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Podemos afirmar que são fontes do Direito todas as manifestações, formalísticas ou não, da normatividade jurídica. A norma_jurídica assume diversos aspectos, de acordo com sua proveniência deste ou daquele órgão de expressão do Direito, podendo manifestar-se, v.g., através da LEI (que assume diversos tipos, neste ou naquele Estado, neste ou naquele momento histórico) ou através do COSTUME. Assim, o Poder Constituinte, os Poderes Constituídos (tradicionalmente, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário) ou mesmo os jurisdicionados, secretam a norma jurídica, pelo desempenho de suas atribuições, pela convivência no meio social e atendendo às determinantes traduzidas nos diversos fatores que constituem aquilo que poderíamos sintéticamente denominar realidade social e que envolve fatores econômicos, morais, religiosos e a própria cultura daquela sociedade, tomada em seu sentido global.
FERDINAND LASSALLE, político e doutrinador austríaco, em seu famoso opúsculo "Que é uma Constituição" (Über Verfassungswesen), resultante de duas conferências realizadas em Berlim, em abril e novembro de 1.862, diz que a Constituição é uma lei fundamental, é o fundamento do Estado e deve se distinguir das leis comuns e atender aos seguintes requisitos: ser superior às demais leis, ser o fundamento das demais leis e possuir uma força ativa, à qual ele chama FATORES REAIS DO PODER. Lassalle conclui que a Constituição é a suma dos fatores reais do poder que regem um país em um determinado momento. Assim, para ele, a Constituição (e, conseqüentemente, também as leis) que estivesse em desacordo com esses fatores, não passaria de uma folha de papel, sem qualquer importância, exatamente porque não poderia ser efetivada pelo aparelhamento do Estado.
Afloramos aqui um tema crucial para a doutrina jurídica: o Direito estará todo contido na lei? o Direito poderá ser identificado com a norma jurídica? Ou o Direito é preexistente à norma e, conseqüentemente, esta poderá coincidir, ou não, com a idéia de direito de uma dada sociedade (aspectos axiológicos)?
Se o Direito está todo contido na lei, poderemos então fazer nossas as palavras de MONTESQUIEU:
"Les juges de la nation ne sont que la bouche qui prononce les paroles de la loi, des êtres inanimés qui n'en peuvent modérer la force ni la rigueur."
Se, por outro lado, o intérprete se deixar levar pelo seu puro arbítrio, em um exagero de casuística judiciária, em detrimento da abstração legislativa ou mesmo doutrinária, estará mortalmente vulnerado um dos valores jurídicos básicos, exatamente o da segurança. O juiz deve ser, contudo, um colaborador e não um servidor passivo da lei. Entre o juiz e a lei haverá, "mutatis mutandis", um apoio mútuo, comparável ao que se devem prestar o Executivo e o Legislativo, em um sistema parlamentar de governo. Apoio e controle, tal é a sã doutrina constitucional. .
Para MÁRIO FRANZEN DE LIMA,
"A justiça é um poder puramente jurídico, cuja missão constitucional é fazer, por si só, contrapeso ao tríplice poder político do governo, das câmaras e dos colégios eleitorais. Tal equilíbrio do direito e da política é, como reconhece HAURIOU, a primeira e a mais necessária das separações de poderes. Dissolvem-se as nações nas disputas dos partidos; reconstituem-se, porém, no culto de seu direito. A justiça é a guarda do direito: tal é a sua majestade, tal é a sua responsabilidade."
Modernamente, a doutrina pacífica é a de que a existência do direito não depende unicamente da vontade do legislador. Nem o fetichismo da lei escrita, nem a liberdade total e a supremacia absoluta do intérprete: a supremacia há de ser do direito e de seus ideais supremos, preexistentes a toda e qualquer normatividade.
Feitas essas considerações preliminares e deixadas de lado as fontes materiais do Direito, estudadas mais diretamente e com toda a profundidade pelas Ciências Políticas, cabe-nos classificar, nesta oportunidade, as fontes formais do direito, exatamente aquelas através das quais se exterioriza a idéia de direito gerada pelo convívio humano em sociedade.
Essa exteriorização pode ocorrer por um processo nomogenético consciente ou inconsciente, conforme já referimos anteriormente. Fontes do direito, neste sentido, serão todas as manifestações, formalísticas ou não, da normatividade jurídica destinada a regular a conduta humana em sociedade.
A Doutrina costuma distinguir ainda as fontes do Direito levando em consideração sua positividade ou sua característica de fontes destinadas apenas ao estudo do direito.
Trataremos, assim, inicialmente, das fontes positivas ou fontes principais do direito, que são: a Constituição e a lei, resultantes de uma atividade nomogenética consciente; o costume e a jurisprudência, resultantes de uma atividade nomogenética inconsciente. A importância maior ou menor de cada uma dessas fontes neste ou naquele Estado será abordada a seguir. Devemos observar, desde logo, que qualquer delas poderia, eventualmente, ser considerada como fonte única do direito. A Constituição, desde que tomada em seu sentido material, isto é, no sentido de ordenamento do Estado, abrangendo, portanto, todas as outras fontes, seria a única fonte do direito. A lei, tomada em sentido lato, abrangendo normas constitucionais e legais, também poderia ser assim considerada. Da mesma forma, o costume constitucional, naqueles Estados que não possuíssem constituição escrita e nos quais o consuetudo abrangesse toda a normatividade constitucional (ou, talvez em uma sociedade primitiva, toda a normatividade). E, finalmente, a jurisprudência, pela consideração de que a lei, o costume e a constituição nada significam, divorciados de sua exegese pelos tribunais, também poderia ser tomada como a única fonte.
Se, no entanto, considerarmos que são, ainda, fontes do direito, além daquelas que encerram o direito positivo, aquelas através das quais estudamos essa matéria e que exercerão sua influência sobre as próprias fontes positivas por meio da atividade exegética, poderemos classificar as fontes do direito em PRINCIPAIS ou POSITIVAS e SUBSIDIÁRIAS ou AUXILIARES.
Nesse sentido, são fontes positivas ou principais aquelas que encerram as normas jurídicas, exteriorizadas, a saber, a Constituição, a lei, o costume e a jurisprudência. São fontes subsidiárias ou auxiliares aquelas que apenas servem para o estudo da matéria, para sua interpretação e integração, não encerrando assim normas cogentes, obrigatórias, como ocorre com o Direito Anterior, o Direito Comparado (ou Legislação dos Povos Cultos), a Doutrina (ou Ciência Jurídica) e os Princípios Gerais do Direito.
Passaremos, assim, ao estudo individuado de cada uma dessas fontes.
Entendida a Constituição como ordenamento total do Estado, abrangendo, assim, todas aquelas NORMAS cujo conteúdo se refere à matéria constitucional (e teremos dissensões doutrinárias a respeito da amplitude da conceituação da matéria constitucional), será ela a única fonte do Direito. Nesse sentido (MATERIAL), a Constituição abrangerá quaisquer ordenamentos, formalmente falando, abrangerá a Constituição em sentido formal, a lei, o costume constitucional e a jurisprudência.
Em sentido FORMAL, porém, a Constituição é uma LEI, escrita portanto, hierarquicamente superior às demais leis, que com ela não poderão conflitar, sob pena de nulidade. Tradicionalmente, nos Estados considerados democráticos, a Constituição formal resulta da votação pelos representantes do povo, especialmente investidos desse mandato para criar a Constituição do Estado, através de uma Assembléia Constituinte ou de uma Convenção Constitucional. Esses representantes não se confundem com os membros do Poder Legislativo, também mandatários do povo, mas normalmente, apenas, para a elaboração da legislação ordinária. Trata-se, aqui, da distinção entre Poder Constituinte e Poderes Constituídos. Isso não significa, porém, que uma Constituição outorgada seja, necessariamente, autocrática, ou que uma Constituição votada ou promulgada seja, necessariamente, democrática, porque tudo dependerá de sua maior ou menor concordância com a realidade social, quer no momento de sua elaboração, quer no momento de sua aplicação/efetivação.
Também tradicionalmente, a Constituição escrita é rígida, isto é, estabelece certas dificuldades para sua reforma, como acontece com a Constituição Federal Brasileira, que exige para sua reforma os votos de dois terços dos membros de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
Além disso, nossa Constituição Federal, em seu art. 47 § 2º, estabelece que não poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir a federação ou a república, o que significa que o constituinte originário considerou imutáveis essas bases de nosso ordenamento constitucional e assim, somente através de uma Revolução, porque a Revolução é manifestação do Poder Constituinte originário, poderíamos substituir a Federação pelo Estado Unitário, ou a República pela Monarquia.
Foi proibido ao Poder Constituinte derivado, conseqüentemente, reformar a Constituição a não ser pelo processo e de acordo com as limitações temporais, materiais e processuais constantes dos dispositivos constitucionais e por essa razão, entendemos inconstitucional a recente emenda que alterou o "quorum" para aprovação das emendas, para dois terços, porque se o Poder Constituinte derivado (o Congresso Nacional) tivesse competência para reformar, através de emendas constitucionais (que são o instrumento formalizador de sua competência), quaisquer dispositivos da Constituição, inclusive aqueles que estabelecem os limites para a sua própria ação, poderia também, pelo mesmo motivo, reformar o citado art. 47, para permitir a reforma tendente a abolir a federação ou a república.
É evidente que não tratamos, aqui, de contestar a legitimidade desse ato, mas apenas de estabelecer nítida distinção entre o Poder Constituinte originário e o Poder Constituinte derivado.
Tomaremos, assim, como fonte do direito, a Constituição no seu sentido estrito ou formal, a Constituição escrita. Neste sentido, a Constituição é, necessariamente, a primeira fonte do Direito, a sua fonte mais importante, abrangendo, no Brasil, a Constituição de 1.967, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1.969 e pelas Emendas Constitucionais posteriores, bem como os Atos Institucionais e seus atos complementares, decorrentes do processo revolucionário, naquilo em que não conflitem com a Constituição. Observe-se que, hoje, a situação está invertida, em relação à que vigorou durante os quase vinte anos de vigência da Legislação Revolucionária, quando a Constituição Federal é que vigorava naquilo em que não conflitasse com os Atos Institucionais, que foram revogados pela Emenda Constitucional nº 11/78, o que é absurdo, sob o enfoque jurídico, quer porque envolve uma confusão entre o Constituinte originário e o derivado, quer porque a Constituição Federal continha, em suas disposições transitórias, uma norma muito clara no sentido de que os Atos Institucionais e complementares poderiam ser revogados pelo Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional.
O conjunto dos provimentos suso referidos forma a Constituição brasileira no sentido formal (constituição não codificada, portanto). A Constituição no sentido formal é a fonte mais importante do direito, posto que suas normas são hierarquicamente superiores a todas as demais. Caberia, neste ponto, o estudo do princípio da supremacia constitucional, capitulado pelo Professor PINTO FERREIRA como um dos mais importantes do Direito Constitucional moderno (ao lado do princípio democrático, do princípio liberal, do princípio do socialismo e do princípio do federalismo). Na Inglaterra, contudo, não se admite que haja uma supremacia da Constituição em relação aos ordenamentos oriundos do Parlamento. Ao contrário, o Parlamento é que é supremo. Não há, na Inglaterra, uma distinção hierárquica entre a Constituição e as leis ordinárias, mas no Brasil ou nos Estados Unidos, a Constituição é um ordenamento supremo e não se admite que nenhum outro possa contrariá-la.
A Constituição é, portanto, em nossa sistemática, admitida quase universalmente, a primeira fonte do direito; ela é o metro da regularidade jurídica. De tal concepção resulta, necessariamente, o problema do controle de constitucionalidade, pelo qual o intérprete da norma jurídica deverá verificar, preliminarmente, antes de subsumir sua regra ao caso concreto, se essa norma é regular em face do Estatuto supremo e, em caso contrário, deverá deixar de aplicá-la ao caso "sub judice".
Existem dois sistemas de controle de constitucionalidade: o concentrado, característico das Constituições européias, que atribuem a uma Corte Constitucional (cujo modelo é a criada sob inspiração de Hans Kelsen, na Constituição Austríaca de 1.920) o exame da regularidade das leis em face da Constituição, e o difuso, pelo qual incumbe aos juízes e tribunais a efetivação desse controle. Entre nós, em face da famosa regra do art. 200 da Constituição de 1.946, que tantos debates suscitou, no tocante à competência do juiz singular para a decretação da inconstitucionalidade, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, mas a doutrina hoje já reconhece ao juiz singular, igualmente, a competência de negar aplicação às leis que contrariem a Constituição.
Mas a Constituição, sendo um estatuto mínimo, um grande arcabouço que estabelece as bases para o ordenamento jurídico do Estado, não poderia ser a única fonte do direito. Este arcabouço deverá ser complementado por ordenamentos de categoria hierárquica inferior à da Constituição, tais como a lei, os decretos que editam seus regulamentos, as portarias, instruções, etc.
A Lei é outra fonte de grande importância, especialmente no direito moderno, pela tendência quase universal de adoção das normas jurídicas legisladas, ou seja, do direito escrito, em substituição às normas consuetudinárias.
A rigor, a Lei poderia ser considerada a única fonte do direito, porque a Constituição é, também, uma lei, embora de nível especial, pelo reconhecimento quase universal do princípio da supremacia da Constituição.
Sendo a Constituição um código-mínimo, uma lei-síntese, seus dispositivos devem, normalmente, ser detalhados, explicitados, através das leis. Assim, tomada a lei como segunda fonte do direito, nós a estamos considerando como ato ordinário (no sentido de que a Constituição, como ato extraordinário, será de nível hierarquicamente superior), significando portanto, no sentido amplo, qualquer ato normativo escrito, inovador da ordem jurídica, capaz de gerar direitos e deveres e que normalmente encerra um caráter genérico e prospectivo.
Qual o órgão do Estado encarregado da função legiferante?
Quais os instrumentos formalizadores dessa função de prover a ordem jurídica?
A resposta a essas questões deverá ser encontrada na Constituição de cada Estado e dependerá ainda do momento histórico. Assim, atualmente no Brasil a missão legiferante pertence, basicamente, ao Poder Legislativo, embora o Presidente da República tenha competência para editar decretos-leis, sob certas condições.
Poderemos citar, portanto, entre os diversos instrumentos formalizadores da competência legiferante, ou seja, entre os vários tipos de lei previstos em nosso processo de elaboração legislativa, a título de ilustração, a lei ordinária, a lei complementar (para alguns autores, a lei complementar ficaria em categoria intermediária, entre a Constituição e as leis), a lei delegada, o decreto-lei, o decreto legislativo e as resoluções. A emenda constitucional, também elaborada pelo Congresso Nacional, nos termos dos artigos constitucionais já referidos e que dispõem a respeito do processo de reforma constitucional (função constituinte derivada), embora tratada pela Constituição na parte referente ao processo de elaboração legislativa, a rigor não é lei, no sentido de ato ordinário. A emenda constitucional é elaborada pelo Congresso Nacional no exercício da função constituinte derivada, com a finalidade, portanto, de reformar o texto constitucional. Trata-se, assim, de reforma constitucional, consubstanciada na substituição do texto constitucional, enquanto que a mudança constitucional, sem atingir o texto em si, substitui o seu entendimento.
Assim, no Brasil, a lei, como fonte do direito, de acordo com nosso processo legislativo e como ocorre em todos os Estados que adotam o modelo de separação dos poderes do Estado e o princípio da supremacia constitucional, é aquele ato do Poder Legislativo (ou, excepcionalmente, do Poder Executivo), no exercício de suas funções normais de Poder Constituído, provendo assim a ordem jurídica, desde que esse ato seja REGULAR em face da Constituição.
Devemos, ainda, observar que outras leis, elaboradas sob a vigência de Constituições anteriores, e portanto REGULARES no momento de sua edição, se ainda não foram expressa ou tacitamente revogadas, continuam em vigor, embora não pertençam a qualquer dos tipos de lei atualmente previstos em nosso processo de elaboração legislativa. Pelo princípio da continuidade jurídica, então, ainda vigoram, v.g., o Código Comercial Brasileiro, Lei no. 556, de 25.06.1850, elaborada sob a vigência da Constituição do Império, bem como os diversos decretos-leis baixados, durante o recesso do Congresso Nacional, com fundamento em Atos Institucionais.
Como conseqüência, portanto, em certas hipóteses, uma lei ordinária poderá revogar um decreto-lei (ou vice-versa), ou revogar, talvez, uma lei complementar, porque o importante para se saber se um determinado ato é ou não uma LEI (sentido amplo) consiste no exame desse ato no momento de sua edição. Se, no momento em que esse ato foi editado, ele era regular, tanto formal como materialmente, então teremos uma lei, deste ou daquele tipo, e se essa lei não foi ainda revogada, continuará, evidentemente, sendo aplicada pelo Poder Judiciário, contenciosamente, e pelo Poder Executivo, administrativamente, e assim produzindo seus efeitos.
Portanto, a lei, como ato ordinário, é fonte do direito e sua importância no contexto do ordenamento jurídico total dependerá das coordenadas características de cada Estado. Podem ainda ser considerados como fontes do direito os atos do Poder Executivo, sejam esses atos normativos, como são os regulamentos, sejam atos mesmo de caráter executivo "stricto sensu", os atos de impulsionamento cotidiano da administração, por parte do Poder Executivo organizado, cuja cabeça é o Presidente da República, desde que feita a ressalva pertinente ao princípio da legalidade, que em nossa Constituição é consagrado pelo § 29 do art. 153 e pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, de modo que os regulamentos baixados pelo Presidente da República através dos decretos serão destinados, tão-somente, a possibilitar a fiel execução das leis, não podendo conflitar com estas.
Também aqueles atos baixados pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo, com a finalidade de regular a aplicação das leis ou de tratar assuntos da economia interna dos tribunais e órgãos legislativos (resoluções), seriam enquadrados por alguns autores nesta categoria.
Devemos ainda observar que muitas leis podem, às vezes, encerrar matéria constitucional e, embora não lhes tenha sido conferida a garantia da maior estabilidade, pela sua inclusão no texto constitucional, sendo essas leis materialmente constitucionais, com maior razão deveriam ser citadas como fontes do próprio Direito Constitucional. Seria o caso, entre nós, das diversas leis que tratam do processo eleitoral ou dos partidos políticos. Especialmente naqueles Estados que possuem Constituições não racionalizadas, isto é, aquelas Constituições que tratam apenas de um elenco mínimo de matérias, crescem de importância, como fontes do direito constitucional, a lei e o costume.
Assim como a lei, também o costume é importante fonte do direito e, dependendo de se considerar este ou aquele Estado, este ou aquele momento histórico, poderá uma dessas fontes ser preponderante em relação à outra.
Não há negar, contudo, a precedência histórica do costume, a mais espontânea fonte do Direito e, de certa forma, também a mais normal, consubstanciada nessas normas de conduta, oriundas dos usos e costumes, em decorrência da necessidade de regulamentação da convivência humana em sociedade.
Os romanos já se preocupavam com o estudo dessas fontes, o direito escrito_e o não escrito. CUJACIO assim os correlacionava:
"Quid consuetudo? lex non scripta. Quid lex? consuetudo scripta."
Modernamente, porém, há uma tendência quase universal no sentido da adoção do direito escrito, prevalecendo, cada vez mais, o preceito legislativo, mesmo com referência à matéria constitucional.
O costume é, assim, uma das fontes mais influentes do direito. Esta influência será, contudo, maior ou menor, conforme seja a Constituição escrita ou não escrita, racionalizada ou não racionalizada. É claro que, em países como a Inglaterra, o costume (que não é o costume romano, mas o costume conforme é reconhecido pelos tribunais) tem uma preeminência que não tem em países de constituição escrita. Na Inglaterra, cuja Constituição é consuetudinária, não escrita, pois não existe Constituição formal, mas apenas no sentido material, é ele a fonte mais importante do próprio direito constitucional ou, mesmo, sua única fonte.
Também nos Estados Unidos, o costume tem grande importância, porque sua Constituição, embora escrita (1.787, em vigor a 1.789), não é racionalizada, isto é, não seguiu a tendência, posterior à Primeira Guerra Mundial, de submeter ao Direito, regulamentando-o nos textos legislados, todo o conjunto da vida coletiva. Isso facilita o permanente processo de adaptação do texto constitucional norte-americano à realidade social (diria LASSALLE, aos fatores reais do poder), especialmente através do costume e da jurisprudência, evitando-se, assim, as soluções extrajurídicas que fatalmente se consubstanciariam em movimentos revolucionários destinados à violenta modificação do ordenamento estabelecido.
Mas, ainda em países de Constituição escrita racionalizada, não se pode prescindir do costume, mesmo como fonte do Direito Constitucional, porque sendo a Constituição rígida, sendo difícil reformá-la (como ocorre no Brasil), surgirão dificuldades cotidianas para adaptar o texto constitucional à vida do Estado. Haverá necessidade, então, de certas soluções de emergência, fórmulas inteligentes, e serão criados precedentes, ou convenções, como dizem os ingleses; serão criados costumes constitucionais.
O costume consiste, portanto, na prática de uma determinada forma de conduta, repetida de maneira uniforme e constante pelos membros da comunidade.
A Doutrina costuma exigir a concorrência de dois elementos para a caracterização do costume jurídico, o elemento objetivo e o elemento subjetivo.
O elemento objetivo ou material do costume corresponde à prática, inveterada e universal, de uma determinada forma de conduta.
O elemento subjetivo ou espiritual consiste no consenso, na convicção da necessidade social daquela prática, na "opinio juris et necessitatis".
A noção de costume ou consuetudo é sempre a mesma, qualquer que seja o ramo do Direito em que se manifeste. Em relação ao costume constitucional, todavia, podem ser apontadas determinadas características, a saber:
a) Em relação à matéria constitucional, a primeira caraterística do consuetudo se encontra no fato de que, necessariamente, os órgãos constitucionais do Estado participam de sua formação. Esses órgãos constitucionais, isto é, os órgãos que, pela sua atividade, são autônomos e independentes e respondem por uma determinada parcela do poder estatal, deverão ser identificados, em cada sistema, quando não expressamente declarado pelas normas vigentes, através do exame de sua competência e posição constitucional. É evidente que os costumes constitucionais podem ser determinados pelo comportamento dos jurisdicionados, porque a atividade dos órgãos constitucionais se inspira, em última análise, nas tendências políticas predominantes, porém sua ação será juridicamente irrelevante, enquanto não absorvida e transformada em prática por parte daqueles órgãos.
b) Em decorrência de seu aspecto essencialmente político, o costume constitucional apresenta maior flexibilidade e maior elasticidade, em confronto com o costume observado em outros campos do Direito. Desta idéia, decorreria que, no Direito Constitucional, o costume assume uma posição de maior relevo do que nos outros ramos do Direito interno, pelo fato de que a generalização das normas escritas se mostra pouco apropriada para o regulamento das relações de caráter constitucional, que em decorrência das necessidades e aspirações políticas, tendem a contínuos desvios e adaptações. Em sua formação, influem a doutrina e a opinião pública, mas esta força social atua através dos órgãos constitucionais. A Opinião pública constitui o germe do qual surge e se desenvolve, pela atividade dos órgãos constitucionais, o "consuetudo", mas a opinião pública se manifesta através dos programas e da orientação dos partidos políticos.
c) O costume constitucional, normalmente, se forma e se firma em breve lapso de tempo. Isso decorre do número limitado de órgãos elaboradores do costume constitucional, do fato de que na formação desta fonte do direito a "opinio juris et necessitatis" precede a prática, e da particular natureza deste ramo do Direito, no qual fatores de índole política agem da maneira mais dinâmica no sentido de adequar as instituições à necessidade social.
Autores há que (CARMELO CARBONE, "La Consuetudine nel Diritto Costituzionale") classificam o costume constitucional em dois tipos: o fundamental e o não fundamental. Seriam fundamentais aqueles costumes referentes ao complexo de princípios básicos que alimentam, e vivificam todo o sistema constitucional, pois em cada Constituição há, sempre, uma idéia central e originária, que unifica, em um complexo orgânico, suas diversas partes. As normas constitucionais, em sua maioria, senão todas, são simplesmente deduzidas dessas idéias fundamentais. Esta noção relaciona-se, evidentemente, com o princípio da supremacia constitucional e seu corolário, do controle da regularidade das leis em face da Constituição.
Em nossa sistemática, o costume é colocado em posição secundária, conforme decorre das disposições do art. 49 da Lei de Introdução ao Código Civil e do art. 126 do Código de Processo Civil:
"art. 49- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito."
"art. 126- 0 juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito."
No tocante às Emendas Constitucionais, existe entre nós um costume que poderá ilustrar a matéria já exposta. Trata-se do processo de elaboração das Emendas Constitucionais, quando após sua aprovação pelo Congresso Nacional, a Emenda é solenemente promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado e enviada ao órgão responsável pela sua publicação, entrando IMEDIATAMENTE em vigor, uma vez publicada no Diário Oficial da União, mesmo na ausência de disposição expressa em seu próprio texto. Surge aqui um problema, porque normalmente, se a LEI (sentido amplo) não estabelece data para seu início de vigência, deverá começar a vigorar quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada, nos termos do art. 19 do Decreto-lei no. 4.657, de 04.09.42 (Lei de Introdução ao Código Civil).
Ora, sendo a Emenda Constitucional uma lei, posto que incluída na enumeração do art. 46 da Constituição Federal, embora, conforme já explicamos, de nível extraordinário, porque destinada a reformar a Constituição, a ela não se aplica o citado princípio da Lei de Introdução ao Código Civil, em decorrência de um costume constitucional que se desenvolveu nesse sentido.
Há quem afirme que não poderia, absolutamente, o princípio da Lei de Introdução, ser aplicado à hipótese sob exame, exatamente porque não se trata de uma norma constitucional e não poderia, assim, reger matéria constitucional, no caso a elaboração da Emenda, embora a Constituição não diga uma só palavra a respeito do início de vigência da emenda constitucional.
A matéria deve merecer todo o cuidado do intérprete, porque, de outra forma, poderíamos até mesmo negar a existência do costume constitucional, simplesmente porque a Constituição não nos fala a respeito de sua existência e o art. 126 da Lei no. 5.869, de 11.01.73 (Código de Processo Civil), que conforme vimos estabelece que ao juiz caberá, no julgamento da lide, aplicar as normas legais e, na sua falta, recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito, da mesma forma, não poderia ser aplicado em relação à matéria constitucional.
Finalmente, é também fonte principal, ou positiva, do Direito, a jurisprudência, consubstanciada no conjunto das manifestações do Poder Judiciário, a quando do desempenho de sua missão de aplicar contenciosamente a lei aos casos concretos.
A jurisprudência, expressa nas sentenças e acórdãos, estabelecendo um entendimento a respeito da norma a ser subsumida ao caso "sub judice", é assim fonte através da qual se manifesta o Direito, em sua aplicação prática e real. A Constituição e as leis só valem, verdadeiramente, através desse significado que lhes empresta a jurisprudência.
Com efeito, sob um enfoque puramente sociológico, o Direito vigente será exatamente aquele que é efetivado pelos órgãos judiciários, podendo ser muito diverso daquele constante das leis e dos códigos, que poderiam constituir, no dizer de LASSALLE, já citado, "meras folhas de papel".
A exemplo do costume, a jurisprudência poderá ser mais ou menos influente, conforme o Estado possua uma Constituição escrita ou não escrita, uma Constituição escrita racionalizada ou uma constituição escrita não racionalizada. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, podemos dizer que a jurisprudência é uma das fontes mais precípuas, não somente do Direito Constitucional, mas do Direito em geral. Nos Estados Unidos, onde existe o controle jurisdicional de constitucionalidade (que não existe na Inglaterra, por maior que seja a autoridade dos juízes e dos tribunais britânicos), uma decisão definitiva da Suprema Corte, interpretando uma norma constitucional, pode ser equiparada à própria Constituição. Por várias vezes, na história constitucional norte-americana, foi necessário votar uma emenda constitucional para derrubar uma determinada diretriz da Suprema Corte, conforme ocorreu com a Emenda no. 11. Por essa razão, disse Wilson, que antes de ser Presidente foi professor na Universidade de Princeton, que a Suprema Corte é uma constituinte contínua, porque a todo momento está emendando a Constituição.
A esse processo de simples substituição da interpretação, sem a alteração do texto constitucional, denomina-se MUDANÇA, em oposição à reforma, feita através das emendas constitucionais, votadas, normalmente, pelos órgãos legislativos, conforme já exemplificamos com o processo adotado no Brasil. E foi exatamente esse processo de mudança constitucional, com a extraordinária importância da missão constitucional do Poder Judiciário, que possibilitou a sobrevivência da Constituição norte-americana nestes quase duzentos anos, em que sofreu apenas vinte e cinco emendas.
Destinada, conforme MARSHALL, a reger todas as crises dos negócios humanos, a Constituição exige, porém, um permanente processo de adaptação às necessidades sociais, porque é meramente uma fonte formal do Direito e não pode ser (como também a LEI) desvinculada da fonte verdadeira do preceito que não representa, apenas, vontade e, muito menos, arbítrio do homem.
A normatividade jurídica não decorre, a nosso ver, da simples vontade do legislador, mas se impõe, em certo grau (e talvez não necessariamente, porque afinal o processo implica em uma via de duas mãos), como decorrência das próprias condições criadas pela convivência humana em sociedade.
O conteúdo da norma jurídica depende e decorre do fim que com ela se pretende alcançar e está condicionado a exigências particulares, provenientes dos diversos elementos que constituem a matéria regulamentada pela norma, elementos que possuem realidade objetiva, que assim deverá ser respeitada pela atividade legiferante.
"A salvação dos Estados Unidos, dizia RUI BARBOSA, está na divina grandeza da sua justiça. A América anglo-republicana se desvanece de ser um país regido pela magistratura, "a judge ruled country". Ali tem uma realidade literal o "judicial rule", o predomínio dos tribunais. A "suprema lei do país" são os arestos da Corte Suprema. Aquela extrema democracia faz honra de se chamar "uma democracia de toga". Segundo as conjunturas e os tempos, ora sobressaem ali as feições de um governo presidencial, ora as de um governo congressual. Mas a barreira às intrusões da presidência, a estacada contra as usurpações da legislatura consiste nesse poder, que não governa, mas impõe-se, mediante a soberania da sua majestade moral. Graças a ele resiste aquela nação à violência dos seus partidos, à corrupção da sua política, ao gigantismo da sua fortuna."
Nos Estados Unidos, portanto, a jurisprudência desempenha importante missão e um advogado, para ganhar a questão, citará decisões do tribunal, em casos análogos, de vez que se espera, normalmente, que o precedente seja mantido.
Entre nós, a jurisprudência não tem a mesma força, mas não se pode estudar qualquer assunto jurídico, desvinculando-o das manifestações do Poder Judiciário, especialmente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que no desempenho de sua missão constitucional de árbitro da Federação, guardião da Constituição e uniformizador da jurisprudência, manifesta-se a respeito dos mais diversos temas jurídicos.
Para ilustrar, em nosso ordenamento constitucional, a importância da interpretação da norma pelos órgãos do Poder Judiciário, basta-nos citar o art. 119, III, "d", que prevê o cabimento de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal na hipótese de divergência jurisprudencial.
Essa orientação, consagrada no art. 153, § 4º de nossa vigente Constituição Federal, através do chamado princípio do judiciarismo, somente foi adotada no Brasil ao ensejo da proclamação da República, quando mudamos nosso eixo constitucional, porque no Império, sob a influência do constitucionalismo europeu continental, o juiz era considerado um mero aplicador da lei, nos termos da frase célebre de MONTESQUIEU, já transcrita: os juízes são a boca que pronuncia as palavras da lei.
Ainda hoje, em França, ao juiz não é conferida a mesma autoridade que possui o juiz britânico ou o norte-americano, mas não é, também, um mero aplicador da lei. Diz JEAN CRUET, a respeito, que a função da jurisprudência é supletiva da lei e que a proclamação de sua onipotência e imobilidade, com a passividade e a irresponsabilidade do juiz nada mais é do que uma bela fachada, por detrás da qual se desenvolve, na França, como na Inglaterra, uma lei feita pelo juiz ("a judge made law").
O princípio do judiciarismo, aliado à possibilidade de decretação da inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público pelos juízes e tribunais, poderia resultar, no Brasil, em assumir o Poder Judiciário uma extraordinária importância política, em relação ao próprio aperfeiçoamento das instituições e à sua cotidiana adaptação às necessidades sociais, o que razões outras, contudo, ainda não permitiram ocorresse na devida medida.
Terminado o estudo das fontes positivas, ou seja, daquelas fontes que encerram o Direito vigente em um determinado Estado, passaremos agora às chamadas fontes subsidiárias ou auxiliares, que são apenas fontes de estudo do direito.
O Direito Anterior é constituído por todas aquelas normas jurídicas que perderam a vigência, ou seja, deixaram a ordem jurídica porque foram substituídas ou revogadas por outras normas.
No Brasil, esta é uma importante fonte de estudo do Direito, especialmente do Direito Constitucional, porque nossa história registra a presença de cinco Constituições já revogadas, afora a reforma de 1.926, o texto originário da Constituição de 1.967 e as diversas reformas sofridas por nossas Constituições, como a de 1.946.
Também integram o Direito Anterior, como fonte do estudo do Direito, as leis já revogadas, os costumes não mais vigentes e a jurisprudência hoje infirmada (overruled) .
À semelhança do que ocorre com o Direito Anterior, o Direito Comparado é indispensável ao estudo do Direito e à interpretação de suas normas pelos órgãos encarregados de sua aplicação.
Não se pode estudar com profundidade a locação, o presidencialismo ou qualquer instituto jurídico, sem o recurso de sua comparação com os de outros Estados.
Esta fonte compreende, assim, os sistemas constitucionais e os ordenamentos jurídicos globais (envolvendo leis, costumes, jurisprudência) dos outros povos e constitui, com o Direito Anterior (também o comparado), um insubstituível campo para a observação dos fenômenos sociais relacionados com sua regulamentação jurídica.
Podemos afirmar, assim, que ninguém conhecerá o Direito de um determinado Estado, se o não estudar com o auxílio do Direito Comparado e do Direito Anterior e mais, que esses estudos fornecerão preciosos subsídios tendentes a aconselhar a adoção desta ou daquela norma, deste ou daquele instituto jurídico, por um determinado Estado.
A Doutrina, ou Ciência Jurídica, consiste na exposição, explicação e sistematização do Direito, consubstanciada nas manifestações dos estudiosos, jurisperitos ou jurisconsultos, através de tratados, livros didáticos, monografias, conferências, etc.
É, portanto, um enfoque especulativo do Direito, de grande importância, porque satura todas as outras fontes, através das teorias que engendra, inspirando, orientando, esclarecendo, justificando, enfim, adaptando o direito às necessidades sociais.
Dependerá, entretanto, de cada povo, sua maior ou menor importância. Nos países anglo-americanos, por força da "Common Law", e da teoria dos precedentes, a doutrina jurídica é escrita com base nas decisões; a jurisprudência é a fonte mais precípua.
Entre nós, segue-se a tradição francesa, a tradição italiana; a doutrina é mais livre. Os tribunais é que constantemente, por um processo inverso, estão citando a Doutrina. Muitas vezes, mesmo, as partes interessadas no desfecho de uma contenda judicial contratam juristas famosos, para estudarem o assunto e emitirem parecer, certas de que a autoridade dessa Doutrina poderá, de certa forma, condicionar a decisão do juiz ou tribunal.
Assim, no direito moderno, embora a contribuição da Doutrina não seja oficial, não constitua Direito positivo, certamente influencia os legisladores e os juízes, cabendo-lhe estabelecer diretrizes, sistematizar o conhecimento jurídico, promover a defesa de certos princípios e propor as alterações tendentes a adaptar o ordenamento jurídico à realidade social.
Podemos afirmar que os princípios gerais do direito são os elementos fundamentais da cultura jurídica humana, ou seja, as idéias e os princípios sobre os quais assenta a concepção jurídica dominante. Seu conceito é, na realidade, bastante controvertido, mas devemos acentuar que não se trata de princípios jurídicos, propriamente ditos, mas de princípios mais amplos, tendentes a critérios universais.
Autores há que identificam esses princípios com a eqüidade, com a razão jurídica natural ou com aquilo que a tradição denominou direito natural.
Para DABIN, neles se consubstanciam, em geral:
a) soluções especificamente jurídicas, consagradas nos textos, como a regra da irretroatividade das leis;
b) construções doutrinárias, como o princípio da unidade e da indivisibilidade do patrimônio;
c) máximas de bom senso, de eqüidade e de ordem social, aplicadas à matéria jurídica e latentes na regulamentação legal, como a sentença de que o acessório segue o principal, ou o princípio famoso da "res inter alios acta".
A aplicação rígida desses princípios, sem a consideração do que a vida reclama, do que é exigido pelas relações sociais e pelo senso da justiça, obsta, muitas vezes, a recepção de novas diretrizes, impostas pelas necessidades da convivência social, embora não compreendidas nessas categorias existentes e dominantes.
Muitos autores se preocupam em estudar os princípios gerais do direito e devemos citar, aqui, o importante trabalho de PINTO FERREIRA, de consulta obrigatória, "Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno".
O art. 126 de nosso Código de Processo Civil, já citado, na falta de disposição legal e na impossibilidade do recurso à analogia ou aos costumes, permite ao juiz sentenciar ou despachar com fundamento nos princípios gerais do direito. É evidente que por essa via, aberta pelo art. 126, o juiz poderá, até mesmo, fundamentar sua decisão, sua sentença, nesses princípios universalmente aceitos, v.g., os da Declaração Universal ou os da Declaração Americana.
A matéria das fontes do direito tem sido abordada doutrinariamente debaixo dos mais díspares enfoques, ao sabor das idéias dominantes no âmbito da Filosofia do Direito, da Ciência do Direito e da Teoria Geral do Direito.
Estabeleceu-se, em certo momento, um verdadeiro dualismo ou uma justaposição de perspectivas, como se pudesse haver um direito do jurista e um outro do filósofo, cada um deles isolado em seu domínio, sem que a tarefa de um repercutisse, de maneira direta e permanente, na tarefa do outro.
Acresce que quando eminentes filósofos do direito reagiram contra o positivismo, o evolucionismo ou o historicismo empíricos, eles o fizeram respaldados no apriorismo formal dos neokantianos e tal orientação era a menos propícia a uma correspondência com o saber do jurista, não somente pela natural diversidade de linguagem, como pela atitude mesma de afastamento da problemática positiva, considerada às vezes de alcance secundário ou empírico.
Para MIGUEL REALE, o jusfilósofo brasileiro que sistematizou a importante "teoria tridimensional do direito", a norma jurídica, assim como todos os modelos jurídicos, não pode ser interpretada com abstração dos fatos e valores que condicionaram o seu advento, nem dos fatos e valores supervenientes, assim como da totalidade do ordenamento em que ela se insere, o que torna superados os esquemas lógicos tradicionais de compreensão do direito.
Assim, para REALE a jurisprudência é uma ciência normativa (mais precisamente, compreensivo-normativa) devendo-se porém entender por norma jurídica bem mais que uma simples proposição lógica de natureza ideal: é antes uma realidade cultural e não mero instrumento técnico de medida no plano ético da conduta, pois nela e através dela se compõem conflitos de interesses e se integram renovadas tensões fático-axiológicas, segundo razões de oportunidade e prudência (normativismo jurídico concreto ou integrante).
Conseqüentemente, a elaboração de uma determinada e particular norma de direito não é mera expressão do arbítrio do poder, nem resulta objetiva e automaticamente da tensão fático-axiológica operante em dada conjuntura histórico-social: é antes um dos momentos culminantes da experiência jurídica, em cujo processo se insere positivamente o poder (quer o poder individualizado em um órgão do Estado, quer o poder anônimo difuso no corpo social, como ocorre na hipótese das normas consuetudinárias), mas sendo sempre o poder condicionado por um complexo de fatos e valores, em função dos quais é feita a opção por uma das soluções regulativas possíveis, armando-se de garantia específica (institucionalização ou jurisfação do poder na nomogênese jurídica).
As fontes do direito não podem ser estudadas, conseqüentemente, sob um enfoque puramente jurídico, porque a experiência jurídica é uma das modalidades da experiência histórico-cultural, que leva à valoração do fato jurídico, de modo a resultar em um processo nomogenético de natureza integrante, cada norma ou conjunto de normas representando, em dado momento histórico e em função de dadas circunstâncias, a compreensão operacional (ou o processo decisório, primário-legiferante ou secundário-jurisprudencial) compatível com a incidência de certos valores sobre os fatos múltiplos que condicionam a formação dos modelos jurídicos e a sua aplicação.
Exatamente por essa razão, MIGUEL REALE considera a experiência jurídica uma experiência tridimensional de caráter normativo bilateral atributivo, com os termos fato, valor e norma indicando os fatores ou momentos de uma realidade em si mesma dialética, como é o mundo do direito.
FERREIRA, PINTO- Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno, Edição Saraiva, 1.962, 4a. edição, 2 vols.
LASSALLE, FERDINAND- Que é uma Constituição, trad. brasileira de W. Stönner, Edições e Publicações Brasil, 1.933.
LIMA, MÁRIO FRANZEN DE- Da Interpretação Jurídica, Ed. Revista Forense, 2a. edição, 1.955.
MAINEZ, EDUARDO GARCIA- Introduccion al Estudio del Derecho, Editorial Porrua S.A., México, 7a. edição, 1.956.
MONTESQUIEU, CHARLES LOUIS DE SECONDAT, Baron de- De L’Esprit des Lois, Edições e Publicações Brasil, S.P.
REALE, MIGUEL- Teoria Tridimensional do Direito, Editora Saraiva, S.P., 1.968.
Fernando Lima
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