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Ação Rescisória, natureza e cabimento (página 2)

Gisele Leite O Estado de Direito e, particularmente o democrático depende

 

O art. 485, I, do CPC, dispõe a hipótese de cabimento da ação rescisória quando a sentença de mérito for proferida por juiz em relação a quem tenha havido prevaricação, concussão ou corrupção (ilícitos penais: prevaricar é retardar ou deixar de praticar ato de o ofício ou praticá-lo contra disposição legal para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: concussão significa exigir, para si ou para outrem, ainda fora da função, ou antes, dela, vantagem indevida; e a corrupção – a lei alude à corrupção passiva – que consiste em pedir ou receber em virtude da função).São raríssimos os casos de ação rescisória com este fundamento.
Inúmeros doutrinadores recomendam uma larga interpretação de sorte a abranger as inúmeras fraudes que podem ser praticadas pelo julgador, e não só as três figuras ilícitas penais.
O segundo inciso do art. 485, do CPC é referente a dois pressupostos processuais de validade. E entre estes, a imparcialidade do juiz e a competência absoluta.
A incompetência relativa e a suspeição ficam fora, pois ocorrendo, não haverá nulidade, pois se houver o silêncio das partes, não cabe ao juiz, de ofício, alegar incompetência relativa de ofício. In casu, ocorre a prorrogação de competência.O mesmo se dá com a suspeição.
Tratando-se de sentença proferida por juiz impedido, esta é nula e rescindível. Sendo acórdão, é necessário que o voto do juiz impedido tenha influído na formação da maioria, caso tenha sido o julgamento por maioria de votos.
O inciso III refere-se à rescisória de uma sentença toda vez que ela resultar de dolo da parte vencedora, em detrimento da parte vencida ou for fruto de colusão entre as partes, a fim de se fraudar à lei.Trata-se de dolo unido por nexo causal com o teor da sentença.
Já o inciso IV do artigo 485 do CPC é polêmico, pois a coisa julgada é igualmente um pressuposto processual negativo (ou seja, não pode existir para que o processo possa ser válido).
O busilis da questão é se, supondo que haja uma coisa julgada, sobre determinada matéria, e que haja uma coisa julgada posterior, sobre a mesma matéria, e se escoe o biênio decadencial dentro do qual caberia a propositura da rescisória e não se intentou.
Não podem subsistir duas coisas julgadas que possam ser eventualmente contraditórias. Qual das coisas julgadas é definitivamente válida? Continua sendo atacável por rescisória ou, uma vez escoado o prazo, seria passível de ser proposta, ou se transforma numa decisão inatacável.
A doutrina se divide. Uns sustentam que vale a segunda coisa julgada, obrando analogia com o direito constitucional, é como se fosse uma lei que revoga outra.
Já para outros, é a primeira coisa julgada que deve prevalecer, e, não a segunda.
A lei retroagirá, desde que não ofenda direito adquirido, coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
Se até a própria lei não pode ofender a coisa julgada quiçá outra coisa julgada! É também um argumento de índole constitucional.
O mais complexo de todos os incisos é o V do art. 485 do CPC, e o que dá azo ao maior número de rescisórias. Há, evidentemente, a curial necessidade de que haja um nexo causal entre a prova falsa e a decisão.
A teoria das nulidades na esfera processual é bem peculiar onde vige o princípio da conservação ou do aproveitamento e que recomenda o aproveitamento mesmo do ato viciado.
A rescisão é legítima na medida em que a sentença se baseou na prova falsa, porém, se somente parcialmente se baseou na prova falsa, cabível somente a rescisão parcial.
Já o inciso VII do art. 485 do CPC, é o único inciso que se refere à sentença "meramente rescindível", no caso da parte descobrir um documento novo, cuja existência ignorava, e que estava indisponível e que por si só, capaz de assegurar a parte um pronunciamento judicial favorável diferente do anteriormente proferido.
O inciso VIII do art. 485 do CPC tem originado violentas críticas doutrinárias, pois é cabível a rescisória quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação em que se terá baseado a sentença.Há de ser a confissão a prova principal em que se fulcrou a sentença.
O busílis da questão cinge-se a interpretação da expressão "confissão".
Alguns doutrinadores encaram que o legislador teria desejado expressar "reconhecimento jurídico ao pedido" e, não exatamente a confissão.
Já outros, alargando acepção da confissão entendem que esta forçosamente inclui o reconhecimento jurídico do pedido.
Pecou o legislador pátrio, pois o reconhecimento jurídico do pedido ex vi o art. 269 do CPC, origina decisão de mérito e, se esta puder ser invalidada, igualmente poderá sê-lo também a sentença através da ação rescisória.
Novamente pecou o legislador concernente à desistência vez que, ocorrendo, enseja a extinção do feito, sem julgamento do mérito (art.267 CPC).Só é cabível a rescisória nas sentenças de mérito transitadas em julgado.
Na verdade, desejou o legislador referir-se à renúncia ao direito em que se baseia a pretensão, ou seja, renúncia ao direito material em que se funda a ação e, esta sim, ex vi o art. 269 do CPC, dá azo a uma sentença de mérito.
Por derradeiro, a transação que também dá origem à sentença de mérito o referido inciso gera a célebre discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o cabimento de ação rescisória ou ação anulatória da sentença homologatória de transação.
Nos termos do art. 486 do CPC, os atos judiciais que não dependem de sentença ou em que esta for meramente homologatória deverão ser desconstituídos como os fatos jurídicos em geral, ou seja, através de mera ação anulatória.
E nessa hipótese, é aplicável o art. 485, VIII ou o art. 486?
O inciso IX diz respeito à sentença de mérito, poderá ser rescindida quando é fruto de "erro de fato resultante dos atos ou documentos da causa". O referido inciso corresponde a uma cópia da lei italiana, porém, mal feita, pois o legislador brasileiro usou de tradução literal.
A hermenêutica então do referido artigo é que cabe rescisória quando a sentença resultar de um erro que seja verificável de mero exame dos autos do processo. Não correspondendo a um erro de fato decorrente dos atos processuais ou documentos da causa.
O inciso V do art. 485 do CPC autoriza que a sentença seja rescindida quando proferida violando literal disposição de lei.Basta que tenha havido violação a literal disposição de lei durante o curso processual.
Cogita-se, também, se a lei tem de ser material ou pode ser processual também.
A maioria dos doutrinadores, unanimemente, se define que tanto faz a natureza da lei que tenha sido violada, processual ou material.
Um terceiro aspecto é abordado por alguns autores, em que se discute se a violação da lei precisa ser literal.
Segundo a jurisprudência brasileira dominante, se a lei tem julgado mais de uma interpretação aceitável, tal sentença não pode ser objeto de rescisória.
Assim, tratando-se de lei de hermenêutica controvertida, a súmula 343 do STF consagra que não se pode intentar rescisória. Logo, se refere à lei onde só caiba uma interpretação ou pelo menos, uma interpretação predominantemente aceita.
O próprio STF ressalta que não se aplica a referida súmula quando se referir à interpretação a respeito de questão constitucional.
Somente a nulidade absoluta pode dar origem à rescisória e o inciso V do art. 485 do CPC, refere-se tanto à lei material como processual, desde que gerem nulidades e não anulabilidades.
Ressalte-se que contra as nulidades não se opera a preclusão (nem para o juiz e as partes) e são decretáveis de ofício, são questões de ordem pública e que se não observadas maculam irremediavelmente todo o processo.
A fundamentação na sentença se ausente, insuficiente ou inadequada. Tais vícios se reduzem à ausência de fundamentação.
Sabe-se que o decisum da sentença tem que se ter petitum formulado pela exordial, e in casu, configurar-se-á a sentença extra, ultra ou infra petita.
A jurisprudência tem entendido acertadamente por não desconstituir as sentenças ultra petita, reduzindo-as ao pedido e, não as anulando ou rescindido-as.
Quanto às sentenças infra-petita tem-se afirmado doutrinariamente que é potencialmente cindível, porém, uma das sentenças é inexistente, pois não tem decisório e, as outras são válidas.
Descabida a rescisão quanto à sentença inexistente e quanto às outras sentenças (que decidem pedidos diferentes), pois não são viciadas.
Através da medida provisória que paradoxalmente se eterniza através de reedição sucessiva só que com diferente numeração pretendeu-se estabelecer nova hipótese de cabimento de rescisória quando "a indenização fixada em ação de desapropriação for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao preço de mercado objeto da ação judicial" (inciso X, art. 485 CPC).
Tal dispositivo veio a ser suspenso pelo STF, através de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), pois não há a relevância e nem a urgência para a matéria ser disciplinada mediante medida provisória.
A ação rescisória é de competência originária do segundo grau de jurisdição, com exceção aos casos em que a competência cabe aos tribunais superiores STF e STJ.
Quanto à sentença homologatória, alguns doutrinadores e, parte da jurisprudência, reputa que a ação rescisória só cabe quando autocompositivo funcionou como mera prova utilizada na sentença e não quando tal ato foi homologado por sentença.
Outra vertente sustenta que tais atos versando de disposição de vontade sobre o mérito da causa, e sendo eles homologados por sentença, caberá rescisória.
Balizando tal entendimento temos o teor do inciso VIII do art. 485, e também no art. 269 (incisos II, III e V) e existe expressa indicação na sentença, configurando-a como "de mérito", logo se revestem de coisa julgada material.
Por outro lado, caberá mera ação anulatória contra os atos de disposição apenas quando não forem homologados por sentença.
São partes legítimas para propor a ação rescisória (art. 487 CPC) os que forma parte no processo e se incluem os terceiros intervenientes e equiparáveis à condição de parte, bem como seus sucessores; também os terceiros interessados; o Ministério Público (nos processos em que sua intervenção é obrigatória e nos processos cujas sentenças derivou de colusão das partes).
Exige-se do autor da rescisória a prévia caução de 5% do valor da causa, sob pena de indeferimento da petição inicial.
O referido valor se reveste em multa em favor do réu no caso da rescisória, por unanimidade, seja julgada inadmissível ou improcedente (arts. 488, II, 490, I e 494, parte final do CPC).
Não se confunde a multa com as verbas sucumbenciais (custas e honorários) e nem é pena por litigância de má fé.
De tal ônus estão dispensados a União, Estados, Municípios e o MP (art. 488, § único CPC).
Por tal razão, nos casos mais graves, os tribunais admitem medida cautelar ou tutela antecipada para suspender os efeitos da sentença, enquanto tramita a rescisória.
O prazo para contestar deverá ser fixado pelo relator entre 15 e 30 dias (art. 491).
É controvertida a quadruplicação do prazo em favor da Fazenda Pública, alguns doutrinadores negam-se sob a alegação de que compete ao relator ao fixar o prazo para a defesa.
Já outros dissidentes, clamam pela aplicação o art. 188, II, CPC que não admite exceção.
Por outro lado, incide o art. 191 do CPC dobrando-se o prazo quando os réus têm diferentes procuradores.Não há efeito principal da revelia (pois a coisa julgada é revestida de interesse público).
Pode haver produção de provas quando os autos baixarão ao 1º grau (art. 492 CPC).
Tanto o pedido do autor, quanto o acordo, em geral, deverão englobar dois aspectos: a desconstituição da sentença rescindenda (iudicium rescindes) e, se positivo, o indicium rescindes, novo julgamento da causa (iudicium rescissorium).
Alexandre Freitas Câmara conceitua reincindibilidade como um novo vício que surge no momento do trânsito em julgado da sentença e que é atacável pelo remédio chamado ação rescisória.
Aparentemente a rescisória se confunde em ser uma nova discussão sobre aquilo que se tornou indiscutível em virtude da coisa julgada material.
Porém é ledo engano assim encarar a ontologia da ação rescisória que faz desaparecer a coisa julgada sendo assim, em alguns casos, cabe rejulgar a matéria apreciada pela sentença rescindida.
Não pretende a rescisória a anulação ou nulificação da sentença, pois o que se pleiteia é a rescisão da sentença.
Traduz-se por rescindível a decisão transitada em julgado que possui vício elencado expressamente em lei e capaz de autorizar sua rescisão. É ação autônoma de impugnação e faz surgir um novo processo, distinto daquele onde foi prolatado a sentença rescindenda.
Terá o autor que formular dois pedidos ao demandar a rescisão sentença que deve obrigatoriamente constar da exordial, sob pena de indeferimento e, ipso facto, a extinção do feito sem julgamento do mérito.
O juízo rescindente é onde julga a pretensão de rescisão da sentença atacada. Já o juízo rescisório é através do qual julgar-se-á, novamente o objeto apreciado pela sentença rescindida. É óbvio que o juízo rescindente é preliminar ao rescisório.
Salienta ainda Alexandre Freitas Câmara que é demanda cognitiva, assim a decisão proferida no juízo rescindente é constitutiva e a de procedência no juízo rescisório, às vezes é meramente declaratória, constitutiva ou condenatória.
Incabível, pela maioria da doutrina, a propositura da ação rescisória para atacar a sentença terminativa, devendo-se considerar como demanda juridicamente impossível. Em sentido contrário, resta o posicionamento isolado Pontes de Miranda.
O primeiro inciso do art. 485 do CPC trata o que tradicionalmente é chamado de "juiz peitado", tendo havido prevaricação, concussão ou corrupção.
Não há necessidade de que o juiz tenha sido condenado criminalmente. Por outro lado, a sentença absolutória impedirá a rescisão da sentença desde que afirmando a inexistência do ilícito penal.
É também rescindível a sentença que se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou mesmo nos autos da rescisória.
Curioso é notar que a existência da sentença cível transitada em julgado declarando a falsidade de prova não basta para se pleitear a rescisão da sentença.
Deve esta, ser demonstrada novamente nos autos da rescisória. É no julgamento da ação rescisória que deve se avaliar a prova para se saber se é ou não rescindível a decisão.
É fenômeno singularíssimo da sistemática processual brasileira por ignorar os limites da coisa julgada material.
O documento novo permite um paradoxo, pois com sua incidência é mais fácil rescindir a coisa julgada do que impedir a sua formação.
Outro fator relevante é que há momentos adequados para juntada aos autos da prova documental.
Há que se referir que "documento novo" referentes aos fatos que tenham sido alegados no processo original poderiam ser trazidos à ação rescisória.
O CPC diz haver erro de fato quando a sentença admite um fato existente ou, considera inexistente um fato que efetivamente ocorreu (§ 1º). Assim, para que a sentença possa ser rescindida com base em tal fundamento, é preciso que a sentença tenha sido fundada no erro de fato e apurável pelo mero exame dos autos e documentos do processo.
É preciso que sobre o fato não tenha havido controvérsia e que tenha sobre ele havido provimento judicial (§ 2º). É sem dúvida, um dispositivo legal de difícil interpretação.
Só é rescindível a sentença, quando for razoável supor que o juiz teria decidido de outra forma se tivesse atentado para as provas constantes nos autos.
É rescindível a sentença por erro de fato.Admite-se que o réu, além da contestação nos autos da rescisória ofereça reconvenção ou exceção.
Nada impede que o relator determine a realização de audiência preliminar (art. 331, CPC) onde se pode galgar a conciliação das partes quanto ao objeto do processo original.
Nada obsta a transação posterior à formação da coisa julgada (vide art. 741, VI, CPC).
Após o biênio decadencial, consubstancia-se a coisa soberanamente julgada, vez que seu conteúdo não poderá ser alterado.
O direito brasileiro não seguiu a orientação do Direito Francês, pois a rescisão que não estaria atrelado à decadência, podendo ser intentada a qualquer tempo.
Havendo inusitadamente duas sentenças que já tenham trânsito em julgado, face ao direito objetivo, é melhor considerar que a segunda como prevalente, respeitando-se, porém, os efeitos que daquela primeira já tenha produzido.
Dentro da mesma ótica hermenêutica que focaliza a norma posterior como prevalente sobre a norma anterior, respeitados os efeitos já produzidos.Em sendo a sentença a lei do caso concreto, não é de todo estranho que esta seja a solução do problema.
Se a sentença é de mérito (art.269 CPC) ocorre também a coisa julgada material que corresponde à imutabilidade da sentença ou de seus efeitos sendo proibida a reiteração da demanda.
A coisa julgada alcunhada por alguns como preclusão máxima que esgotam todos os argumentos defesas e questões relativas à lide, inclusive os vícios processuais.
Além dos recursos há uma ação cuja finalidade é a impugnação da sentença já transitada em julgado, consistindo numa derradeira oportunidade de submeter ao judiciário o exame de uma decisão definitivamente consagrada.
O legislador pátrio seguiu a tradição do antigo direito português, ao contrário de outros sistemas processuais que preferiram manter exclusivamente os recursos ou em certas hipóteses, considerar as sentenças sem efeito quando nulas ou injustas.
No sistema processual brasileiro, a sentença, mesmo que injusta ou originária do processo nulo, vale, tendo a parte a possibilidade de rescindi-la no prazo de dois anos, desde que presentes certas circunstâncias previstas em lei.
A natureza jurídica da rescisória é constitutiva negativa, pois desfaz a sentença que já transitou em julgado, podendo conter também outra eficácia quando a parte pede novo julgamento em substituição do rescindido.
Assim, a ação rescisória é mais um dos processos originários dos tribunais, onde se clama a anulação da sentença transitada em julgado, devendo ser exercida no prazo decadencial de dois anos, a fluir do trânsito em julgado da sentença.
Cumpre ressaltar que o referido prazo não se suspende e nem se interrompe, seja pelo advento de feriados, de recursos ou férias forenses.
Tecnicamente, a sentença pode ser atacada por dois remédios processuais distintos: pelos recursos e pela ação rescisória.
Aliás, na lição de Pontes de Miranda, o recurso se traduz por se "uma impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual da resolução judicial que se impugna".
São cabíveis os recursos somente enquanto não foi verificado o trânsito em julgado da sentença. Logo, esta não se revestiu da imutabilidade da coisa julgada material (art. 467 CPC).
A sentença, como qualquer ato processual (que corresponde a uma modalidade de ato jurídico, só que na esfera processual) pode conter vício ou nulidade. E a terapêutica adequada para a sentença nula pelas razões indicadas pela lei, é a ação para pleitear a declaração de nulidade por parte do interessado.
A ação rescisória ataca uma decisão sob o efeito da res judicata "com que se instaura outra relação jurídica processual" como preleciona Pontes de Miranda.
Tanto recurso como coisa julgada e ação rescisória são institutos processuais distintos que apresentam profundas conexões.
Enquanto que o recurso objetiva diminuir o risco de um julgamento injusto único, a coisa julgada serve para garantir a estabilidade das relações jurídicas, ainda que haja o risco de se sacramentar alguma injustiça latente no julgamento.
A ação rescisória visa reparar a injustiça da sentença que se tornou definitiva em face de ter transitado em julgado, principalmente, quando o seu grau de imperfeição é de tal vulto que se trata imperiosa a necessidade de se superar a necessidade de segurança tutelada pela res iudicata.
A ação rescisória é a que pede a declaração de nulidade da sentença, esta é a posição de eminentes processualistas como Bueno Vidigal e Amaral Santos. É a ação tendente à sentença constitutiva.
A nulidade em terreno processual difere da do plano material, onde o nulo, como se sabe, não logra efeito algum e, portanto, não reclama desconstituição judicial.
Excetuando-se o caso de sentença inexistente (onde falta o dispositivo), a sentença rescindível e até mesmo nula produz os efeitos de coisa julgada e permanece exeqüível enquanto não revogada pelo remédio próprio da ação rescisória.
Como adverte Barbosa Moreira, situa-se a rescindibilidade da sentença entre os atos anuláveis, pois sua eficácia invalidante só se opera depois de judicialmente decretada.
A rigor, a nulidade processual é extremamente formalista e, não basta ter seu conhecimento para dissipar-lhe pleno iure seus efeitos.
Em verdade, não se trata de sentença nula, anulável, mas sim, de sentença que ainda válida e plenamente eficaz (eis que revestida da coisa julgada) pode ser rescindida.
O ato de rescindir na técnica jurídica não pressupõe defeito invalidante, significa romper ou desconstituir ato jurídico dentro do exercício da faculdade assegurada pela lei.A rescisão da sentença é comparável a rescisão do contrato.
Sobre a impropriedade de se classificar de nulidade para a sentença rescindível convergem a lições mais recentes processualistas brasileiros como as de José Inácio Botelho de Mesquita, Sérgio Sahione Fadel e Frederico Marques.
Curial é a definição de Barbosa Moreira: "Chama-se rescisória a ação por meio do qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada".
Uma das mais relevantes contribuições de Liebman foi sua explicação, até hoje não refutada, de que a coisa julgada não é efeito de sentença e, sim, uma qualidade de seus efeitos, ou no dizer de Barbosa Moreira, "uma qualidade da própria sentença, que é imutabilidade".
O primeiro pressuposto da ação rescisória é a existência de uma sentença transitada em julgado, ou seja, de mérito.
Não sendo a sentença de mérito, a parte não possui interesse processual para rescindi-la, pois que pode renovar a demanda.
Ressalta Vicente Greco Filho que não é meramente homologatória a sentença que homologa a transação (art.269, III) ou a conciliação, sendo, portanto, sentença de mérito.
No caso de sentença inexistente ou aparência da sentença, não resta excluída a possibilidade de ação declaratória que vise decretar sua ineficácia, é a chamada querela nulitatis.
A lei se refere à sentença, mas se estende naturalmente aos acórdãos que também são rescindíveis nas hipóteses previstas legalmente.
O legislador encara a sentença como todo ato terminativo de mérito, seja ele juiz ou tribunal para fins de ação rescisória, mudando apenas a esfera de competência.
Quanto aos pressupostos subjetivos o artigo 487 do CPC aponta quem tem legitimidade para propô-la.
As partes primitivas da relação jurídica processual são litisconsortes necessários na ação rescisória.
Igualmente possuem a legitimidade os sucessores a título singular ou universal, e estão em face da coisa julgada equiparados às partes primitivas.
Quanto aos terceiros, Vicente Greco Filho ressalta que se o terceiro possui pretensão de direito material igual a das partes, conserva a possibilidade de uma ação ordinária comum, ou seja, os meios ordinários em oposição ao meio específico da rescisória.
Porque não é atingido pela coisa julgada (art. 472 do CPC) não perfazendo o interesse processual para a rescisória.
O terceiro, por meio da rescisória, não pode obter para si, além da rescisão, um provimento autônomo, senão haveria supressão de um grau de jurisdição.
O máximo que pode conseguir é novo julgamento para as partes primitivas da relação jurídica processual, o que pode favorecer-lhe por via reflexa.
Quanto ao MP, o CPC prevê duas hipóteses: A primeira, na possibilidade de propor a rescisória quando não foi ouvido no processo em que deveria intervir e a segunda a de colusão entre as partes.
Outro pressuposto é o prazo estabelecido pelo art. 495 do CPC que é de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão. O prazo anterior era de cinco anos.
Teoricamente, até que o último órgão jurisdicional se manifeste sobre o último recurso, a sentença não transitou em julgado. Se algum recurso poderia ter sido interposto, mas não o foi, ocorre o trânsito no fim do prazo do recurso cabível.
Em caso da intempestividade da rescisória, há de se distinguir se é manifesta ou questionável (devendo então ser considerado o início do prazo da rescisória a data do julgamento).
Não há redução de prazo se ainda pende o recurso que pode ser razoavelmente conhecido.
Não corre, portanto, o biênio decadencial enquanto pende o recurso.
Quando da extinção anormal das vias recursais, o trânsito em julgado coincide com a desistência, renúncia ou deserção.
É relevante ressaltar que somente quando o tribunal conhece o recurso, dando-lhe ou não, provimento é que a decisão é sua.
Desta forma, se o recurso não é conhecido, a decisão continua com a instância recorrida.
Os fundamentos para a rescisão são enumerados pelos incisos do art. 485 do CPC que ora arrola nulidade e outros de injustiça de decisão.
O eventual vício processual da sentença se opera inócuo ante o trânsito em julgado. Trata-se de rol taxativo, não admitindo ampliação analógica.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, exige-se, outrossim, apenas o requisito do trânsito em julgado e não o esgotamento prévio de todos os recursos interponíveis (Súmula 514, STF).
Se houver error in indicando no acórdão, o apelante sofreu violento cerceamento do direito de obter a revisão da sentença de mérito, pela via normal da apelação, que bem mais amplo do que a da rescisória.
Quanto à rescisória da rescisória previsto tranqüilamente pelo CPC anterior exceto no caso da ofensa à literal disposição de lei.Duramente criticado quer pela injustificável restrição quer pela dispensabilidade de previsão específica.
Silenciou sabiamente o CPC de 1973, mas destaque-se que a rescisória da rescisória não pode se apresentar como mera reiteração da matéria decidida na ação anterior.
Tendo cabimento se alguns dos fatos mencionados nos nove incisos do art. 485 do CPC houver ocorrido na ação rescisória antecedente.


A RESCINDIBILIDADE DA SENTENÇA NÃO SE CONFUNDE COM A NULIDADE DESTA.

A interposição da rescisória não tem condão de suspender a execução do julgado, em casos excepcionais é admissível a concessão de liminar em medida cautelar visando essa suspensividade ou mesmo tutela antecipada.
Distribuída à ação ao relator, estando em ordem, será determinada a citação do réu para responder no prazo entre 15 (quinze) e 30 (trinta) dias, a seu critério.
A instrução pode ser delegada ao juiz de primeira instância que ao final devolve aos autos ao relator originário para inclusão em pauta de julgamento.
Não ocorre a revelia na rescisória, por versar sempre matéria de direito indisponível, e nem se admite transação ou confissão, por idêntica razão.
É possível seu julgamento antecipado, quando desnecessário a prorrogação probatória, aduzindo-se razões finais com prazo de 10 (dez) dias e, após o parecer do Ministério Público, o relator encaminha o processo ao revisor, seguindo-se o julgamento da ação.
Criticada por alguns, enaltecida por outros doutrinadores todos apresentando ponderáveis razões. É certo que a rescisória desempenha importante função em nosso ordenamento jurídico processual. E apesar do expressivo embate entre os valores justiça e segurança, é primordial se alcançar o primeiro valor.
È importante ressaltar que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem ser criteriosamente sopesados na aferição da situação concreta posta na ação rescisória e, compreendendo-se a lei na acepção de sua função social e do bem comum que visa a estabilidade jurídica resultante da coisa julgada material sempre com a proeminência da justiça como valor máximo.Daí se justificam tantas reformas por vezes promovendo acertos e desacertos, mas sempre com intuito maior de promover o autêntico aprimoramento da lei e da cidadania.


Referências

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito processual Civil, volume 1 e 2, 34 ªedição.Rio de Janeiro, Forense, 2000.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. Volume 1, 5a. edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
GRECO FILHO, Vivente. Curso processual civil brasileiro, volume 1 e 2. 17 ªedição, São Paulo, Editora Saraiva, 2003.
LIMA, Arnaldo Esteves. Poul Erik Dyrlund . Ação Rescisória. 2a edição, Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária.

 

Gisele Leite

professoragiseleleite[arroba]yahoo.com.br



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