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Este artigo foi organizado em três partes: na primeira parte, foram examinadas estimativas de intoxicação e morte por agrotóxicos em diversos sistemas de informação e estruturas de vigilância toxicológica existentes no país. Na segunda parte, foram analisados os dados do Receituário Agronômico enquanto instrumento de avaliação do consumo de agrotóxicos no Brasil. E, na última parte, foram avaliados vários estudos brasileiros sobre intoxicações por agrotóxicos entre trabalhadores rurais. A partir desta avaliação, foram apontados alguns desafios teóricos e metodológicos para futuros estudos sobre os impactos do uso de agrotóxicos sobre a saúde humana.
Os principais sistemas de registros de intoxicações por agrotóxicos são o SINITOX, o SIH/SUS, a CAT, o SINAN e, para dados de mortalidade, o SIM, descritos a seguir. Além destes, também foi examinado um sistema de informações sobre intoxicações agudas, estruturado em Bento Gonçalves8, devido às contribuições deste sistema na discussão dos registros oficiais de intoxicações.
- SINITOX - Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas - registros de intoxicações obtidos. O SINITOX é atualmente composto por 36 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIT), localizados em 19 estados brasileiros e também no Distrito Federal. No presente artigo, serão avaliados os dados disponíveis on line, relativos a 33 Centros9. Também foram avaliados alguns dados estaduais do Rio Grande do Sul-RS10 e do Centro Integrado de Vigilância Toxicológica do Mato Grosso do Sul - CIVITOX-MS11.
- SININTOX-BG – Sistema de Informação sobre Intoxicações de Bento Gonçalves/RS. Utiliza informações comparáveis ao SINITOX8.
- SIH/SUS - Sistema de Informações Hospitalares - Morbidade Hospitalar do SUS por causas externas e por local de residência. Dados disponíveis on line de 1998 a 200412.
- CAT - Comunicação de Acidentes de Trabalho. Dados de acidentes ou de doenças do trabalho de trabalhadores segurados da Previdência Social. Os dados disponíveis no site da Previdência Social são restritos aos 50 tipos mais freqüentes de diagnóstico, que não incluem as intoxicações por agrotóxicos. Por isso, os dados comentados neste artigo foram obtidos de um estudo feito em São Paulo13.
- SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Tradicionalmente direcionado para doenças transmissíveis, nos últimos anos vem sendo utilizado para alguns agravos não transmissíveis, como as intoxicações por agrotóxicos. Foram avaliados dados relativos ao período 2001 a 2005. Alguns estados não registraram casos em alguns anos e por isto foram excluídos desta análise14.
- SIM - Sistema de Informação sobre Mortalidade. Os dados de mortalidade até 2004 disponíveis no site do DATASUS são apresentados de forma agrupada e não apresentavam opção específica para envenenamento por agrotóxicos. Por isso, foram avaliados os dados do SIM, publicados em CD-ROM, relativos ao último triênio incluído nesta fonte: 1996-9815.
Para análise do SINITOX, foram avaliados os dados mais recentes disponíveis on line, ou seja, 2003 em tabulação nacional (neste artigo, será chamado de SINITOX-BR) e 2004 para o CIT-RS. Para viabilizar comparações entre o SINITOX-BR, CIT-RS e SININTOX-BG, considerou-se como intoxicações por agrotóxicos os casos ocorridos por pesticidas de uso agrícola, de uso doméstico, produtos veterinários e raticidas. A circunstância da intoxicação foi agrupada em acidental, ocupacional, tentativa de suicídio (ou suicídio) e outras. Considerou-se como "circunstância acidental" os casos de acidente individual, coletivo ou ambiental. Como os números de Bento Gonçalves eram relativamente pequenos, para evitar flutuações, optou-se por usar a média de 3 anos (2002 a 2004). Nos registros do CIT-RS e do SINITOX-BR, as intoxicações alcoólicas não estavam incluídas e as intoxicações alimentares representavam uma pequena parcela dos casos. Por outro lado, no SININTOX-BG, estes casos correspondiam a quase metade dos registros. Assim, para viabilizar comparações, estes dois tipos foram excluídos do total das intoxicações.
Foram estimados coeficientes de intoxicações por 100.000 habitantes, conforme o ano e a base geográfica do sistema de informações, usando como denominador dados populacionais do DATASUS.
Para identificar as intoxicações por pesticidas no SIH e no SIM, foram usados os códigos CID-10 (DATASUS, 2005): X48 (Envenenamento acidental por exposição a pesticidas), X68 (Auto-intoxicação por exposição intencional a pesticidas), X87 (Agressão por pesticidas) e Y18 (Envenenamento por exposição a pesticidas, de intenção não determinada). Os casos de suicídio e tentativa de suicídio foram identificados pelos códigos X60 a X84 e Y87.
Como fonte de dados sobre consumo de agrotóxicos, foram avaliadas as informações obtidas nos Receituários Agronômicos (RA), relativas a 1996, e digitadas sob responsabilidade do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA-RS). Após constatação de um grande percentual de dados ignorados, foram selecionados para análise os receituários que tinham os principais campos preenchidos. As unidades foram padronizadas para estimar a quantidade de produtos receitados, em toneladas/1000 hectares de área (ton/1000 ha). Os resultados foram comparados com uma pesquisa piloto sobre aplicação de agrotóxicos, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no estado do Paraná, em relação às culturas de soja e milho16.
Para avaliar a freqüência de intoxicações por agrotóxicos, bem como para discussão das questões metodológicas envolvendo estudos epidemiológicos sobre este tema, foi realizada uma busca bibliográfica de estudos brasileiros sobre agrotóxicos, com prioridade para aqueles publicados nos últimos cinco anos. A grande maioria das publicações foi obtida através de busca eletrônica em grandes bases de dados: MEDLINE (National Library of Medicine, EUA), Scielo (Scientific Eletronic Library On Line) e LILACS (Latin American Literature on Health Sciences). Também foram buscadas informações e publicações em sites de instituições oficiais (Ministério da Saúde/DATA-SUS, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Medicina e Segurança do Trabalho - FUNDACENTRO, Ministério da Agricultura) e outros de área técnica (Associação Nacional de Medicina do Trabalho - ANAMT). Os termos usados nesta busca foram: pesticidas, agrotóxicos, praguicidas, agroquímicos, inseticidas, fungicidas, herbicidas, intoxicações, trabalhadores rurais, agricultura, agricultores, colinesterase e laboratório - e seus equivalentes em língua inglesa. Foram incluídos todos os tipos de estudos descritivos e analíticos e estudos com abordagem qualitativa, publicados em língua portuguesa, espanhola ou inglesa.
A informação sobre intoxicação por agrotóxicos nos bancos de dados oficiais
Muitos estudos brasileiros usaram os registros do SINITOX como critério de exposição aos agrotóxicos ou de intoxicação por estes produtos11, 17, 18. A grande maioria destes registros é baseada em consultas telefônicas sobre casos de intoxicações. O sistema tem uma enorme importância como suporte toxicológico aos profissionais de serviços de urgência, que prestam assistência aos casos agudos de intoxicação. Mas o registro destes casos pode ser bem heterogêneo conforme facilidade de acesso aos serviços de saúde ou mesmo conforme a formação dos profissionais. Assim, em locais com grande número de intoxicações, por terem mais experiência no diagnóstico e tratamento dos casos, os profissionais solicitariam menos a ajuda do CIT. Além disso, é possível que os profissionais com menos experiência no assunto não conheçam o suporte do CIT ou não tenham acesso facilitado a ele (telefone, internet etc.).
Reconhecendo estas limitações, o Serviço de Vigilância Epidemiológica de Bento Gonçalves-RS criou o SININTOX-BG, que coleta informações sobre intoxicações agudas, usando um padrão comparável ao SINITOX-BR8. As informações são captadas em todos os serviços de urgência do município, incluindo postos de área rural. O sistema funciona desde 1998 e vem melhorando a qualidade a partir de algumas estratégias, em especial a busca ativa dos casos (com revisão de prontuários). Além disso, existe uma devolução periódica dos resultados aos profissionais que notificam, através de boletins periódicos e palestras de atualização sobre o tema. Como o sistema identifica o local de residência, podem ser obtidas estimativas de base populacional. Comparando os registros nos dois bancos de dados (SININTOX-BG e CIT-RS), verificou-se que, em 2003, apenas 51% das intoxicações por agrotóxicos captadas pelo SININTOX-BG haviam sido comunicadas ao CIT-RS8.
A Tabela 1 compara os dados mais recentes das intoxicações segundo o SINITOX-BR, tabulação nacional (2003), o CIT-RS (2004) e o SININTOX- BG (2002 a 2004) .
Examinando os dados de 2003, no Brasil as intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola ou doméstico agrupadas com os raticidas e produtos veterinários corresponderam a 17% do total das intoxicações. Embora a proporção relativa de intoxicações por agrotóxicos tenha sido razoavelmente próxima nos três bancos (Tabela 1), o coeficiente de intoxicações por 100 mil habitantes foi bem maior no sistema de informações de Bento Gonçalves (61,5) do que os coeficientes do CIT-RS (19,1) e do SINITOX-BR (8,0). Deve-se ressaltar que na região agrícola de Bento Gonçalves predomina a viti-vinicultura e, portanto, os tipos químicos mais usados são os fungicidas, que em geral apresentam menor toxidade aguda.
Outro aspecto interessante é a proporção de casos ocupacionais, que representam mais da metade das intoxicações de Bento Gonçalves (Tabela 1). A principal razão é que o sistema capta quase todos os casos que chegam aos serviços de urgência e nos demais bancos de dados, em geral, são notificados apenas os casos mais graves (onde se destacam as tentativas de suicídio). Com a qualificação dos registros, muitos casos, antes considerados "acidentais", são atualmente identificados como ocupacionais (a maioria de trabalhadores rurais). Em relação às tentativas de suicídio ocorre o oposto: elas representam 19% das intoxicações por agrotóxicos no SININTOX-BG, 31% dos registros no CIT-RS e 41% no SINITOX-BR. O dado da tabulação nacional é próximo do percentual de 37% encontrado no CIVITOX/MS11.
Através da busca ativa de casos e da qualificação dos registros, o SININTOX-BG tem conseguido captar mais intoxicações ocupacionais, principalmente aquelas sem risco de vida. Desta forma, a proporção relativa dos casos de tentativas de suicídio tende a ser menor, em relação aos casos ocupacionais (Tabela 1).
Registros sobre agrotóxicos e suicídios foram examinados também em outros sistemas de informação. Usando o SIM, um estudo no RS avaliou uma série histórica de 20 anos e constatou que, embora os suicídios fossem mais freqüentes entre trabalhadores da agropecuária, o uso de agrotóxicos como método representava uma pequena parte dos casos: quase 90% dos suicídios eram por enforcamento ou arma de fogo19. Avaliando os dados nacionais, no último triênio desta série histórica (1996-98) as intoxicações por pesticidas auto-infligidas corresponderam a 5% dos óbitos por suicídio. Por outro lado, avaliando os óbitos devido a intoxicações por pesticidas, os casos de suicídio correspondiam a cerca de 68% do total15. Padrão semelhante foi encontrado no SINITOX, onde 78% dos óbitos devido a pesticidas eram suicídios.
Problemas similares em sistemas de vigilancia
foram identificados por outros estudos que dimensionaram o sub-registro das intoxicações por agrotóxicos. Em Antônio Prado e Ipê (RS), 2% dos trabalhadores rurais relataram intoxicações ocupacionais por agrotóxicos no ano anterior. E nenhum destes casos havia sido notificado ao CIT-RS20. Na África do Sul, dados da rotina de notificações foram comparados com dados de uma região onde foi realizado um projeto de intervenção para melhorar a abordagem e a notificação das intoxicações. Em cinco anos, o coeficiente de intoxicações na área do estudo passou de 4,2/100.000 para 40,5/ 100.000. Além disso, foi evidenciado que o sub-registro era mais importante nos casos ocupacionais, enquanto as tentativas de suicídio eram proporcionalmente superestimadas como causa da intoxicação21.
Olhando a distribuição dos CIT no território brasileiro, percebem-se claramente duas características marcantes. A primeira é o grande contraste no número de centros por região. Por exemplo, enquanto a região norte possui apenas dois CIT, no sudeste existem dezesseis desses centros (doze em São Paulo). A segunda característica é que, com exceção daqueles localizados na região Sudeste, os demais centros estão localizados primordialmente nas capitais dos estados.
Esta distribuição espacial desigual sugere que o registro dos dados seria melhor nos estados com vários centros. De fato, a cobertura de registros em algumas regiões é bem insuficiente e a dificuldade de acesso certamente contribui para o sub-registro, como já foi apontado por outros autores22, 23. No entanto, avaliando os coeficientes de intoxicação por agrotóxicos por região, nota-se que os mais elevados estão na região Sul. Avaliando por estado, destacam-se Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, que são estados com apenas um centro9. É possível que outros aspectos como as ações de vigilância à saúde possam estar contribuindo para as notificações, além do acesso aos CIT. As causas da subnotificação são estruturais e complexas e foram bem aprofundadas no livro "É veneno ou é remédio?"22, 23 e por autores internacionais21, 24.
Apesar das questões acima, o SINITOX é atualmente o principal registro de informações sobre intoxicações por agrotóxicos. Mesmo considerando a inexistência de dados precisos sobre agrotóxicos, ao serem examinados os dados do SINITOX em relação aos dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola - SINDAG sobre vendas de agrotóxicos, de 1992 a 2000, foi constatado que os registros das intoxicações por agrotóxicos aumentaram na mesma medida em que cresciam os valores das vendas destes produtos6.
Outra fonte oficial é o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) que reflete os casos de maior gravidade e que necessitaram de hospitalização. No Brasil, em 2004, ocorreram 3.082 internações devido a envenenamentos por pesticidas com um coeficiente de 1,8 internações/100.000 habitantes. Avaliando a circunstância do envenenamento no período 1998-2004, verificou-se que 36% foram casos de tentativas de suicídio e 42% foram considerados acidentais (ocupacionais e não ocupacionais). No entanto, ao serem selecionadas as internações que evoluíram para óbito, as tentativas de suicídio subiram para 46%. Avaliando todas internações por lesões auto-infligidas, as intoxicações por pesticidas representavam 10% do total e 18% dos óbitos (DATASUS, 2005). Assim, confirmou-se no SIH/SUS o mesmo padrão do SINITOX-BR: apesar de serem pouco freqüentes como método de suicídio, as intoxicações auto-infligidas por pesticidas mostraram maior gravidade e maior letalidade do que as acidentais.
Uma outra fonte oficial de registros de agrotóxicos é o SINAN, onde deveriam ser notificados todos os casos de intoxicação identificados na rede pública, embora o tema seja controverso. A notificação das intoxicações por agrotóxicos através do SINAN foi instituída a partir da Portaria Nº 168 (Secretaria Nacional de Vigilância à Saúde/Ministério da Saúde - SVS/MS, em 05/05/1997). Posteriormente, a Portaria Nº 2325 (Ministério da Saúde/Gabinete do Ministro - MS/GM, em 08/12/2003) e a Portaria Nº 33 (SVS/MS, em 25/07/2005) não incluíram as intoxicações por agrotóxicos na Lista Nacional de Agravos de Notificação Compulsória.
Em outra abordagem, a Portaria Nº 777 (MS/GM, em 28/04/2004), definiu as intoxicações exógenas (incluindo agrotóxicos) como sendo um agravo à saúde do trabalhador de notificação compulsória, em rede de serviços sentinela específica (ligados à Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST)25. Na prática, observa-se que os registros de intoxicações por agrotóxicos no SINAN têm sido escassos em todo o Brasil, embora existam diferenças regionais. Analisando os dados do SINAN em âmbito nacional para o período 2001-2005, encontrou-se um o coeficiente médio de 2,2 casos/100.000 habitantes com grande variação por estado. Os estados com maiores coeficientes foram: Santa Catarina (7,3), Paraná (5,6) e Rondônia (6,2). Entre os estados com coeficientes bem abaixo da média nacional, destacam-se alguns com intenso uso de agrotóxicos: São Paulo (0,9), Rio Grande do Sul (0,5), Minas Gerais (0,5) e Pará (0,1)14. Assim, fica evidente que, como fonte de informações sobre intoxicações por agrotóxicos, o SINAN ainda se encontra muito distante da realidade.
As intoxicações por agrotóxicos de origem ocupacional deveriam ser comunicadas através da Comunicação de Acidentes de Trabalho - CAT. Uma das maiores limitações da CAT é o fato de ser restrita a segurados do INSS. Por várias razões, a utilização da CAT como fonte de informação em acidentes de trabalho rural traz um importante sub-registro, que é ainda mais grave nas intoxicações por agrotóxicos, cujo diagnóstico muitas vezes não é realizado. Um estudo, que revisou acidentes de trabalho rural em dez agências do INSS de São Paulo, só encontrou casos de intoxicação por agrotóxicos em uma delas e estes casos representavam apenas 2% das 949 CAT examinadas13. Em contraste, no estudo feito na Serra Gaúcha, entre agricultores familiares, as intoxicações por agrotóxicos corresponderam a 16% dos acidentes de trabalho e a CAT tinha sido emitida em apenas 4% das intoxicações20.
O que se observou é que existem vários sistemas oficiais que registram intoxicações por agrotóxicos, mas nenhum deles responde adequadamente como instrumento de vigilância deste tipo de agravo. Na prática, só se registram os casos agudos e mais graves. Mesmo para os casos agudos, o sub-registro é muito grande e os casos crônicos não são captados por nenhum destes sistemas de informação.
Uma das informações fundamentais em estudos epidemiológicos sobre agrotóxicos são os dados sobre exposição química, que podem ser obtidos como uso ou vendas de agrotóxicos. As informações mais usadas são os dados sobre venda ou consumo de "defensivos agrícolas" disponibilizados on line pelos representantes da indústria: SINDAG, ABIFINA e ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal)26. No entanto, tem se observado que a disponibilidade de dados nesta fonte está cada vez mais restrita: em 2002, o site do SINDAG informava a venda de "defensivos agrícolas" por unidade da federação, por quantidade de produto comercial, por ingrediente ativo e pelo valor das vendas, agrupados por classe de uso, no período 1997-2000. Em agosto de 2006, a informação por unidade da federação não está mais disponível26. Uma outra limitação é que os dados do SINDAG não representam a totalidade das empresas fabricantes.
Em busca de estimativas de exposição, um estudo utilizou os dados do SINDAG relativos a 2000 e, a partir da produção agrícola do IBGE, construiu estimativas sobre uso de inseticidas e herbicidas por cultura e pela população existente, no Mato Grosso do Sul11. Em outra abordagem, a partir da informação referida, um estudo no Rio de Janeiro calculou a quantidade de agrotóxico por trabalhador/ano, utilizando o mesmo indicador do Censo Agropecuário do IBGE27.
O caminho mais adequado para obter informações sobre a quantidade e tipos de agrotóxicos comercializados deveria ser o Receituário Agronômico (RA), que foi formalmente implantado pelo Ministério da Agricultura em 1980 e posteriormente consolidado pela lei federal nº 7.802, em 11 de julho de 19896. O RA representou uma tentativa de controle da comercialização e da utilização destes produtos, iniciada a partir do estado de Rio Grande do Sul. Este instrumento tem sido criticado por ter se desviado de seus objetivos originais, se resumindo atualmente em "um mero ritual burocrático sem eficácia como forma de controle do uso de agrotóxicos"6. Inúmeros tipos de problemas já foram apontados em relação à implantação e ao preenchimento do RA. Um dos mais freqüentes é o pequeno efeito prático do RA no sentido de servir como orientação técnica ao trabalhador rural. Neste sentido, em Pernambuco, o Receituário Agronômico foi utilizado em 36% das vendas e era complemente desconhecido por 30% dos trabalhadores rurais28. Em Minas Gerais, apenas 16,7% relataram ter utilizado o RA29. A estas críticas deve ser acrescentado que, apesar do RA estar em vigor há mais de quinze anos e existirem várias opções de softwares para digitação (inclusive on line), ainda não foi implantado um sistema oficial que informatize e disponibilize os dados do RA, em nenhum estado brasileiro.
Uma tentativa neste sentido foi feita pelo CREA-RS, que conseguiu digitalizar cerca de 95% dos receituários emitidos em 1996. Este banco de dados, com cerca de 217.000 receituários, foi examinado em função de um estudo sobre suicídios19. Do ponto de vista epidemiológico, as principais limitações foram informações ignoradas (por falta do dado ou informações ilegíveis). Os principais campos com informação ignorada foram: município (18%), quantidade da área (58%), marca comercial (21%) e quantidade prescrita de produto químico (63,5%). Curiosamente, o nome técnico do produto químico, que deveria ser a informação mais difícil, apresentou apenas 1,8% de dados ignorados. Os dados ignorados (em especial a quantidade do produto químico) foram avaliados por vários critérios como região, classe de uso, tipos químicos e outros. Os resultados foram discutidos com agrônomos, técnicos de extensão rural e representantes de entidades envolvidas com a fiscalização do RA, mas não se identificou um padrão específico nem se chegou a uma conclusão sobre os motivos destes dados ignorados. De qualquer forma, ficou evidente a insuficiência do RA como fonte de informação.
Mesmo com estas limitações, foram examinados os receituários com todos os campos preenchidos. A distribuição do número de RA, conforme as principais classes de uso, foi: 54% para herbicidas, 24% para inseticidas e 13% para fungicidas. Para fins de comparação, foram analisadas duas grandes culturas agrícolas: soja e milho. Assim, foram encontrados 10,7 toneladas de produto/1000 ha para a soja e 26,2 ton/1000 ha para o milho.
Os dados destas culturas foram comparados com os resultados encontrados em pesquisa piloto, feita no Paraná. Levando-se em consideração o número de aplicações no ciclo agrícola, as quantidades de produto formulado por área que efetivamente recebeu a aplicação de agrotóxicos foram: 21,9 ton/1000 ha para a soja e 11,5 ton/1000 ha para o milho (IBGE, 2001). Segundo os profissionais da área, geralmente a soja consome mais pesticidas que o milho. Assim, os resultados obtidos pelo IBGE contrastam com aqueles obtidos pelo banco de RA e mais uma vez destacam a necessidade de uma fonte confiável de informações sobre o uso de agrotóxicos.
O risco de uma substância química é uma função de dois fatores: a exposição e a toxidade18. A toxidade dos agrotóxicos e de suas formulações comerciais é avaliada através de vários parâmetros, com normas e critérios rígidos, definidos por órgãos oficiais30. A classificação toxicológica dos agrotóxicos é obtida a partir da DL50 (dose necessária para provocar a morte de 50% de um lote de animais submetidos ao protocolo experimental). Os agrotóxicos são classificados em 4 classes distintas, conforme DL50 por via oral ou dérmica: classe I (extremamente tóxico), classe II (altamente tóxicos), classe III (moderadamente tóxicos) e classe IV (pouco tóxicos)30.
Em 1992, uma portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Portaria SVS/MS Nº 3 de 16/01/92)25 alterou as regras de classificação toxicológica, buscando se adequar aos padrões internacionais. Esta alteração reduziu a classificação toxicológica de muitos produtos. Um exemplo de agrotóxico com classificação alterada foi o produto mais vendido atualmente: o herbicida Glifosato, da marca comercial Roundup, que antes era classe II e atualmente é classe IV. Outro produto, o inseticida piretróide Decis 25 CE, identificado como o mais utilizado em um estudo realizado no município de Cachoeira de Macacu, no estado do Rio de Janeiro31, antes era classe II e agora é classe III. Esta mudança pode ter produzido entre os trabalhadores rurais (e entre alguns profissionais) a falsa impressão de que o produto tinha ficado "menos tóxico" apesar de ser o mesmo produto de antes.
Por outro lado, observando-se detalhadamente alguns produtos, pode-se questionar os critérios utilizados na definição desta classificação. No Sistema de Informações sobre Agrotóxicos SIA, mantido pelos Ministérios da Agricultura, da Saúde, do Meio Ambiente, ANVISA e IBAMA, pode-se observar, por exemplo, que o herbicida Glifosato, na mesma formulação (480 g/l, concentrado solúvel) pode ser registrado como classe II (Nufarm®), classe III (Alkagro®, Atanor®) ou classe IV (Roundup®, Agripec®, Nortox®)32. Ainda mais surpreendente é o fungicida Captan que, na formulação suspensão concentrada, tem registro como classe I, na concentração de 200 g/l (registrante Agricur, Reg 3608288) e classe III na concentração de 480 g/l (Milenia, Reg 1908388)32. Ou seja, na mesma formulação, o produto com a maior concentração tem menor toxidade!
A principal questão envolvendo a classificação toxicológica é que ela reflete basicamente a toxidade aguda e não indica os riscos de doenças de evolução prolongada como, por exemplo, câncer, neuropatias, hepatopatias, problemas respiratórios crônicos e outros. Existem classificações internacionais sobre riscos de câncer e de neurotoxidade dos agrotóxicos30 mas, na prática, a classificação toxicológica é a única informação utilizada pelos trabalhadores rurais e pela maioria dos profissionais. Deve-se reconhecer que, apesar dos avanços científicos, há limites técnicos para as avaliações toxicológicas e ambientais que implicam em diversos graus de incertezas e insuficiência de informações, que não permitem uma análise de risco perfeitamente conclusiva18. Além disso, diferenças individuais ou nas condições de exposição, ocupacional e ambiental, também poderiam alterar o risco de intoxicação.
Uma atenção especial deve estar voltada para as impurezas de fabricação, encontradas nas formulações técnicas, e aos produtos de decomposição, muitas vezes os principais responsáveis por efeitos adversos nas intoxicações humanas30.
Em estudos epidemiológicos, a utilização de avaliações laboratoriais para identificação das intoxicações por agrotóxicos deve ser considerada levando em conta as vantagens e desvantagens desta opção. Entre as vantagens, destaca-se a objetividade das avaliações. Por outro lado, para vários pesticidas não existem exames laboratoriais viáveis para uso em estudos populacionais realizados em área rural.
No Brasil, a legislação (NR7, NR 31) estabelece que todos os trabalhadores rurais devem realizar exames médicos ocupacionais, incluindo a avaliação dos riscos químicos, como os agrotóxicos. Para os inseticidas organofosforados e carbamatos, são exigidas dosagens de colinesterase plasmática e/ou eritrocitária, sendo considerado como valor de referência a atividade pré-ocupacional33. Porém, em boa parte dos casos, principalmente na agricultura familiar, os trabalhadores crescem e vivem no local de trabalho, sendo impossível definir os limites geográficos ou temporais da exposição ocupacional. A alternativa seria considerar como referência a medida na fase de baixa exposição, mas para algumas culturas o uso de agrotóxicos é quase contínuo. A variabilidade do valor de referência e os outros problemas de saúde que também alteram a colinesterase (como, por exemplo, hepatopatias) levantam questionamentos sobre este exame como indicador de intoxicação. Além destas limitações, o uso deste exame só estaria indicado em exposições recentes (no máximo duas semanas no caso de organofosforados)29. Apesar disso, a determinação da acetilcolinesterase eritrocitária (AChe) e/ou da butirilcolinesterase plasmática (BChE) continua sendo o indicador biológico de escolha para indivíduos expostos aos inseticidas organofosforados e/ou carbamatos. E tem a vantagem de viabilizar comparações por ser o indicador de efeito mais usado em avaliações laboratoriais de exposição aos agrotóxicos34.
Assim, um estudo em Magé-RJ mediu a colinesterase plasmática e a eritrocitária entre 55 agricultores expostos. E encontrou 3,6% de exames alterados para BChE e 41,8% de exames alterados para AChE35. No entanto, utilizando o mesmo método laboratorial, dois estudos entre fumicultores gaúchos, com exposição ocupacional intensa e prolongada, não encontraram alterações substanciais: o estudo de Etges36, entre 285 fumicultores, encontrou apenas 2,5% com alterações de BChE e nenhum com alteração da AChE36. O estudo de Salvi37 mediu a colinesterase plasmática entre 37 fumicultores e não identificou nenhum caso com alterações laboratoriais37. O estudo de Salvi encontrou alta freqüência de sintomas extrapiramidais e ambos encontraram elevada prevalência de problemas psiquiátricos, principalmente depressão. Neste sentido, foi destacada a necessidade de outros parâmetros para monitorar efeitos crônicos de exposições ocupacionais aos pesticidas, que usualmente são leves/ moderadas e de longo prazo37.
Uma outra questão envolvendo a dosagem de colinesterase é o método laboratorial e o ponto de corte. Para avaliação das intoxicações pelos inseticidas inibidores de colinesterase, o método espectrofotométrico de Ellman tem sido considerado como padrão na área de toxicologia38,39. Alguns estudos brasileiros usaram o método de Edson, através do kit de Lovibond39,40, um kit portátil que facilita trabalho de campo em área rural. Usando este kit, foram examinados 1.064 trabalhadores rurais de Minas Gerais (MG): 50% dos trabalhadores estavam no mínimo moderadamente intoxicados (redução de pelo menos 25% da colinesterase) e 1,3% teve redução de 50% da colinesterase29. Outro estudo, também usando o kit, avaliou 165 tomaticultores de Minas Gerais e encontrou 47% com intoxicação moderada41. As diferenças entre os métodos já foram avaliadas em outros estudos39, 42, 43. Embora tenha sido encontrada uma boa concordância entre os métodos avaliados, a sensibilidade e a especificidade do kit podem ter sido menores que 75%39.
A diversidade de resultados laboratoriais nos estudos mais recentes sobre intoxicações está apresentada na Tabela 2. Os resultados podem estar refletindo diferenças importantes em outros aspectos, como o tempo decorrido entre a exposição e a coleta do exame (e a possibilidade do efeito rebote da BChE), ou o critério usado para definir valor de referência (média populacional de populações não expostas ou valor de referência no próprio indivíduo na fase pré-exposição)44. Também não existe consenso sobre o ponto de corte para se definir intoxicação a partir dos exames de colinesterase. No quadro I da NR7, o parâmetro oficial em relação à atividade pré-admissional da enzima é a redução de 50% da atividade inicial para a colinesterase plasmática, 30% para a eritrocitária e 25% para sangue total33. Outras fontes utilizaram parâmetros diferentes, como a rede de extensão sobre toxicologia ligada a universidades americanas (EXTOXNET), que considera a redução de 15 a 25% como intoxicação leve; 25 a 35% como intoxicação moderada e 35 a 50 % como intoxicação severa45. Larini, toxicologista brasileiro, propôs outros parâmetros: 20 a 40% - intoxicações leves, 40 a 50% envenenamentos moderados e acima de 50% envenamentos severos30. A definição dos critérios para valores de referência e outras questões laboratoriais foi discutida detalhadamente por Oliveira-Silva, que apontou o valor médio de 30%, mas destacou vários aspectos a serem considerados44.
Um desafio mais complexo são as exposições a outros grupos químicos, para os quais a dosagem da colinesterase não estaria indicada. Segundo o SINDAG, em 2004, 71% dos agroquímicos vendidos nacionalmente eram herbicidas ou fungicidas26. E mesmo dentro do grupo dos inseticidas existem outros tipos químicos bastante usados que não são inibidores de colinesterases. Para boa parte dos agrotóxicos de uso freqüente, como por exemplo os inseticidas piretróides, todos os fungicidas (ditiocarbamatos, sulfato de cobre, captan etc.) e herbicidas (glifosato, paraquat, atrazinas e outros) não existe nenhuma exigência na legislação. Embora seja possível realizar alguns exames de monitoramento biológico com indicadores de dose interna, como por exemplo indicadores de alguns piretróides na urina, carbaril para carbamatos, alquilfosfatos para organofosforados, dosagem de ETU no sangue ou urina para os ditiocarbamatos, estes exames são de difícil acesso (raros laboratórios têm condições tecnológicas de realizá-los), além do custo elevado para uma pesquisa em campo.
Segundo o SIA, atualmente existem 398 ingredientes ativos e 1.002 produtos formulados registrados no Brasil32. A indústria registra princípios ativos que não são captados pela capacidade laboratorial existente6. Uma dificuldade adicional é que, na maioria das vezes, os trabalhadores agrícolas utilizam vários tipos de produtos, sendo complicado especificar o efeito tóxico de cada produto. Além disto, existem os produtos proibidos, cujo uso nem sempre é admitido, como é o caso do arsênico, usado como formicida no Rio Grande do Sul ou do carbamato aldicarb (chumbinho), usado como raticida em várias regiões.
A dificuldade da investigação laboratorial em um contexto de tamanha complexidade química requer a utilização de todos os recursos existentes para investigar quadros de intoxicação (laboratoriais, avaliações médicas, informações dos trabalhadores agrícolas e de técnicos da área), mesmo que resulte apenas em uma aproximação da realidade.
Boa parte dos estudos, realizados diretamente com agricultores, utilizaram metodologias qualitativas e examinaram a percepção dos trabalhadores rurais em relação a vários aspectos do uso de agrotóxicos27,31,46. Estes estudos trazem valiosas contribuições na abordagem de trabalhadores rurais, com destaque para os problemas de comunicação, a pouca conscientização dos riscos e os "problemas de nervos", que devem ser levadas em conta no planejamento e desenvolvimento de estudos populacionais sobre agrotóxicos.
Considerando estudos sobre intoxicações com estimativas a partir da informação referida pelo trabalhador e/ou exames laboratoriais, encontrou-se uma grande variação na prevalência cumulativa de intoxicações: de 12% na Serra Gaúcha20 a 62% em Paty de Alferes47. Considerando os principais estudos que realizaram dosagens da colinesterase, plasmática e eritrocitária, a variação também foi bem acentuada (0 a 50%) e esta variabilidade pode ter relação com a amostra selecionada, com o tipo de enzima e método laboratorial ou com o tipo de produto usado nas várias culturas agrícolas. A Tabela 2 apresenta uma síntese de estudos publicados nos últimos cinco anos.
A escolaridade é considerada um indicador de condição social associado a melhores condições de saúde, incluindo um efeito protetor contra intoxicações por agrotóxicos20,35. A maioria dos estudos aponta a baixa escolaridade dos agricultores como um problema na medida em que isto dificulta a leitura de recomendações de segurança, do rótulo (ou eventualmente no Receituário Agronômico), bem como limita o acesso a informações de segurança 20, 27, 28, 35, 41, 48.
Recentemente, observa-se um aumento de estudos epidemiológicos entre trabalhadores rurais, principalmente estudos descritivos avaliando a prevalência de intoxicações. Devido aos custos, às dificuldades logísticas ou pelo tipo de estudo (alguns incluíam abordagens qualitativas ou vários exames laboratoriais), boa parcela examinou amostras relativamente pequenas, nem sempre selecionadas de forma aleatória, o que pode ter interferido nos resultados. A análise estatística predominante é a descritiva avaliando proporções. Alguns estudos utilizaram análise multivariada20, 29, 35, 48 e revelaram a importância de variáveis socioeconômicas no estudo dos efeitos dos agrotóxicos. O estudo de Oliveira-Silva35 apontou que 11% das intoxicações eram devidas aos fatores socioeconômicos e o estudo de Faria20 mostrou a importância do controle de fatores de confusão, porque os mais expostos eram trabalhadores de propriedades mais produtivas (e mais ricas), além de um importante viés do trabalhador sadio na agricultura familiar.
A experiência internacional reforça a necessidade de amostras mais amplas, com delineamento e análise estatística adequados para identificar fatores de risco e para permitir inferências de causalidade. Um exemplo é o "Agricultural Health Study", uma ampla coorte envolvendo cerca de 20 mil aplicadores de pesticidas que tem evidenciado vários riscos relacionados aos agrotóxicos49. Mas, em geral, os riscos relativos são pouco expressivos, o que reforça a necessidade de amostras maiores, controle dos fatores de confusão e cuidados na seleção do grupo de comparação.
A pesquisa epidemiológica sobre as intoxicações por agrotóxicos no Brasil ainda é uma área com várias lacunas a serem preenchidas. Os estudos que utilizaram dados secundários (obtidos em fontes oficiais ou avaliando demanda de serviços) têm uma enorme importância no sentido de contribuir para aperfeiçoar a qualidade destes bancos de dados (ou destes serviços). Por serem dados coletados na rotina institucional ao longo do tempo, eles poderiam permitir avaliações das mudanças do perfil de morbi-mortalidade, em série histórica. No entanto, devido às várias limitações identificadas nestes bancos, é necessária a devida cautela na interpretação destes dados. Ao mesmo tempo, o processo de qualificação dos registros oficiais implica em análises freqüentes destes registros e na devolução para a ponta do sistema, identificando as fragilidades e estimulando a melhoria das notificações. A estratégia de busca ativa mencionada neste artigo é a grande chave para a questão. Sistemas de vigilância que instituem busca ativa melhoram muito a notificação e a qualidade dos dados.
A abundância de sistemas de notificação em várias estruturas governamentais parece servir mais como obstáculo do que facilitar uma efetiva vigilância sobre as intoxicações21. Neste sentido, sugere-se buscar uma integração dos bancos de dados visando melhorar a vigilância e subsidiar as ações de proteção às populações expostas aos agrotóxicos.
Além disso, destaca-se a necessidade urgente de um sistema confiável de informações sobre o consumo de agrotóxicos no país. O Receituário Agronômico, que tinha entre seus objetivos o controle do uso destes produtos, vem se distanciando de seus objetivos originais. Considerando a dimensão da população exposta aos efeitos dos pesticidas, o monitoramento deste tipo de risco químico destaca-se como uma prioridade. Revitalizar a proposta do RA ou desenvolver outro caminho é uma questão que se coloca para entidades e profissionais envolvidos neste tema.
A revisão das publicações brasileiras aponta um crescimento quantitativo e qualitativo dos estudos nesta área, com vários tipos de abordagens que incluem estudos ambientais, sobre contaminação alimentar ou estudos qualitativos investigando a percepção dos trabalhadores em relação aos agrotóxicos. Mas as lacunas ainda são grandes. A imensa dificuldade de estudar os efeitos relacionados à exposição crônica ocorre tanto pela dificuldade de caracterizar a exposição propriamente dita, quanto pela dificuldade de captar informações sobre o efeito crônico.
O estudo feito na Serra Gaúcha encontrou uma clara associação entre intoxicações por agrotóxicos e a ocorrência de dois tipos de problemas de saúde de evolução prolongada: transtornos psiquiátricos menores50 e sintomas respiratórios51. Embora tenha limitações de causalidade reversa, devido a seu delineamento transversal, os resultados do estudo fortalecem a hipótese de que, além do quadro agudo, a intoxicação por agrotóxicos possa afetar a saúde a médio e longo prazo. Em outras palavras, o dano causado pela intoxicação aguda poderia produzir conseqüências tardias, nem sempre mensuráveis através dos exames comumente utilizados. Sugere-se que esta hipótese seja testada em futuros estudos, com metodologia adequada para investigar sua complexidade.
Este artigo buscou aprofundar alguns aspectos que envolvem o tema dos agrotóxicos, buscando fornecer subsídios para o planejamento de ações de saúde e futuros estudos. A relevância do tema e o enorme contingente de trabalhadores expostos é um estímulo para a pesquisa epidemiológica sobre intoxicações por agrotóxicos, que no Brasil ainda tem um vasto campo para se desenvolver.
Colaboradores
NMX Faria, AG Fassa e LA Facchini participaram de todas as etapas da elaboração do artigo.
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IServiço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Bento Gonçalves. Rua Goiânia 590, Bairro Botafogo. 95700-000 Bento Gonçalves RS.
IIDepartamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas
Ciência& Saúde Coletiva v.12 n.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2007
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