Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Comportamento ingestivo de cabras lactantes (página 2)

Gleidson Giordano Pinto de Carvalho

Material e Métodos

O experimento foi realizado no Setor de Caprinocultura e no Laboratório de Forragicultura e Pastagem do Departamento de Tecnologia Rural e Animal da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia no período de setembro a novembro de 2002.

Os dados do comportamento foram registrados continuadamente utilizando-se cinco cabras Saanen (peso médio de 41,6 kg) aos 60 dias de lactação, não prenhes, alojadas em baias individuais de alvenaria (2,52 m2) com piso ripado, providas de comedouros e bebedouros dispostos frontalmente em cada baia.

As dietas, isoprotéicas (13% de PB), foram formuladas para atender às exigências de mantença e lactação, de acordo com o NRC (1981), e fornecidas duas vezes ao dia, às 7h30 e às 15h30, logo após a ordenha, em quantidades ajustadas para proporcionar 10% de sobras, com disponibilidade irrestrita de água para os animais. O volumoso utilizado foi silagem de milho e os concentrados continham 0, 15 e 30% de farelo de cacau ou torta de dendê em substituição ao milho e ao farelo de soja. A composição química dos alimentos pode ser observada na Tabela 1 e a composição percentual dos ingredientes e a composição química dos concentrados e das dietas experimentais, na Tabela 2.

  

O experimento teve duração total de 75 dias, divididos em cinco períodos de 15 dias (13 dias de adaptação). Em cada período, logo após a adaptação, no 14º dia, foi determinado o comportamento alimentar pela quantificação dos intervalos, totalizando, portanto, cinco dias de observação. No registro do tempo despendido em alimentação, ruminação e ócio, adotou-se a observação contínua e cada período, logo após a adaptação, no 14º dia, foi determinado o comportamento alimentar pela quantificação dos intervalos, totalizando, portanto, cinco dias de observação. No registro do tempo despendido em alimentação, ruminação e ócio, adotou-se a observação contínua e individualizada dos animais a cada cinco minutos, sendo consideradas as atividades nos intervalos de 5, 10, 15 e 20 minutos por cinco períodos integrais de 24 horas, totalizando 600 observações por animal por período. Em cada período, as observações foram iniciadas às 7h30 e finalizadas às 7h30 do dia seguinte. A duração média diária dos períodos das atividades foi calculada dividindo-se a duração total de cada atividade pelo respectivo número de períodos.

Os dados referentes às atividades de comportamento de cada animal foram anotados em planilhas próprias por dois observadores treinados, mantidos em sistema de revezamento e posicionados de modo a não incomodar os animais. Durante a observação noturna dos animais, o ambiente foi mantido com iluminação artificial.

O experimento foi montado em um delineamento quadrado latino 5 x 5, segundo um esquema de parcela subdividida no qual as parcelas foram compostas pelas dietas e as subparcelas, pelas escalas. As análises estatísticas dos dados foram realizadas utilizando-se o programa SAEG Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas (UFV, 2000) e os resultados foram interpretados estatisticamente por meio de análise de variância, efetuando-se a comparação de médias pelo teste Tukey a 5% de significância.

Resultados e Discussão

Os valores obtidos das durações médias diárias dos tempos despendidos em alimentação, ruminação e ócio, em horas por dia (h/dia), nos diferentes intervalos testados são apresentados na Tabela 3.

Os níveis de inclusão de farelo de cacau e torta de dendê nas dietas não influenciaram o comportamento ingestivo dos animais em nenhuma das escalas avaliadas. As durações médias diárias dos tempos despendidos em alimentação, ruminação e ócio não diferiram (P>0,05) entre os registros a cada 5, 10, 15 ou 20 minutos em nenhum dos períodos experimentais. Estes resultados estão de acordo com os obtidos por Salla et al. (1999), que testaram os tempos de 5, 7, 10 e 15 minutos para o registro contínuo de observação em quatro vacas Jersey lactantes e constataram que o tempo despendido nas atividades foi semelhante em todas as escalas avaliadas, indicando que os animais poderiam ter sido observados a intervalos de até 15 minutos. Todavia, o registro das atividades de alimentação, ruminação e ócio em cabras lactantes podem ser feitos a intervalos de até 20 minutos, como ficou constatado neste trabalho.

Em estudos sobre o comportamento alimentar, têm-se estudado as características dos alimentos, a motilidade do rúmen, o estado de vigília e o ambiente climático (Bürger et al., 2000). No entanto, existem diferenças entre indivíduos quanto à duração e à repartição das atividades de ingestão e ruminação, que parecem estar relacionadas ao apetite dos animais, a diferenças anatômicas e ao suprimento das exigências energéticas ou repleção ruminal, que seriam influenciadas pela relação volumoso:concentrado (Fischer et al., 1998).

Embora Gary et al. (1970) também não tenham encontrado diferenças significativas para os tempos de alimentação, ruminação e ócio entre o registro contínuo das atividades e a escala de 15 minutos, alguns autores (Salla et al., 1999; Silva et al., 2005b) observaram diferenças entre os animais, o que pode estar relacionado às características individuais intrínsecas ao comportamento animal, além de outros fatores como nível de produção, capacidade ingestiva e temperamento. Essas diferenças não foram observadas neste trabalho, provavelmente porque os animais utilizados apresentavam mesmo peso vivo e produção de leite semelhante.

Na análise estatística, não foram detectadas diferenças significativas em nenhuma das escalas avaliadas para a discretização das séries temporais, ou seja, o número de períodos de alimentação, ruminação e ócio e o tempo médio gasto em cada período de atividade. Assim, de acordo com o resultado encontrado, a escala de 20 minutos pode ser utilizada para discretização das atividades em cabras. Resultados diferentes foram obtidos por Silva et al. (2005b), que recomendaram intervalos de observações superiores a cinco minutos promovem perda de observação, comprometendo, portanto, a acurada avaliação destas variáveis para o estudo de discretização. Contudo, quando o objetivo é apenas determinar os tempos despendidos em alimentação, ruminação e ócio, a escala de 30 minutos pode ser usada.

O aumento da quantidade de fibra nas dietas estimula a atividade mastigatória e reduz a produção de ácidos. De acordo com Van Soest (1994), o teor de FDN influencia os tempos gastos com ingestão e ruminação dos alimentos. A quantidade de material indigestível ou pouco digestível consumida e a resistência desse material à redução do tamanho de partículas aumenta a necessidade de mastigação (Mertens, 1997), alterando os tempos despendidos em ruminação e alimentação. Com a inclusão dos subprodutos, os teores de fibra aumentaram sensivelmente, mas o comportamento ingestivo não variou.

Os maiores teores de FDN (Tabela 2) foram obtidos nas dietas com os níveis mais elevados (30%) de farelo de cacau ou torta de dendê, todavia, em nenhum dos intervalos testados foi observada diferença (P>0,05) na atividade mastigatória (Tabela 3). A semelhança observada para esta atividade pode ser atribuída ao pequeno tamanho de partícula dos alimentos que compuseram o concentrado e ao volumoso utilizado (silagem de milho), que foi o mesmo em todos os tratamentos.

O número de refeições diárias (13,1 visitas ao comedouro - Tabela 4) e a duração média de cada atividade (23,5 minutos - Tabela 5) não foram influenciados pelos níveis de farelo de cacau ou torta de dendê nas dietas nem pelas escalas de registro testadas. Não houve diferença (P>0,05) entre as dietas e as escalas para o número de períodos em ruminação e descanso nem para os períodos de ruminação noturno e diurno, no entanto, os animais ruminaram mais à noite, principalmente de madrugada, nos horários de temperatura mais amena (Tabela 6).

Durante o dia, verificou-se preferência dos animais por ruminar entre os dois arraçoamentos. Estes resultados são similares aos descritos por Deswysen et al. (1993), que trabalharam com novilhas holandesas e constataram atividade de ruminação mais consistente durante o período noturno e entre os dois arraçoamentos.

Silva et al. (2004) estudaram o comportamento ingestivo de novilhas suplementadas em pastejo de Brachiaria decumbens e verificaram que os tempos das atividades de alimentação (pastejo), ruminação e descanso podem ser estimados com a escala de 30 minutos. Os autores avaliaram também o efeito das dietas sobre as escalas fornecendo quatro níveis de suplemento em função do peso vivo (0; 0,25; 0,5 e 1%). As dietas fornecidas não influenciaram os tempos das atividades em nenhuma das escalas avaliadas (5, 10, 15, 20, 25 e 30 minutos), exceto para o tempo no cocho, que foi afetado, sendo recomendada a escala de até 25 minutos. Estes autores notaram ainda que, para discretizar as atividades, deve-se usar a escala de cinco minutos, que proporciona menores perdas de observações. Neste trabalho, não foi possível esta constatação, pois não houve diferença para as discretizações das atividades em nenhuma das escalas avaliadas (5, 10, 15 e 20 minutos), tanto em relação ao tempo total como ao número de períodos de cada atividade. Esses resultados indicam que, possivelmente, cabras apresentam atividades mais constantes durante o dia, com períodos mais longos de alimentação, ruminação e ócio. Como a escala de 20 minutos proporcionou resultados semelhantes aos obtidos na escala de 5 minutos, recomenda-se a utilização da escala de 20 minutos, tanto para determinar o tempo total de cada atividade como para discretizar os tempos em alimentação, ruminação e ócio, visto que nenhuma diferença foi observada para as variáveis estudadas em função das escalas.

Conclusões

O tempo gasto em alimentação, ruminação e ócio não foi influenciado pelos níveis de até 30% de farelo de cacau ou torta de dendê de substituição do concentrado.

Em experimentos nos quais não há disponibilidade de aparelhos automáticos, o registro de observação visual do comportamento ingestivo de caprinos pode ser feito em intervalos de 20 minutos.

Literatura Citada

ALBRIGHT, J.L. Feeding behavior of dairy catle. Journal of Dairy Science, v.76, n.2, p.485-498, 1993.        

ARMENTANO, L.; PEREIRA, M. Symposium: meeting the fiber requirements of dairy cows: measuring the effectives of fiber by animal trial. Journal of Dairy Science, v.80, n.7, p.1416-1425, 1997.      

BÜRGER, P.J.; PEREIRA, J.C.; QUEIROZ, A.C. et al. Comportamento ingestivo em bezerros holandeses alimentados com dietas contendo diferentes níveis de concentrado. Revista Brasileira de Zootecnia, v.29, n.1, p.236-242, 2000.         

CARVALHO, G.G.P.; PIRES, A.J.V.; SILVA, F.F. et al. Comportamento ingestivo de cabras leiteiras alimentadas com farelo de cacau ou torta de dendê. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.39, n.9, p.919-925, 2004.        

COSTA, C.O.; FISCHER, V.; VETROMILLA, M.A.M. et al. Comportamento ingestivo de vacas Jersey confinadas durante a fase inicial da lactação. Revista Brasileira de Zootecnia, v.32, n.2, p.418-424, 2003.         

DADO, R.G.; ALLEN, M.S. Variation in and relationships among feeding, chewing, and drinking variables for lating dairy cows. Journal of Dairy Science, v.77, n.1, p.132-144, 1994.         

DAMASCENO, J.C.; BACCARI JR., F.; TARGA, L.A. Respostas comportamentais de vacas holandesas, com acesso à sombra constante ou limitada. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.34, n.4, p.709-715, 1999.        

DESWYSEN, A.G.; DUTILLEUL, P.A.; GODFRIN, J.P. Nycterohemeral eating and ruminanting patterns in heifers fed grass or corn silage: analysis by finite fourier transform. Journal of Animal Science, v.71, n.10, p.2739-2747, 1993.         

DUTILLEUL, P. Incorporating scale in study design: data analysis. In: PETERSON, D.L.; PARKER, V.T. (Eds.) Ecological scale: theory and application. New York: Columbia University Press, 1997. p.1-77.      

FISCHER, V.; DESWYSEN, A.G.; AMOUCHE, E. et al. Efeitos da pressão de pastejo sobre o comportamento ingestivo e o consumo voluntário de ovinos em pastagem. Revista Brasileira de Zootecnia, v.26, n.5, p.1025-1031, 1997a.       

FISCHER, V.; DESWYSEN, A.G.; DÈSPRES, L. et al. Comportamento ingestivo de ovinos recebendo dieta à base de feno durante um período de seis meses. Revista Brasileira de Zootecnia, v.26, n.5, p.1032-1038, 1997b.        

FISCHER, V.; DESWYSEN, A.G.; DÈSPRES, L. et al. Padrões nictemerais do comportamento ingestivo de ovinos. Revista Brasileira de Zootecnia, v.27, n.2, p.362-369, 1998.        

FISCHER, V.; DUTILLEUL, P.; DESWYSEN, A.G. et al. Aplicação de probabilidades de transição de estado dependentes do tempo na análise quantitativa do comportamento ingestivo de ovinos. Parte I. Revista Brasileira de Zootecnia, v.29, n.6, p.1811-1820, 2000.        

GARY, L.A.; SHERRITT, G.W.; HALE, E.B. Behavior of charolais cattle on pasture. Journal of Dairy Science, v.30, n.2, p.303-306, 1970.         

GONÇALVES, A.L.; LANA, R.P.; RODRIGUES, M.T. et al. Padrão nictemeral do pH ruminal e comportamento alimentar de cabras leiteiras alimentadas com dietas contendo diferentes relações volumoso:concentrado. Revista Brasileira de Zootecnia, v.30, n.6, p.1886-1892, 2001.         

MENDONÇA, S.S.; CAMPOS, J.M.S.; VALADARES FILHO, S.C. et al. Comportamento ingestivo de vacas leiteiras alimentadas com dietas à base de cana-de-açúcar ou silagem de milho. Revista Brasileira de Zootecnia, v.33, n.3, p.723-728, 2004.        

MERTENS, D.R. Creating a system for meeting the fiber requirements of dairy cows. Journal of Dairy Science, v.80, p.1463-1481, 1997.        

MIRANDA, L.F.; QUEIROZ, A.C.; VALADARES FILHO, S.C. et al. Comportamento ingestivo de novilhas leiteiras alimentadas com dietas à base de cana-de-açúcar. Revista Brasileira de Zootecnia, v.28, n.7, p.614-620, 1999.         

NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutrient requirements of goats: angorá, dairy, and meat goats in temperate and tropical countries. Washington, D.C.: National Academy Press, 1981. 91p.        ]

PORTUGAL, J.A.B.; PIRES, M.F.A.; DURÃES, M.C. Efeito da temperatura ambiente e da umidade relativa do ar sobre a freqüência de ingestão de alimentos e de água e de ruminação em vacas de raça holandesa. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.52, n.2, p.154-159, 2000.        

QUEIROZ, A.C.; NEVES, J.S.; MIRANDA, L.F. et al. Efeito do nível de fibra e da fonte de proteína sobre o comportamento alimentar de novilhas mestiças holandês-zebu. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.53, n.1, p.84-88, 2001.        

ROOK, A.J.; PENNING, P.D. Stochastic models of grazing behavior in sheep. Applied Animal Behavior Science, v.32, n.1, p.167-177, 1991.    

SALLA, L.E.; FISCHER, V.; FERREIRA, E.X. et al. Comportamento ingestivo de vacas Jersey alimentadas com dietas contendo diferentes fontes de gordura nos primeiros 100 dias de lactação. Revista Brasileira de Zootecnia, v.32, n.3, p.683-689, 2003.        

SALLA, L.E.; MORENO, C.B.; FERREIRA, E.X. et al. Avaliação do comportamento de vacas Jersey em lactação - Aspectos metodológicos I. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 36., 1999, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1999. (CD-ROM).       

SILVA, R.R.; MAGALHÃES, A.F.; CARVALHO, G.G.P. et al. Comportamento ingestivo de novilhas mestiças de holandês suplementadas em pastejo de Brachiaria. Aspectos metodológicos. Revista Electrócnia de Veterinaria, v.5, n.10, p.1-10, 2004.        

SILVA, H.G.O.; PIRES, A.J.V.; SILVA, F.F. et al. Digestibilidade aparente de dietas contendo farelo de cacau ou torta de dendê em cabras lactantes. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.40, n.4, p.405-411, 2005a.        

SILVA, R.R.; SILVA, F.F.; CARVALHO, G.G.P. et al. Avaliação do comportamento ingestivo de novilhas 3/4 holandês x zebu alimentadas com silagem de capim-elefante acrescida de 10% de farelo de mandioca. Ciência Animal Brasileira, v.6, n.4, p.134-141, 2005b.       

Van SOEST, P.J. Nutritional ecology of the ruminant. 2.ed. Ithaca: Cornell University Press, 1994. 476p.         

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA - UFV. SAEG - Sistema de análises estatísticas e genéticas. Viçosa, MG, 2000. 301p. (Apostila).       

 

Gleidson Giordano Pinto de CarvalhoI;

gleidsongiordano@yahoo.com.br

Aureliano José Vieira PiresII, IV;

Herymá Giovane de Oliveira SilvaII;

Cristina Mattos VelosoII, IV;

Robério Rodrigues SilvaIII

IDoutorando em Zootecnia, UFV, Viçosa, MG. Bolsista do CNPq
IIDepartamento de Tecnologia Rural e Animal, UESB, Itapetinga, BA
IIIDepartamento de Estudos Básicos e Instrumentais, UESB, Itapetinga, BA. Doutorando em Zootecnia, UEM, Maringá, PR
IVPesquisador do CNPq

Revista Brasileira de Zootecnia v.36 n.1 Viçosa jan./fev. 2007



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.