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Tratando-se do controle difuso, ou por via de exceção, a declaração de inconstitucionalidade resultará apenas em efeitos para as partes que figuram no processo, e esses efeitos serão aplicados retroativamente, para que sejam resguardados os direitos da parte, a partir do momento em que foram atingidos (ex tunc). Somente após uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, através de Recurso Extraordinário, e após a suspensão da eficácia da norma inconstitucional pelo Senado Federal, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade dessa norma alcançarão a todos (eficácia erga omnes) que tenham tido seus direitos violados. Nesse caso, os efeitos se produzirão ex nunc, ou seja, a partir do momento da suspensão da norma.
É importante observar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o tema da inconstitucionalidade em tese, cujo deslinde atingirá, necessariamente, a todos os jurisdicionados que se encontrem em determinadas situações regidas pela norma cuja inconstitucionalidade esteja sendo argüida, deverá considerar, também, as conseqüências que de sua decisão advirão em relação a todas as situações jurídicas já criadas a partir do controle difuso. Dessa forma, as decisões das instâncias inferiores, que tenham gerado direitos concretos e até mesmo ganhos pecuniários para as partes envolvidas nas questões judiciais, não poderão ser desconstituídas, em decorrência da decisão em sede de Ação Direta.
O controle de constitucionalidade tem, portanto, conforme já dito anteriormente, extraordinárias conseqüências sociais, políticas e econômicas, não podendo ser efetivado sob um aspecto estritamente jurídico, e isso não é novidade, porque nos Estados Unidos, em famoso caso decidido pela Suprema Corte em 1.908 (Memorial Brandeis), ficou evidenciada a comunicação entre a norma e o fato, que constitui condição para a própria interpretação constitucional, sendo assim abandonada a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional configurava simples "questão jurídica" de aferição de legitimidade da lei em face da Constituição.
Observe-se, ainda, que em consonância com a jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal, a Lei 9.868/99 estabeleceu, no § 1o de seu art. 11, que a cautelar deverá ser concedida, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa, e determinou, ainda, no § 2o , que a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior (repristinação), salvo expressa manifestação em contrário do STF.
As mesmas considerações relacionadas com as conseqüências da decisão a respeito da inconstitucionalidade para a ordem social e a segurança jurídica determinaram a aprovação da norma constante do art. 12 da mesma Lei, pela qual o Relator, tendo em vista a relevância da matéria, poderá submeter o processo diretamente ao Tribunal, para que este julgue definitivamente a Ação, eliminando assim definitivamente, em curto espaço de tempo, a controvérsia constitucional.
Dispõe o art. 27:
"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado, ou de outro momento que venha a ser fixado."
Essa norma, ao permitir que o Supremo Tribunal Federal estabeleça limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, permite também que o Supremo, ao examinar a regularidade da lei em face da Constituição, não se atenha apenas, cegamente, aos aspectos jurídicos da questão, mas que ele possa cumprir, efetivamente, no desempenho de sua missão de guardião da Constituição, e seu intérprete máximo, a sua função mais importante, exatamente a de tornar a Constituição um instrumento vivo, adaptando-a às novas condições sociais.
Aliás, a exemplo do art. 27 da Lei 9.868/99, suso transcrito, também no art. 11 da Lei 9.882/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal, foi prevista a mesma hipótese de exceção à regra da nulidade do ato impugnado, mediante a seguinte previsão:
"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."
Comentando o art. 282 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece fórmula semelhante à que ora examinamos, opina Jorge Miranda:
"A fixação dos efeitos da inconstitucionalidade destina-se a adequá-los às situações da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que pudesse comportar; destina-se a evitar que, para fugir a conseqüências demasiado gravosas da declaração, o Tribunal Constitucional viesse a não decidir pela ocorrência de inconstitucionalidade; é uma válvula de segurança da própria finalidade e da efetividade do sistema de fiscalização."
A norma sob exame, do art. 27 da Lei 9.868/99, veio assim aperfeiçoar nosso processo de controle direto da constitucionalidade, permitindo ao Excelso Pretório suplantar um dos maiores óbices ao desempenho dessa importantíssima missão que lhe foi constitucionalmente deferida, já denunciado, v.g., a quando do julgamento, pelo Supremo, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 526, proposta contra a Medida Provisória no 296/91, que concedia aumento de remuneração a segmento expressivo do funcionalismo público, em alegado desrespeito ao disposto no art. 37, X, da Constituição.
A respeito, transcrevemos trecho, bastante elucidativo, do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do pedido de concessão de medida cautelar:
"Põe-se aqui, entretanto, um problema sério e ainda não deslindado pela Corte, que é um dos tormentos do controle da constitucionalidade da lei pelo estalão do princípio da isonomia e suas derivações constitucionais.
Se a ofensa à isonomia consiste, no texto da norma questionada, na imposição de restrição a alguém, que não se estenda aos que se encontram em posição idêntica, a situação de desigualdade se resolve sem perplexidade pela declaração da invalidez da constrição discriminatória.
A consagração positiva da teoria da inconstitucionalidade por omissão criou, no entanto, dilema cruciante, quando se trate, ao contrário, de ofensa à isonomia pela outorga por lei de vantagem a um ou mais grupos com exclusão de outro ou outros que, sob o ângulo considerado, deveriam incluir entre os beneficiários.
É a hipótese, no quadro constitucional brasileiro, de lei que, à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda, não dê alcance universal à revisão de vencimentos, contrariando o art. 37, X, ou que, para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas, fixe vencimentos díspares, negando observância à imposição de tratamento igualitário do art. 39, § 1o, da Constituição.
A alternativa que aí se põe ao órgão de controle é afirmar a inconstitucionalidade positiva de norma concessiva do benefício ou, sob outro prisma, a da omissão parcial consistente em não ter estendido o benefício a quantos satisfizessem os mesmos pressupostos de fato subjacentes à outorga (Canotilho, "Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador", l992, 333 ss.; 339; "Direito Constitucional", 1986, pág. 831; Gilmar F. Mendes, "Controle de Constitucionalidade", 1990, págs. 60 ss.; Regina Ferrari, "Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade", 1990, págs. 156 ss.; Carmem Lúcia Rocha, "O Princípio Constitucional da Igualdade", 1990, pág. 42): "a censurabilidade do comportamento do legislador" – mostra Canotilho ("Constituição Dirigente", cit., pág 334), a partir da caracterização material da omissão legislativa – "tanto pode residir no acto positivo – exclusão arbitrária de certos grupos das vantagens legais – como no procedimento omissivo – emanação de uma lei que contempla positivamente um grupo de cidadão, esquecendo outros".
Se se adota a primeira solução – a declaração de inconstitucionalidade da lei por "não favorecimento arbitrário" ou "exclusão inconstitucional de vantagem" – que é a da nossa tradição (v. g. RE 102.553, 21-8-86, RTJ 120/725) – a decisão tem eficácia fulminante, mas conduz a iniqüidades contra os beneficiados, quando a vantagem não traduz privilégio, mas imperativo de circunstâncias concretas, não obstante a exclusão indevida de outros, que ao gozo dela se apresentariam com os mesmos títulos.
É o que ocorreria, no caso, com a suspensão cautelar da eficácia da medida provisória, postulada na ADIn 525: estaria prejudicado o aumento de vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem que daí resultasse benefício algum para os excluídos do seu alcance.
A solução oposta – a da omissão parcial, seria satisfatória, se resultasse na extensão do aumento – alegadamente, simples reajuste monetário, a todos quantos sofrem com a mesma intensidade a depreciação inflacionária dos vencimentos.
A essa extensão da lei, contudo, faltam poderes ao Tribunal, que, à luz do art. 103, § 2o, CF, declarando a inconstitucionalidade por omissão da lei – seja ela absoluta ou relativa, há de cingir-se a comunicá-la ao órgão legislativo competente, para que a supra.
De resto, como assinalam estudiosos de inegável autoridade (v.g. Gilmar Mendes, cit. pág. 70), o alvitre da inconstitucionalidade por omissão parcial ofensiva da isonomia – se pôde ser construída, a partir da Alemanha, nos regimes do monopólio do controle de normas pela Corte Constitucional, suscita problemas relevantes de possível rejeição sistemática, se se cogita de transplantá-la para a delicada simbiose institucional que se traduz na convivência, no direito brasileiro, entre o método de controle direto e concentrado no Supremo Tribunal e o sistema difuso.
Ponderações que não seria oportuno expender aqui fazem, porém, com que não descarte de plano a aplicabilidade, no Brasil, da tese da inconstitucionalidade por omissão parcial. Ela, entretanto, não admite antecipação cautelar, sequer, limitados efeitos de sua declaração no julgamento definitivo; muito menos para a extensão do benefício aos excluídos, que nem na decisão final se poderia obter."
Também é muito pertinente, a respeito da necessidade de aperfeiçoamento do sistema de controle direto, a citação das palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, proferidas no julgamento da ADC n. 1, verbis:
"a convivência entre o sistema difuso e o sistema concentrado não se faz sem uma permanente tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa; na multiplicidade de processos que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da legislação, sobretudo da legislação tributária e matérias próximas, levará, se não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente rápida e uniforme, ao estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de sua ampliação e, progressivamente, ao maior descrédito da Justiça, pela sua total incapacidade de responder à demanda de centenas de milhares de processos rigorosamente idênticos, porque reduzidos a uma só questão de direito".
Considerada a necessidade de que a controvérsia constitucional seja resolvida de forma geral, definitiva e imediata, para que seja evitada a pletora de ações e de recursos extraordinários idênticos, que se pode constituir em real ameaça ao próprio funcionamento do Excelso Pretório e das próprias Cortes Ordinárias, e também a necessidade de que a pronta decisão definitiva a respeito da regularidade da norma infraconstitucional afaste as incongruências hermenêuticas e as confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos, capazes de comprometer gravemente o princípio da segurança jurídica e o da necessária prestação da efetiva tutela jurisdicional,
Considerada, ainda, a necessidade de que a decisão do Supremo Tribunal Federal não seja restrita, apenas, aos aspectos técnico-jurídicos da inconstitucionalidade, mas considere, também, os aspectos sociais, econômicos e políticos envolvidos,
Entendemos que devem ser ressaltados apenas os aspectos positivos da norma sob exame, do art. 27 da Lei 9.868/99, que certamente poderá contribuir para o aperfeiçoamento do nosso sistema de controle direto da constitucionalidade, que se deve orientar, basicamente, no sentido da realização efetiva do ordenamento constitucional, sem o apelo aos excessivos formalismos, mas tendo sempre em vista a efetividade dos princípios fundamentais consagrados pela Lei Magna.
Fernando Lima
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