27.08.2007
"... o erro de reduzir a política à macroeconomia, de subordinar as ações construtivas à miragem fugidia das perfeitas condições econômicas, condena os governos a um começo perpetuamente adiado..."
Vaclav Havel – último presidente da Tchecos lovaquia.
Sabe-se que a definição do que é público e privado e da dinâmica da coexistência entre os interesses e instituições públicas e privadas, tem relação com o pacto social entre os diferentes segmentos da sociedade civil e destes com os aparelhos de Estado, que por sua vez tem relação com o grau de consciência coletiva dos direitos sociais, dos rumos do modelo do desenvolvimento e da democratização do Estado e mobilizações decorrentes. Em sociedades onde estas questões encontram-se mais avançadas, com nível reconhecidamente mais elevado do processo civilizadatório, o pacto social e federado construído e celebrado intensivamente, desdobra-se no permanente cotidiano da sociedade e Estado, em vigilância eficaz contra retrocessos e por aprimoramentos. É o paradigma da "res-pública".
Tivemos no Brasil auspicioso período pós-ditadura, com crescente mobilização da sociedade civil nos anos 80 e ápice no processo Constituinte em 1987/1988, quando novo e avançado pacto social e federado consagrou princípios e diretrizes com base nos direitos de cidadania e cuja implementação apontou para adequação e reforma dos aparelhos de Estado incluindo legislação infra-constitucional. A formação histórica dispôs reconhecida diversidade entre os setores sociais e econômicos segundo o avanço da consciência, organização e mobilização da sociedade e a resistência dos segmentos conservadores. No setor saúde, no âmbito da seguridade social, houve verdadeiro salto de qualidade no pacto social e federado construído pelo movimento da Reforma Sanitária Brasileira e os Constituintes: o SUS, que adentrou nos anos 90 com potencia suficiente para conquistar significativas reformas nos aparelhos de Estado como a profunda descentralização/municipalização, a criação de comissões permanentes e pactuações entre as três esferas de Governo, os conselhos e conferencias de saúde enquanto expressivo avanço na gestão participativa, a direção única em cada esfera com a extinção do INAMPS e a criação dos Fundos de Saúde e dos repasses Fundo a Fundo. Este grande avanço foi realizado até 1.994 no âmbito da "gestão de sistemas" (municipal, estadual e nacional) e no seu bojo se descortinavam etapas seguintes voltadas para a gestão/gerencia das unidades prestadoras de serviços, desde as básicas até as de alta complexidade.
A continuidade ou extensão da reforma do Estado "SUS" à rede prestadora de serviços implicava a partir de 1.994, em: a) reconhecer e identificar nos aparelhos de Estado e nos correspondentes procedimentos e instrumentos gerenciais (dos recursos financeiros, materiais e humanos) a pesada e complexa herança da formação do Estado brasileiro: unitário (avesso à diversidade regional e local), cartorial, patrimonialista, burocratizado e clientelista, com a administração pública direta e indireta impregnadas com todas as vertentes particularistas e corporativistas, b) formular estratégias e desenvolver novos modelos gerenciais capazes de deslocar a hegemonia do "modelo da oferta", substituindo-a pelo "modelo das necessidades e direitos da população", c) superar o grande abalo produzido em 1993 com a retirada repentina e arbitrária do financiamento do SUS, de sua maior fonte (previdenciária), quebrando-o e obrigando o Ministério da Saúde por meio de decreto de calamidade pública a contrair empréstimo perante o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e d) antepor alternativas de reforma e avanços gerenciais nas unidades do SUS, à proposta apresentada na época pelo Governo Federal, de simples abdicação dessa responsabilidade, e sua entrega a entidades do setor privado (Organizações Sociais do Plano Diretor de Reforma do Estado, 1975). Não houve potência suficiente para a continuidade ou extensão da reforma do Estado "SUS" à rede prestadora de serviços: o sub-financiamento, a pulverização dos parcos repasses federais em mais de 100 fragmentos, o largo predomínio do pagamento dos serviços por produção e com valores abaixo dos custos operacionais, a desastrosa precarização da gestão dos trabalhadores de saúde incluindo o festival de terceirizações, tem sido desde 1.990, os grandes indutores do perfil da oferta de serviços. A atenção básica não consegue desenvolver alta resolutividade (acima de 80%) nem a porta de entrada predominante nem a estruturação do conjunto do sistema; os serviços de média e alta complexidade (eletivos e de urgência) super-congestionados, reprimem demanda e reproduzem os interesses do modelo da oferta com altos índices de atos evitáveis e/ou desnecessários de difícil controle neste modelo.
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