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Muito se discutiu na doutrina a respeito da natureza jurídica da sentença
declaratória da falência. Para uns, afigurava-se elemento constitutivo
do crime, pois a sentença integrava a figura típica da incriminação
legal1 ; para outros, seria condição objetiva de procedibilidade,
pois o art. 507 da LFC pressupunha que a ação penal não
podia iniciar-se antes de declarada a falência. Para uma terceira corrente,
tratava-se de condição objetiva de punibilidade. Esta sempre foi
a posição prevalente e, agora, concebida expressamente pelo legislador
falitário.
Define-se as condições objetivas de punibilidade como circunstâncias
que se encontram fora do tipo do injusto e da culpabilidade, mas de cuja existência
depende a punibilidade do fato2 . Situam-se fora do dolo do agente
e estão sujeitas a um acontecimento incerto e posterior ao fato criminoso3 . Dizem ainda que condições de punibilidade do fato são
os elementos objetivos extrínsecos à ação ou à
omissão, concomitantes ou sucessivos à execução
do próprio fato, e sem o concurso dos quais este não é
punível porque não constitui crime4 . As três
sentenças declinadas funcionam como pressuposto de procedibilidade da
ação penal e de punibilidade do devedor ou falido pelo cometimento
da infração falimentar. São condicionantes da instauração
de inquérito policial e, por via de conseqüência, de oferecimento
de denúncia e da punição do agente.
Por serem condicionantes da punição do agente, caso sejam rescindidas
ou revogadas, a extinção da punibilidade do devedor ou falido
será viabilizada através de revisão criminal perante o
Tribunal competente.
Indaga-se: qual a natureza jurídica dessas sentenças quanto aos
crimes pós-falimentares ou pós-recuperação judicial?
A questão é acadêmica, porém merece reflexão,
porquanto na medida em que o devedor ou falido tem ciência de sua condição
pessoal registrada em sentença, a conduta delitiva amoldada a uma figura
típica falitária, faz com que a sentença integre, passe
a ser elemento constitutivo da infração. É o caso de fraude
a credores perpetrada pós-sentença, em que o devedor se vale de
documentos falsos para justificar despesas inexistentes; existindo a sentença
declaratória esta integrará o tipo penal falitário.
Outra indagação relevante: é possível, ante a concessão
de recuperação judicial e a prática de crime do devedor
não ser decretada a falência? Sustentamos que sim, porquanto o
coração, o cerne, a alma da LREF reside na preservação
da atividade produtiva. Preconiza o art. 47 da LREF que "A recuperação
judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação
de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção
da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função
social e o estímulo à atividade econômica". Como o
primado do novel diploma é a manutenção da fonte produtiva,
com a preservação da empresa, mecanismos foram previstos para
alcançar tal desiderato, tanto que o processo e eventual condenação
do devedor somente afetarão sua pessoa, restando inatacada a nascente,
a fonte de toda a atividade econômica que ele não soube gerir.
Sua reprimenda e eventualmente dos demais administradores, porém, será
o afastamento da condução da atividade empresarial (art. 64 e
incisos).
4 - Do Juízo Competente. O art. 183 da LREF reza que: "Compete
ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência,
concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação
extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta
Lei". Uma leitura desarmada e desatenta ao dispositivo conduz, inexoravelmente,
à conclusão de que o legislador ordinário definiu que o
processo-crime haverá de ser processado e julgado perante a justiça
criminal do local da quebra. Ledo engano. As Leis de Organização
Judiciária é que devem definir a competência em razão
da matéria na esfera criminal. Não é por outra razão
que o art. 74 do CPP estatui que "A competência pela natureza da
infração será regulada pelas leis de organização
judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri".
Antes mesmo de vir a lume a Lei 11.101/05, o arguto Tourinho Filho já
criticava o legislador, vez que afrontada nossa Carta Magna e pedia que fosse
reparado o equivoco5 .
Explicava o mestre que o art. 24, XI, da Constituição Federal
prevê competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre procedimentos em matéria processual e
o § 1º complementa que "No âmbito da legislação concorrente,
a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas
gerais". Portanto, "as normas especiais (distribuição
de competência aos juízes) são dos Estados e do Distrito
Federal. Desse modo, cabe à Lei de Organização Judiciária
dos Estados e do Distrito Federal, e não à União, estabelecer
a competência para a ação penal, em face da natureza da
infração (art. 74 do CPP). No Estado de São Paulo, a Lei
de Organização Judiciária atribuía e atribui aos
Juízes das Varas de Falências da Capital competência para
o processo e julgamento dos crimes falimentares. Os frutos foram tão
bons que posteriormente, a Lei estadual n. 3.947, de 8-12-1983, no art. 15,
estendeu essa competência às Varas de Falências de todo o
Estado. Houve argüição de inconstitucionalidade e conflitos
de competência, e o Supremo Tribunal Federal decidiu, com acerto, que
o diploma paulista era constitucional por se tratar de mera regra de organização
judiciária (RT 629/418, 611/449 e RTJ 119/133)".
Do exposto, alinhamo-nos a Tourinho Filho para reputar inconstitucional o art.
183 da LREF. Destarte, se algum Estado-membro ou o Distrito Federal dispuser
diferentemente, em sua lei de organização judiciária, quanto
ao juízo competente para o processo e julgamento dos crimes em espécie
estatuídos na LREF, estarão acobertados pela Carta da República,
sem se olvidar que o juízo competente – cível ou criminal – será
aquele da jurisdição onde foi decretada a falência ou a
recuperação.
Em São Paulo, através da Resolução nº 200/2005,
o Tribunal de Justiça, por seu órgão especial, visando
primacialmente a especialização do serviço judiciário
do Estado criou três Varas de Falências e Recuperações
Judiciais, com competência para processar, julgar e executar os feitos
relativos a falência, recuperação judicial e extrajudicial,
principais, acessórios e seus incidentes, incluídas as ações
penais (art. 15, da Lei Estadual nº 3.947/83). Em conseqüência, ficam
os juízes cíveis das Comarcas do interior com competência
idêntica.
Nos demais Estados, se a competência for mantida na justiça criminal,
como aventado pelo legislador falitário, existirão dois processos:
um cível e um criminal. Aquele com trâmite na esfera cível
e o outro terá distribuição livre, competindo a um Juiz
Criminal da comarca o processo e o julgamento; quanto ao órgão
do Ministério Público a oficiar, disciplina administrativa ou
lei de organização judiciária disporá a respeito.
Sumário: 1. O crime falimentar. 2. Objetividade Jurídica.
3. Direito Intertemporal. 4. Classificação Doutrinária.
5 – Unidade de Crimes. 6. Das sanções penais. 7. Concurso de Pessoas.
8. Efeitos da sentença condenatória. 9. Prescrição.
1. Os crimes falimentares. Como é cediço, às vésperas
da quebra, o devedor, pessoalmente ou em co-autoria, pode lançar mão
de expedientes ilícitos para minimizar os efeitos financeiros da bancarrota.
O comportamento criminoso pode ocorrer antes ou depois de qualquer das sentenças
e contar, inclusive, com o conluio de credores.
Enquanto os tipos penais não forem aglutinados em um único diploma,
leis extravagantes existirão contemplando-os. A LREF trata dos crimes
em espécie nos arts. 168 usque 178 e oferece regras de cunho penal
em suas Disposições Comuns, relativas a concurso de pessoas (art.
179), natureza jurídica da sentença proferida pelo juiz cível
(art. 180), efeitos da sentença condenatória penal falimentar
(art. 181) e prescrição (art. 182).
Já feita a abordagem inicial da natureza jurídica das sentenças
no processo de recuperação ou falência, restam as demais
referências.
2. Objetividade Jurídica. A doutrina e a jurisprudência
até a data atual não chegaram a um consenso acerca da natureza
jurídica das infrações da LFC e agora da LREF. Para uns
penalistas eram crimes contra a fé pública (Carrara e Siqueira),
contra a economia pública (Persina e Carfora), contra a administração
da justiça, contra o patrimônio (Carvalho de Mendonça),
pluriobjetivos e contra o comércio. Posiciona-se o eminente autor Rubens
Requião6 ao lado de Sady Cardoso de Gusmão no sentido
de que os crimes são pluriobjetivos, porquanto observando os tipos penais
conclui-se que mesclam crimes contra a fé pública, contra o comércio
e a economia, bem como contra a administração da justiça
e contra a propriedade.
Considerando que os tipos penais falimentares são praticamente idênticos
aos da LFC, salvo a expressiva majoração das penas privativas
de liberdade, filiamo-nos, também, à corrente que defende a objetividade
jurídica plúrima. A disposição dos crimes ficou
mais lógica e racional.
3. Direito Intertemporal. Como dito, o legislador foi mais rigoroso,
criando tipos penais com penas mais rigorosas e ampliando o prazo prescricional
com esteio, agora, no CP. A conseqüência desse rigor é de
que tanto os novos tipos como o prazo prescricional, somente terão aplicabilidade
aos fatos ocorridos a partir de 09 de junho de 2.005, posto que a lei mais severa
é irretroativa, na garantia constitucional canonizada no art. 5º, XL,
da CF, verbis: "a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu". Portanto, os fatos perpetrados até
o dia 08 de junho de 2.005 serão processados e julgados consoante os
ditames do diploma anterior e contarão com o prazo prescricional bienal,
amplamente mais favorável, admitido pelo art. 199 da LFC7.
4. Classificação Doutrinária. É o nome dado
ao fato delituoso pela doutrina. Os crimes previstos da LREF podem ser classificados
quanto ao agente; quanto ao momento da ação ou omissão;
e quanto ao resultado.
- Quanto ao sujeito ativo: podem ser próprios ou impróprios.
Crime próprio é aquele que só pode ser cometido por uma
determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular
condição ou qualidade pessoal8 . Na Lei 11.101/05 próprios
são os crimes perpetrados pelo devedor ou pelo falido, equiparando-se
a eles, na medida de sua culpabilidade, os sócios, diretores, gerentes,
administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador
judicial (art. 179). Crime impróprio, no sentido inverso, são
os crimes em que a lei não exige uma condição especial
do agente, que na LREF são sujeitos ativos: o juiz, o representante do
Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial,
o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro
que, por si ou por interposta pessoa, adquirirem bens de massa falida ou de
devedor em recuperação judicial ou, em relação a
estes, entrarem em alguma especulação de lucro, quando tenham
atuado nos respectivos processos.
- Quanto ao momento da ação ou omissão: podem ser
crimes pré-recuperação ou pré-falimentares e crimes
pós-recuperação ou pós-falência. Quando perpetrados
antes da decisão respectiva, vimos que a sentença funciona como
condição específica de punibilidade; já, quando
perpetrados após a prolação da sentença, esta funciona
como elemento constitutivo do crime perpetrado.
- Quanto ao resultado ou ao efeito. Podem ser de dano ou de perigo. Na
visão de Rocco, citado por Miranda Valverde, dano é a modificação
do mundo exterior que produz a perda ou a diminuição de um bem
ou de um interesse humano; perigo é a modificação do mundo
exterior (resultado), voluntariamente causada ou não impedida (ação
ou omissão), contendo a potencialidade (idoneidade, capacidade) de produzir
a perda ou a diminuição de um bem, o sacrifício ou a restrição
de um interesse (dano).9
Para Capez, o crime de dano exige uma efetiva lesão ao bem jurídico
protegido para sua consumação (homicídio, furto, dano etc.).
Já o crime de perigo para sua consumação, basta a possibilidade
de dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (crime de
periclitação da vida ou saúde de outrem – art. 132 do CP).
Subdivide-se em: a) crime de perigo concreto, quando a realização
do tipo exige a existência de uma situação efetivo perigo;
b) crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é
presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se pune o agente mesmo
que não tenha chegado a cometer nenhum crime (...).10
Em nossa ótica: Perigo abstrato se dá quando a realização
da conduta descrita no tipo é suficiente para a punição,
sendo desnecessário que dela advenha perigo concreto. Não precisa
ser provado, pois a lei presume-o jure et de jure. Perigo concreto
ocorre quando o perigo precisa ser provado. Não há presunção,
exigindo-se prova do perigo de dano à coletividade ou a pessoa determinada.
Assim, nos crimes de dano, a ação ou omissão do empresário
devedor produz, efetivamente, um dano ou uma lesão; nos crimes de perigo,
essa ação ou omissão se traduz numa potencialidade de acarretar
dano ao bem jurídico tutelado. Exemplos: a) crimes de dano (art. 168
– fraude a credores; art. 174 - aquisição, recebimento ou uso
ilegal de bens); b) crimes de perigo (art. 168, § 2º - contabilidade paralela;
art. 169 – violação de sigilo empresarial; art. 170 – divulgação
de informações falsas).
Outras classificações serão referidas quando da análise
individualizada de cada tipo penal específico.
5 – Unidade de Crimes. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, característica
essencial do crime falimentar é a sua unidade. Vale dizer, ainda que
o agente incorra em mais de um comportamento tipificado, aplicar-se-á,
somente, a pena do crime mais grave11 . Explica-se. A doutrina e
a jurisprudência prevalentes no Brasil defendem o princípio da
unicidade penal falimentar, impedindo a dupla sanção privativa
de liberdade, ainda que várias sejam as incidências. Todas as infrações
praticadas nada mais são do que um complexo unitário de fatos
através dos quais se exterioriza um só comportamento, dirigido
a um só evento de perigo. O número de crimes e suas conseqüências
junto à coletividade de credores podem ser considerados pelo juiz no
cálculo da pena-base, elevando-a até o máximo previsto,
se for o caso. Porém, havendo concurso entre crime ou crimes falimentares
e crime ou crimes comuns, a pena privativa de liberdade será fixada de
acordo com a regra do art. 70 do CP, qual seja, concurso formal de delitos,
podendo haver cúmulo material de penas, se decorrerem as infrações
penais e falimentares e as comuns de desígnios autônomos (RT 738/619).
6. Das sanções penais. A LREF estabeleceu duas espécies
de penas privativas de liberdade: reclusão e detenção,
além da pena de multa nos preceitos secundários das normas penais
incriminadoras previstas do art. 168 usque 178. Somente o crime previsto
neste último dispositivo, consistente na "omissão dos documentos
contábeis obrigatórios", é punido com pena detentiva
de um a dois anos, e multa. Os demais recebem pena reclusiva e multa.
Causas de aumento de pena: são duas hipóteses contidas
no crime de fraude contra credores (art. 168, §§ 1º e 2º). No parágrafo
primeiro, acresce-se um sexto a um terço, se o agente elabora escrituração
contábil ou balanço com dados inexatos; omite, na escrituração
ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera
escrituração ou balanço verdadeiro; destrói, apaga
ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou
sistema informatizado; simula a composição do capital social;
e destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos
de escrituração contábil obrigatórios. Já,
no parágrafo segundo, majora-se a pena fundamental de um terço
até metade se o devedor manteve contabilidade paralela (vulgarmente denominada
caixa dois).
Causa de diminuição de pena: no mesmo dispositivo, parágrafo
quarto, permite-se a redução de um a dois terços e a substituição
da pena privativa de liberdade em se tratando de falência de microempresa
ou de empresa de pequeno porte, em que não se constatou prática
habitual de condutas fraudulentas por parte do falido. Houve falha redacional
na parte final do parágrafo quando o legislador consignou que o juiz,
quanto à pena privativa de liberdade, pode: "substituí-la
pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas
de prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas". A redação é ininteligível.
Com um esforço de interpretação, arriscamo-nos a sugerir
que o legislador pretendeu delimitar, fixar parâmetros sobre quais penas
restritivas de direitos são cabíveis em crimes falimentares: perda
de bens e valores e prestação de serviços à comunidade
ou a entidades públicas. Acreditamos que estas são as modalidades
que mais se amoldam ao sujeito ativo dos crimes falimentares. Não obstante,
no caso concreto, se o magistrado perscrutando as condições pessoais
do réu, perceber que outra pena restritiva se amolde mais adequadamente
para retribuir o fato, poderá adotá-la. É o caso, por exemplo,
de impor limitação de fim de semana, com freqüência
a cursos e palestras a um empresário portador de deficiência física
que não possua recurso algum para receber a pena substitutiva de perda
de bens e valores ou prestação de serviços.
O correto seria o parágrafo se restringir à redução
da pena privativa de liberdade entre um e dois terços, de vez que a pena
substitutiva é obrigação judicial na fixação
da pena, ficando a modalidade ao talante judicial.
7. Concurso de Pessoas. O devedor ou falido é o sujeito ativo
principal dos crimes anterecuperação ou antefalimentares. Estes
são, em sua maioria, crimes monossubjetivos, ou seja, que podem ser praticados
por uma só pessoa – por exemplo: (art. 168) ato fraudulento para prejudicar
credores e obter vantagem pessoal – porém, admite co-autoria podendo
o devedor contar com a colaboração de terceira pessoa, como o
contador, técnico contábil, auditor, gerente, sócio, um
credor etc. De outro lado, nos crimes pós-recuperação ou
pós-falência, dificilmente o devedor ou falido será sujeito
ativo; em regra figurarão pessoas que atuaram direta ou indiretamente
no processo, como o juiz, o administrador judicial, o MP, o leiloeiro e outros.
Do mesmo modo, esses crimes, em sua maior parte, são monossubjetivos
e terceiras pessoas podem concorrer com o sujeito ativo do crime impróprio
previsto no tipo respectivo. Assim, se o perito adquire bens da massa falida,
valendo-se de interposta pessoa, ambos responderão, em concurso, pelo
crime de violação de impedimento (art. 177).
8. Efeitos da sentença condenatória penal. Processado e
julgado o devedor ou falido, o trânsito em julgado da sentença
condenatória produz os seguintes efeitos: a) inabilitação
para o exercício da empresa; b) inabilitação para o exercício
de cargo ou função administrativa ou de direção
em sociedades empresárias ou cooperativas; c) impossibilidade de exercer
a empresa por mandato ou gestão de negócio.
Qualquer desses efeitos devem ser declarados em sentença, de forma fundamentada
e perdurarão por cinco anos após a extinção da punibilidade,
podendo, contudo, cessar antes em face de reabilitação penal.
A preocupação do legislador em dificultar o retorno do empresário
é cristalina.
Não é só. Após o trânsito em julgado, o juiz
notificará o Registro Público de Empresas para que sejam tomadas
as medidas necessárias para impedir novo registro em nome dos réus
que foram declarados inabilitados.
De se citar, outrossim, os seguintes efeitos penais: a) revogação
facultativa ou obrigatória da suspensão condicional da pena ou
do livramento condicional anteriormente concedido; b) configuração
da reincidência pelo crime posterior; c) aumento do prazo da prescrição
da pretensão executória quando caracterizar a reincidência;
d) a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados; e) é
pressuposto da reincidência; f) são suspensos os direitos políticos
do condenado (CF, art. 15, III).
Alguns efeitos secundários extrapenais podem derivar automaticamente
da sentença condenatória por crime falimentar: a) a obrigação
de indenizar o dano (CP, art. 91, I); e b) o confisco (art. 91, II). Efeitos
não automáticos – dependentes de motivação na sentença
- são: a) perda do cargo ou função pública; e b)
inabilitação para condução de veículos.
9. Prescrição. Não mais se cogita do prazo bienal
para o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva
ou executória dos crimes falimentares. Agora, o prazo é o previsto
no CP. Estatui o art. 182 da LFRE que: "A prescrição dos
crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições
do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando
a correr do dia da decretação da falência, da concessão
da recuperação judicial ou da homologação do plano
de recuperação extrajudicial. Parágrafo único. A
decretação da falência do devedor interrompe a prescrição
cuja contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação
judicial ou com a homologação do plano de recuperação
extrajudicial".
Os prazos vêm fixados no art. 109 do CP.
Considerando que, pelo novel diploma, a disciplina da contagem dos prazos prescricionais
é aquela estabelecida no diploma penal, convém anotar que a data
inicial não é exatamente a concernente à data da concessão
ou homologação da recuperação ou do decreto de falência,
mas sim a data do fato delitivo. Assim, se entre a data do fato e a prolação
da sentença concessiva, homologatória ou declaratória,
sobrevir a causa extintiva da prescrição da pretensão punitiva,
o Estado perde o direito de punir e, conseqüentemente, estará extinta
a punibilidade do agente, não se cogitando de ação penal.
No entanto, se a data do fato não puder ou não for apurada, o
prazo prescricional terá início no dia da publicação
de uma das sentenças apontadas. Caso ao devedor beneficiado com a concessão
ou homologação de recuperação extrajudicial, por
qualquer razão, for decretada sua quebra, teremos duas causas interruptivas,
aquela – da sentença concessiva ou homologatória – e esta – sentença
declaratória da falência –. Foi rigoroso o legislador, pois tentou
reduzir a freqüente impunidade que grassa nos processos de falência.
Importante lembrar que as demais causas interruptivas previstas no art. 117
do CP incidem nos crimes falimentares, conforme Súmula 592 do STF, em
especial a data de recebimento da denúncia e a data de publicação
da sentença condenatória por crime falimentar.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Juízo
Competente. 3. Crimes de ação pública incondicionada. Assistente
da acusação. 4. O Ministério Público e a opinio
delicti. O fim do inquérito judicial. 6. Os procedimentos aplicáveis.
Rito Sumário dos Crimes apenados com detenção. Juizado
Especial Criminal. Crítica. 7. A decisão de recebimento da denúncia.
8. A suspensão condicional do processo. 9. A prisão preventiva.
9.1. Cautela Judicial. 9.2. Momento processual. Na esfera cível. Na esfera
penal. 10. A inabilitação para o exercício do comércio.
11. A Reabilitação.
1. Considerações iniciais. Publicada em 09 de fevereiro
de 2.005, entrará em vigor cento e vinte dias após, ou seja, no
dia 09 de junho de 2005. A LFC (Decreto-Lei 7661/45) continuará sendo
aplicada aos processos de falência e concordata ajuizados anteriormente
à vigência do diploma em comento (LFRE, art. 192).
Segundo o art. 200 ficam revogados a LFC e os arts. 503 a 512 do Código
de Processo Penal – relativos ao rito dos crimes falimentares –. Em seu lugar,
o legislador entendeu mais conveniente a adoção do rito sumário
dos crimes apenados com detenção (CPP, arts. 531 a 540), obviamente
visando processo e julgamento mais céleres com maior rapidez na prestação
jurisdicional. Pouco importa seja o crime próprio ou impróprio,
presente a condição objetiva de punibilidade, autoriza-se o processo
e julgamento perante o juízo da recuperação/falência
ou criminal.12
2. Juízo Competente. Abordamos acima (I, 4) acerca da inconstitucionalidade
do art. 183 da LREF. Independentemente da posição assumida, emerge
claro do diploma legal que a intenção do legislador foi fixar
duas instâncias judiciais distintas para a solução dos conflitos
derivados do processo de recuperação ou de falência do empresário
devedor. Pretendeu que a Justiça Criminal fosse competente para processar
e julgar os crimes em espécie e conexos. Como já visto, o Tribunal
de Justiça de São Paulo, através de seu órgão
especial, considerou a norma inconstitucional, tanto que editou Resolução
dando competência para as Varas privativas de Recuperação
e de Falências para processo e julgamento das questões cíveis
e criminais, conduzindo, inexorável e igualmente, por via reflexa, as
Varas Cíveis do Estado ao processo e julgamento dos crimes falimentares.
Com a devida vênia, entendemos que o juiz cível deveria se cingir
às questões correlatas, eis que não é afeito às
questões criminais e à evolução pela qual tem passado
a área criminal, em especial após a Constituição
Federal de 1.988. Como chamou a atenção Guilherme de Souza Nucci,
ao sustentar que os processos criminais deveriam ficar nas varas criminais,
que são especializadas: "muitas são as decisões condenatórias
proferidas no juízo cível, ao cuidar dos delitos falimentares,
extremamente sucintas, sem apego ao devido processo legal e olvidando princípios
fundamentais de direito penal".13
3. Crimes de ação pública incondicionada. Assistente
da acusação. A ação penal relativa aos crimes
falimentares continua sendo pública incondicionada (art. 184, caput).
O Promotor de Justiça é o único legitimado a acionar o
devedor, o falido e os que de algum modo cooperaram para a prática de
crime falimentar próprio ou impróprio. De sua desídia,
caberá a queixa-crime subsidiária promovida pelo administrador
judicial ou por qualquer credor habilitado (art. 184, parágrafo único).
Fica superada a dúvida que suscitava a redação do parágrafo
único do art. 108 da LFC, sobre a possibilidade de ação
subsidiária mesmo quando o MP opinasse pelo arquivamento.
O ofendido ou ofendidos, vitimados pelos danos financeiros do crime falimentar,
pode(m) se habilitar como assistente(s) da acusação. Conquanto
o instituto da assistência não esteja previsto no diploma atual,
a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal
autoriza esta interpretação14 . No entanto, na esteira
das críticas e da preocupação externada por Cezar Roberto
Bitencourt15 , havendo um grande número de credores interessados
em figurar ao lado do órgão acusatório no afã de
punir o(s) acusado(s) e obter resultados que minimizem seus prejuízos
financeiros, competirá ao magistrado administrar caso a caso, evitando
tumulto processual pelo excesso de assistentes.
4. O Ministério Público e a opinio delicti. O fim do
inquérito judicial. Tanto o art. 186, quanto o 187, trazem momentos
processuais do processo de recuperação ou falimentar, nos quais
o órgão ministerial precisa estar atento para a provável
prática de crime falimentar.
a) A previsão do art. 186 e seu parágrafo16 , diz respeito
a processo falimentar propriamente dito. Uma das muitas tarefas do administrador
judicial, na falência, vem assentada no art. 22, alínea "e",
e consiste em apresentar, em quarenta dias, contado da assinatura do termo de
compromisso, relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram
à situação de falência, no qual apontará a
responsabilidade civil e penal dos envolvidos. Esta exposição
circunstanciada tem como esteio laudo pericial contábil sobre a escrituração
do devedor. Em face dos argumentos expendidos pelo administrador judicial, o
MP pode concluir pela existência de crime pré ou pós-falimentar
e crimes conexos.
b) A previsão do art. 187 é mais abrangente17 , pois
alcança, também, a recuperação judicial. Prolatada
sentença concessiva de recuperação judicial ou declaratória
de falência, o membro do parquet será intimado pessoalmente
de seus termos. Vislumbrando a ocorrência de crime, poderá, valendo-se
do complexo probatório documental acostado ao feito cível, de
plano, ajuizar a ação penal competente. Caso as provas sejam insuficientes
para a formação de sua opinio delicti, requisitará
a instauração de inquérito policial para complemento do
acervo.
No diploma anterior, o síndico opinava pela instauração
de inquérito e acompanhava-o passo a passo. Entendemos que, hoje, ainda
pode opinar, mas a decisão é ministerial.
Criticam muitos a adoção do inquérito policial e o abandono
do inquérito judicial, presidido pelo juiz cível, mais afeito
às questões falitárias, sob o fundamento de que a polícia
civil é despreparada material e tecnicamente e mal consegue dar cabo
do acervo que possui, certamente não terá êxito neste novo
mister.
Malgrado a crítica, entendemos que o legislador falitário agiu
corretamente. O juiz civil ou penal não deve exercer função
investigativa. A função anômala de presidir o inquérito
judicial, apesar de justificável, deve ser abolida de nosso ordenamento,
já que o magistrado inquisidor será o destinatário da ação
penal a ser instaurada. O inquérito judicial tinha natureza inquisitória,
mas o falido podia discutir o mérito das imputações, de
sorte que sempre se criava o contraditório e, conseqüentemente,
um vínculo entre o juiz e a causa, formando-se um obstáculo natural
à imparcialidade, prejudicial à isenção e regular
prestação jurisdicional. Defendemos que a mudança é
salutar, cabendo à polícia se aparelhar e aperfeiçoar suas
atribuições, compatibilizando-as com a nova tarefa.
5. A denúncia. "Art. 187 (...). Parágrafo primeiro
- O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo artigo 46 do Decreto-Lei
nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, salvo se
o Ministério Público, estando o réu solto ou afiançado,
decidir aguardar a apresentação da exposição circunstanciada
de que trata o artigo 186 desta Lei, devendo, em seguida, oferecer a denúncia
em 15 (quinze) dias".
A denúncia, via de regra, virá instruída com a exposição
circunstanciada oferecida pelo administrador judicial, acompanhada da perícia
contábil. Equivale dizer, o promotor de justiça aguardará
e se louvará do relatório e da prova técnica para oferecer
a denúncia. Raramente se valerá de outra fonte probatória
como a investigação policial, em inquérito, para complementação
do complexo probante, pelo menos até que a polícia esteja equipada
e possa dar-lhe melhor guarida.
Com ou sem inquérito policial e não sendo o caso de apensamento
(arquivamento), o representante do MP oferecerá denúncia contra
quem de direito pelo(s) crime(s) falimentar(es) e conexo(s), se houver. Caso
o falido e/ou administradores estiverem presos preventivamente em decorrência
da sentença declaratória de falência (LREF, art. 99, VII),
o prazo para oferecimento da denúncia será de 5 dias; se solto
ou afiançado, o prazo será de 15 dias (CPP, art. 46).
Discordando o juiz do pedido de apensamento (arquivamento), fará uso
do princípio da devolução, aplicando o disposto no art.
28 do Código de Processo Penal, a fim de que o chefe da instituição,
o Procurador Geral de Justiça, afira o pleito do promotor de primeiro
grau, mantendo o pedido arquivamento, denunciando ou nomeando outro para denunciar.
Ainda que seja redundante, dispõe a LREF, em seu art. 187, § 2º que "Em
qualquer fase processual, surgindo indícios da prática dos crimes
previstos nesta Lei, o juiz da falência ou da recuperação
judicial ou da recuperação extrajudicial cientificará o
Ministério Público". Ora, o juiz é o dominus processus
e dentre seus poderes anômalos, estão o de requisitar inquérito
policial e levar diretamente ao Ministério Público a notitia
criminis. Como leciona Mirabete "o juiz que tenha a notícia
da prática de um crime que se apura mediante ação pública
incondicionada deve comunicar o fato ao Ministério Público (art.
40 do CPP) ou requisitar diretamente a instauração do inquérito
policial".18
Caso o juiz rejeite a denúncia oferecida, admite-se o recurso em sentido
estrito, consoante art. 581, I, do CPP.
6. Os procedimentos aplicáveis. Rito Sumário dos Crimes apenados
com detenção. Juizado Especial Criminal. Crítica. Segundo
o art. 185 da LREF "Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á
o rito previsto nos artigos 531 a 540 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro
de 1941 - Código de Processo Penal". Foi adotado o rito sumário
dos crimes apenados com detenção para processo e julgamento mais
célere e, conseqüentemente, maior rapidez na prestação
jurisdicional.19
Contudo, deslembrou-se o legislador falimentar que o rito sumário vem
contido nos arts. 538 e 539 do CPP, porquanto os arts. 531 a 537 restaram revogados
tacitamente pelo texto constitucional quando o constituinte conferiu legitimidade
exclusiva ao MP para ajuizar ação penal em crimes de ação
pública (CF, art. 129, I). Assim, a seqüência de atos ordenados
deve obedecer ao disposto nos arts. 538 e 539 do diploma processual penal. São
nove tipos penais, dos quais, oito crimes punidos com reclusão e apenas
um apenado com detenção.
O legislador não cooperou com a melhoria da área criminal. Ao
contrário, desprezou sugestões atualizadas e moldadas a um processo
penal moderno e comprometidas com princípios constitucionais correlatos.
Na verdade, fez ouvidos moucos à área criminal, focado que estava
na preservação da empresa ao optar pelo rito mencionado.20
Assim, os crimes punidos com reclusão previstos nos arts. 168 usque
177 devem seguir o rito sumário com número máximo de testemunhas
igual a cinco.
O encadeamento de atos que segue o disposto no art. 539 do CPP, é o seguinte:
1) Oferecimento da denúncia ou queixa. 2) Recebimento da denúncia
ou queixa, em que o Juiz, designa data para o interrogatório do réu
e determina sua citação, bem como notifica o MP ou querelante.
Após o recebimento da inicial, pode(m) o(s) assistente(s) da acusação
se habilitar. 3) Interrogatório do réu. Caso citado não
comparece, será decretada sua revelia. 4) Defesa prévia, com requerimento
de diligências e rol de testemunhas, até o número de cinco.
5) Audiência das testemunhas arroladas pela acusação. 6)
Despacho saneador, após sanar as nulidades, se houver, o juiz designa
data de audiência de julgamento para inquirição das testemunhas
de defesa, debates e julgamento. No despacho, ordena a intimação
das testemunhas de defesa e das partes. 7) Audiência de julgamento. Inquiridas
as testemunhas de defesa, a palavra é dada às partes para alegações
orais, pelo tempo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, seguindo-se
a sentença oral. Caso o magistrado não se sinta habilitado a proferir
a sentença em audiência, pode ordenar que os autos lhe venham conclusos
e no prazo de cinco dias sentenciará.
Já, o crime de omissão dos documentos contábeis obrigatórios,
punido com detenção de um a dois anos e multa, é infração
de menor potencial ofensivo, em face da derrogação do art. 61
da Lei 9099/95 provocada pela redação do art. 2º, parágrafo
único, da Lei 10.259/01 que instituiu os Juizados Federais no Brasil,
razão pela qual o rito adotável é o estatuído naquela,
com os institutos despenalizadores pertinentes (composição civil
de danos – se for o caso –, transação penal e sursis processual),
admitindo-se até cinco testemunhas.
Em conseqüência, a despeito da previsão legal, temos dois
ritos aplicáveis às infrações previstas na nova
Lei de Falências: a) o sumário dos crimes apenados com detenção
fica destinado aos crimes punidos com reclusão; e b) o rito dos Juizados
Criminais destina-se, unicamente, para o crime do art. 178.
Crítica. Com a devida vênia, sustentamos que, ad minimum,
deveria ser adotado o rito ordinário dos crimes apenados com reclusão
previsto no CPP aos novéis crimes punidos com reclusão. Até
porque, para piorar, a previsão da LREF contraria a tradição
processual penal brasileira, segundo a qual três (eram quatro) categorias
de crimes – funcionais, contra a honra e contra a propriedade imaterial – mereceram
rito específico no CPP. A estes ritos, nos quais se incluíam os
crimes falimentares como quarta categoria, atendida uma medida específica
prévia – defesa preliminar, audiência de reconciliação
e perícia –, passa-se ao rito dos crimes punidos com reclusão,
propiciando, claramente, maior amplitude de defesa. Quanto aos falimentares,
revogado o rito especial do CPP, foi preconizado rito mais célere que
reduz as possibilidades de defesa.
7. A decisão de recebimento da denúncia. Outra conseqüência
relevante de que o crime falimentar perdeu as especificidades ante a adoção
do rito sumário e revogação do procedimento especial do
CPP é que não mais se cogita da fundamentação para
o recebimento da denúncia. Assim, como já largamente decidido
pelos tribunais pátrios em relação aos demais tipos penais,
o juízo competente limitar-se-á a proferir decisão interlocutória
simples que prescinde de fundamentação, não se aplicando
a ela os ditames do art. 93, IX, da Constituição da República.21
8. A suspensão condicional do processo. Somente os crimes de exercício
ilegal de atividade, punido com reclusão, de um a quatro anos, e
multa, e de omissão dos documentos contábeis obrigatórios,
punido com detenção de um a dois anos e multa, admitem o sursis
processual. Instituto despenalizador criado pelo art. 89, da Lei 9099/95, que
permite a extinção da punibilidade sem a imposição
de pena privativa de liberdade. Ao denunciar, o representante ministerial oferece,
em sua cota introdutória, proposta de suspensão. Recebida a denúncia,
o juiz designa audiência de suspensão ou interrogatório.
Citado, o réu comparecendo acompanhado de defensor e aceitando ambos
as condições propostas, suspende-se o feito e o prazo prescricional,
passando-se ao período de prova mediante fiscalização do
cumprimento das condições impostas em autos apartados. Ultrapassado
este período, sem sobressaltos, será extinta a punibilidade do
acusado. Esta é a regra geral.
Se o MP, malgrado presentes os requisitos legais, negar-se a oferecer a proposta,
deverá o magistrado, entendendo que é caso de concessão
do benefício, remeter os autos ao PGJ para os fins do art. 28 do CPP,
nos termos da Súmula 696 do STF.
Se o réu não aceitar a proposta de suspensão, será
interrogado, seguindo-se os demais atos processuais do rito sumário.
Divide-se a doutrina quanto ao recurso cabível contra a decisão
que concede o sursis processual, apelação ou recurso em sentido
estrito. Os que se posicionam pela apelação fundam-se na impossibilidade
do recurso em sentido estrito em sede de Juizados Especiais Criminais. Contudo,
as mais recentes decisões dos tribunais pendem para o recurso em sentido
estrito, advertindo para a possibilidade de aplicação subsidiária
do CPP, consoante permissivo do art. 92 da Lei 9099/95. Neste sentido: STJ (RESP
296343-MG; RESP 260217-SP; RESP 246085-SP; RESP 164387-RJ; REVJMG 146/465, RT
762/583, JSTJ 2/384).
9. A prisão preventiva. A prisão preventiva é a
base e o eixo norteador de todas as prisões cautelares. E é uma
cautelar típica porque congrega pressupostos e características
imprescindíveis à privação da liberdade durante
o inquérito policial ou processo. A medida vem prevista nos artigos 311
a 316 do diploma processual penal, nos quais se podem entrever seus pressupostos
autorizadores: a) o fumus boni júris; b) o periculum in mora;
e, c) natureza da infração. Aqueles atrelados ao artigo 31222
e o último ao artigo 313.23
a) Fumus boni juris: Como toda providência cautelar, também
a prisão preventiva exige a presença do fumus boni júris24
, consistente na prova da materialidade (existência do crime) e indícios
suficientes de autoria. A prova do fato retrata a materialidade. Nos crimes
que deixam vestígios, o laudo pericial quadra com exatidão a ofensa
ao bem jurídico tutelado (vida, saúde, patrimônio etc.)
e transmite certeza à sua existência material. Nos crimes falimentares,
a perícia contábil será o embasamento seguro do magistrado
em face do decreto prisional a ser externado.
b) Periculum in mora ou periculum libertatis: O
segundo pressuposto das cautelares, o periculum in mora, vem tipificado
na situação de necessidade descrita no artigo 312, in médio,
do Código de Processo Penal, que retrata probabilidade de perigo e justifica
a custódia do agente para a garantia da ordem pública ou econômica,
por conveniência da instrução criminal e para assegurar
aplicação da lei penal. É imperativa a custódia
do falido, porquanto em liberdade porá em risco a tranqüilidade
dos credores. Já decidiu o STJ, nos autos do HC 19.804/SC, em 21/03/2002,
que "A prisão preventiva do falido ou de seu representante legal
pode ser decretada quando houver provas que demonstrem a prática de crime
falimentar, como garantia da ordem pública por conveniência da
instrução criminal, sem que isso importe em ofensa a dispositivo
constitucional".
c) Natureza da infração: O último pressuposto a
ser considerado e que admite a medida constritiva está no artigo 313
e incisos do Código de Processo Penal. Abarca, prioritariamente, crimes
dolosos: punidos com reclusão; punidos com detenção, quando
se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua
identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;
se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único
do artigo 46 (atual art. 64, inc. I) do Código Penal.
Presentes os demais requisitos, fundamentalmente, admitir-se-á a prisão
preventiva do falido ou seu representante legal quando se tratar de crime falimentar
punido com reclusão, podendo ser agregado mais um fator negativo, se
o mesmo for reincidente em crime doloso.
9.1 - Cautela Judicial. Sem os requisitos legais, não se decreta
a prisão preventiva do falido. O magistrado deve ter sempre presente
que a violação do direito de liberdade, que atinge a dignidade
da pessoa humana, necessita de fundamentação serena quanto ao
fato ou fatos imputados. O decisum há de conter dados concretos,
não bastando meras referências ao texto legal. Por fim, o juiz
deve apoiar-se em dados objetivos, com base em sua experiência comum,
mas a base deve ser sólida, provada. Resguardada esta cautela, a prisão
preventiva deverá ser decretada.
9.2 - Momento processual. Na esfera cível. Prevê o art.
99, VII, da LREF que ao prolatar a sentença declaratória de falência
do devedor, o juiz, dentre outras determinações poderá
"ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores
quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido
nesta Lei". Interessante observar que o decreto prisional em apreço
tem como pressuposto pedido prévio do órgão acusatório.
Somente o membro do parquet tem legitimidade para requerer a custódia
do devedor. Já foi visto que uma das funções do administrador
judicial consiste em "apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado
da assinatura do termo de compromisso, prorrogável por igual período,
relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à
situação de falência, no qual apontará a responsabilidade
civil e penal dos envolvidos, observado o disposto no art. 186 desta Lei"
(LREF, art. 22, e). No § 4º deste dispositivo, vem a determinação
de que se for apontada responsabilidade penal de qualquer dos envolvidos, o
"Ministério Público será intimado para tomar conhecimento
de seu teor".
Deste quadro, podemos concluir que o administrador pode opinar sobre a prisão,
contudo a legitimidade para postular perante o juiz será do órgão
acusador. Obviamente, o pedido de prisão deverá estar lastreado
em fatos palpáveis demonstrativos de que a custódia do falido
e/ou co-responsáveis pela provável quebra é imprescindível.
Na esfera penal. De outra parte, se houver inquérito policial
ou ação penal em curso e sobrevir um dos motivos autorizadores
da prisão cautelar, pode o magistrado decretar de ofício ou a
requerimento do representante do Ministério Público, do querelante
ou por representação da autoridade policial.
10. A inabilitação para o exercício do comércio.
O art. 181 estabelece os seguintes efeitos da condenação penal:
I – inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
II – o impedimento para o exercício de cargo ou função
em conselho de administração, diretoria ou gerência das
sociedades sujeitas à Lei de Falências; III – impossibilidade de
gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. Estes efeitos
não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente
na sentença, pois perdurarão por cinco anos após a extinção
da punibilidade, salvo se anteriormente foi o condenado beneficiado por reabilitação
criminal. Lembre-se que transitada em julgado a sentença penal condenatória,
deve o juiz determinar notificação ao Registro Público
de Empresas para que tome as providências cabíveis de molde a impedir
novo registro em nome dos inabilitados.
11. A Reabilitação. Tecnicamente é possível
a inabilitação e conseqüente reabilitação do
devedor em recuperação judicial, pois o escopo da lei é
a preservação da empresa e sua função social. Na
prática, contudo, cremos que somente o falido (e demais pessoas envolvidas
na quebra) chegará a ser considerado inabilitado para o exercício
do comércio e sofrerá as demais conseqüências de uma
sentença penal condenatória definitiva.
A reabilitação no direito empresarial tem feição
híbrida: civil e penal.
A reabilitação civil, em não ocorrendo crime falimentar,
fica a critério do juiz da falência.
Já, a reabilitação criminal é da alçada do
juiz da condenação (que fora de São Paulo, em regra, é
o juiz criminal). Vimos que a inabilitação para a atividade empresarial
é efeito da condenação e somente se torna efetiva após
o trânsito em julgado da sentença penal. Seu prazo de duração
(5 anos) começa a fluir do dia que extinguir a punibilidade (leia-se
"pena") do sentenciado, ou seja, da data de cumprimento da pena imposta.
Foi previdente o legislador ao estabelecer que se o condenado receber a benesse
da reabilitação penal antes de expirado o prazo de cinco anos,
prepondera aquela. Assim, se o condenado conseguir antes sua reabilitação
penal, poderá voltar ao exercício da atividade empresarial, cargo
ou função em conselho de administração, diretoria
ou gerência das sociedades sujeitas a LREF e gerir empresa por mandato
ou por gestão de negócio.
Contudo, para conseguir a reabilitação penal, deverá o
condenado comprovar o ressarcimento do dano causado pelo(s) crime(s) falimentar(es)
(CP, art. 94, III). Em outras palavras, deverá ter extinguido suas obrigações
e comprová-las perante o juízo da condenação. Merece
elogios o legislador, pois amarrou a volta à atividade empresarial à
solução dos débitos pendentes com a massa de credores.
Não é por outra razão que, para punir o empresário
criminoso, determina se aguarde o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contados
do encerramento da falência, para pleitear a extinção de
suas obrigações (art. 158, IV); se não foi condenado criminalmente,
exige somente 5 (cinco) anos (art. 158, III).
1. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal
– Vol. III , Campinas: Bookseller, 1997, p. 299.
2. JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal – Traducción
de Miguel Olmedo Cardenete. 5. ed. Granada: Comares Editorial, 2002, p. 602.
Tradução do autor.
3. Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal. 10 ed. São
Paulo: Atlas, 2000, p. 550.
4. Abrão, Nelson. Curso de Direito Falimentar. 5ª ed. São
Paulo: LEUD, 1997. p. 374.
5. Tourinho Filho, Fernando da Costa. Apreciação sobre o Procedimento
nos Crimes Falimentares, in Saraiva Jur (04.01.2005).
6. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 11ª ed. São
Paulo: 2º vol. Saraiva, 1.989, p. 140.
7. DL 7661/45: Art. 199. A prescrição extintiva da punibilidade
de crime falimentar opera-se em 2 (dois) anos.
8. Damásio E. de Jesus. Direito Penal. São Paulo: 21ª ed. Saraiva,
v.1, Parte Geral, 1998, p. 186.
9. Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falência,
4ª ed. Forense, 1999, p. 31.
10. Fernando Capez, Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva,
2001, pp. 213/214.
11. Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial, 14ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 375/376.
12. Oscar Stevenson, Do Crime Falimentar, 1939, pág. 09, apud
José Frederico Marques. Elementos de Direito Processual Penal.
13. Guilherme de Souza Nucci, Codigo de Processo Penal Comentado, 3ª
ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 785/786.
14. Art. 188 - Aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código
de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.
15. In Aspectos procedimentais e político-criminais dos crimes disciplinados
na nova lei falimentar, Boletim IBCCrim nº 148 – Março 2005.
16. Art. 186 - No relatório previsto na alínea e do inciso III
do caput do artigo 22 desta Lei, o administrador judicial apresentará
ao juiz da falência exposição circunstanciada, considerando
as causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença,
e outras informações detalhadas a respeito da conduta do devedor
e de outros responsáveis, se houver, por atos que possam constituir crime
relacionado com a recuperação judicial ou com a falência,
ou outro delito conexo a estes.
Parágrafo único. A exposição circunstanciada será
instruída com laudo do contador encarregado do exame da escrituração
do devedor.
17. Art. 187 - Intimado da sentença que decreta a falência ou concede
a recuperação judicial, o Ministério Público, verificando
a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imediatamente
a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará
a abertura de inquérito policial.
18. Mirabete, Júlio Fabbrini, Processo Penal, 10ª ed., São
Paulo: Atlas, 2000, p. 82.
19. O legislador utilizou critério semelhante quanto aos crimes cometidos
contra idosos, permitindo a aplicação do procedimento da Lei 9099/95
aos crimes cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapassar
quatro anos (Lei 10.741/93, art. 94).
20. Neste sentido: Fernando da Costa Tourinho Filho, em seu artigo Apreciação
sobre o procedimento dos crimes falimentares, disponível em www.saraivajur.com.br.
Usando da mesma ênfase crítica quanto à opção
legislativa, ver Aspectos procedimentais e político-criminais dos
crimes disciplinados na nova lei falimentar, do eminente Cezar Roberto Bitencourt
(Boletim IBCCRIM nº 148 - Março / 2005).
21. No sentido do texto: STF: DENÚNCIA - Queixa - Recebimento - Fundamentação
nos termos do artigo 93, IX da CF/88 - Desnecessidade - Fundamentação
somente na hipótese de rejeição da denúncia ou queixa
- Precedentes do STF. O despacho que recebe a denúncia ou a queixa, embora
tenha conteúdo decisório, não se encarta no conceito de
decisão, como previsto no artigo 93, IX, da CF/88, não sendo exigida
a sua fundamentação. Precedentes do STF. (STF - Ag. Reg. no Rec.
Ext. nº 273.762 - SP - Rel. Min. Maurício Corrêa - J. 04.12.2001
- DJ 08.02.2002).
22. Código de Processo Penal: "Artigo 312 - A prisão preventiva
poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal,
ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria."
23. Código de Processo Penal: "Artigo 313 - Em qualquer das circunstâncias,
previstas no artigo anterior, será admitida a decretação
da prisão preventiva nos crimes dolosos: I - punidos com reclusão;
II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é
vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer
ou não indicar elementos para esclarecê-la; III - se o réu
tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em
julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 46
(atual art. 64, inc. I) do Código Penal."
24. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.
Campinas: Bookseller, 1997. v. 4, p. 60.
Jayme Walmer de Freitas
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