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A proposta da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para a solução dos problemas que se relacionavam ao setor informal, demonstra uma concepção dicotômica, que baseou por muito tempo os estudos que buscaram melhor compreender as questões relativas à informalidade, enxergando com base neste princípio uma dicotomia na economia e na ocupação da força de trabalho, setor formal x setor informal, considerada como uma divisão prejudicial e que poderia ser sanada com a integração das atividades informais ao setor formal da economia capitalista.
Esta concepção dicotômica separava então duas formas de produzir e de organizar a economia, uma baseada em relações de trabalho não assalariadas, trabalho familiar e pequena produção geralmente associada à produção de subsistência, que seria o setor informal. O seu inverso seria o circuito com uma produção voltada ao mercado capitalista moderno, de grandes investimentos e lugar de utilização da mão de obra assalariada, adestrada tecnicamente para o trabalho organizado.
Este processo de concentração de poder econômico e de exclusão social, do qual o fenômeno da informalidade na economia e no trabalho fazem parte, e que se expressam sobremaneira nos países que passam por um processo de industrialização recente, pode ser considerado como resultado não só da estruturação econômica e social bastante excludente destes países, mas também como resultante das relações políticas e econômicas estabelecidas com os países de maior poder político-econômico no processo global de reprodução do capital.
As comparações dos estágios econômicos e sociais, tendo como referência o padrão de desenvolvimento estabelecido pelos países mais ricos, procuravam estipular que a existência do Setor Informal figurava entre as características que enquadrariam um país em um estágio de subdesenvolvimento, sendo o desemprego, o crescimento demográfico (4)descontrolado, o aumento da população urbana, a industrialização tardia ou inexistente, as maiores marcas das economias que se encontravam neste estágio, figurando neste contexto as altas taxas de crescimento demográfico como a maior causa do desemprego.
Assim, os recém chegados a cidade, e em condições de serem empregados, cumpriam o papel de aumentar a força de trabalho disponível no mercado, pressionando os salários dos que se encontravam empregados, já que a oferta tornava-se maior que a demanda. E aqueles que não cumpriam as exigências técnicas e educacionais do capital industrial urbano, sendo vistos por esta ótica como não aproveitáveis e incapazes de serem empregados, iriam encontrar ocupação que lhes proporcionasse alguma renda e que lhes garantisse minimamente a sua sobrevivência nas atividades que compunham o setor informal. "A ausência de uma tradição de trabalho assalariado da população que migrava para do campo facilitava a sua inserção direta do setor informal." (Dedecca e Baltar, 1997: 70).
O surgimento do setor informal como "abrigo" dos trabalhadores pouco, ou sem nenhuma qualificação para o trabalho urbano moderno, torna-se possível, segundo algumas interpretações mais recentes, pela não possibilidade, ou não viabilidade econômica, de grandes empresas exercerem certas funções, o que permite o surgimento de interstícios, entre as atividades econômicas mais importantes. De acordo com os estudos do IBGE: "Nesta acepção o setor informal, estaria ocupando ‘as franjas do mercado’ os espaços ainda não preenchidos ou já abandonados pela produção capitalista, concentrando-se, em última análise, nas atividades que inibem um processo sistemático de acumulação do capital." (1990: 05)
Estas "frestas" seriam então ocupadas pelos trabalhadores desempregados e que sem condições econômicas, teriam no distanciamento da formalização um elemento importante para a manutenção da realização de determinadas atividades, que assim caracterizadas comporiam o setor informal.
O setor informal passa também a figurar no contexto da economia urbana como sendo de grande importância para a manutenção de uma certa ordem social, que poderia vir a ser desfeita pela pressão dos que se encontram excluídos do mercado de trabalho formal, e que sem a oportunidade de encontrar emprego poderiam vir a se rebelar.
De acordo com esta idéia, as atividades desenvolvidas no setor informal cumprem um papel social e econômico que é o de ocupar os trabalhadores desqualificados e que vivem em uma situação de pobreza e de desemprego.
O crescimento populacional e a complexificação das relações sociais e econômicas no meio urbano levam ao surgimento ou a possibilidade de desempenhar funções que outrora não existiam para os trabalhadores que compunham o setor informal, expandindo este setor, que passa a diversificar-se, originando uma diversidade de ocupações tais como: a de vendedor ambulante, de camelôs, empregados domésticos, catadores de papel, e os mais diversos tipos de prestação de serviços e as pequenas unidades produtivas. A informalidade enquanto fenômeno do trabalho rebate diretamente na dinâmica geográfica e vice-versa, sendo que dessa dialética apreendemos o movimento contraditório do metabolismo societal da sociedade do capital.
É importante salientar que em vários casos estas ocupações exigem dedicação total do trabalhador para que possa conseguir atingir um ganho que garanta a sua sobrevivência, noutros casos há a realização de mais de uma atividade no dia pelo mesmo trabalhador para conseguir atingir o patamar de ganho mínimo para a sua manutenção.
Como vimos, o referencial teórico utilizado até o começo dos anos 80 apresentava o setor informal como campo de atuação dos trabalhadores desqualificados, e das empresas de baixo capital e produtividade, situação que sofrerá novas mudanças a partir da reestruturação econômica do capitalismo no âmbito mundial, sendo as novas formas de utilização do trabalho no capitalismo um dos determinantes que irá heterogeneizar ainda mais os trabalhadores e as unidades econômicas assim classificadas.
Desta forma, seguindo a lógica do movimento de reestruturação produtiva do capital global que afeta as formas de exploração do trabalho e a conformação política dos Estados nacionais, a informalidade deixa, em seu novo contexto, de ser um fenômeno restrito aos países não industrializados, ou com um padrão de industrialização intermediário, passando a manifestar-se também nos territórios sedes das economias avançadas.
O movimento de reestruturação do modo capitalista de produção, baseado na inserção de tecnologias modernas no processo produtivo e em novas formas de gestão das relações de produção, fatores estes articulados com a instauração de um modelo político-econômico ideológico que o favoreça (5), assume cada vez mais caráter predatório no que diz respeito à exploração e utilização do trabalho como criador de valor de troca, subjugando permanentemente a parcela da sociedade que tem como única forma de garantir meios para a satisfação de suas necessidades básicas a comercialização de si mesmo, enquanto mercadoria força de trabalho.
Destas transformações nos processos produtivos em que se realiza a produção/reprodução do capitalismo, que como sabemos não tem como fim para as mercadorias produzidas a satisfação das necessidades materiais da sociedade, mas a realização de sua própria reprodução, decorrem várias outras que acabam não sendo simplesmente causas das primeiras, mas tornam-se também "estímulos" para outras mudanças. Isso tem promovido um processo continuo, num movimento gerador de contradições e conflitos, que colocam esta mesma forma de organização social para a produção em questão, já que ela se revela, incapaz de estabelecer, "mesmo que fosse só para a maioria", uma condição de existência digna, pois, se funda na desgraça que é a transformação e exploração do potencial produtivo humano em mercadoria.
É sob essas condições que se dá atualmente a exploração do trabalho humano, ou a "sua não exploração" (o desemprego), condição que tem determinado o crescimento do trabalho precário, e a crescente marginalização dos trabalhadores no processo produtivo, um processo que leva outra grande parte da classe trabalhadora a despossessão total, como é o caso dos trabalhadores sem terra no Brasil, que lutam para assegurar um pedaço de terra de onde possam construir condições mínimas de sobrevivência.
Ser excluído do processo de exploração do trabalho no capitalismo não se torna um privilégio, e sim um fator de inserção em uma condição de privação e de pobreza, ainda maior do que aquela sob a qual continuam submetidos os que sofrem a exploração no trabalho, restando aos deserdados do capital procurar outras formas para garantir a sua sobrevivência, sujeitando-se ao subemprego e a informalidade.
O movimento reestruturante do processo produtivo capitalista gera modificações amplas em todas as esferas das relações sociais e de produção, e estas não acontecem em todos os lugares num mesmo ritmo ou intensidade, pois apesar de atingir a todos os países capitalistas, este processo se realiza guardando características específicas que dizem respeito a organização social, política, econômica e territorial de cada país, região ou cidade, etc.
Contudo, os pontos em comum se fazem presentes nesta escalada do capital mundial, ficando explícitos nas práticas e nos discursos ideológicos dominantes dos mais diferentes países. Um destes pontos são as práticas dos pressupostos liberais, que colocam as combinações entre os fatores econômicos como regentes das "leis" do mercado, e as potencialidades peculiares, como os determinantes do fracasso ou do sucesso econômico dos indivíduos, das empresas e das nações, tentando a partir destes princípios discursivos e ideológicos, mascarar o sentido excludente do capitalismo. Segundo Braga:
O neoliberalismo como doutrina e política econômica não pode ser nada muito além do que uma resposta determinada do capital em tentar conferir um sentido e direção, portanto, inteligibilidade, a sua mais profunda crise. Uma resposta determinada, somada a outras, como a reestruturação produtiva em curso, que se apresenta enquanto um movimento de contra-ofensiva social e ideológica em escala mundial, dada a sua disposição de transformar todo o mundo a sua imagem e semelhança.(1996: 220)
É nesta combinação entre reestruturação produtiva e neoliberalismo, que se desenha o novo contexto social em que os trabalhadores de todo o mundo são mais uma vez aviltados, ora por serem destituídos de seus direitos trabalhistas, levados a cabo por políticas governamentais que deixam de lhe conferir a devida proteção, outrora por serem obrigados, pela exclusão do mercado formal de trabalho, a sobreviverem do trabalho em condições precárias muitas vezes marcado pela informalidade. (Thomaz Jr., 2000)
Os trabalhadores do final do século XX encontram-se encurralados e pressionados pelas condições sociais e econômicas geradas no atual contexto do movimento de reprodução do capital, que em sua ânsia de reprodução cria a suas próprias armadilhas, que geram problemas que acabam por ser transferidos para os trabalhadores. Assim os que são a base sob a qual se dá a sustentação e a reprodução de todo o sistema, passam a ser encarados como causadores dos problemas, portanto, são os que devem arcar com as conseqüências.
Segundo a ideologia liberal dominante, que procura dar explicações "naturais" para o fenômeno do desemprego, o fundamento elucidativo para o problema está na reversão do desequilíbrio entre a oferta e a demanda por força de trabalho, causada muitas vezes pelo excesso desta última, ou ainda, pela falta de uma formação técnica dos trabalhadores.
De acordo com estas interpretações mesmo com a expansão do desemprego as práticas excludentes do modelo econômico capitalista não são colocadas em questão, pois para este viés ideológico interpretativo dominante, todo o problema pode ser solucionado com a retomada do crescimento econômico e com a desobstrução dos caminhos econômicos e políticos possibilitando um movimento mais livre dos fatores que compõem o mercado.
Estando implícito neste processo de abrir caminho para a atuação livre das forças de mercado, a desregulamentação das relações de trabalho, o que leva ao crescimento do número de trabalhadores precarizados na economia, além, é claro, de tornar cada vez mais fácil para as empresas contratar e dispensar os trabalhadores, de acordo com suas "necessidades" mercadológicas, sem o devido respeito aos direitos trabalhistas, sendo esta nova forma de gerir a utilização do trabalho na esfera produtiva, mais uma das características vigentes do movimento de reestruturação produtiva capitalista e que tem sido assumida abertamente pelo governo brasileiro, inclusive com propostas de mudanças na Lei Trabalhista, tal como em vigência as reformas no artigo 618 da CLT.
Reestruturação esta que conta com amplas mudanças na utilização do aparato tecnológico, que ao conter avanços promovidos por novas descobertas, configura-se como uma nova forma de organização para produção que busca superar algumas desvantagens do regime fordista (6).
Nesta tentativa de superar a "rigidez" do sistema produtivo, baseado na lógica produtiva (destrutiva) fordista, é que são introduzidas na estrutura produtiva do modo capitalista de produção as técnicas de produção flexíveis, que permitem ao capital otimizar todos os fatores que compõem o processo de produção das mercadorias, criando novos setores de produção.
Junto a esta tendência de flexibilização do trabalho, cresce também o número de trabalhadores desempregados, compostos pelos operários demitidos e pelos recém chegados ao mercado de trabalho e que não encontram emprego, situação que os obriga a ocuparem-se em atividades classificadas como precárias e de baixa produtividade.
Esta situação resulta da diminuição do número de postos de trabalho nas indústrias e por um lado a super – qualificação de algumas atividades, especialmente a partir da expropriação do saber operário e sua incorporação nas "máquinas inteligentes" (computadores e robôs) às custas da racionalização do trabalho (desemprego) e em várias circunstâncias, da superexploração, com a intensificação da jornada, sendo, pois, a garantia de uma relação entre parceiros. Por outro lado, assiste-se também a desqualificação acelerada que sofre o trabalhador diante das novas tecnologias e das novas formas de gestão impostas pela reestruturação produtiva. Essa dualidade nos permite pensar uma noção ampliada de trabalho
Assim grande parte dos trabalhadores, sobretudos os operários, são dispensados sem permitir-lhes que sejam posteriormente reaproveitados enquanto força de trabalho útil, já que na maioria das vezes as funções anteriormente desempenhadas são extintas, sem a recriação de vagas em outras atividades/setores na mesma proporção (Thomaz Jr., 2000).
O avanço da tecnologia no processo produtivo industrial permite o aumento da produtividade com a diminuição da utilização quantitativa da força de trabalho, mas este não é um processo que caminha para a libertação do trabalhador, tornando-se, ao contrário, uma situação desesperadora para os novos desempregados, que na sociedade fundada na exploração do trabalho se apresentam inviáveis economicamente.
É através da precarização das condições de existência de grande parte daqueles que vivem da venda da força de trabalho, seja pela falta de "comprador" desta mercadoria, ou pelo abandono das práticas políticas e sociais do Estado voltadas para o amparo dos trabalhadores, que os países de capitalismo avançado estão vendo surgir e crescer, conjuntamente com o desemprego as atividades informais, ocupações classificadas anteriormente como próprias de uma economia em subdesenvolvimento.
Os efeitos deste processo de precarização do trabalho não podem ser entendidos como sendo de retração do desenvolvimento do capitalismo nestes países, e sim como efeitos de uma crise que surge intrinsecamente às novas transformações do processo produtivo capitalista, e procuram mais uma vez sacrificar aqueles que pela lógica de funcionamento da sociedade capitalista, não têm outra forma de garantir a sua sobrevivência, que não seja a comercialização de suas potencialidades.
E é diante dessa geografia do mundo do trabalho que podemos apreender o desenho mais caótico do modo capitalista de produção, que com os avanços tecnológicos conseguidos através da aplicação da ciência no processo produtivo, consegue produzir cada vez mais mercadorias com a utilização de um menor número de trabalhadores ligados diretamente a produção, atingindo desta forma o máximo possível de exploração do trabalho.
A nova organização do capital, que permite uma maior produção com a exploração de um menor número trabalhadores, produz a maior contradição da sociedade capitalista, que é a de que apesar de estabelecer para grande parte da sociedade a venda da força de trabalho como única forma de garantir o seu acesso às mercadorias que satisfaçam as suas necessidades, não permite que parte considerável dos que se encontram aptos e a disposição possam então fazê-lo.
Ao mesmo tempo, o domínio do capital se torna tão intenso que estar na condição de poder sofrer a exploração do trabalho no sistema produtor de mercadorias é considerado por muitos uma dádiva, já que aqueles que não se encontram em "condições" de serem espoliados, não têm o direito a satisfazer as suas necessidades mais básicas. E como dizemos que a despossessão é o caminho para a indigência, ou o emprego é o elemento fundante da dignidade do trabalho na sociedade do capital.
Apesar de estar tendo como epicentro os países de capitalismo avançado, a reestruturação produtiva tem causado grandes transformações nas sociedades capitalistas de todo mundo, sobretudo, nos países, dependentes econômica e politicamente do capital financeiro mundial, as novas regras estipuladas pelo capital, travestido de Fundo Monetário Internacional, fazem-se presentes com toda sua força, tendo como discurso que fundamenta as práticas de seus respectivos governos, o mesmo que hoje é hegemônico nos países centrais, o neoliberalismo, (Thomaz Jr., 2001).
O Brasil torna-se um bom exemplo desta situação. Atualmente sob o "comando" do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e seus apaziguados sociais democratas, com o apoio do Partido da Frente Liberal (PFL), tem se empenhado em seguir amplamente a "cartilha" do Fundo Monetário Internacional, privatizando as empresas estatais, diminuindo gastos na esfera social e contribuindo para que na soma das transformações estruturais do processo de produção capitalista em nível mundial, com as dificuldades políticas e econômicas conjunturais locais, se tenha um aumento da miserabilidade de grande parcela da população brasileira.
As transformações em curso no processo produtivo capitalista não podem ser entendidas apenas como um movimento de reorganização dos meios de produção com base na maior adoção de tecnologias, flexibilização do processo de exploração da força de trabalho, redimensionamento territorial e locacional das plantas fabris, etc. Devemos entendê-las, pois, também, como parte de uma reestruturação produtiva que engloba toda a sociedade de forma a determinar e também ser determinada neste movimento, que aponta para uma mudança no padrão de acumulação capitalista, com desdobramentos marcantes para a dinâmica espacial e territorial do trabalho.
E é no que diz respeito à relação capital x trabalho que percebemos a complexidade das atuais transformações produtivas, que não colocam em questão logicamente a hegemonia que exerce o capital sobre o trabalho, mas redimensionam em vários níveis, tanto técnico quanto territorialmente, as maneiras de exploração e utilização da força de trabalho na esfera da produção e da reprodução capitalista, com implicações intensas e de grande magnitude à subjetividade do trabalho, às suas formas de organização/representação, enfim ao movimento operário de modo geral.
Ao mesmo tempo em que assistimos um avanço crescente da utilização de novas técnicas e o emprego da ciência no processo produtivo, as quais subsidiam mudanças que colocam em questão ou mesmo substituem em alguns países, ou indústrias, o modelo de organização para produção fordista/taylorista; observamos também, o crescimento do desemprego, da informalidade e da precarização do trabalho em vários países, sobretudo, aqueles, que como o Brasil, são marcados por uma industrialização intermediária.
O fenômeno do desemprego e da precarização das condições de trabalho na nova era do capital, podem facilmente ser observados na maior parte das cidades brasileiras. É nesse cenário que se tornam mais visíveis a partir do ano de 1990 (7), assumindo dimensões nunca registradas antes. É o caso de lembrarmos o exemplo dos trabalhadores do ABC paulista e da região metropolitana de São Paulo - como indicam os dados do Dieese/Seade e do próprio IBGE - da agroindústria canavieira, e exemplarmente lembramos os trabalhadores enquadrados nos limites da precarização, da terceirização e outras experiências autônomas, como os ambulantes, que vão para a camelotagem, ocupações de terra, catação de material reciclável, os trabalhadores nos lixões, particularmente os catadores de papel/papelão nos centros urbanos brasileiros, todos trabalham várias horas, em péssimas condições (8).
Assim os locais escolhidos, geralmente as praças públicas e as calçadas, próximos aos centros comerciais, ou a lugares de grande fluxo de pessoas, que reúnem os potenciais compradores, são alvos de disputa entre os próprios trabalhadores, ou seja, destes com os comerciantes legalmente estabelecidos e não raras vezes, entre os trabalhadores e o poder público. Para Yázigi:
O que fazer com os ambulantes, tornou-se uma das principais questões do espaço público.(...) Em lugares onde eram costumeiramente inexpressivos, o aparecimento de algumas centenas deles, por questão de escala gera polêmicas. A globalização com sua divisão internacional do trabalho, suas tecnologias e outras formas de dominância entende que não há trabalho para todos com essas premissas: poucos vêem além de ações paliativas. (2000: 383)
Esta reestruturação produtiva, gerada pelas novas técnicas, implica logicamente em uma reconfiguração espacial e territorial que envolve toda a sociedade, que sob a hegemonia do capital reorganiza-se correspondendo às novas demandas do sistema, sendo que nesse processo de reordenamento socioeconômico e territorial do capital a maior parcela dessa mesma sociedade se encontra muito mais suscetível a sofrer os danos gerados no interior destas transformações. Essa parcela é formada por aqueles que tem como único meio de vida a venda da sua força de trabalho, já que essas transformações de cunho técnico, político e espacial incidem diretamente sobre as formas de exploração e controle da força de trabalho (Alves, 1999; Antunes, 1998; Braga, 1997).
Assim, o que vemos diante a da atual reestruturação do processo produtivo capitalista é uma gama de modificações que atinge toda a sociedade e que influi diretamente nas formas de organização espacial e territorial tanto do capital como da força de trabalho. Segundo Moreira (2000):
Cada era do trabalho implica numa forma determinada de arrumação do espaço que o regula. A técnica é o elemento dinâmico dessa mudança. Toda vez que o período técnico muda, correlatamente muda a forma da regulação espacial, e assim o mundo do trabalho. Tem sido essa espécie de lei espacial a norma da organização do espaço da sociedade e do mundo do trabalho na história do capitalismo. (p.8).
Desta forma, as transformações geradas pelas novas técnicas, pelas novas políticas de gestão e controle do processo produtivo, apontam e ao mesmo tempo fazem parte de uma grande transformação que envolve não só o mundo do trabalho, mas ao redimensionar os papéis dos seus atores, denuncia uma imensa quantidade de mudanças que perpassam, compõem e redimensionam todas as esferas da sociedade, sejam as políticas, sociais, ideológicas, culturais e os conseqüentes desdobramentos espaciais - territoriais (9). As modificações no mercado de trabalho, não se resumem a mudanças estruturais, mas vão além do próprio espaço de produção, chegando às esferas políticas e econômicas dos Estados, que ao se redimensionarem, com maior ou menor presteza, estarão contribuindo para um rearranjo amplo na esfera da organização da sociedade para produção pois, a flexibilização do processo produtivo se contemplará também com a flexibilidade dos direitos adquiridos historicamente pelos trabalhadores, seja pela sua anulação ou pelo seu relaxamento, permitindo assim uma maior agilidade para os empregadores no momento do contrato ou da dispensa, além de um menor gasto com os encargos trabalhistas.
Os elementos característicos desse atual processo, a flexibilização das relações de trabalho, a implantação em vários países de políticas de cunho neoliberal, que junto a financeirização da economia, dita mundializada, enfatizam e dão importância à esfera especulativa do capital em relação à produção implicam, como novos elementos determinantes e conseqüentes do atual modelo de acumulação capitalista, na redefinição das relações de produção e, portanto, numa reconfiguração do mundo do trabalho, tendo como maiores conseqüências a diminuição do número de trabalhadores empregados diretamente na produção, a desqualificação, o aumento do desemprego e o crescimento do trabalho precarizado. Como afirma Antunes (10):
O mundo do trabalho viveu, como resultado das transformações e metamorfoses em curso nas últimas décadas, particularmente nos países capitalistas avançados, com repercussões significativas nos países de Terceiro Mundo dotados de uma industrialização intermediária, um processo múltiplo: de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado. (...) Mas, paralelamente, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal, ao setor de serviços etc, etc. Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho". (1999: 209)
E nesse processo de complexificação com aparecimento de novas formas de trabalho precário, que vemos expandir nas cidades brasileiras as atividades ligadas à economia informal, que passam a ser o campo de atuação de grande parte dos trabalhadores que se encontram excluídos, pelos mais diversos motivos, do mercado formal de trabalho (11).
Ao ampliar-se a economia informal torna-se muito mais diversificada, passando a ser campo de atuação também de pequenas empresas e não só de trabalhadores autônomos, já que o principal traço da informalidade passa ser o não regramento ou controle pelo poder público, isentando-se ao recolhimento das taxas e dos devidos tributos.
A expansão e a heterogeneização do trabalho na esfera da economia informal, tem uma raiz direta com o processo atual de crescimento da exclusão do mercado formal de trabalho, que, por sua vez, tem um amplo rol de determinações, que diferentemente combinadas desenha e caracteriza variadamente o fenômeno do trabalho informal nos diversos lugares onde este se encontra presente. Malaguti (2000), alerta para as complicações atuais no entendimento do que vem a ser o trabalhador informal, já que a formalidade e a informalidade ao coexistirem de forma indissociável produzem situações em que o trabalhador pode ao mesmo tempo desenvolver e obter rendimentos em atividades formais e informais.
É nesta busca pelas condições mínimas de vida que se avolumam as atividades que ocupam um grande número de trabalhadores e que estão ligadas à economia informal, sendo que, destas, a que assume visivelmente maiores dimensões é o comércio informal que oferece mercadorias das mais diversas procedências (industrializadas ou não, contrabandeadas, nacionais ou importadas), realizando geralmente estas atividades em barracas instaladas em locais públicos nas áreas centrais das cidades.
O que podemos perceber é que o acirramento das atuais condições sociais e econômicas no Brasil, que exercem um efeito negativo no mercado de trabalho e conseqüentemente nas condições de vida da classe trabalhadora, deixa como única saída para parte crescente dos trabalhadores a busca de uma atividade por conta própria. Ao ingressarem na informalidade os trabalhadores ficam excluídos da possibilidade de usufruírem direitos trabalhistas como aposentadoria, seguro-desemprego, etc., reservados aos trabalhadores legalizados e que contribuem com o pagamento de impostos e tributos.
Para alguns grupos de trabalhadores como os camelôs, por exemplo, que geralmente trabalham por conta própria, posto que há casos em que trabalham como empregados de terceiros, a informalidade não se restringe muitas vezes à condição de trabalho, ela é também um fator importante no movimento de compra e venda das mercadorias oferecidas, sendo este o fato que permite na maioria das vezes, aos camelôs, estabelecerem os seus negócios. Pois, se tivessem que arcar com as despesas tributárias exigidas para a legalização do seu empreendimento, se fossem obrigados a pagar os impostos devidos pela compra e venda das mercadorias, ficariam impedidos de se estabelecerem.
No entanto, mesmo fugindo ao regramento tributário fica claro que estas atividades não se desvinculam do movimento geral de reprodução do capital. Ao contrário, colaboram de forma espantosa, pois fazem com que as mercadorias sejam comercializadas em grandes quantidades, não pela unidade, mas pelo conjunto dos camelôs, sem nenhum prejuízo ou custo adicional pelas empresas fabricantes, que não têm nenhuma obrigação ou gastos com a força de trabalho empregada na comercialização de seus produtos, pouco importando se as vendas estão sendo realizadas através da camelotagem em barracas por trabalhadores capacitados ou não. O importante é que as mercadorias sejam consumidas e que se remunere adequadamente os agentes.
Os trabalhadores camelôs têm sido aceitos e participam da economia urbana, informalmente, colaborando amplamente para o processo de reprodução do capital, arcando com os custos relativos a sua reprodução enquanto força de trabalho, realizando uma auto-exploração, entendida como um negócio próprio, e sem maiores dispêndios para o capital (Malagutti, 2000)
É a partir desse fenômeno, a territorialização dos camelôs nos espaços urbanos, que pretendemos focar a precarização das relações de trabalho, considerando suas especificidades, dentro do amplo leque de atividades informais, não somente no que se refere às determinações do processo de que esta expressão fenomênica é resultado, mas também em sua própria constituição, ou seja, a forma de organização, estruturação e a expressão territorial assumidas, procurando observar ainda, a problemática do crescimento do comércio informal. Posto que, como afirma Villas Boas: "O comércio ambulante altera o espaço urbano ao oferecer seus produtos à venda nas vias públicas, determinando um novo uso do espaço, com características e regras próprias"(1995: 11).
Desta forma, precisamos entender as determinações no processo que gera este fenômeno, em suas diversas escalas, que vão desde a reestruturação produtiva capitalista em âmbito mundial, passando pela forma como o Brasil está inserido neste contexto, somando-se e mesclando-se as condições sociais, econômicas e territoriais nacionais e locais.
Desta maneira, considerando o número crescente de trabalhadores brasileiros vivendo o drama do desemprego no Brasil neste novo contexto de reestruturação do capital, sendo que a reestruturação produtiva afeta sobretudo as áreas em que a grande indústria, como a automobilística se faz presente, mas tem reflexos também noutras regiões do país devido a implantação de políticas econômicas que abrem o mercado brasileiro para produtos externos, diminuindo o consumo de produtos internos e desencadeando um processo que gera maior desemprego e conseqüentemente mais trabalhadores buscando na informalidade uma de ocupação. "A reestruturação produtiva afeta também o mercado de trabalho, agravando de certa forma as características de informalidade presentes em toda economia brasileira." (Ramalho, 1998: 90).
Ancorado no discurso de geração de postos de trabalho, as ações do governo procuram estimular o surgimento de relações de produção, que se contrapõem as Leis Trabalhistas atualmente em vigência, criando os contratos de trabalho, que deixam o trabalhador desprovido de qualquer direito, impedindo que este venha a ter qualquer benefício estipulado por Lei, de forma a baratear o custo do trabalho para o capital.
As bases destas políticas liberais se encontram no ajuste estrutural e na flexibilização do trabalho e superam a submissão da alocação dos recursos e dos resultados econômicos ao mercado e a eliminação de regulações governamentais protetoras que supostamente engessariam o mercado de trabalho, elevariam o custo da produção e minariam a competitividade.Segundo Pochmann:
Na realidade, a pressão pela redução do custo do trabalho, travestida por contratos de trabalho atípicos e pela flexibilização do direito social e trabalhista, tende a precarização das relações e das condições de trabalho. (...) e maior expansão dos seguimentos ocupacionais no setor não-organizado da economia. (1999: 154)
Todas estas intervenções institucionais diretas do governo brasileiro, combinadas a nova lógica de expansão capitalista, promovem transformações em todo mundo do trabalho, complexificando ainda mais as formas sobre as quais se apresentam a informalidade na economia e no trabalho.
As ações das instituições governamentais revelam a face intervencionista das instâncias burocráticas do Estado, que de acordo com os princípios liberais não deveria intervir no movimento do mercado, mas o faz, desde que seja para utilizar-se do poder político institucional para a otimização das condições de reprodução do capital.
Revelando com esta prática todo comprometimento ideológico pernicioso desta forma de organização política que é o Estado burguês, este "Estado que não é mais do que a forma de organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto no interior como no exterior, para a garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses" (Marx e Engels, 1996: 98).
Aparece aqui uma outra contradição na forma de atuação do Estado, que se expressa no trato das questões relativas ao trabalho e a economia informal, enquanto o discurso oficial prega a regularização e a regulamentação dos trabalhadores e das transações econômicas informais, o discurso ideológico que sustenta as ações governamentais estão fundados no liberalismo econômico, que colabora para a desregulamentação e o aumento das atividades informais. Assim, o trabalho sob o jugo do capital continua subordinado às diretrizes e comando do processo de produção de mercadorias.
(1) As idéias presentes deste texto fazem parte de um trabalho preliminar sobre a informalidade e a precarização do trabalho, que pretendemos discutir mais a fundo em nossa tese de doutoramento que está sendo desenvolvida junto ao Curso de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP/Presidente Prudente -SP- Brasil, sob orientação do Professor Antonio Thomaz Junior. A participação do autor neste evento contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
(2) As obras consultadas e que fizeram referência ao surgimento das pesquisas e dos termos que dizem respeito ao tema da informalidade, afirmam que o início destes estudos deu-se por volta da década de 1960 -1970 no continente africano, estimulados e financiados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). O primeiro a utilizar-se do termo Setor Informal foi Kenet Hart Forbes (1989), IBGE (1990). O Professor L. Machado da Silva em sua dissertação de Mestrado, defendida em 1971 e intitulada: Mercados Metropolitanos de Trabalho Manual e Marginalidade, já discutia a distinção entre mercado formal e não formalizado, o que deveria garantir-lhe a procedência destes estudos, o que segundo afirma o texto, não aconteceu pela circulação restrita do seu trabalho.
(3) Como afirma Oliveira (1988), o movimento de êxodo rural no Brasil resultou de uma transformação econômica, social e produtiva que marcou a passagem de uma economia estritamente agrária para um modelo econômico em que a indústria passa a ter papel de destaque, marcando a ascensão da burguesia industrial, e que mais de que uma derrota da aristocrática agrária, foi na verdade um pacto de classes que as mantiveram no poder.
(4) No livro O Discurso do Avesso, Ruy Moreira (1987), apresenta uma crítica bem fundamentada e elucidativa sobre a discussão crescimento demográfico e subdesenvolvimento, mostrando o nível de manipulação política e ideológica que está por detrás da lógica que fundamenta esse discurso.
(5) O neoliberalismo tem sido implantado como modelo político, econômico que fundamenta as práticas e as relações sociais de produção nos países capitalistas, independente do seu grau de desenvolvimento econômico, este modelo tem se tornado base dos discursos das elites capitalistas mundiais em todas as escalas, como modelo econômico capaz de regular as crises capitalistas. Sobre este assunto ver: Jinkings (1996); Antunes (1998); Braga (1996); Brunhoff (1991).
(6) Giovane Alves (1999) atenta para o fato de que esta superação do taylorismo/fordismo pelo toyotismo não pressupõe a eliminação total das primeiras formas de organização da produção aqui mencionadas, mas sim uma "superação dialética", superar/conservando, sendo que a repetitividade do trabalho presente no fordimo/taylorismo, ainda persiste por detrás da intensificação do ritmo de trabalho (p.99).
(7) Sob a Presidência de Fernando Collor de Mello, teve inicio no Brasil, em 1989, um processo abertura comercial que levou a várias empresas nacionais a falências e incentivou uma crescente monopolização do parque produtivo instalado no país. O processo de abertura da economia chega ao auge com Fernando Henrique, eleito em 1994, apoiado no Plano Real e em nome deste se reelege em 1998. (Malaguti, 2000)
(8) Como pudemos constatar em estudo anterior. (Gonçalves, 2000)
(9) Cf. Thomaz JR., 2000a.
(10) Para Antunes (1999), o alargamento das diversas formas de trabalho precarizado, permitem colocar em questão as teses que apontam para a supressão, ou mesmo eliminação da classe trabalhadora na era do capital mundializado e tecnicamente avançado, pois, concomitantemente a diminuição dos postos de trabalho gerada pelo emprego de novas tecnologias na produção, há um crescente aumento do trabalho precário.
(11) Segundo Matoso (1999), o Brasil tinha em abril de 1999 apenas 18,3 milhões de assalariados regidos pela CLT contribuindo para o INSS e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. De acordo com o autor este é um número muito baixo se considerarmos uma população de 170 milhões e uma população economicamente ativa (PEA) de 70 milhões de trabalhadores.
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Marcelino Andrade Gonçalves
Doutorando em Geografia junto ao Curso de Pós-Graduação em Geografia da FCT/ UNESP/Presidente Prudente - SP- Brasil. Membro do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) e Vice Diretor da Associação do Geógrafos Brasileiros – Seção Local PresidentePrudente.
mandradepte[arroba]hotmail.com
Antonio Thomaz Júnior
Professor dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP/Presidente Prudente; Professor do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá; Pesquisador 2C do CNPq; Professor do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá; Coordenador do Grupo de Pesquisa "Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) , < www.prudente.unesp.br/ceget >; Coordenador do Centro de Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical "Florestan Fernandes" (CEMOSI).
Professor de Pós-Graduação em Geografia
FCT/UNESP/Presidente Prudente - SP/Brasil
thomazjr[arroba]stetnet.com.br
thomazjrgeo[arroba]fct.unesp.br
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