher agredida é marcante. Assim, todo ato processual
em face do agressor deverá contar com a concomitante notificação
da mulher, mormente nas situações de perda ou aquisição
da liberdade individual. A eventual liberdade do agente deve ser comunicada
para que a mulher possa se resguardar ou precaver contra eventual vingança
do companheiro contra ela ou familiares.
9.2.2 – Intimações e Notificações: na esteira
da tutela com a segurança da mulher, prevê o art. 21, em seu parágrafo
único que "A ofendida não poderá entregar intimação
ou notificação ao agressor".
Sugere a lei que mulher e agressor continuem residindo sob o mesmo teto. Nesta
proposição, o oficial de justiça deve atentar que a intimação
seja entregue diretamente ao agressor. Veda-se que o oficial de justiça
entregue a missiva à mulher agredida para que a repasse a ele.
9.3 – A SENTENÇA CONDENATÓRIA. O peso da rigidez legislativa
contra o agressor doméstico ou familiar vem recrudescido no desfecho
do processo. A par das medidas protetivas de urgência eventualmente impostas
pelo magistrado criminal, a sentença de natureza condenatória
obrigatoriamente imporá maiores restrições.
Foi expressamente vedado converter-se a pena privativa de liberdade em pena
restritiva de direitos na modalidade de doação de cesta básica
ou prestação pecuniária, tanto que o art. 17 estatui in
verbis: É vedada a aplicação, nos casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica
ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição
de pena que implique o pagamento isolado de multa.
Mas, se de um lado a vedação expressa de tais penas substitutivas
revela o caráter repressor do texto, de outro lado infere-se a viabilidade
das penas substitutivas de prestação de serviços à
comunidade ou de limitação de fim de semana.
Explica-se. O art. 44, I, do Código Penal proíbe a pena substitutiva
quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos
e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça
à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.
A interpretação literal conduziu inúmeros doutrinadores
ao entendimento de que qualquer crime praticado com violência ou grave
ameaça torna impossível a benesse legal.
No entanto, posições mais judiciosas mostram que no caso de infração
de menor potencial ofensivo – lesão corporal leve, constrangimento ilegal,
ameaça e a contravenção de vias de fato – admite-se a substituição.
Justifica-se. Se no âmbito da Lei 9099/95, permite-se a imposição
de institutos despenalizadores tais como a composição civil de
danos e a transação penal, mesmo após a instauração
de processo, a substituição deve ser aceita, por viger nos Juizados
o princípio da imposição de pena não privativa
de liberdade (Lei 9099/95, art. 62, in fine).
A nova redação dada ao art. 152, parágrafo único,
da Lei de Execuções Penais pelo art. 45 da Lei Maria da Penha
denota a meta optata. Esta é a base de sustentação.
O diploma em estudo permite a pena substitutiva na esteira do entendimento ora
esposado, porquanto preconiza o novo parágrafo único do art. 45:
Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá
determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação
e reeducação. Assim sendo, o juiz pode substituir a pena privativa
de liberdade por pena restritiva de direitos consistente em limitação
de fim de semana.
A pena restritiva de direitos é a que melhor se ajusta ao réu
primário e de bons antecedentes, especialmente por impedir o compartilhamento
em celas superlotadas entre ele e presos comuns, autores de crimes de toda espécie.
A preservação da dignidade da pessoa humana deve ser objetivo
de todo magistrado criminal, que somente deve impor a restrição
da liberdade em casos extremados.
Conquanto a pena substitutiva de limitação de fim de semana tenha
sido opção do legislador, em especial por impor comparecimento
obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação,
não podemos olvidar que esta pena tem se mostrado sem serventia na prática.
Isto porque, na maioria das cidades brasileiras, inexiste local adequado para
manter o condenado por cinco horas diárias aos sábados e domingos.
A pena substitutiva que tem traduzido bons frutos de ressocialização
e inserção social do condenado é a prestação
de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Em São
Paulo foi criada a Central de Penas e Medidas Alternativas (CPMA), órgão
afeto ao Departamento de Reintegração Social Penitenciário,
que tem por objetivo auxiliar os Juízos Criminais e de Execução
Criminal a dar efetivo cumprimento à pena em tela, encaminhando e fiscalizando
os infratores junto às entidades conveniadas por ela.
Temos visto resultados significativos, em especial pela valorização
do ser humano, em consonância com o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana. À Central compete proporcionar: atendimento
interdisciplinar, mediante abordagens individuais e grupais, fomentando discussões
que propiciem a percepção de participação num contexto
social; promover a interação com o coletivo exercendo a cidadania
com autonomia e solidariedade; estimular a construção do próprio
projeto de vida; apoio da comunidade para a aplicação da pena,
através de esclarecimento e acompanhamento das instituições,
enfatizando seu caráter educativo.
Tudo nos leva a crer que a adoção da pena substitutiva de prestação
de serviços à comunidade é o melhor caminho a ser seguido,
malgrado o dispositivo legal.
O legislador criou providências emergenciais que dotam o juiz criminal
ou do juizado de violência doméstica de competência amplíssima.
Estas, denominadas de medidas protetivas de urgência têm o fim precípuo
de preservar a integridade física e psicológica da mulher e, no
mais das vezes, da prole, contra toda e qualquer espécie de violência
estudada acima e perpetrada pelo agressor (art. 5º).
Chama-se a atenção do magistrado criminal na análise dos
pedidos de tais tutelas, em face das conseqüências nefastas que podem
atingir o lar conjugal. Assim, somente após uma análise comedida
e amadurecida do contexto é que se deve conceder uma, duas ou várias.
10.1 – A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O MINISTÉRIO PÚBLICO.
Ao tomar conhecimento de situação de violência doméstica
ou familiar, a autoridade policial e/ou o Ministério Público podem
adotar as providências legais cabíveis à mulher agredida
ou em vias de o ser. Impende ressaltar que ambas as autoridades têm legitimidade
para tanto, inclusive no caso de descumprimento pelo agressor de alguma das
medidas impostas (art. 10 e parágrafo único).
As providências da polícia judiciária são da maior
importância, porquanto é a autoridade policial quem tem o primeiro
contato com a mulher agredida e a quem informará os direitos decorrentes
desta Lei aliado aos serviços públicos disponíveis.
Suas atribuições estão minuciosamente descritas nos arts.
11 e 12 da Lei Maria da Penha, com preponderância para a proteção
irrestrita da mulher agredida, inclusive sua condução para abrigo
seguro, em caso de risco de vida e, fundamentalmente, auxiliá-la na elaboração
de pedido para concessão de alguma tutela de urgência.
A atuação ministerial vem disciplinada nos arts. 25 e 26. De regra,
o representante do Ministério Público intervirá como parte.
Se não o for, necessariamente intervirá como custos legis
nas causas cíveis e criminais. Destaca, outrossim, o diploma legal que
é sua atribuição, tão logo cientificado da agressão,
requisitar força policial e serviços públicos de saúde,
educação, assistência social e segurança. Exercerá
função fiscalizatória nos estabelecimentos públicos
e particulares de atendimento à mulher em situação de violência
doméstica e familiar. Por fim, igualmente deverá cadastrar os
dados para fins de mapeamento estatístico dos casos de violência
contra a mulher.
10.2 – O MAGISTRADO CRIMINAL OU DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
(arts. 18, 19). Já vimos que antes de criadas as Varas específicas
atinentes à Violência Doméstica e Familiar, os juízes
criminais serão competentes para o processo e julgamento das causas correlatas
à matéria. Nos primeiros casos surgidos na Comarca de Sorocaba,
a mulher tem pleiteado, via de regra, a medida de proteção de
afastamento do agressor do lar conjugal, tão logo comparece ao Distrito
Policial para solicitar a elaboração do Boletim de Ocorrência.
Com o auxílio da autoridade formulará seu reclamo.
Ao receber o expediente, cabe ao juiz no prazo de quarenta e oito horas o conhecimento
do pedido e a decisão sobre as medidas protetivas de urgência.
Em regra, as medidas serão deferidas pelo juiz após requerimento
formulado pelo órgão ministerial ou pela ofendida. Contudo, no
caso concreto, pode o juiz decidir de ofício independentemente de audiência
das partes e de manifestação do Ministério Público,
caso em que este será prontamente comunicado.
Poderá ser concedida uma ou mais medidas, bem como serem substituídas,
revogadas e restauradas.
Como é conhecido por todos que militam na lides do Direito de Família,
a complexidade de casos é freqüente. Por este motivo, embora somente
após a criação e instalação das Varas específicas
se cogitará de equipe multidisciplinar para avaliação dos
casos complexos (art. 31), o juiz criminal deverá envidar esforços
para obter manifestação de profissional especializado na área,
para respaldar sua decisão.
10.3 – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA CONTRA O AGRESSOR (art. 22).
São as seguintes, in verbis:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas,
com comunicação ao órgão competente, nos termos
da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com
a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação
da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo
de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus
familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c)
freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes
menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Importante: Caso o magistrado se convença pelos dados constantes
do expediente ou por qualquer outra razão (ex: cientificado por oficial
de justiça) de que a medida concedida demanda maiores cuidados, em face,
por exemplo, de embriaguez constante e violência do agressor, autoriza
o § 3º a possibilidade de requisitar, a qualquer momento, auxílio de
força policial.
10.4 – MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À OFENDIDA (art. 23).
Em harmonia com o sistema, visando proporcionar segurança e amparo à
mulher agredida, pode o juiz, in verbis:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário
de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes
ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos
relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
10.5 – MEDIDAS DE URGÊNCIA DE CARÁTER PATRIMONIAL (art. 24).
Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar,
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras (a possibilidade de cumulação
destas medidas com qualquer outra anteriormente referida, está contida
na expressão "entre outras"):
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor
à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração
de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade
em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida
ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante
depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática
de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
A lei impõe um dever ao magistrado. Na verdade, traduz-se em um poder-dever.
Ao conceder uma ou mais das três medidas iniciais, deverá oficiar
ao cartório competente visando dar efetividade à ordem judicial.
A lei 11.340/06 proporciona à mulher em situação de violência doméstica e familiar, além daquelas de cunho familiar, e objetivando a preservação de sua integridade física e psicológica, duas hipóteses de segurança no trabalho. Ambas vêm previstas no art. 9º, § 2º do diploma e se referem ao acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; se empregada pelo regime da CLT, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
Ao manter toda a problemática familiar no seio policial, ou seja, dentro
do inquérito policial, prejuízos tão conhecidos se repetirão
como o alongamento de colheita de provas que viabilizam a prescrição;
em muitas delegacias o descaso com a vítima e com a magnitude do problema
social em pauta; a influência de políticos para proteção
de apaniguados com intimidação a delegados de polícia etc.
Assim, o que era para ser tratado com redobrado zelo ante os bens jurídicos,
sociais e morais em xeque, pode voltar à vala comum, tal qual desde a
vigência do Código de Processo Penal até a entrada em vigor
da Lei 9099/95.
Não se olvide, no entanto, que grande culpa pela visão desfocada
do tema deve ser assumida pelo próprio Poder Judiciário. É
que vigeu, por longa data, com grande prevalência, jurisprudência
que admitia a absolvição do agressor por medida de política
criminal, quando a mulher o perdoava em audiência. Jamais se sabia como
e por que a mulher assim agiu....
12.1 – SUGESTÃO DE MEIOS PARA A EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. Vimos o paradoxismo de um diploma vanguardista e, ao mesmo
tempo, retrógrado. A cura para o anacronismo parece ser insolúvel,
mormente na esfera policial, já que convivemos de há muito com
o procedimento em tela. Contudo, o tempo situará onde figuram os maiores
entraves na consecução do fim trilhado pelo diploma.
De todo modo, a atuação mais presente do Ministério Público
durante os inquéritos se tornará fator preponderante para mitigar
que o antiquado procedimento conduza à indústria das prescrições
e extinções de punibilidade, minimize o desrespeito à pessoa
humana que infesta os Distritos Policiais e acenda a esperança de dias
melhores para as vítimas de violência doméstica. De outra
parte, as decisões judiciais devem ser atuais, condizentes com a realidade
de violência exacerbada em todos os quadrantes, especialmente dentro dos
lares.
Em suma, pode parecer utópico, mas pensamos que se o Ministério
Público e a Magistratura se imbuírem com afinco nos misteres primados
pelo novo diploma, será factível galgar degraus outrora impensáveis
na redução dos altos índices de violência no Brasil.
Jayme Walmer de Freitas
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