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Uma proposta de análise interdisciplinar para os estudos do integralismo1 (página 2)

Giselda Brito Silva

Essas foram algumas das questões que procuramos discorrer ao longo de um estudo do integralismo dentro de uma abordagem da interdisciplinaridade da História com a Lingüística. Destacamos especificamente a Análise do Discurso (AD) na linha da Escola Francesa com o auxílio de Dominique Maingueneau, Michel Pêcheux, Michel Foucault e seus representantes no Brasil. É interessante lembrar que, em nossa pesquisa, procuramos considerar os estudos de Norman Fairclough e Teun Van Djik, que, apesar de serem da Análise Crítica do Discurso numa vertente de análise diferente da da francesa, forneceram algumas perspectivas de análise que em alguns momentos do trabalho puderam ser compatíveis em nosso tipo de estudo, especialmente nos trechos em que discutíamos as questões de hegemonia e ideologia.

Colocando-nos de lado destas questões que envolvem debates teóricos sobre qual a melhor AD, para nós importa justificar qual a relação da AD com a História e como aquela pode ajudar aos historiadores a melhor compreender o Integralismo. É, principalmente, importante destacar que a escolha dessa linha de pesquisa se deu porque seus representantes, franceses e ingleses, independente de seus posicionamentos teóricos, investem na análise dos discursos sempre em relação às suas condições históricas de produção e de funcionalidade. Da parte da história, porque não compreendemos o tipo de repressão desse período contra os integralistas fora das formações discursivas entrelaçadas às formações ideológicas7que justificavam socialmente a repressão.

Pois, como reprimir grupos que tiveram franca ascensão política e cultural pelos discursos nacionalistas, religiosos e familiares, dentro de um consentimento social, fora da negação desses discursos que se deseja desviar, apagar? Esse tipo de consideração se insere no que Dominique Maingueneau chama de "relação polêmica", através da qual "cada uma das formações discursivas do espaço discursivo só pode traduzir como ‘negativas’, inaceitáveis, as unidades de sentido construídas por seu Outro, pois é através desta rejeição que cada uma define sua identidade"8 .

Nas primeiras pesquisas sobre o integralismo, é evidente que as imagens nacionalistas e tradicionais dos integralistas foram construídas pelos discursos de Plínio Salgado. Aprofundando um pouco mais esses estudos, é possível perceber que essas imagens, construídas pelos discursos de Plínio Salgado e outros representantes do integralismo, foram recuperadas na memória discursiva para representar o governo e o Estado Novo como os "verdadeiros" representantes das idéias nacionalistas e da Segurança Nacional, sendo a imagem dos integralistas comparadas às dos comunistas.

Após o Estado Novo, temos uma nova formação discursiva colocando os integralistas no mesmo lugar que eles haviam construído para os comunistas: o de subversivos da ordem e conspiradores. Neste novo momento, os discursos do governo ganhavam materialidade de sentido com as "provas objetivas" dos policiais que anotavam os conflitos armados envolvendo integralistas, comunistas e outros. Assim, dizemos que discursos e a polícia justificavam e legitimavam a repressão contra os integralistas.

Pegando a contribuição da Análise do Discurso, podemos ainda dizer que temos um processo de interdiscursividade e intertextualidade em constante dinâmica na produção dos "novos" discursos estadonovistas de Getúlio Vargas. Segundo os teóricos da Análise do Discurso é importante não perder de vista que um discurso nunca é em si mesmo autônomo ou original, ele sempre parte de discursos anteriormente pronunciados para obter efeito de sentido num determinado contexto em que ele tem funcionalidade. No caso dos estudos do Integralismo temos:

1. No contexto de 1932 a 1937, os integralistas construindo seus discursos com os discursos dos intelectuais que estavam frustrados com os resultados da ‘revolução de 1930’, obtendo assim efeito de sentido no conturbado contexto do pós-30;

2. Os discursos integralistas, policiais e do governo numa interdiscursividade e intertextualidade na produção da imagem negativa do comunista, sendo esse apontado como o grande inimigo da nação e ameaça à segurança nacional, num contexto de avanço das idéias comunistas temidas por muitos;

3. Após 1937, temos os discursos do governo tomando os mesmos discursos integralistas, antes construído contra o comunista, para apagar na memória discursiva os integralistas como os verdadeiros "soldados da pátria", construindo em seu lugar o Estado Novo e Getúlio Vargas como os "verdadeiros" representantes da segurança nacional e da ordem, sendo os integralistas apontados como tão subversivos quanto os comunistas, que já possuíam uma imagem de inimigo nacional. Ora, observe-se que, após o ataque integralista de 1938, os discursos do governo retomam a expressão "Intentona" para falar do ataque integralista. Desta forma: Intentona Comunista e Intentona Integralista passam a ter o mesmo significado pelos discursos do governo, que tinha a intenção de acordar na memória discursiva o perigo comunista para falar do perigo integralista e assim poder reprimir esquerda e direita dentro de um consentimento social. Aqui lembramos a categoria do "efeito metafórico" analisada por Sírio Possenti (2001).

Em nossas pesquisas, verificamos que a opção de investir na análise dos discursos que teriam produzido um clima de ameaça sobre o governo de Getúlio Vargas ampliou os estudos da atuação, expansão e repressão do movimento integralista. No campo da história, encontramos na História Política e Cultural um ponto de equilibro com a Análise do Discurso, procurando compreender as condições de produção dos discursos sempre em relação às formações sócio-cultural e política do período.

Para isso, apoiamos-nos na perspectiva da Nova História Cultural. Peter Burke, citando J.B.S. Haldane, afirma que a Nova História se interessa por toda atividade humana, pois, "'Tudo tem uma história' tudo tem um passado que pode em principio ser reconstruído e relacionado ao restante do passado." Essa perspectiva de estudo se insere nas propostas de trabalho que têm na interdisciplinaridade seu núcleo central, justamente, por oferecer um leque de alternativas ao olhar do historiador, sugerindo que, além de outras histórias, há espaço para a história dos discursos9 .

A Lingüística surge assim como um campo fértil para desenvolver as questões aqui suscitadas. Nesta perspectiva interdisciplinar evitávamos um tratamento separado das duas áreas, porque passamos a adotar, com a AD, a visão dos que concebem a comunicação como algo que ultrapassa a simples transmissão de informações, tomando a forma de discursos, de ação. Concordando com Maria Emilia Lima, diremos que o discurso reflete as lutas ideológicas e estas se expressam por aquele. Traduzindo com as palavras da autora seria dizer que, "...a existência de um processo discursivo particular, tornado possível pela própria estrutura da língua, pertence de maneira constitutiva e coextensiva ao campo da luta ideológica e política das classes sociais"10 .

Tomando o Integralismo como um acontecimento discursivo, podemos dizer que, tanto no campo da História, como no campo da Análise do Discurso, não se pode dissociar discursos e fatos históricos, visto que tanto numa área como na outra texto e contexto devem ser analisados sempre em conexão, dado que um pode ser tomado como constitutivo do outro. Em nossa compreensão, os estudos do Integralismo não podem deixar de considerar as ferramentas da análise do discurso para uma melhor análise da sua atuação, bem como repressão.

Sobre isso, consideramos importante lembrar que o governo do Estado Novo, mesmo imposto à sociedade por um golpe de Estado, investiu na produção do consentimento social, procurando justificar a presença da polícia dentro de um discurso de proteção e segurança da sociedade. Para alguns teóricos do Estado, a chamada Era Vargas se constituiu como uma representação de Estado autoritário que investiu no que Pedro Borges chamou de "autoritarismo instrumental", no qual se observam práticas políticas que procuravam

vislumbrar um ideal de edificar uma sociedade liberal, estabelecendo os mecanismos do Estado forte como representantes de um expediente momentâneo e necessário para dissolver e corrigir desvios, fragilidades e tendências centrífugas ou de desagregação da ordem social e nacional.11

Dentro dessa concepção de Estado, na qual podem ser inseridas as práticas políticas de Getúlio Vargas, analisamos os discursos integralistas para, em seguida, mostrar como eles funcionaram no contexto do pós-30 e como eles foram, posteriormente, recuperados pelos "novos" discursos que deram suporte e legitimidade ao Estado Novo, sendo o enunciador Getúlio Vargas e seus representantes e não mais os integralistas.

Note-se que, ao recuperar na memória discursiva temas que haviam sido construídos pelos discursos integralistas, Getúlio investia numa imagem nacionalista e protetora do Estado Novo que já contava com uma grande quantidade de adeptos e simpatizantes.

A referida pesquisa tomou como dados argumentativos os documentos integralistas produzidos ou apreendidos pelos policiais da DOPS/SSP-PE (Delegacia de Ordem Política e Social da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco), e outros tipos de fontes, pelas quais procuramos mostrar como Getúlio Vargas, representado no discurso político integralista e policial construiu em torno de sua figura uma imagem de "verdadeiro" nacionalista, negando, ao mesmo tempo, essa imagem para os integralistas. Para isso, ele recuperou na memória discursiva a base do lema dos discursos integralistas "Deus, Pátria, e Família" para mostrar como esses valores foram traídos pelas ações criminosas dos integralistas, comprovadas publicamente com o ataque armado contra o Palácio do Catete, contra ele e sua família. Em uma entrevista ao Correio da Manhã, Getúlio apenas disse: "Nada tenho a acrescentar ao que é do conhecimento publico"12 . Na sociedade a revolta contra o ataque integralista era geral. Getúlio recebeu congratulações de todos os lados. Depois disso, a repressão contra os integralistas estava justificada e legitimada.

Como se observa acima, o integralismo em Pernambuco se constituiu no corpus de análise do nosso trabalho, entretanto, esse corpus foi constantemente trabalhado em relação ao posicionamento de Getúlio Vargas no Distrito Federal. Nessa relação do local para o nacional e vice-versa, procedemos à análise e à interpretação das formações discursivas relacionadas às mudanças sociais e políticas. Nesse particular, as leituras de Norman Fairclough foram de grande auxílio, especialmente sobre as mudanças discursivas e as mudanças de posicionamento de jornais e dos grupos em relação aos integralistas. Com isso, pudemos observar que, se o integralismo ascendeu com muita rapidez como um movimento doutrinário e cultural, acabou sendo identificado como um partido político que tinha as mesmas pretensões dos seus aliados externos. Neste particular, concordamos com os que pensam o Integralismo como um movimento político e doutrinário, posteriormente se oficializando como partido político. Inicialmente, o integralismo foi criado como Ação Integralista Brasileira, em 07 de outubro de 1932, em São Paulo, através de um manifesto lido em reunião solene no Teatro Municipal de São Paulo, daí se projetando em vários Estados do Brasil com a propaganda e divulgação do Manifesto de Outubro de 32. Através dele, Plínio Salgado convocava os católicos e os intelectuais de todo o país, com quem já vinha mantendo contato através de seus artigos em A Razão, a criar uma nova mentalidade no país e a divulgar uma nova proposta política e ideológica. A base doutrinária dessa nova proposta foi divulgada através do lançamento desse Manifesto, que deveria ocorrer em abril do ano, mas os fatos ligados à Revolta Constitucionalista, levaram o idealizador e chefe do integralismo, Plínio Salgado, a adiar para outubro de 1932.

O Manifesto trazia em sua essência uma proposta política de luta contra o materialismo, situando-o no comunismo e no liberalismo. Destacando a desordem nacional como conseqüência de uma falta de espiritualidade nacionalista, do pluripartidarismo e de um governo fraco, apresentando, em contrapartida, uma proposta centrada nos três tópicos mais importantes para o movimento: Deus, Pátria e Família. Para muitos estudiosos do tema, o integralismo foi o único movimento de cunho nacional que lutou contra o comunismo e discutiu os problemas que mais afligiam as classes no período. Dessas destacamos duas: a classe média, especial-mente, os intelectuais, que apontavam a crise liberal e o avanço comunista como resultado de um governo fraco; e, as classes tradicionais, representadas por membros da Igreja Católica e por alguns representantes das oligarquias que apoiaram o anticomunismo do integralismo.

Em Pernambuco, o movimento recebeu o apoio de um grupo importante da Faculdade de Direito do Recife e de membros de famílias importantes entre as classes mais tradicionais que temiam o avanço do comunismo e a desordem política e social. O lançamento do movimento não causou indiferença na sociedade não só por se tratar de um movimento com idéias centradas numa realidade nacional e internacional, mas também porque fora planejado por um homem que já tinha alguma projeção nos meios políticos. Plínio Salgado participou da Semana de Arte Moderna em 1922. Foi um dos fundadores do Grupo Verde-Amarelo e defendia um tipo de nacionalismo no qual vinculava idéias políticas com idéias religiosas. Era tido como um escritor que se preocupava com os problemas do Brasil, expondo pelas suas obras literárias caminhos para solucionar esses problemas. Defendia idéias contra a presença estrangeira no país, buscando nas origens do povo brasileiro a inspiração para suas propostas políticas, com destaque para a Ação Integralista Brasileira13 .

Nas pesquisas de campo no Arquivo Público do Estado de Pernambuco, investigamos os documentos dos anos 30 que pudessem nos dar mais informações sobre o tema delimitado, no mesmo ano em que o movimento havia sido lançado, em outubro de 1932, nesse mesmo ano já localizamos uma série de reportagens no Jornal Pequeno, no qual havia muitos discursos de alunos, professores e outros da Faculdade de Direito do Recife (FDR) sobre o movimento que havia sido lançado por Plínio Salgado. No ano seguinte, os artigos de jornais traziam, além de notas sobre a expansão e atuação dos integralistas aqui e em outros Estados, dados sobre conflitos entre integralistas, comunistas e outros, fazendo referências à ação da polícia política em tais conflitos.

Dado que até então, baseado nas leituras da historiografia brasileira, considerávamos os integralistas como aliados do governo, foram essas informações sobre os conflitos entre integralistas e comunistas, bem como entre integralistas e representantes do governo, registrados pela polícia de Getúlio Vargas que nos levaram a investir com mais rigor na análise dos discursos policiais contidos nos arquivos da DOPS-PE. Nesse, localizamos documentos arquivados e produzidos pela polícia sobre os integralistas de Pernambuco e de outros Estados; documentos do movimento contendo dados sobre a organização interna, atuação e expansão dos núcleos da AIB-PE em todo Estado de Pernambuco e em outros Estados. Também os arquivos do DOPS/RJ e DEOPS/SP também nos forneceram a certeza da possibilidade de uma outra leitura sobre a Era Vargas e sobre o lugar dos integralistas nesse período. Podemos, ainda, acrescentar os documentos da polícia central de Getúlio, comandada por Filinto Müller, arquivados na Fundação Getúlio Vargas como mais indícios seguros de que se podia avaliar de uma forma diferenciada os integralistas nesse período e a forma como eles foram reprimidos por Getúlio Vargas após sua retirada da cena política.

É importante lembrar que nosso estudo do integralismo vem des-de o ano de 1990, quando ingressamos no Mestrado em História, investimos no estudo do Integralismo em Pernambuco dentro de uma concepção da história política, utilizando, basicamente, as fontes da Ação Integralista Brasileira produzidas em Pernambuco e em outros Estados. Naquele momento, nosso objetivo foi investir na forma como o integralismo chegou a Pernambuco e como seus núcleos se espalharam por todo o Estado, dentro da ótica do integralista. Optamos, então, na época das pesquisas do Mestrado, por estudar como o movimento surgiu, se organizou e atuou em Pernambuco, no período de 1932-1937.

E, apesar de utilizar os arquivos da DOPS para acessar os documentos da AIB-PE, que foram apreendidos pela polícia nos momentos de conflito e fechamento do movimento, nosso objetivo, naquele momento, foi estudar a história do integralismo em Pernambuco em sua organização interna e atuação externa. Nos estudos do doutorado, procuramos dar continuidade aos estudos do integralismo em Pernambuco, sob uma nova ótica, vendo-o pelos discursos do governo e de sua polícia num processo de quebra de aliança e repressão oficial, que chamamos de período de clandestinidade e a repressão aos integralistas. Nesse momento, tomando os discursos dos integralistas, os de Getúlio Vargas e de sua polícia política como enfoques da nova pesquisa.

Quanto à metodologia adotada nesta última fase, definimos os seguintes passos: leitura e interpretação das fontes sob a metodologia da AD em sintonia a História política e cultural. Dentro das posturas teóricas e metodológicas que assumimos, optamos por aderir ao que Paul Feyerabend chama de "pluralidade metodológica". Isso quer dizer, segundo o autor, que nada é jamais definitivo, nenhuma forma de ver pode ser limitada a uma explicação abrangente, sob pena de limitar o desenvolvimento da ciência, ou seja, "...todas as metodologias, inclusive as mais obvias, têm limitações" e "a proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade lhe debilita o poder crítico..."14. Com isso, buscamos deixar claro que não adotamos uma postura ou duas posturas em confronto, no caso da metodologia da história com a da AD, mas de procurar um equilíbrio entre as duas.

Assim, com o auxílio desses teóricos e dentro da perspectiva analítica, interpretativa e por que não explicativa, a cena enunciativa passou a ser considerada uma ação, em que cada ato da fala tem suas condições de produção interligado aos lugares de enunciação e ao contexto. Pois, como diz Dominique Maingueneau, quando dou uma ordem coloco-me na posição daquele que está habilitado a fazê-lo e coloco meu interlocutor na posição daquele que deve obedecer; não preciso, pois, perguntar se estou habilitado para isso: ao ordenar, ajo como se as condições exigidas para realizar este ato de fala estivessem efetivamente reunidas, através da enunciação15. Michel Foucault, citado por Dominique Maingueneau, afirma que se trata de "determinar qual a posição que pode e deve ocupar cada individuo para dela ser o sujeito"16 .

Devemos, nesse ponto, lembrar que também usamos o Norman Fairclough, que faz uma análise crítica de Pêcheux e Foucault porque compreende que se deve ampliar a noção de sujeito e análise dos discursos em relação às práticas sociais. Para Fairclough, "a prática discursiva contribui para reproduzir a sociedade (identidades sociais, relações sociais, sistemas de conhecimento e crenças) como é, mas também contribui para transformá-la"17. Para ele, a relação das práticas discursivas com as práticas de ação social são dialéticas. O discurso aqui é, então, tratado como uma prática política que estabelece, mantém e transforma as relações de poder18. Em nosso caso, isso pode ser percebido quando o discurso integralista de início elogiado por Vargas, depois vai sendo identificado com os discursos comunistas e assim objeto de vigilância e controle do aparato policial que antes lhe dava suporte.

Em nossa pesquisa, a AD constitui, assim, uma das vertentes teóricas de grande contribuição para os estudos do integralismo no Brasil, uma vez que compreendemos que as ações repressivas do governo Vargas têm nas práticas discursivas o suporte ideológico para a construção da imagem negativa dos inimigos, reproduzindo um consentimento social para a ação repressiva dos mesmos. Luiz Felipe Miguel, em Mito e discurso político, destaca a importância dos discursos políticos para dar legitimidade e justificativas do uso da violência política19 .

Getúlio Vargas utilizou a repressão, mas dentro de um aparato ideológico construído em torno de uma imagem de mito que o associava a um salvador e um chefe que agia em defesa da segurança nacional, combatendo os males que afligiam a todos. Enquanto construía a imagem perigosa dos inimigos do país, sua imagem se efetivava no campo das representações emocionais, despertando esperanças. Reforçando essa perspectiva de análise sobre os estudos do integralismo, especialmente quanto à postura de Getúlio em relação a estes, recorremos a uma citação de Michel Foucault:

Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discursos.20

Segundo Foucault, aqui reside uma das especificidades da análise dos discursos, sendo preciso compreender que o principal não é buscar o grau de verdade que os discursos revelariam, mas como se produzem, na sociedade, os efeitos de sentido de que podem estar constituídos os vários discursos. Na Era Vargas, a construção das imagens dos inimigos situavase na identificação da desordem nacional e na definição do sujeito subversivo, entendendo-se por subversivo todo aquele que criava desordem e combatia o regime. A produção discursiva dos policiais, no cotidiano policialesco, reproduzia o discurso ideológico do governo de manutenção da ordem e combate à desordem, com base na utilização de palavras-chaves que designavam quem eram os desordeiros.

De acordo com as análises de Michel Foucault, os delinqüentes são de grande utilidade para os discursos de legalidade da ação policial. O que torna a presença policial tolerável pela população é o medo do delinqüente21. Getúlio Vargas, ao identificar os responsáveis pela desordem nacional e qualificar o inimigo e o perigo que dele emana, construiu um campo de ação policial aceitável socialmente. Por sua vez, essa ação policial, ao se constituir nos olhos do poder espalhados por toda parte, produz um efeito de sentido que induz ao comportamento desejado nos indivíduos que se percebem vigiados.

Trata-se de perceber discurso e polícia imbricados numa mesma rede de formulações que permitiu a funcionalidade da política de repressão do governo e a legitimidade do Estado autoritário. Os arquivos da DOPS constituem lugar de formações discursivas, perfeitamente identificáveis e historicamente situados. Através dos textos policiais, podemos perceber as construções da imagem do "inimigo objetivo" e a legitimação do poder do discurso de Getúlio Vargas, que se define com o

Estado Novo22 .

Na AD, a análise das condições de produção dos discursos e a produção de sentidos não se limitam apenas à verificação da efetivação do que seus teóricos chamam de interdiscurso, ou seja, a construção de um discurso a partir de outros discursos já pronunciados e em funcionamento, uma das condições necessárias para o efeito de sentido dos discursos, mas também pela identificação dos lugares ocupados pelos falantes. Nesse sentido, conforme já destacamos, é interessante, na linha da análise teórica dos discursos, compreender o lugar de Getúlio Vargas como representante do Estado que o constituiu, mas também personagem que, pelo lugar que ocupava no Estado e na vida política brasileira, constituiu-se num locutor de grande influência.

Segundo Perelman & Olbrechts-Tyteca, a relação ou interação entre discurso e orador merece uma atenção particular. Nessa relação, a posição e a imagem de prestígio que o orador possui vão influenciar os efeitos de sentido do discurso23. Devido à representação e à trajetória política de Getúlio Vargas, seus discursos estavam imbuídos de uma autoridade necessária para formular uma imagem de suspeitos e inimigos do regime. Seus discursos ganhavam mais representatividade à medida que os fatos e o contexto de desordem eram identificados e resignificados através dos casos de conflitos públicos, envolvendo os suspeitos. Esses conflitos acabavam sendo reconstruídos como evidências que fundamentavam os argumentos discursivos de Getúlio Vargas24 . Perelman vai dizer que a autoridade discursiva tende a ter uma natureza não coercitiva, dado o poder discursivo que possue. No caso de Getúlio Vargas, representando um Estado autoritário, a ação policial estava imbricada com os argumentos que garantiam seu poder de controle sobre os grupos que ameaçavam seu governo.

Enquanto construía a imagem do suspeito e inimigo da nação pelos discursos, que Haquira Osakabe vai definir como discursos de tensão25, Vargas justificava a ação policial, criando, ao mesmo tempo, um referencial de argumentação para a renovação dos discursos e da opressão policial. Assim, os textos policiais constituem valiosas informações das estratégias discursivas do governo em pauta. Neles, pudemos trabalhar o papel da representação social e política dos discursos de Getúlio Vargas localizados também no componente pessoal onde se percebeu o papel social dos discursos na produção dos sujeitos. Pêcheux, citado por Orlandi, afirma que a análise do discurso inclui o sujeito ao mesmo tempo em que o descentra para buscar sua constituição histórica26. Dessa forma, buscar o lugar histórico de atuação de Getúlio Vargas e sua posição em relação ao integralismo, constitui um fator de grande relevância para nossos estudos.

Os documentos objeto de análise do discurso dos integralistas e do governo foram selecionados, em sua maioria dos arquivos da DOPS em Pernambuco, onde localizamos fichas catalogadas com os nomes dos suspeitos integralistas e as pastas contendo prontuários individuais e funcionais foram transportados na mesma ordem e nos mesmos móveis de aço que os preservavam na Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco (SSP-PE ), situada na rua da Aurora. Sendo, re-arquivados apenas os documentos que se encontravam, no chão de uma cela ou cômodo, analisados e selecionados para receber tratamento arquivístico no Arquivo Público do Estado Jordão Emerenciano (APEJE). Os documentos da DOPS acham-se hoje à disposição do público pesquisador em ordem alfabética por assunto ou temática, permitindo consultas supervisionadas por um grupo de funcionários para a preservação desse material. O processo de transferência dos arquivos da DOPS-PE para o APEJE permite uma noção da lógica arquivística da polícia da DOPS em Pernambuco, em decorrência da preservação das formas arquivísticas encontradas na SSP-PE.

Analisamos discursos também nas produções historiográficas. Nestas procuramos nos deter em autores que tratam do Estado Novo e o lugar dos integralistas no mesmo, uma vez que tencionamos dar prioridade às fontes da DOPS. Nesse sentido, procuramos, aqui, promover uma discussão inicial do que consultamos para aventar os pontos que mais nos interessaram em relação aos estudos do Estado Novo e suas relações com os integralistas. De modo geral, tornou-se lugar comum tratar do regime dentro de uma ótica que o vincula ao auxílio dos integralistas e à participação dos mesmos no golpe de 1937, conforme trataremos mais adiante. Em nossas pesquisas, procuraremos mostrar que, longe de ser a concretização dos ideais dos integralistas, o Estado Novo foi uma armadilha política que tirou os integralistas da cena política, com Getúlio Vargas utilizando-se do mesmo discurso de "saneamento da ordem" que utilizara com outros inimigos do regime27 .

No campo da historiografia brasileira, há pouca coisa sobre a repressão aos integralistas na Era Vargas. Sobre esse período e governo, muito se tem falado na questão da repressão da ditadura do Estado Novo. Entretanto esses estudos têm centrado mais suas análises na repressão aos comunistas, sendo os integralistas tratados como um grupo que estava aliado a esse governo na luta comunista antes de 1937 e perseguidos depois de 1938 como aliados do Eixo. Na maioria dos casos, os estudos que tratam do integralismo têm apenas citando a repressão a Intentona Integralista ou Pusth Integralistas de 1938. Hélio Silva foi o mais empenhado em narrar uma cronologia dos fatos que teriam desencadeado a repressão aos integralistas28. Os documentos policiais que comprovam a vigilância, censura e o controle das atividades integralistas, antes de 1937, são representativos de que os integralistas não estavam "desfrutando de plena liberdade". Devemos ainda dar destaque à repressão que alguns integralistas sofreram no ano de 1936 na Bahia, em Minas Gerais e em João Pessoa.

É importante lembrar que, sobre a AIB no Nordeste, temos poucos estudos, menos ainda sobre a repressão aos integralistas. Josênio Pa-rente trata do integralismo no Ceará, destacando que o ano de 1936 é o "ano verde", dado o crescimento do movimento com a repressão aos comunistas. Esse autor cita que, nesse momento, o integralismo também fora perseguido na Bahia29. Entretanto, mesmo aqui, não temos estudos da dimensão da repressão aos integralistas neste e em outros Estados, não havendo referencias a Pernambuco.

Fazendo um paralelo com este trabalho, em nossa pesquisa, localizamos o ano de 1936 como, de fato, o ano de maior crescimento das idéias integralistas, em virtude do contexto que se observa depois da Intentona Comunista. Entretanto esse também foi o ano de maior conflito do movimento com representantes do governo. Não apenas porque alguns governos estaduais declararam guerra aos comunistas e aos integralistas como duas ideologias "externas", mas porque o integralismo entrou na esfera da política partidária com o lançamento de Plínio Salgado para a campanha da eleição presidencial disputando com representantes políticos que representavam o governo e outros grupos contrários ao integralismo. Dessa forma, de 1936 ao golpe de 10 de novembro de 1937, o integralismo vai-se desenvolver, de um lado favorecido pelo contexto pós-35 de atividade comunistas, mas, por outro, vai ser combatido pelos opositores políticos na campanha, sob o olhar vigilante e desconfiado de Getúlio Vargas.

João Ricardo Caldeira também vê o ano de 1936 como momento de auge do integralismo, sendo o Maranhão um dos Estados onde o movimento havia recebido apoio do governo estadual, com ampla divulgação nos canais de propaganda. Segundo este, a repressão aos integralistas do Maranhão teria vindo de forma tranqüila depois de 1937, onde o mesmo não localiza nenhuma reação das pessoas ou grupos contrários à portaria que fecha a AIB30. Também, aqui, vamos ter um diferencial em relação a Pernambuco. Nesse Estado, a reação ao decreto de proibição do governo leva alguns indivíduos a se articularem com integralistas de outros Estados e desenvolver um plano de ataque ao governo em apoio à Intentona Integralista no Rio de Janeiro.

Aqui, vale destacar nossa pesquisa de mestrado, tendo como tema "A Ação Integralista Brasileira em Pernambuco (1932-1937)", apresentada em 1996, como o único trabalho sobre o tema que conhecemos, até o momento, no Estado. Trata-se de um estudo onde se procurou destacar como a AIB chegou a Pernambuco e como se expandiu pelo interior do Estado até o momento do decreto de proibição. O referido estudo propiciou uma base sobre as especificidades do movimento na região Nordeste e, particularmente, no Estado. Dos dados colhidos, pudemos aprofundar os estudos e trabalhar algumas diferenças que marcaram a atuação do movimento em Pernambuco em relação a outros Estados e regiões. O que vai diferenciar o integralismo e a repressão nesse Estado dos demais Estados, especialmente do Sul do país, são suas vinculações com as idéias nazifascistas que tinham uma característica mais marcante no Sul do país do que aqui no Nordeste.

Na região Nordeste, o discurso anticomunista e a defesa de um discurso religioso foram predominantes, sendo o processo de repressão aqui justificado como mecanismo de luta contra os mesmos argumentos antes usados pelos integralistas contra os comunistas: a desordem. Após 1939, temos o contexto externo de ascensão do nazismo influindo na repressão aos integralistas, mas, nesse caso, o peso é inferior em relação a outras regiões, apesar de termos localizado atividades nazistas de certa representatividade em Paulista, cidade do Estado de Pernambuco. De modo mais geral, podemos dizer que, nesse Estado, o componente anticomunista, nacionalista e religioso teve um peso grande nas atividades integralistas. E, os casos apontados como desordem eram mais identificados pelos conflitos públicos, em que esses se envolviam tanto com comunistas, como com representantes do governo estadual e federal, do que por serem aliados de Hitler. Enquanto naquela região teria sido o contexto da Segunda Guerra Mundial e a luta antinazista, patrocinada pelos EUA e pelos aliados, além dos fatos relativos ao atentado ao governo federal, que teriam favorecido um tipo de repressão aos integralistas, diferentemente do que teremos aqui.

Outro aspecto que vincula a discussão historiográfica aos nossos objetivos, dentro do estudo do processo de repressão aos integralistas, é a promoção de um debate acerca da postura que defende ser o Estado Novo o resultado do combate ao comunismo e a efetivação de um projeto integralista.

Com base nos estudos dos documentos da polícia política de Getúlio Vargas em Pernambuco, procuramos mostrar que os integralistas, desde os primeiros momentos em que surgiram no cenário nacional, passaram a receber a atenção da polícia política de Getúlio Vargas, não só como objeto de vigilância mas também de controle e repressão, seguidos de prisão de alguns indivíduos considerados mais exaltados e fomentadores da desordem pública. Dessa forma, ficou levantada a questão do "namoro" de Getúlio Vargas com os integralistas. Donde se conclui a necessidade de um aprofundamento sobre essa questão.

Esse questionamento se deve ao fato de que, ao longo de suas atividades, os integralistas enfrentaram muitos problemas e foram, em vários momentos, definidos como "inimigos" do regime pelo discurso de legitimidade do governo para justificar a repressão tanto à esquerda quanto à direita, especialmente no ano de 1936 quando parecia ascender com muita velocidade após a Intentona Comunista de 1935. A repressão policial aos integralistas em Pernambuco na Era Vargas constitui, assim, um estudo de ampla complexidade. Trata-se de um grupo apontado pela historiografia brasileira como aliado daquele governo na luta anticomunista, na implantação de um golpe de Estado, mas que, após a implantação do Estado Novo, e mesmo em alguns momentos antes desse, foram objeto de vigilância, controle e repressão da polícia política desse governo.

O que em nossa investigação trazemos de novo em relação a outros trabalhos é já uma introdução ao controle das atividades integralistas e à reação de um grande número de integralistas ao decreto de Getúlio Vargas em Pernambuco antes de 1937, com base em documentos policiais e da própria AIB-PE e AIB em outros Estados. Com esses dados, defendemos a tese central de que as relações entre Getúlio Vargas e a AIB ou com os lideres do integralismo não eram tão harmoniosas quanto tem sugerido a historiografia brasileira, mesmo antes de 1937. Essa suposição não surgiu apenas com base nos estudos do movimento em Pernambuco, mas pelas fontes ligadas a outros Estados e do próprio Distrito Federal que circulavam em Pernambuco. Tais fontes foram localizadas entre os jornais que circulavam na época, especialmente entre os documentos policiais e os da AIB no Arquivo Público do Rio de Janeiro/DOPS.

Além desses documentos, temos uma série de depoimentos em biografias ou em trabalhos diversos que nos ofereceram uma quantidade de informações que ampliaram o debate sobre as relações entre Getúlio Vargas e os integralistas, proporcionando uma contribuição às especificidades daquele governo e período. Entre eles, estão os trabalhos de Gilberto Calil e Carla Silva com alguns depoimentos que ajudam a refletir as relações entre Vargas e a AIB. Contudo continua escassa a análise da repressão aos mesmos, sendo rara a referência a Pernambuco.31 Para ampliar e enriquecer a pesquisa também tivemos a preocupação de utilizar alguns depoimentos orais sobre esses fatos à luz da reflexão atual. Entre eles, identificamos uma série de falas que afirmaram haver algum vínculo entre Vargas e o Chefe Nacional da AIB e outros que afirmam terem sido perseguidos durante toda sua atuação, mesmo antes de 1937, com casos de buscas, apreensões e prisões. Além destes autores, temos conhecimento de outros que investem nos estudos do integralismo, mas não sabemos de nenhum que tenha investido na perspectiva da AD (Análise do Discurso).

Utilizamos, ainda, depoimentos orais na forma de entrevistas livres. Elas foram gravadas e transcritas com base numa postura que, apesar de não deixar de ser interpretativa, à medida que a transcrição acarreta uma interpretação da fala ouvida no momento da transcodificação da passagem do oral para o escrito, procurou-se manter um máximo de fidelidade à fala do entrevistado que era por ele reavaliada depois de transcrita para assinar as autorizações. Mesmo sendo a fala (na forma de som) o essencial do processo comunicativo oral, na transcrição, juntaram-se também os silêncios, pausas e outros aspectos prosódicos, isto é, as variações da fala, por serem significativos em determinados casos.

Pois, de acordo com Fairclough,

há uma diversidade de sistemas válidos de transcrição capazes de representar diferentes características da fala, com diferentes graus de detalhes (entonação, ênfase, pausa, alterações na voz e assim por diante) em que nenhum sistema poderia mostrar tudo, e a escolha é sempre um problema de julgamento, considerando-se a natureza do projeto e as questões de pesquisa.32

As entrevistas foram aqui consideradas dentro de uma perspectiva discursiva, à medida que temos a fala do depoente sendo elaborada e re-elaborada com base no vivido até o presente.33 Procurando manter a integridade da fala, buscamos um pouco da História de Vida dos indivíduos, do período em que atuou o integralismo, procurando compreender os lugares de recepção dos discursos e as instâncias discursivas, à medida que alguns ocuparam cargos importantes dentro da AIB-PE. Conforme já dissemos, nossa proposta foi compreender a produção do efeito de sentido dos discursos de Getúlio Vargas, assim como os do chefe dos integralistas. Não procuramos estabelecer um tipo especifico para entrevistar. Devido à distância do período delimitado pela pesquisa, qualquer informação, com base em depoimentos orais, era valiosa.

Finalmente, para concluir nossa proposta de análise discursiva em torno no integralismo com a contribuição da Lingüística (AD), dizemos que a escolha destas fontes, mais a abordagem teórica e metodológica até aqui discutida, serviu para evidenciar um outro olhar sobre o Integralismo em Pernambuco e em outros Estados. Sem as categorias da análise do discurso tudo que seria possível era continuar repetindo muito do que tem sido feito até o momento, ou seja, apenas frases do tipo "o discurso de Getúlio", "o discurso de Plínio", "o discurso policial" "o discurso religioso" etc, sem uma noção muito clara de como esses discursos são construídos em relação ao contexto no qual adquirem um efeito de sentido ou nao. Disso resulta ainda a noção clara de que a linguagem é uma ação que, articulada com outras ações, produz e reproduz fatos históricos. E, sendo o integralismo um acontecimento por excelência discursivo não o compreendemos fora da análise dos discursos que lhe deram o suporte nos momentos de ascensão, bem como nos momentos de sua repressão.

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1 Este artigo é um resumo da fundamentação teórica e metodológica que deu suporte à nossa da tese de doutorado intitulada A Lógica da suspeição contra a força do Sigma: discursos e política na repressão aos integralistas em Pernambuco, defendida em dezembro de 2002 pelo Programa de Pós-graduação em História da UFPE. Trata-se de um texto cuja idéia principal é mostrar a viabilidade das pesquisas históricas que se situam na proposta interdisciplinar da História com a Lingüística, no campo da Análise do Discurso. Nossa intenção é mostrar que um trabalho na fronteira entre duas áreas de conhecimento tendem a ampliar estudos históricos cuja temática constitui uma complexidade de fatores que podem ser abordados sob diferentes aspectos para a ampliação da sua análise interpretativa ou explicativa.

2 Entendemos o discurso numa perspectiva que extrapola o significado "literal" das palavras, buscando na sua relação com a exterioridade perceber as condições em que foram produzidos, por quem foram produzidos, como foram produzidos e como eles funcionam. Interessa-nos, particularmente, observar como os discursos são elaborados pelo governo e re-significados pelas instituições policiais, como aparelhos de Estado. Para tal, usamos a contribuição de (FOUCAULT, 1972; 1979; 1987); (MAINGUENEAU, 1997); (PÊCHEUX, 1988); (FAIRCLOUGH, 2001) e outros aqui trabalhados, sobre os quais falaremos à medida que forem utilizados. Aqui, seria interessante destacar MichelPÊCHEUX para explicar como entendemos os discursos policias como representação de aparelho de Estado. Esse teórico tentou combinar uma teoria social do discurso com um método de análise textual com base na análise do discurso político-escrito. Apoiado na teoria marxista de ideologia de (ALTHUSSER, 1971), para quem a ideologia longe de ser "idéias" ocorre também em formas materiais que funcionam no interior de várias instituições, que ele chama de aparelhos ideológicos de estado. Pêcheux desenvolveu a noção de que o discurso é a linguagem em sua forma material da ideologia. Ele também utiliza o termo formação discursiva de Michel Foucault para relacionar os grupos e seus lugares de fala, ou seja, trata da inter-relação entre as formações ideológicas e as formações discursivas para estabelecer aquilo que uma dada formação ideológica determina "o que se pode e deve ser dito". (PÊCHEUX, 1982:111). Para Pêcheux as palavras mudam de sentido de acordo com as posições de quem as usa. Para nosso trabalho, a noção de discurso de Pêcheux é importante, devido à contribuição que dá à análise semântica do que ele chama de "palavras-chaves" relacionadas com seu significado exterior e representativas no campo social. Sobre isso, o autor cita o exemplo do termo militante comunista, que para o governo pode representar o mesmo que subversivo, ao passo que para os representantes de esquerda, um herói. (PÊCHEUX, 1979:33).

3 Interdiscursividade é uma categoria da Análise do Discurso cujo significado expressa a forma como um discurso é construído sempre em relação a outros discursos já pronunciados, ou seja, é a relação de um discurso com outros discursos. Segundo os teóricos da Análise do Discurso da escola francesa, um discurso nunca é em si mesmo autônomo, independente de outros, porque se constrói numa dada conjuntura sempre em relação ou interação com discursos anteriores, em relação aos quais pode assumir umapostura concorrente ou de aliança. Cf. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1994. pp. 71-75.

4 Reforçando o conceito anteriormente explicado do interdiscurso, lembramos que esse inscreve-se no plano da constituição do discurso trabalhando com a re-significação promovida pelo sujeito sobre o já-dito, promovendo assim deslocamentos de sentido. Gregolin & Baronas, comentando o trabalho de Sírio Possenti, afirma que "o discurso não tem começo: as palavras têm seu sentido num discurso que remete sempre a ocorrências anteriores; que qualquer enunciação supõe uma posição a partir da qual recebe seu sentido e que, portanto, o sentido implica uma memória discursiva [um já dito], na qual as formulações relacionam-se historicamente". POSSENTI, Apud GREGOLIN, Maria do Rosário & BARONAS, Roberto. Análise do Discurso: as materialidades do sentido, São Carlos, São Paulo: Claraluz, 2001. p. 11/12; Com a contribuição de Maria Regine Baracuhy Leite, Gregolin & Baronas assim resumem discursos, interdiscursos, memória discursiva e efeito de sentido: "O discurso é um palco de vozes sociais, materializado num texto que se articula no lingüístico e histórico. Os sentidos nascem de relações interdiscursivas, de textos que retornam da memória discursiva e que os gestos de interpretação exigem a recuperação dessas falas sociais pois há, sempre, uma alteridade constitutiva a atravessar os sentidos." LEITE, Apud. GREGOLIN & BARONAS, Op.cit. p.10;

5 Efeito de sentido é um termo usado por Michel Foucault e outros teóricos da AD para explicar o resultado de um discurso dentro de uma dada realidade, na e para a qual foi produzido. Para esse autor, o efeito de sentido se caracteriza pela funcionalidade que um enunciado pode assumir numa formação discursiva na qual é (re)produzido. Para Foucault, "em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade [...] em uma sociedade como a nossa [...] sabe-se que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um não pode falar de qualquer coisa". Cf. Michel FOUCAULT, A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1999. pp. 8-9. É dentro desta análise da produção e condições de funcionalidade do discurso que Foucault entende o efeito de sentido, ou seja, como as condições de dizeres em circunstâncias que o tornam possível. Trata-se, buscando a ajuda de Dominique Maingueneau citando FOUCAULT, de compreender as formações discursivas, como a "...posição que pode e deve ocupar cada individuo para dela ser o sujeito". É um lugar de signos de alguma coisa que significa algo em um contexto. Cf. Dominique MAINGUENEAU, Novas tendências em análise do discurso. 3.ed. Campinas, São Paulo: Pontes/Editora da UNICAMP, 1997. p. 33.

6 Efeito Metafórico é "um fenômeno semântico produzido por uma uma substituição contextual, para lembrar que esse ‘deslizamento de sentido’..." In PÊ-CHEUX, Apud. POSSENTI, Sírio. Ainda sobre a noção de efeito de sentido. Cf. GREGOLIN, Maria do Rosário & BARONAS, Roberto (Orgs). Análise do discurso: as materialidades do sentido, 2001. p. 50.

7 Sobre o significado das categorias formação discursiva e formação ideológica vide a nota explicativa do conceito de Discurso no item 2, acima.

8 MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. 3.ed. Campinas, São Paulo: Pontes: Editora da UNICAMP, 1997. p.122.

9 BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1992. p. 13.

10 LIMA, Maria Emília A.T. A Construção discursiva do povo brasileiro: os discurso de 1º. De maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. p. 22.

11 BORGES, Pedro Célio Alves. Estado autoritário no Brasil. In COSTA, Sílvio (org.), Concepções e formação do estado brasileiro. São Paulo: Anita Garibaldi, 1999. p. 41.

12 O movimento integralista de hontem: as ultimas noticias telegraphicas. Notícias do Correio da Manhã citadas pelo Jornal Pequeno. Recife, 11 de maio de 1938. APEJE-Recife-PE.

13 Outros dados, além dos aqui apresentados, sobre Plínio Salgado, podem ser localizados de forma mais sistemática e centralizada no Arquivo do Município de Rio Claro – SP; Nos trabalho de CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro (1999); HUNSCHE, Carlos Henrique. O integralismo brasileiro: história e caráter do movimento fascista no Brasil. Porto Alegre: Centro de Documentação sobre a Ação Integralista Brasileira e o Partido de Representação Popular, 1996; TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930. São Paulo: Difel, 1974; Enciclopédia Integralista e um grande número de trabalhos de brasileiros e estrangeiros que tratam do integralismo.

14 FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. p. 41 - 43.

15 MAINGUENEAU, Dominique. Op.cit. pp. 29/30.

16 Quanto à noção de "sujeito", de que fala Maingueneau, não se trata de um sujeito indivíduo nem pessoa, mas de um sujeito social e histórico, construído na formação discursiva em que se situa. Cf. MAINGUENEAU, D. op.cit. p. 33; Por outro lado, neste trabalho não desconsideramos a contribuição de Norman Fairclough para quem o sujeito não apenas se situa numa posição de assujeitamento dos discursos, sendo por ele construído, mas que constrói discursos e é por ele construído numa relação dinâmica com a sociedade. Para Fairclough, em Pêcheux e outros da ADF, "...há uma visão unilateral da posição como efeito; é negligenciada a capacidade dos sujeitos de agirem como agentes, e mesmo de transformarem eles próprios as bases da sujeição". Cf. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social, 2001. pp. 55-56.

17 FAIRCLOUGH, Norman. op.cit. p. 92.

18 Luiz Antônio MARCUSCHI consegue articular bem essas noções da aplicabilidade da AD no campo da história quando afirma que: "Essas noções são de grande contribuição para a auto-compreensão da história como discurso renovado com base em discursos prévios (a questão aqui desenvolvida com o auxílio do conceito de interdiscurso). Trata-se de uma visão da história como uma arena de vozes sociais que se materializam nos efeitos de sentido dos discursos encadeados na memória discursiva". Arguição apresentada em banca de qualificação da presente tese, em 10 de outubro de 2002. (Informação verbal)

19 MIGUEL, Luiz Felipe. Mito e discurso político. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.

20 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 10 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal,1979.p. 8.

21 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder, pp. 137-138.

22 Para trabalhar a construção das várias imagens do suspeito integralista no governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, foram de grande utilidade os estudos do Haquira

OSAKABE. Argumentação e Discurso político. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Na ótica do autor, compreendemos que pensar os textos policiais, dentro de um esquema de funcionamento legitimador do Estado autoritário, requer analisar as condições de produção discursiva.

23 PERELMAN, Chaïm & Olbrechts-Tyteca, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. pp. 347-352 e 361.

24 PERELMAN, Chaïm. Retóricas. São Paulo: Martins Fontes, 1997. pp. 369-371.

25 OSAKABE, Haquira. Op.cit. p. 42.

26 Cf. ORLANDI, Eni P. Terra à vista: discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo: Cortez/Unicamp, 1990. pp. 28/29.

27 Maria Luiza Tucci CARNEIRO destaca que nos anos 1930 há o investimento do governo no plano da censura num discurso ordenador e saneador. O termo saneamento da ordem, citado pela autora, está ligado à idéia de higienização e limpeza da desordem, ou, "um ato de saneamento ideológico, que se processava através da censura preventiva e punitiva cujo objetivo era impedir a circulação de idéias rotuladas de ‘perigosas’". Cf. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, Idéias Malditas: o DEOPS e as Minorias Silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade,1997. p. 15. Apesar da autora está se referindo à censura aos livros, a expressão serve para analisar a censura e repressão à circulação das idéias tidas por perigosas propagadas pelos discursos dos indivíduos e movimentos políticos dos anos 30. Pela expressão, percebe-se que a sociedade era comparada a um corpo e o saneamento e a higienização como atos para manter o corpo limpo.

28 SILVA, Hélio. 1938: Terrorismo em Campo Verde. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.29 PARENTE, Josênio. ANAUÊ: os Camisas Verdes no poder. Fortaleza: Edições UFC, 1986.

29 PARENTE, Josênio. ANAUÊ: os Camisas Verdes no poder. Fortaleza: Edições UFC,1986.

30 CALDEIRA, João Ricardo de Castro. Integralismo e Política Regional: a ação integralista no Maranhão. São Paulo: Annablume, 1999.

31 SILVA, Carla Luciana e CALIL, Gilberto Grassi (orgs.). Velhos Integralistas: a memória de militantes do Sigma. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. (Coleção História 36); CALIL, Gilberto Grassi. O Integralismo no pós-guerra: a formação do PRP (19451950). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. (Coleção História 39)

32 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Unb, 2001. pp. 177 e 280 .

33 Sobre a metodologia aplicada nas entrevistas orais, consultamos diversos textos citados na bibliografia, uma vez que não procuramos privilegiar algum em especial, mas considerar a contribuição que cada um poderia oferecer na construção e utilização da fonte oral, entre os quais citamos: MONTENEGRO, Antonio T. História Oral e Memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto, 1992; FERREIRA, Marieta e AMADO, Janaina. (orgs.) Usos & Abusos da História Oral. 3.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000; MONTENEGRO, A.T. e FERNANDES, Tânia. História Oral: um espaço plural. Recife: Editora Universitária;UFPE, 2001., onde pudemos localizar uma série de discussões teórico-metodológicas e onde temos um artigo publicado sobre "A memória integralista" de nossa autoria, em que destacamos nossa postura acerca das fontes orais nos estudos do integralismo em Pernambuco. Também utilizamos alguns artigos da Revista da Associação Brasileira de História Oral, particularmente o número 1 ( junho de 1998), onde estão publicados alguns artigos sobre a memória acerca de Getúlio Vargas, bem como discussões acerca da metodologia na história oral.

 

Giselda Brito Silva

giselda@ufrpe.br

gibrs@uol.com.br

giselda@unicap.br

Professora Doutora da Universidade Católica de Pernambuco.



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