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Classificação socioeconômica (página 2)

Marcelo de Castro Meneghim

Métodos

Inicialmente, o presente estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da FOP/UNICAMP (protocolo 31/2000). Este estudo, transversal e observacional, contou com uma amostra de 812 escolares, sendo 441 meninas (54,3%) e 371 meninos (45,7%) não portadores de aparelhos ortodônticos fixos e nascidos e/ou residentes desde os 02 anos de idade. O cálculo da amostra foi baseado em um erro amostral de 3% e nível de confiança de 95%. Para a seleção das escolas, a cidade foi dividida em unidades censitárias e sorteadas 05 escolas públicas e 02 escolas particulares, que representaram 10% do total de escolas de ambos os níveis. Em seguida, as crianças foram selecionadas, por sorteio aleatório, através das listas escolares, utilizando-se as tabelas de números aleatórios.

As crianças previamente receberam escova e dentifrício fluoretado e realizaram escovação dentária supervisionada por uma técnica em higiene dental. Em seguida, foram examinadas sob luz natural, sentadas em cadeiras, no pátio das escolas, utilizando-se espelho clínico plano.

Para a avaliação da cárie dentária, foi utilizado o índice CPO-D13, sendo todos os exames para essa condição realizados por um único examinador previamente calibrado (KAPPA>0,91)14 e auxiliado por um anotador. Para a avaliação da fluorose, foi utilizado o índice T-F15 e considerado o maior valor encontrado em cada criança. Todos os exames para essa condição foram realizados por um segundo examinador também previamente calibrado (KAPPA>0,91) e auxiliado por outro anotador.

A diferenciação diagnóstica entre formas leves de fluorose dentária e opacidades de esmalte de origem não fluorótica foi efetuada mediante os critérios de Russel16. Durante a fase experimental, foram reexaminadas em torno de 10% das crianças da amostra (n=80) pelos respectivos examinadores para a verificação da manutenção dos critérios de diagnóstico e aferência do erro intra-examinador13.

Os pais ou responsáveis, além das autorizações permitindo a participação de seus filhos nesta pesquisa, foram instruídos a responder o questionário socioeconômico que segue os princípios enunciados por Graciano17, sem a interferência do pesquisador. Todavia, em face dos padrões socioeconômicos contemporâneos e principalmente devido à necessidade de revisão e adaptação da construção dos graus de cada fator, do sistema de ponderação dos fatores e graus e, por conseqüência, da tabela de pontos para classificação socioeconômica, a classificação original foi modificada. Com o objetivo de se obter a classe socioeconômica de cada criança (alta, média superior, média, média inferior, baixa e baixa inferior), estudou-se as variáveis: situação econômica da família, número de pessoas na família, grau de instrução dos pais ou responsáveis, tipo de habitação e profissão do responsável, segundo as respostas obtidas por meio de um questionário, em que os tópicos abordados foram: questão 1: Renda Familiar Mensal divida em segmentos de acordo com o salário mínimo (até 1 salário mínimo; entre 1 e 2 salários - mínimos; entre 2 e 3 salários - mínimos; entre 3 e 5 salários - mínimos; entre 3 e 7,5 salários - mínimos; entre 7,5 e 10 salários - mínimos e; acima de 10 salários - mínimos); questão 2: número de pessoas residentes na mesma casa (até 2; até 3; até 4; até 5; até 6 e; acima de 6); questão 3: grau de instrução do pai/mãe ou responsável: esse item variou de não alfabetizado a superior completo; questão 4: tipo de moradia (alugada; própria - quitada ou não; cedida); questão 5: ocupação do chefe da família.

Para a classificação socioeconômica do núcleo familiar, os cinco fatores analisados receberam um sistema de pontuação das respostas cujo somatório possibilitou a determinação de um escore individual e conseqüentemente a hierarquização dos voluntários dentro de uma das seis classes sociais propostas. Cada um dos fatores apresenta um objetivo específico e uma ponderação, tanto em termos de peso proporcional na avaliação geral, bem como um número mínimo e um número máximo de pontos possíveis, como segue:

Objetivo dos fatores

Fator 1: Procura identificar o nível de renda familiar.

Fator 2: Procura identificar as condições econômicas de vida, comparando o número de pessoas à renda familiar.

Fator 3: Procura identificar o grau de instrução do meio em que a criança vive.

Fator 4: Procura identificar a situação de posse da moradia da família.

Fator 5: Procura identificar através da profissão e, em um mesmo tempo, o nível social, cultural e econômico do chefe da família.

Ponderação dos fatores

Ponderação dos graus

Nota: Os valores correspondem à classificação de Graciano6, porém estão atualizados e ordenados algebricamente de modo a proporcionarem uma diferenciação maior entre seus diferentes conteúdos.

Fator 1: Cada item deste fator apresenta um valor de pontuação.

Fator 2: O valor é obtido pela transposição entre o fator 2 e o fator 1.

Fator 3: O valor corresponde à média entre o pai e a mãe (soma-se e divide-se por dois, sendo que na ausência de uma das respostas considera-se a existente).

Fator 4: Cada item deste fator apresenta um valor de pontuação.

Fator 5: Cada item deste fator apresenta um valor de pontuação.

Obtido o escore individual que pôde variar entre 10,0 e 100,0, dentro da pontuação determinada no item B (Ponderação dos fatores), classificou-se pois a criança pertinente, dentro de uma das seis classes sociais:

A análise dos dados do presente trabalho constituiu-se na estatística descritiva do índice CPO-D, assim como do percentual de crianças com diferentes níveis de fluorose dentária, medidos pelo índice T-F, para cada localidade. O teste qui-quadrado (c2) ao nível de significância de 1%, foi utilizado na análise estatística para a associação do CPO-D e da fluorose entre as variáveis socioeconômicas e entre as classes sociais.

Resultados

A média do índice CPO-D aos 12 anos das crianças participantes do estudo foi de 1,7; enquanto que o percentual de crianças, desse mesmo grupo, com fluorose dentária foi de 31,4%, respectivamente.

Do cruzamento dos dados coletados por meio do questionário, foi constatada a participação de escolares nos seis níveis propostos, ficando assim distribuídos: Classe A (alta) 4,1%; Classe B (média superior) 6,3%; Classe C (média) 13,7%; Classe D (média inferior) 29,3%; Classe E (baixa) 38,2% e Classe F (baixa inferior) 8,4%.

As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados do teste qui-quadrado (p<0,01) utilizado na associação do CPO-D e da fluorose entre as variáveis socioeconômicas e entre as classes sociais. Contudo, em virtude da própria natureza do teste e porque algumas alternativas apresentavam muitas opções de resposta, algumas variáveis foram condensadas ou excluídas.

A associação entre a cárie dentária e as variáveis socioeconômicas (Tabela 1) mostrou-se estatisticamente significativa para as variáveis "renda familiar", "grau de instrução do pai e da mãe", "habitação" e "classe socioeconômica". Em relação a fluorose dentária (Tabela 2), somente a variável "grau de instrução da mãe" apresentou resultado estatisticamente significante.

Discussão

A cárie tem sido relacionada a piores condições sociais9,10, enquanto que a prevalência da fluorose, segundo alguns autores, em pessoas com melhores condições socioeconômicas apresenta-se de forma predominante11,18.

Relatos da literatura que buscam caracterizar condições socioeconômicas na prevalência de determinadas situações ou problemas, e inclusive em relação à cárie dentária, muitas vezes privilegiam apenas fatores isolados como renda e profissão19,20, não considerando que uma hierarquização correta procede do entrelaçamento de vários indicadores e não exclusivamente de um único critério8.

Foram contemplados cinco critérios, contudo, com a intenção de se testar efetivamente cada uma das variáveis socioeconômicas, além do teste qui-quadrado ter sido aplicado diretamente sobre as classes sociais, efetuou-se o mesmo também em relação a cada uma das variáveis socioeconômicas para a associação entre CPO-D e fluorose, buscando-se comparação ao relatado na literatura. Pela natureza do teste, algumas variáveis que no questionário se apresentavam com muitas alternativas de escolha por parte dos entrevistados tiveram que ser condensadas ou excluídas.

Assim sendo, a renda familiar, o grau de instrução do pai e da mãe, a moradia e as classes socioeconômicas propriamente ditas foram estatisticamente significantes ao nível de 1% (p<0,01) para a cárie dentária. Demonstrou-se, portanto, que esse conjunto (menor renda, menor grau de instrução e habitação não própria), constituintes de classes sociais mais baixas, têm relação com uma prevalência maior de cárie dentária. Esta conclusão, em parte, confere com os resultados encontrados por Slade et al.10, que relacionaram menor renda, menor grau de instrução e ocupações mais simples com maiores índices ceo-s e CPO-S e por Peres et al. 9, em cujo estudo menor renda e menor grau de escolaridade do pai também foram relacionados à maior severidade de cárie.

Quanto à prevalência da fluorose dentária, somente o grau de instrução da mãe foi estatisticamente significante ao nível de 1% (p<0,01). Por sua vez, as classes sociais não foram significantes, determinando, neste estudo, que um maior nível socioeconômico não foi capaz de ser associado a um maior incremento de fluorose, em concordância com o citado por Gómez Soler et al.3 e Maltz & Silva12, e contrário a Pendrys & Katz18.

Na Odontologia, estabelecem-se prioridades quanto a uma determinada doença, grupos populacionais por faixa etária e por situação econômica e tipo de serviço a ser prestado à comunidade. Especialmente em relação à situação econômica, por ser a oferta de atenção odontológica via de regra privada e de alto custo, naturalmente, as pessoas de baixa renda passam a ser prioritárias para o setor público.

Considerando-se os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (Brasil/Ministério da Saúde): universalização, integralidade e de modo relevante a eqüidade, que objetiva diminuir as desigualdades, investindo mais onde a carência e a necessidade são maiores, portando-se como um princípio de justiça social21, a determinação dos indivíduos com maiores necessidades de atenção através de levantamento epidemiológico e, dentre esses, por meio da classificação socioeconômica, aqueles ainda mais prioritários em função das desigualdades sociais, seria viável e possibilitaria uma organização mais adequada da demanda de serviços.

Por meio da vigilância epidemiológica, são obtidas informações no intuito de se conhecer e acompanhar o estado de saúde das comunidades e para se planejar e executar medidas dirigidas à prevenção e ao controle das doenças e agravos à saúde. Portanto, manter as comunidades do presente estudo em constante acompanhamento é deveras importante e premente.

Sendo assim, conclui-se que no grupo estudado foi verificada associação estatisticamente significante (p<0,01) entre os fatores socioeconômicos (renda familiar, grau de instrução dos pais e moradia) e classe socioeconômica com a prevalência de cárie dentária, não ocorrendo o mesmo com a fluorose dentária.

Colaboradores

MC Meneghim trabalhou na concepção do artigo, metodologia, pesquisa, redação do artigo e aprovação da versão para publicação. FC Kozlowski, na pesquisa, redação do artigo e aprovação da versão para publicação. AC Pereira participou da concepção do artigo, metodologia, redação e aprovação para publicação. GMB Ambrosano colaborou com a metodologia, análise e tratamento estatístico dos resultados e aprovação da versão para publicação e ZMAP Meneghim, com a pesquisa, redação do artigo e aprovação da versão para publicação.

Referências

1. Narvai PC, Frazão P, Castellanos RA. Declínio na experiência de cárie em dentes permanentes de escolares brasileiros no final do século XX. Odontol Soc 1999; 1(1/2):25-29.        

2. Wang NJ, Gropen AM, Ogaard B. Risk factors associated with fluorosis in a non-fluoridated population in Norway. Community Dent Oral Epidemiol 1997; 25(6):396-401.      

3. Gómez Soler SS, Fernández AV, Salas VE, Suez VG. Prevalencia y severidad de fluorosis dental atribuible a la ingest multivehicular de fluoruros. Rev Fac Odontol Univ Valparaiso 1999; 2(3):182-189.       

4. Pinto VG. Saúde bucal coletiva. 4ª.ed. São Paulo: Santos; 2000.      

5. Marcelino G, Guimarães MB, Silva PR, Terreri ALM, Guimarães LOC, Saliba NA. Fluorose dentária em escolares da rede pública na cidade de Araçatuba. Rev Instit Ciênc Saúde 1999; 17(2):89-92.        

6. Pereira AC, Cunha FL, Meneghim MC, Werner CW. Dental caries and fluorosis prevalence study in a nonfluoridated Brazilian community: trend analysis and toothpaste association. Journal Dent Children 2000; 67(2):132-135.          

7. International Collaborative Research on Fluoride, 1999, Bethesda, Maryland. Workshop report. Bethesda: National Institutes of Health; 1999.       

8. Ferrante VLSB, Vertuan V, Toledo BEC. Um modelo de análise sócio-econômica: construção e resultados obtidos. Rev Saúde Pública 1976; 10(2):177-190.        

9. Peres KGA, Bastos JRM, Latorre MRDO. Severidade de cárie em crianças e relação com aspectos sociais e comportamentais. Rev Saúde Pública 2000; 34(4):402-408.    

10. Slade GD, Spencer AJ, Davies MJ, Stewart JF. Influence of exposure to fluoridated water on socioeconomic inequalities in children's caries experience. Community Dent Oral Epidemiol 1996; 24(2):89-100.       

11. Ellwood RP, O'Mullane DM. The demographic and social variation in the prevalence of dental enamel opacities in water wales. Community Dent Health 1994; 11(4):192-196.       

12. Maltz M, Silva BB. Relação entre cárie, gengivite e fluorose e nível socioeconômico em escolares. Rev Saúde Pública 2001; 35(2):170-176.        

13. Word Health Organization. Oral health surveys: basic methods. 4th ed. Geneva: WHO;1997.       

14. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics 1977; 33(1):159-174.       

15. Thylstrup A, Fejerskov O. Clinical appearance of dental fluorosis in permanent teeth in relation to histologic changes. Community Dent Oral Epidemiol 1978; 6(6):315-328.         

16. Russel AL. The differential diagnosis of fluoride and non-fluoride enamel opacities. J Public Health Dent 1961; 21(3):143-146.        

17. Graciano MIG. Critérios de avaliação para classificação sócio-econômica. Serv Social Soc 1980; 1(3):p.181-193.         

18. Pendrys DG, Katz RV. Fluoride supplements and enamel fluorosis. J Dent Res 1988; 67, Special Issue, p.230. Abstract, 937.         

19. Al-Mohammadi SM, Rugg-gunn AJ, Butler TJ. Caries prevalence in boys aged 2, 4 and 6 years according to socio-economic status in Riyadh, Saudi Arabia. Community Dent Oral Epidemiol 1997; 25(2):184-186.        

20. Villa AE, Guerrero S. Caries experience and fluorosis prevalence in Chilean children from different socio-economic status. Community Dent Oral Epidemiol 1996; 24(3):225-227.        

21. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde/SNAS. Doutrinas e princípios (ABC do SUS n.1). Brasília; 1990.        

 

Marcelo de Castro Meneghim;

meneghim@fop.unicamp.br

Fábio Carlos Kozlowski;

Antonio Carlos Pereira;

Gláucia Maria Bovi Ambrosano;

Zuleica M. de A. Pedroso Meneghim

Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, UNICAMP. Av. Limeira 901, Bairro Areião. 13414-018 Piracicaba SP.

Ciência& Saúde Coletiva v.12 n.2 Rio de Janeiro mar./abr. 2007 



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