A sociologia francesa, inclusa a antropologia,
esteve a partir de Durkheim e Mauss, envolvida com a formulação
de teorias que dessem conta dos fundamentos da vida social, compreendendo-a
como essencialmente simbólica. Da noção de "consciência
coletiva", Durkheim chegou a noção de "representações
sociais" – definidas como "elementos reais e atuantes" que, entretanto, "não
são fatos puramente físicos (1994:38). As representações
são consideradas por ele como a "trama" que tece o social e que se origina
da associação entre os homens, sem dela ser uma decorrência
direta, instantânea ou mecânica. Esse processo de surgimento das
representações pela associação humana fica tão
mais invisível quanto maior for a complexidade social que, para Durkheim,
liga-se aos elementos morfológicos, tais como, as relações
entre território, densidade populacional e comunicação.
A primeira matéria da representação diz respeito aos dados da morfologia e da dinâmica social, mas, uma vez formadas, assumem a característica de "depender do todo sem depender imediatamente de nenhuma de suas partes". Podendo assim, estar em todos os lugares sem necessariamente fixar-se em nenhum ponto do espaço, ganhando mobilidade e liberdade para variações que, se recusadas por umas partes, podem ser adotadas por outras. Deste modo, embora as representações tenham seu fundamento na sociedade, as representações coletivas, mesmo vinculadas ao social, não se confundem com ele, pois, "as representações novas [...] têm por causas próximas outras representações coletivas e não esta ou aquela característica da estrutura social" (1994:50).
As representações coletivas são "imagens", segundo Durkheim,
que, embora resultem das "sensações" não podem ser explicadas
apenas pelo estado do cérebro nem pela morfologia social. Deste modo,
se a vida representativa no indivíduo pode ser chamada de "espiritualidade",
a vida social se define por uma "hiperespiritualidade". Ou seja, trata-se dos
"mesmos atributos da vida psíquica, elevados a uma potência muita
alta, de modo que chegam a constituir algo inteiramente novo" (1994:54).
O desenvolvimento desta teoria sobre os fundamentos da vida social levou Durkheim
a postular que os "objetos não têm valor algum por si mesmos e
independente de nossas representações" (1994:87).
As representações, para ele, são sempre "imaginárias" porque o modo de instituição do social é o imaginário: a forma como a sociedade imagina, projeta e objetiva denominando e classificando (1994:89). "Pois a sociedade é, antes de tudo, um conjunto de idéias, de crenças, de sentimentos de toda a espécie, num amálgama realizado pelo próprio indivíduo" (1994:90). Ou seja, virtualidades que se intercruzam, se juntam e se repelem em constante movimento de construção de mundos de sentidos capazes de instituir realidades antes inimagináveis, visto que: "das ações e reações que ocorrem entre os indivíduos decorre uma vida mental inteiramente nova, que transporta nossas consciências para um mundo do qual não teríamos a menor idéia caso vivêssemos isolados" (1994:90).
A participação em um grupo, portanto, é mais do que potencialização das técnicas e dos utensílios, é criação que se origina da "efervescência social", ou seja, participação, troca e confronto com as idéias partilhadas por homens de um mesmo grupo social. Mas, indaga o autor, de onde provêm as representações? E ele mesmo responde que elas provêm da idéia do sagrado e que o sagrado é o incomensurável, o não utilitário, o ideal, o simbólico, o imaginário. O sagrado é "autoridade moral" argumenta Durkheim, acrescentando que a moral é uma "realidade psíquica" e, portanto, "fato social".
Os "fatos sociais" para Durkheim não são coisas no sentido material, técnico e utilitário, são "coisas psíquicas", representações, atribuição de valor, sendo que o valor não está nas coisas em si mesmas, por isso ele pergunta "... de onde provém o fato de que nós tenhamos necessidade e meios de ultrapassar o real, de sobrepor ao mundo sensível outro mundo diferente [ideacional, imaginário] no qual os melhores dentre nós teriam sua verdadeira pátria?" (1994:132-3). Em resposta o autor considera que a hipótese teológica – que vê o mundo espiritual como realidade una e perene - não se sustenta porque não explica a variedade do ideal religioso, o supra-experimental, visto que este varia de acordo com os grupos sociais.
A resposta de Dukheim surpreende porque aponta para o homem como ser de desejo, quando afirma: "para que o ideal seja algo mais que uma simples possibilidade concebida pelos espíritos, é indispensável que seja desejado". A intensidade do desejo coletivo é a força que cria e "... metamorfoseia tudo quanto toca ... ": "substitui o mundo que o sentido nos apresenta por um mundo completamente diferente" (1994:142).
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