Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Longe de ser um documento definitivo, os PCNs procuram promover uma ampla discussão
com a sociedade auxiliando nos caminhos que podem determinar o tipo de educação
que se almeja para o nosso país para o próximo milênio.
A iniciativa serve para influenciar nos padrões, valores e filosofia
de ensino, além da concepção de educação.
A nosso ver, mesmo com todas as polêmicas que os PCNs ainda causam, tal
documento é um marco definitivo quando buscamos refletir sobre tais questões
com todas as partes envolvidas no processo educacional.
Especificamente no ensino fundamental, o que deve nortear a ação
pedagógica é a busca incessante da inserção do educando
como personagem, procurando sempre contextualizar tanto os dados quanto os atores
sociais, buscando ainda, inserir o aluno em seu lugar no tempo e no espaço.
Se consideramos que uma das funções da escola é a formação
crítica para a cidadania, na pratica pedagógica devemos ter educadores
capazes de identificar possibilidades de atuação que possam contribuir
para que a educação esteja a serviço desta construção
da cidadania, além de propiciar a compreensão do significado e
da importância da utilização da capacidade do educando como
principal objetivo norteador do ação pedagógica.
Nos PCNs estão estabelecidos os objetivos que devem ser alcançados
ao longo do ensino fundamental. No entanto, o que podemos perceber é
que sua principal função é fazer com que a escola seja
formadora de opiniões, extremamente crítica, fornecendo ao educando
a possibilidade gradativa de ler e compreender a realidade que o cerca, procurando
se posicionar, fazendo suas escolhas, optando por posturas próprias,
e, principalmente, agindo criteriosamente.
Para que tudo isso seja isso seja alcançado é preciso fazer com
que os alunos atinjam os objetivos de identificar o próprio grupo de
convívio e as relações que estabelecem com os tempos e
espaços; de organizar alguns repertórios histórico-culturais
que lhes permitam localizar acontecimentos numa multiplicidade de tempo, de
modo a formular explicação para algumas questões do presente
e do passado; de conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais,
em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais,
econômicas, políticas e sociais, reconhecendo semelhanças
e diferenças entre eles; reconhecer as mudanças e permanências
nas vivências humanas, presentes na sua realidade e em outras comunidades,
próximas ou distantes no tempo e no espaço.
A medida que não trazem soluções prontas e impostas, os
PCNs acabam por colocar em discussão e debate as próprias práticas
e a questão curricular. Ao nosso ver, é um material de referência
extremamente significativo e atualizado sobre a função da escola,
sobre a relevância dos conteúdo a serem trabalhados e, principalmente,
sobre o tratamento que eles devem ser dado.
Acreditamos ser necessário, ainda, considerar que tais orientações
são gerais e devem ser, em diversos níveis, adequadas a cada realidade. Desta
forma , devem ser revistas por estados e municípios, ao estabelecer os
conteúdos necessários não só em relação
às suas necessidades sociais e culturais, como também, em relação
à maneira mais efetiva para distribuí-los no decorrer do ensino
fundamental.
As orientações dos PCNs devem ser revistas, também, por
cada instituição escolar, principalmente ao definirem, em seus
projetos político-pedagógicos, os conteúdos, os objetivos e
os critérios de avaliação.
Entendidos como um ponto de partida, uma proposta para a reorganização
do sistema educativo brasileiro, os PCNs devem ser revistos, analisados, compreendidos
e estudados pelos educadores ao fazerem o planejamento de suas aulas, de acordo
com o contexto onde se insere sua prática pedagógica e a realidade
que a delineia. A seguir, é o que pretendemos demonstrar: a proposta
dos PCNs.
A proposta de organização do conhecimento contida nos PCNs está
de acordo com o disposto no artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional que nos diz
"os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma
base comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais
e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela."
A LDB expressa, nos diferentes parágrafos do artigo acima citado, as
diretrizes gerais que devem ser seguidas para a organização curricular,
tanto do ensino fundamental como do ensino médio, que a partir desta
lei, passou a integrar a educação básica.
Neste sentido, os PCNs indicam diferentes objetivos para o ensino fundamental,
tendo como principal proposta construir, através da educação,
a cidadania dos educandos. Para atingir tal objetivo, é necessário
que a escola tenha seu funcionamento dentro dos modelos de cidadania. Com a
ausência de uma projeto político-pedagógico que defina,
principalmente, os valores coletivos a serem assumidos por ela, a escola não
cumprirá com esse objetivo. Tais valores devem, cotidianamente, clarificados
e vivenciados por toda a comunidade escolar, e a prática pedagógica
deve motivar tal vivencia.
A proposta dos PCNs é fazer com que a escola trabalhe comprometida com
seu objetivo maior, que é o de educar.
O projeto educativo da escola deve ser contínuo processo de discussão
de objetivos, conteúdos, estratégias, critérios de avaliação.
Os próprios PCNs devem ser discutidos, analisados, dentro do processo
de construção e implementação e avaliação
projeto político pedagógico.
Sabemos que a incorporação real do projeto político-pedagógico
à vida escolar cotidiana perpassa fundamentalmente pela troca
de experiências, pela discussão e formação continuada,
com já discutimos aqui anteriormente.
Sabemos, também , que a prática pedagógica que pretenda
tornar realidade a qualidade do trabalho educativo com os princípios
norteadores dos PCNs deve necessariamente ser trabalho coletivo, sistemático,
onde se pode criar um trabalho de co-responsabilidade, um compromisso permanente.
Assim, a escola encontrará o real sentido de seu papel, de formar e informar,
criando condições para que os educandos possam desenvolver suas
capacidades e competências, suas identidades pessoais e suas socializações,
suas inteligências múltiplas.
É preciso ainda que a escola também possa criar condições
para que os envolvidos no seu cotidiano possa ir, em suas trajetórias,
construindo valores, tendo acesso a conhecimentos que os preparem
para uma atuação ética, crítica e participativa, no
âmbito da cultura, da sociedade, da política e que, por fim, valorize
a cultura do seu lugar, da sua comunidade, do seu país e compreenda a
herança cultural da humanidade como um todo. No intuito de entender a
perspectiva da transversalidade expressa pelos PCNs, procuramos referências
para uma maior aprofundamento da questão em pauta e, conseqüentemente,
suas implicações e contribuições para a EDH. É
o que trataremos a seguir.
As diversas tendências presentes nas propostas curriculares brasileiras
servem de intenso debate. As reformas curriculares em curso nas escolas de ensino
fundamental refletem-se e derivam de uma nova visão interdisciplinar
do conhecimento, dos diferentes progressos ocorridos nos campos científico
e tecnológico e da discussão que tem dominado o cenário
pós-moderno sobre a inclusão da ética, do respeito ao meio
ambiente, da cidadania, do multiculturalismo, da estética, da
saúde e da sexualidade, e, principalmente, dos direitos humanos.
Pretendemos aqui, antes de tentarmos, no próximo item, analisar algumas
relações existentes entre a globalização econômica
e a educação brasileira, examinar as reformas que estão
ocorrendo nas escolas, assinalando que tais reformas são reflexos do
mundo contemporâneo.
Por ser extremamente necessário, é preciso perceber que tais reformas
só poderão ser efetivamente avaliadas quando pudermos, com o passar
do tempo, observamos o fluxo existente, normalmente, entre escola
e universidade, não somente via cursos de graduação
e pós-graduação, como também os cursos de extensão
universitária que acabam por estabelecerem vínculos diretos com
os professores da rede pública, através de cursos de capacitação.
De acordo com isso, é preciso que os processos de avaliação
pelos quais estão passando os sistemas de ensino, incluindo as universidades
brasileiras , sejam orientados para que ocorra realmente as necessárias
reformas curriculares.
Em um processo de avaliação interna, por exemplo, é necessário
partir de alguns pontos e constatações. A maioria dos
cursos atuais apresentam uma lógica de organização modelada
pela concepção positivista da ciência, onde o fracionamento,
a descontextualização, e a desproblematização aparecem
claramente nos conteúdos.
Uma outra questão é o modelo dominante de qualidade, ainda associado
sobremaneira à quantidade, visto que os currículos
de muitos cursos não apresentam a flexibilidade necessária, com
o desejável equilíbrio entre atividades obrigatórias e
atividades optativas.
É necessário ainda frisar que as perspectivas de multidisciplinaridade,
de modo geral, ainda não são devidamente contempladas
com a profundidade necessária, visto que ainda permanece a
preocupação com o mero desenvolvimento dos conteúdos e
não o desenvolvimento de atitudes e habilidades.
Desta forma, percebemos que é extrema urgência buscarmos
estabelecer diretrizes para a elaboração do projeto de criação
de um novo currículo para a escola de ensino fundamental. É preciso,
além de definir o cidadão que se quer ver
formado, identificar as reais necessidades e problemas atuais e futuros
da sociedade e, com isso, criar novas disciplinas e atualização
de conteúdos.
Vale lembrarmos que o currículo requer a descrição dos
grupos de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores éticos e estéticos,
fundamentais à formação do ser humano, assim como a explicitação
do tratamento metodológico a ser dado aos conhecimentos no sentido de
garantir o equilíbrio entre a aquisição de conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores. Uma possibilidade é compreendermos,
com mais vigor, metodologias ativas que levem à inserção
da problemática da construção da cidadania e dos Direitos
Humanos no cotidiano escolar.
No decorrer dos anos 80 e 90, a preocupação de delinear currículos
nacionais e de inserir no currículo da escola fundamental os temas transversais
de respeito ao meio ambiente, cidadania, multiculturalismo, ética e direitos
humanos demonstram que na escola as mudanças estão sendo encaminhadas.
Em países como Espanha, Estados Unidos, Chile, Inglaterra, África
Ocidental (Gana, Serra Leoa, Libéria, Nigéria e Gambia) e Austrália,
tais mudanças se fazem presentes.
O processo de adoção, na escola fundamental, de um
currículo nacional, traz em si mesmo, o germe do conflito: de um lado
surge a possibilidade perigosa da imposição autoritária
de um conhecimento oficial que reflete o "arbitrário cultural"
de um grupo ou grupos no exercício do poder; do outro lado, torna-se
essencial reformular a escola não apenas para buscar a sintonia com as
modalidades de aprender e com novas tecnologias, como também, por meio
de discussão do multiculturalismo, definir as fundamentais características
que diferenciem os países, com a finalidade de irmos contra a uniformização
cultural, ameaça maior do processo atual de globalização.
Em nosso país, com a proposta dos PCNs, se reconhece que a
tensão entre o global e o local
" ou seja, entre tornar-se pouco a pouco cidadão do mundo sem perder
suas raízes, participando ativamente da vida de sua nação
e de sua comunidade. Num mundo marcado por um processo de mundialização cultural
e globalização econômica, os fóruns políticos
internacionais assumem crescente importância. No entanto, as transformações em
curso não parecem apontar para o esvaziamento dos Estados/Nação.
Pelo contrário, a busca de uma sociedade integrada no ambiente
em que se encontra o "outro" mais imediato, na comunidade mais próxima
e na própria nação, surge como necessidade para chegar
à integração da humanidade como um todo. É cada
vez mais forte o reconhecimento de que a diversidade étnica, regional
e cultural continuam a exercer um papel crucial e de que é no âmbito
do Estado/Nação que a cidadania pode ser exercida."
De acordo ainda com os PCNs, atualmente só visar a capacitação
dos estudantes para as futuras habilitações em termos das especializações
tradicionais não basta: trata-se de se buscar formar os estudantes no
que se refere a sua capacitação para aquisição
e desenvolvimento de novas competências, de acordo com os novos saberes
que se produzem e que, por isso mesmo, demandam novo tipo de profissional preparado
para poder lidar com novas linguagens e tecnologias, capaz de responder a novos
processos, desafios e ritmos.
As novas relações entre conhecimento e trabalho decorrentes deste
processo exigem capacidade de inovação e iniciativa e a máxima
"aprender a aprender" parece se impor à máxima "aprender
determinados conteúdos".
Temas locais, meio ambiente, orientação sexual, ética,
pluralidade cultural, saúde, são sugestões apresentadas
nos volumes dos PCNs para serem tratadas transversalmente pela escola
brasileira.
A ética aliada a pluralidade cultural diz respeito à construção
de um novo código de convivência e a discussão
sobre valores éticos atualmente é, de acordo com os PCNs, uma
questão de sobrevivência. Temas como violência,
corrupção, discriminação por fatores relacionados
à procedência geográfica, credo, gênero e cor da pele,
desrespeito aos mais fracos e pobres, excessiva valorização
do dinheiro são visto como de essencial presença no cotidiano
escolar, principalmente se a isto procurarmos associar uma proposta de Educação
em Direitos Humanos.
A necessidade de discutirmos questões ligadas à nossa identidade
cultural e ao desenvolvimento da tolerância e do respeito às diferenças
nos foi trazida, também, pela proximidade com outras culturas, proporcionada
com a diminuição das distâncias geográficas e culturais
entre os países e pela facilidade nos processos comunicacionais.
Diante do exposto, acreditamos ser possível abordar, no cotidiano escolar,
os temas aqui destacados, valorizando, por exemplo, questões vinculadas
à Ética e a Pluralidade Cultural, que gradativamente estão
sendo inseridas nas propostas curriculares para a escola fundamental no Brasil.
Ao nosso compreender, isto pode levar a criação de um processo
de expansão dos pressupostos da Educação em Direitos Humanos
no Brasil.
Tal iniciativas, assim, são tentativas da escola de, por intermédio
do seu currículo, buscar se adaptar à nova visão interdisciplinar
do conhecimento, delimitando as possíveis fronteiras culturais,
visto que as geográficas e políticas estão sendo eliminadas,
não só pelo progresso nas comunicações e transportes
mas também pela informação tecnológica.
Também acreditamos que todo este processo pode resgatar as discussões
sobre moral e ética que, durante a modernidade, foram afastadas do âmbito
da ciência e, principalmente, do âmbito das práticas pedagógicas.
No entanto, torna-se necessário estar consciente que reformas educativas
não estão isentas de questionamentos. Pelo contrário, precisamos
tentar compreender como está se dando, na contemporaneidade, as relações
entre globalização da economia e educação brasileira.
Esta é a nossa próxima reflexão e análise, Antes
de analisarmos a temática transversalidade, levantaremos algumas questões
vinculadas à esta questão.
Sabemos que o processo de globalização da economia
não é fenômeno recente na história da humanidade,
mas no pós segunda guerra mundial (1937-1945) tornou-se assustadoramente
maior.
Em termos técnicos, globalização é uma expressão
que significa a maneira como economias e empresas buscam se organizar em proporções
planetárias. Se buscarmos fazer um histórico rápido de
sua evolução, podemos compreender que nas décadas de 50
e 60 os maiores destaques podem ser dados as empresas multinacionais. Já
nos anos 70 e 80 foram instituições financeiras e bancos que ampliaram
seus poderes, devido as crises de dívidas externas de países em
desenvolvimento.
Na década de 90, os processo de liberalização comercial
e outras práticas típicas do novo contexto integrador de mercados
na aldeia global preconizada por McLUHAN , claramente explorada pelas imensas
corporações internacionais e onde os Estados estão, gradativamente,
abrindo portais ao capital e ao comércio internacional.
Toda essa nova economia está acompanhada de uma revolução
cotidiana nas tecnologias de informação, criadoras de desdobramentos
da globalização além do campo da economia e geradoras de
uma cultura global. Essa realidade é evidenciada nos aspectos de amplitude
da velocidade e rapidez que tornam-se cada vez mais comuns no campo
econômico e também nas relações existentes entre
os mais diferentes atores sociais.
Essa velocidade, no entanto, acaba por gerar um processo de esquizofrenia que
BARRETO (1995) , ao citar Paul Kennedy, inglês e historiador da Universidade
Yale, diz estar presente em uma realidade que procurarmos esconder -
usando as mais variadas justificativas para a impossibilidade de soluções
para nossos problemas. Ou seja, a dimensão da globalização
alcança enormidade e se manifesta, via diferentes mídias, em múltiplos
aspectos do conhecimento humano e na construção de
uma nova polaridade.
De um lado temos os pessimistas, que encaram todas estas revolucionárias
transformações como sendo " uma verdadeira desgraça
histórica a ser combatida custe o que custar " , visto que neste
contexto histórico, a globalização é somente financeira,
com seus efeitos refletidos no espelho das modernas e sofisticadas formas de
desigualdades de domínios das tecnologias de ponta, geradoras de efeitos
de exclusão social e da "descidadania" e também
de índices jamais vistos de desemprego - inclusive nos países
do norte.
Na outra ponta desta nova polaridade, encontramos àqueles que acreditam
que a globalização atual é, na verdade, um resultado histórico
do avanço descomunal das economias de mercado para uma única economia
planetária, criadora de uma ruptura nos entraves econômicos, institucionais,
culturais e educacionais que caracterizavam o liberalismo anterior.
Os que se enquadram neste grupo acreditam que a globalização está
permitindo se efetivar positivamente a consciência de que determinadas
questões só podem encontrar saídas e perspectivas de soluções
num debate internacional.
É notório o surgimento de ações institucionais de
nível global, com destaque para as iniciativas das ONGs (organizações
não-governamentais), que através dos mais variados trabalhos procuram
mostrar que todos nós somos cidadãos do mundo, extremamente capazes
de raciocinar em nível planetário e cuidar da
nossa terra. Cuidado este essencial à manutenção da vida
e dos variados sistemas ecológicos que compõem nossa casa-mãe.
A ONU, através de variados programas, elaborou um o documento "Caring
for the Earth" , onde fica claro que somente como um ética
de cuidados, sustentada em princípio de uma estratégia global
de sustentabilidade, poderemos avançar nas políticas coletivas
de reconstrução ambiental do planeta.
Na realidade, todo esse processo é, na realidade , um novo desafio ético
institucional, onde novas formas de concretizações de vida humana
estejam amparadas em um rede de relações que ampliem a luta em
prol de melhorias locais em relação aos processo mundiais de solidariedade,
de direitos humanos e formação da cidadania gerenciada a
partir de uma correta ecologia humana.
A rede de relações acima citada é muito bem
discutida na recente trilogia de CASTELLS (1999), onde o autor aprofunda as
discussões sobre as múltiplas transformações advindas
do processo de mundialização da economia, principalmente o aumento
crescente da revolução tecnológica de informação,
cujos efeitos estão presentes nas mais diversificadas vertentes da vida
social desde o surgir de novas categorias de tempo e espaço, de organização
de interesses e construção de novas identidades, até
a reformulação do papel do Estado-nação e o fortalecimento
atual dos processos de etnicismos e localismos, no enfrentamento das questões
vinculadas a metropolização da cultura, do controle à distância
e, ainda, dos processos de digitalização da realidade.
Dentro desse complexo e novo contexto, um novo conceito do termo cidadania é
exigido visto que, no rastro do processo de globalização atual,
com nos diz Nassif, " o conceito de cidadania passa ser universal.
E não apenas nas relações das empresas e profissionais
com seus consumidores, mas com todo seu ambiente social e ecológico" .
Entretanto, só é possível acreditarmos acredito que essa
nova conceituação, num efeito ideológico mais amplo, poderá
criar novas alianças e parcerias e, com isso, diminuir as diferenças
existentes entre populações dos países do norte e do sul
se presenciarmos, em nosso cotidiano como educadores um confronto entre Humanidade
e Neoliberalismo.
No II Encontro Americano pela Humanidade e contra o Liberalismo , alguns posicionamentos
e idéias concretas foram aprovados e propostos como bandeira para todos
os educadores, principalmente o engajamento no "Brasil, 500 anos de Resistência
Indígena, Negra e Popular".
É dentro desta perspectiva que, em nossas ações práticas
como educadores, que procuramos construir a possibilidade concreta de
vermos a escola como
"uma mediadora privilegiada na questão dos Direitos Humanos e da
Cidadania, (...) que se pode fazer do espaço escolar um
local onde a formação de crianças, adolescentes e adultos
resulte em uma construção prática e teórica (...)
que leve a superação de atitudes passivas diante da
realidade, transformando-as em ativas no exercício de cidadania, baseadas
no coletivo, na indignação ética, no comprometimento conjunto
de se fazer surgir um viver democrático, uma sociedade plural, onde o
respeito aos diferentes grupos que a constituem sejam valor maior a ser efetivamente
vivenciado.(...)
É importante ressaltar que a reinvenção ética na
educação perpassa por questões filosóficas mais
amplas (como moral, lógica, dialética), e ao educador cabe assumir
uma postura de reintrodução da singularidade da experiência
e existência humanas, transitando pelas dimensões do imaginário,
do lúdico , do homo ludens, do homem ôntico (histórico).
Com tal posicionamento, devemos continuar caminhando para a projeção
e edificação de um novo mundo, onde o educador seja também
filósofo, no sentido proposto inicialmente por Niestzche e ampliado posteriomente
por Merleau-Ponty, Heidegger e, principalmente, por Jean Paul Sartre ,
que nos induz a pensar que é
"preciso ir mais longe e considerar em cada caso o papel do indivíduo
no acontecimento histórico. Pois este papel não é definido
de uma vez por todas: é a estrutura dos grupos considerados que o determina
em cada circunstância (...) O grupo confere seu poder e eficácia
aos indivíduos que fez, que por sua vez, o fizeram e cuja particularidade
irredutível é uma maneira de viver a universalidade. Através
do indivíduo, o grupo volta-se sobre si mesmo e reencontra na opacidade
particular da vida tanto quanta na universalidade da sua luta.
É com esse precisar que devemos buscar um projeto possível de
resgate do humano sentir do amor, sem o qual nada há, pois sem paixão
o homem não faz história.
Desde o surgimento da proposta dos PCNs no cenário educacional brasileiro,
temos procurado estudá-los criticamente, estabelecendo diferentes momentos
de pesquisas e sistematizações com a intenção de
encontrar aproximações com os pressupostos da Educação
em Direitos Humanos.
Iniciamos tal estudo ainda em 1995, com a versão preliminar, pouco divulgada,
do documento introdutório dos PCNs para o ensino fundamental.
Trata-se de uma produção inicial do próprio MEC e que tivemos
acesso por estarmos envolvidos, na época, com atividades de capacitação
de professores.
Não nos resta dúvida de que, com muita intensidade, o contato
com essas idéias iniciais nos provocou o impulso para buscarmos outras
possibilidades de estudos.
Tivemos contato com a expressão temas transversais da mesma forma que
muitos outros educadores brasileiros, ou seja, através dos PCNs, publicados
nos anos seguintes.
Na busca constante de outras leituras e de outros referenciais, encontramos
um trabalho que nos iniciou com mais profundidade no assunto. Trata-se de uma
coletânea de artigos que se referem à experiência da Espanha
com a questão.
A partir daí, outras publicações surgiram e ampliamos nossas
leituras e percepções sobre a questão.
No que concerne ao próprio conceito de transversalidade, sabemos que
sua evolução foi rápida e que , mesmo que suas bases iniciais
tenham se ligado aos procedimentos, ainda representa novidade no sistema educacional
brasileiro. No entanto, seu conceito ainda não foi generalizado e, sua
prática, ainda é complexa.
Por temas transversais podemos compreender um conjunto de conteúdos educativos que,
de um modo geral , na história da prática pedagógica brasileira,
já tinham sido desenvolvidos paralelamente ao currículo oficial,
partindo de grupos de educadores ligados à movimentos sindicais, movimentos
eclesiais de base e de educação popular. Ou , ainda, de educadores
vinculados a programas educativos desenvolvidos por outros ministérios,
tais como da Justiça, Saúde, do Meio Ambiente, etc.
Historicamente, então, a escola sempre atuou, de maneira abrangente,
com temas transversais de modo marginal, ou seja, tais temas eram desenvolvidos
em momentos específicos, tais como campanhas ou datas comemorativas.
Procurando encontrar um caminho para partir para a construção
de um processo de tentativa de renovação pedagógica, a
questão da transversalidade passou a ser o centro de debates nos movimentos
de renovação pedagógica e curricular, como uma forma de,
ao buscar chamar atenção para antigas propostas educacionais,
atualizando-as e inserindo-as no contexto da educação atual e
das necessidades do homem contemporâneo.
Isto posto, é necessário frisarmos que a transversalidade é
um importante componente para que uma nova cultura acadêmica seja efetivamente
construída, o que nos conduziria, inexoravelmente, a novas estruturas
educacionais, remetendo-nos aos processos de complexização e globalização
dos currículos.
Tais processos, podem nos conduzir para discussões importantes, como
por exemplo, as relações existentes entre a perspectiva da interdisciplinaridade
e sua relação com a transversalidade. Ambos os conceitos nos remetem
para a crítica da concepção do conhecimento que considera
a realidade como um conjunto de dados estáveis e, por isso, sujeitos
a processo de conhecimento distanciados, isentos, neutros.
É importante, assim destacarmos que mesmo que tanto um conceito como
o outro procuram apontar para a complexidade do real e buscam considerar a rede
de relações existentes entre os seus contraditórios e distintos
aspectos, diferem um do outro porque a transversalidade liga-se a própria
dimensão didática, enquanto que a interdisciplinaridade faz referência
aos aspectos epistemológicos do conhecimento.
Os questionamentos sobre a segmentação entre os diferentes campos
do conhecimento fazem com que a interdisciplinaridade questione as
abordagens que não considerem a influência e a interelação
existentes entre eles. Em termos da prática pedagógica, o paradigma
interdisciplinar questiona a constituição histórica da
escola que atua com a visão disciplinar e compartimentada do conhecimento
sobre a realidade. A transversalidade, por sua vez preocupa-se com o estabelecimento
possível, na pratica pedagógica, de uma nova forma de se aprender
sobre a realidade, vinculando os saberes teoricamente sistematizados, e , ainda,
de aprender na realidade e da realidade, sobre os desafios da vida real e os
seus respectivos processos de mudança e transformação.
Por fim, a transversalidade
" promove uma compreensão abrangente dos diferentes objetos de conhecimento,
bem como a percepção da implicação do sujeito do
conhecimento na sua produção, superando a dicotomia entre ambos.
Por essa mesma via, a transversalidade abre espaço para a inclusão
de saberes extra-escolares, possibilitando a referência a sistemas de
significado construído na realidade do aluno."
Assim, a inserção dos temas tranversais na prática pedagógica
de acordo com a proposta dos PCNs, procura dar sentido social aos procedimentos
e conceitos presentes nos diferentes campos do conhecimento. Neste ponto, acreditamos
poder encontrar, neste proposta, elos de ligação com as perspectivas de
Educação em Direitos Humanos, principalmente no que se refere
aos eixos articuladores de sua prática que buscam interpenetrar as dimensões
do ver, do saber, do celebrar e do comprometer-se .
Pelo até aqui esboçado, podemos afirmar que os PCNs constam de
uma proposta de conteúdos que devem servir com referencial e orientação
para que a estrutura curricular das escolas brasileiras possa fazer a inserção
transversal aos denominados conteúdos curriculares tradicionais, tais
como a Matemática, Ciências, História, etc. através
de conteúdos como Ética, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação
Sexual, Meio Ambiente e Trabalho e Consumo.
Cabe relembrar, no entanto, que nesta proposta, tais conteúdos não
são concebidos como novas disciplinas que devem ser acrescentadas
ao currículo escolar, mas que devem ser inseridas, de forma interdisciplinar,
integrada e transversal aos conteúdos já trabalhados.
A nosso compreender, o interessante nesta proposta é exatamente a inserção
dos temas transversais no que se refere aos conteúdos relacionados à
ética e aos valores universalmente desejáveis, como os que se
fazem presentes nos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Desta forma, o Estado brasileiro volta a reconhece-los como valores
essenciais na formação para a cidadania numa sociedade democrática
e plural.
De acordo com o artigo 22, da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, a educação deve assegurar a todos " a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornece-lhes
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores" e
neste sentido, os PCNs, e principalmente os temas transversais contidos em sua
proposta, podem levar ao espaço escolar e as práticas pedagógicas
nele presentes, o exercício cotidiano da cidadania, permitindo o surgimento
de discussões e debates sobre a igualdade de direitos, a dignidade humana,
a recusa à formas de opressão e discriminação, a
importância do respeito e da solidariedade
Buscando um sentido prático para a observações acima, podemos
afirmar que isso é possível a partir do momento que se possa rever
o próprio papel da escola e que novas metodologias possam ganhar espaço
no processo de ensino e aprendizagem, de modo a garantir que, na prática
pedagógica, os envolvidos no fazer educativo possam desenvolver suas
capacidades cognitivas, afetivas, físicas, de relação interpessoal,
de inserção social, ética e estética, além
de poderem ter acesso a diferentes conteúdos que possam ser instrumento
de aquisição e desenvolvimentos destas capacidades, principalmente
no que se refere aos processo de educação permanente, exigido
pela inserção dos paradigmas das competências
num mundo do trabalho em contínua transformação.
Tais capacidades - cognitiva, afetiva, ética, inserção
social, estética, física, relação interpessoal,
etc. - nos remete para os quatro pilares da educação propostos
pela UNESCO: aprender a conhecer, aprender a viver com os outros , aprender
a fazer , aprender a ser.
Acreditamos que estas são as sinalizações possíveis
de se trabalhar com os temas transversais.
Na publicação dos PCNs, conforme anteriormente demonstramos, os
temas transversais se apresentam da seguinte forma: Ética, Pluralidade
Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual e Trabalho
e Consumo. Aqui não podemos abordá-los em suas totalidades, mas
acreditamos ser necessário tecer alguns comentários sobre um deles,
especificamente: a Ética.
No que diz respeito a Ética, podemos observar que, em todos os PCNs,
com suas áreas e outros temas transversais, existem questões que
envolvem conduta humana, normas e valores. É possível também
afirmar que tais questões perpassam por todos os tipos de
relacionamentos humanos, tanta na família, como na escola e no trabalho.
Por sabermos que todas as instâncias do viver em sociedade articulam um
dimensão moral, podemos afirmar que, através da prática
pedagógica, poderemos possuir critérios e valores, estabelecendo
hierarquias e relações entre eles para que possamos viver e conviver
em sociedade. É através dos questões complexas
e dos conflitos e que podemos perceber
" os limites das respostas oferecidas pela moral e a necessidade de problematizar
essas respostas, verificar a consistência de seus fundamentos. É
aí que entra a ética. A ética é reflexão
crítica sobre a moralidade. Ela não tem um caráter normativo,
pois, ao fazer uma reflexão ética pergunta-se sobre a consistência
e a coerência dos valores que norteiam as ações, busca-se
esclarecer e questionar os princípios que orientam essas ações,
para que elas tenham significado autêntico nas relações."
Assim, o que efetivamente se configura é um novo tempo, repleto de desafios
para o profissional de educação comprometido com a mudança
social e com a percepção do desafio reconstrutivo do
conhecimento.
Prof. João Beauclair
Psicopedagogo, Arte-educador, Mestre em Educação
joaobeauclair[arroba]yahoo.com.br
Homepage: http://www.profjoaobeauclair.net
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|