Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
O diagnostico da existência ou não de projetos político pedagógicos nos cursos vinculados a este estudo iniciou através da aplicação do "INSTRUMENTO PARA LEVANTAMENTO PRELIMINAR DE DADOS". Como nesta ocasião ainda estávamos acertando quais os cursos que efetivamente participariam do projeto, confirmando ou não sua adesão, enviamos o instrumento aos nossos parceiros tradicionais, mas também a outros cursos mais jovens, que poderiam ter interesse em iniciar sua participação em projetos integrados e interinstitucionais. Assim, encaminhamos correspondência via e-mail e via correio para 5 (cinco) cursos em Santa Catarina (SC) e 12 (doze) no Rio Grande do Sul (RS). Obtivemos retorno de 4 (quatro) escolas catarinenses e 8 (oito) gaúchas, resultando daí que o conjunto final, por questões operacionais, ficou composto de 3 (três) cursos de SC e 6 (seis) do RS, ficando a UNB como participante simbólica, já que um de seus professores de enfermagem estava vinculado ao grupo como doutorando e realizando sua tese nesta área de conhecimento, trabalhando com os cursos da Região Centro Oeste (ALVES, 2000). O conjunto composto pelos 9 (nove) cursos participantes, que a partir de agora serão identificados, aleatoriamente, por números, delineou a caracterização apresentada no Quadro 1.
QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS CURSOS PARTICIPANTES |
||
No |
INFORMAÇÃO |
CARACTERIZAÇÃO |
01 |
Ano de Criação. |
Somente uma das nove escolas foi criada na década de sessenta; a maioria, composta por cinco cursos, iniciou seu funcionamento nos anos setenta; as três restantes são as mais novas e datam de 1994, 1996 e 1998. |
02 |
Número de semestres letivos. |
A maioria dos cursos (seis), desenvolve a graduação em 9 (nove) semestres letivos; os outros três em quatro anos (oito semestres). |
03 |
Número de alunos cursando. |
Os números informados foram: 262; 416; 148; 268; 172; 210; 177; 222; sendo que um curso não informou. |
04 |
Número de egressos. |
Dois cursos ainda não haviam graduado nenhuma turma por ocasião da coleta destes dados e um somente a primeira turma de 37 alunos. Os demais informaram: 1180; 362; 490; 1194; 405; 541. |
Os dados constantes no Quadro 1 possibilitaram uma apreciação geral dos cursos, mas na tentativa de relacionar alguns aspectos, como por exemplo, se os cursos mais antigos tinham maior número de alunos matriculados, percebemos que esta não é uma afirmação viável, em função de que alguns cursos que funcionam em universidades privadas, expandiram seu campus para outras cidades e com isto o número de vagas sofreu um acréscimo substancial. O mesmo está acontecendo com o número de formandos. A única tendência passível de afirmação diz respeito ao número de semestres letivos: todos os cursos privados ocupam 9 (nove) semestres para graduar enfermeiros, o que acontece em somente um daqueles vinculados à universidades públicas.
QUADRO 2 – DIAGNÓSTICO QUANTO AO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO (PPP). |
||||||
CURSO |
Existência de Filosofia escrita |
Interesse em construir Filosofia |
Existência de Marco Conceitual |
Interesse em construir Marco Conceitual |
Existência de Perfil escrito |
PPP necessita revitalização |
1 |
Não |
Sim |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
2 |
Não |
Sim |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
3 |
Não |
Sim |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
4 |
Não |
Sim |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
5 |
Não |
Sim |
Não |
Sim |
Não resp. |
Sim |
6 |
Sim |
Não se apl. |
Sim |
Sim |
Sim |
Sim |
7 |
Sim |
Não se apl. |
Sim |
Não se apl. |
Sim |
Sim |
8 |
Não resp. |
Não resp. |
Não resp. |
Não resp. |
Sim |
Sim |
9 |
Sim |
Não se apl. |
Não resp. |
Sim |
Sim |
Sim |
Já o Quadro 2 traz uma significativa contribuição para a temática deste estudo possibilitando várias constatações, entre as quais salientamos:
A partir deste diagnóstico inicial os cursos iniciaram seus processos particulares de trabalho, respeitando as características culturais de cada grupo. O acompanhamento destes variados e singulares processos resultou numa grande quantidade de informação, que após sofrer o processo de análise descrito no projeto, está apresentado em suas características mais interessantes e que podem contribuir não somente com os nove cursos envolvidos, mas com todos aqueles que queiram subsídios para sua caminhada. A exposição está organizada de modo a privilegiar os pontos mais significativos, conforme a ótica da coordenadora do projeto, exemplificando e discutindo situações e concepções relacionadas aos vários marcos propostos, bem como novas perspectivas originárias deste processo.
Lembramos que o Marco Referencial, conforme fundamentação teórica desta pesquisa, é entendido como a "descrição e a crítica da realidade, tal qual ela se apresenta, afim de que a formação do profissional não se distancie do comprometimento com a solução dos problemas da sociedade na qual atuará" (SAUPE e ALVES, 2000, p. 62). Nesta concepção os cursos deveriam revisitar a realidade de sua inserção, principal e minimamente quanto aos aspectos relacionados às políticas de saúde, de educação e da profissão, analisando dados e informações relativas aos indicadores sanitários e educacionais, implementação dos vários programas públicos nestas áreas, bem como o mercado de trabalho e suas novas configurações e exigências.
Todavia, foi bastante curioso o que percebemos em relação ao Marco Referencial: os cursos se posicionaram praticamente em pólos antagônicos. Alguns investindo muita energia, esforço e trabalho coletivo na busca, organização e análise destes dados, produzindo relatórios, artigos, trabalhos apresentados em eventos – ou seja, o conhecimento desta base de dados, atualizados e analisados, constituiu-se em parâmetro relevante para o Projeto Político Pedagógico do Curso. Outros, pelo contrário, consideraram que este re-conhecimento não era necessário, já era de domínio do grupo, as necessidades imediatas não eram estas... Mesmo respeitando este posicionamento esclarecemos que não compartilhamos deste modo de perceber o PPP. Mas, para que não fique como um posicionamento pessoal descontextualizado, ilustramos com fatos e a contribuição de outros autores consultados.
Iniciamos relatando uma experiência ocorrida no desenvolvimento do projeto. Um dos cursos, mesmo sem posicionar-se contrário ao trabalho de construção do Marco Referencial, estava com grande dificuldade para mobilizar-se, parecendo não saber por onde começar. Resolvemos insistir encaminhando sugestões de roteiro de trabalho e estratégias para envolvimento de professores e alunos. Passados alguns meses fomos convidadas para participar de um Seminário, quando apresentamos a proposta do projeto, o andamento de sua implementação em outras instituições e uma análise preliminar de dados que haviam sido coletados junto aos docentes do referido curso. Na seqüência da programação, os alunos apresentaram um detalhado estudo da cidade/município, do qual emergiram conhecimentos e informações que eram desconhecidas da maioria dos presentes, delineando-se possibilidades de aproveitamento de outras instituições, além das que já vinham sendo usadas, para desenvolvimento das aulas práticas e estágios do curso.
Recorrendo à literatura (GANDIN, 1998; MENEGOLLA e SANT’ANNA, 1998; VASCONCELLOS, 1999; UCS, 1999; SILVA, 2000; UPF, s/d) para verificar se esta posição, de sabermos onde estamos para decidirmos para onde e como vamos, era somente nossa ou compartilhada com outros estudiosos e interessados no assunto, encontramos uma total ressonância, o que fortaleceu nossa insistência em recomendar que os estudos para construção ou revitalização de Projetos Político Pedagógicos iniciem pelo processo de diagnóstico da realidade significativa para o curso, justificando sua criação, manutenção ou expansão.
Assim, para GANDIN (1998, p. 101), um autor muito respeitado e consultado, o projeto político pedagógico deve partir do Marco Situacional, que responde à questões como: onde estamos? como vemos a realidade? A UCS (1999) denomina este marco de Contexto de Inserção e propõe que inclua informações: do ponto de vista geográfico, histórico, político, sócio–cultural, científico e educacional; do ponto de vista da missão e dos princípios institucionais; e do ponto de vista da legislação pertinente.
Corroborada pela literatura, nossa crença na importância de fundamentar o Projeto Político Pedagógico foi renovada. Em conseqüência estamos contribuindo para o refinamento deste marco nos cursos que já o elaboraram, bem como incentivando e instrumentalizando aqueles que ainda não atingiram a compreensão do valor e significado do domínio da realidade como suporte para o preparo do enfermeiro, visando o desenvolvimento da competência profissional e exercício da cidadania.
Entre os múltiplos componentes que podem ser incluídos no Marco Referencial, como características geopolíticas, econômicas, sociais, etc...as condições de saúde se colocam como fundamentais para a definição dos objetivos e do perfil do profissional que se pretende e necessita formar. O conhecimento e atualização de dados epidemiológicos e de nível de vida da população possibilitam aproximar a idealidade da academia à realidade das comunidades. O processo de elaboração pode partir do levantamento de informações disponíveis, divulgadas pelas instituições governamentais, como Ministério e Secretaria da Saúde, Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), Fundação Nacional de Saúde (FNS), Sistema Único de Saúde (SUS), coletados diretamente junto a seus representantes, a documentos ou Internet.
Os dados, organizados em tabelas e gráficos, ao serem analisados mostram imediatamente a contradição de se medir a saúde através de indicadores negativos, como doença e morte. Recomendamos incluir dados que procuram dar conta de caracterizar o país, seguido pela região, detendo-se no estado e na cidade onde está localizado o curso. Os resultados devem procurar abordar, inicialmente, aspectos positivos como a qualidade de vida, a composição populacional, a taxa de natalidade, a esperança de vida e a população idosa. A contextualização pode ser aproximada com dados sobre as condições de saneamento, índice de desenvolvimento humano, requisitos de cidade saudável, já que apresentam relações diretas com a saúde. Estes resultados, discutidos à luz de conceitos de saúde propostos por pensadores da área, contribuem para a elaboração ou revitalização de propostas curriculares, em termos de aderência a este objeto de estudo da profissão. Estes aspectos foram bastante aprofundados por alguns cursos.
Para Santa Catarina, especificamente, procedemos um estudo bastante completo, disponibilizado aos cursos, apresentado em evento e publicado como resumo (TAMANINI; ALCÂNTARA e SAUPE, 1999).
Outro aspecto importante do Marco Referencial parte do pressuposto de que a formação da enfermeira deve estar aderida às referências educacionais básicas que sustentam a profissão. Numa primeira etapa entendemos que devam ser focalizados, prioritariamente, alfabetização e analfabetismo; ensino especial, básico, médio e superior. Conhecer e considerar a realidade educacional da população brasileira coloca-se como importante informação para o planejamento dos cursos de enfermagem e dos serviços de saúde, pois é esta mesma população que assistimos e cuidamos, seja como acadêmicos em treinamento, ou profissionais trabalhando no exercício da profissão.
A segunda etapa está relacionada especificamente à enfermagem e evidencia o trabalho do enfermeiro e as possibilidades e requerimentos do mercado empregador. Os estudos desenvolvidos diagnosticaram um mercado em expansão em termos de número de postos oferecidos, comandados principalmente pelos programas oficiais em saúde. Mas, caracterizado por todos os adjetivos presentes no modelo atual, principalmente: instabilidade, precariedade, competição.
O marco referencial recupera também a história do curso, seus avanços e percalços, apresentando dados e informações que marcaram suas pegadas ao longo da jornada e que projetam novas e sempre desafiantes conquistas.
Nossas conclusões quanto a este marco sinalizam a necessidade de maior investimento em estudos quanto ao mercado de trabalho, programas de acompanhamento dos egressos e criatividade para autonomia financeira do curso, aspecto que se coloca atualmente como da maior relevância, não somente para os cursos vinculados à instituições privadas, pois necessitamos de recursos para desenvolver os vários sub projetos que vão se agregando ao PPP, como pesquisa, extensão, programas tutoriais.
No desenvolvimento do projeto detectamos um obstáculo que não era novo, mas sobre a qual tivemos de nos debruçar com maior ênfase, qual seja, as dificuldades dos grupos que estão trabalhando em revisão ou revitalização curricular, em compreender a diferença entre "filosofia ou marco filosófico" e "marco conceitual". Vale aqui a contribuição de Peterson (1978, apud SOUZA, 1996, p.38) que esclarece sobre a tênue diferença entre os mesmos. Para este autor "a filosofia é composta por declarações gerais de crenças e valores sobre os conceitos e o marco conceitual provê definições mais explícitas destes". Exemplificando: "... na filosofia o corpo docente pode descrever a pessoa como indivíduo único que se comporta como um todo unificado e que tem uma natural tendência para a auto - realização. Esta é a crença sobre ser humano. No marco conceitual, este ser humano é descrito como cliente, paciente, ou consumidor a quem a enfermagem presta serviço". Assim, podemos entender que enquanto o Marco Filosófico, apoiado na contextualização do Marco Referencial, trata do genérico, do universal, como conjunto de concepções sobre crenças e valores, o Marco Conceitual é mais diretivo, contextualizado e específico.
Para GANDIN (1998) o Marco Filosófico é designado também como Marco Doutrinal e inclui a concepção de sociedade, pessoa, educação. Em nosso entendimento, para este autor, o Marco Doutrinal tem uma configuração que integra os aspectos filosóficos e conceituais do PPP, diferentemente de nossa proposta e das indicações de Peterson (1978, apud SOUZA, 1996), conforme apresentado. Para ilustrar apresentamos no QUADRO 3, fragmentos da FILOSOFIA e na seqüência do MARCO CONCEITUAL do Curso de Enfermagem da UFSC, que possibilita captar estas diferenças e aproximações.
QUADRO 3 – MODELO PARA DEFINIÇÃO DO MARCO FILOSÓFICO |
|
Enunciado introdutório (exemplo) |
Após discussão conjunta entre docentes, enfermeiros das instituições de saúde e estudantes, o Curso adota a seguinte filosofia: |
Enunciados que afirmam crenças e valores do grupo (exemplos) |
1. A sociedade atual necessita de uma transformação que resulte no alcance de condições existenciais dignas, justas e democráticas para o conjunto da população brasileira. 2. A saúde é uma condição de bem estar do Ser Humano, em que ele está em equilíbrio consigo mesmo e com o meio ambiente, tendo como determinantes prioritários as condições de vida e qualidade da assistência recebida. Entendemos que este direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a toda a população. Deve levar, portanto, ao desenvolvimento pleno do Ser Humano em sua individualidade. |
FONTE: Filosofia do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina
Este exemplo pode ser considerado um modelo construído de forma bastante participativa e representativa e que constitui um conjunto de crenças e valores amplos, que vão subsidiar a definição dos conceitos que compõem o Marco Conceitual, estabelecendo uma hierarquização e interdependência entre ambos os marcos.
A maioria dos cursos ainda está discutindo seus conceitos, tentando chegar ao "consenso possível", mostrando como o tema pode ser polêmico e gerar diferentes interpretações. Reputamos da maior importância este processo, que mostra a relevância atribuída pelo corpo docente dos cursos, aos conceitos que vão orientar as transformações requeridas pelo novo tempo inaugurado pela construção participativa de Projetos Políticos Pedagógicos. Esta importância recebe maior valoração na medida em que, assim como os cursos de graduação de outras profissões, não temos tradição de trabalhar com PPP. Na enfermagem, os conceitos mais freqüentemente trabalhados são: ser humano: cliente/paciente, enfermeira, professora, aluno; saúde; enfermagem; educação.
Nossa análise dos conceitos produzidos indica uma dificuldade geral de compatibilização dos mesmos entre si. Por exemplo, freqüentemente o conceito de professora de enfermagem não apresenta uma articulação direta com o da aluna de enfermagem que esta professora está formando, bem como da enfermeira na qual pretende que esta aluna se transforme. Exercícios de análise da consistência interna dos conceitos têm auxiliado seu aprimoramento, evitando que expressem incongruências ou antagonismos entre si. No QUADRO 4 apresentamos dois conceitos do Marco Conceitual do Curso de Enfermagem da UFSC, relacionados às crenças e valores apresentados no QUADRO 3, para que se possa perceber suas relações em nível crescente de complexidade e detalhamento.
QUADRO 4 – MODELO PARA DEFINIÇÃO DO MARCO CONCEITUAL |
|
Enunciado introdutório (exemplo) |
O conjunto de professores do Curso de Graduado em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, entende que a sustentação do currículo é um marco conceitual, compreendendo-se que este é constituído pelos conceitos de sociedade, saúde, assistência, determinação social da doença, enfermeiro, enfermagem e prática educativa. |
Enunciado dos conceitos (exemplo) |
SOCIEDADE: é uma totalidade que envolve Seres Humanos numa relação dinâmica consigo mesmos, com o ambiente e com o seu modo de vida (cultura, incluindo princípios éticos, morais e religiosos, processo de produção e relações grupais, regras sociais, idéias e conceitos resultantes das relações dos homens com os homens num processo histórico. SAÚDE: é uma condição de bem estar do Ser Humano, em que ele este em equilíbrio consigo mesmo e com o meio ambiente, tendo como determinantes prioritárias, as condições de vida e qualidade da assistência recebida. Entendemos que este direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a toda população. Deve levar, portanto, ao desenvolvimento pleno do Ser Humano em sua individualidade. |
FONTE: Marco Conceitual do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina.
Mais difícil do que construir de forma participativa um elenco de pressupostos que representem as crenças e valores do curso (Marco Filosófico) e um conjunto de conceitos inter-relacionados entre si (Marco Conceitual) é a tarefa de operacionalizá-los no Marco Estrutural. A tendência a perder o contato com a conceptualização, que passa a representar uma idealização impossível de ser concretizada e trabalhar a matriz curricular como a realidade do cotidiano, aparece com muito mais freqüência do que seria imaginado após todo o processo vivido, no qual é enfatizada a necessária sobreposição.
Este marco, chamado de Operativo por GANDIN (1998), representa a operacionalização do PPP, ou seja, o conjunto de ações concretas a serem realizadas. Neste momento é preciso atenção e cuidado especial para compatibilizar toda a proposta teórico filosófica, que representa os anseios do grupo e as necessidades detectadas, com as regulamentações e legislação que necessariamente é preciso atender. No caso da profissão Enfermagem teremos de considerar especialmente as Diretrizes Curriculares, a Lei do Exercício Profissional e o Código de Ética.
Reportando-nos aos cursos envolvidos neste projeto, não diferentemente dos demais, enfrentamos um momento de muitas dúvidas e contradições, originadas pela falta de um documento legal aprovado e em consonância com o momento histórico da educação brasileira. Explicando melhor, após 22 (vinte e dois) anos de vigência do Parecer 163/72 e da Resolução 4/72, que estabeleciam o Currículo Mínimo para a formação de enfermeiros no Brasil, e após um longo trabalho de construção e desconstrução, idas e vindas, avanços e retrocessos, conseguimos, como categoria profissional, a mudança desta legislação, acreditando que, mesmo que o novo documento legal não contemplasse todas as nossas expectativas, representava um significativo avanço. Esta nova legislação, a Portaria 1721, foi aprovada em 1994, devendo ser implantada em 1995. Ocorre que quando estávamos no processo de sua implementação, fomos atropelados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei 9394/96), que passa a estabelecer a necessidade do Projeto Pedagógico do cursos, não mais atrelado a currículos mínimos obrigatórios, mas a diretrizes a serem propostas por Comissões de Especialistas, vinculadas ao Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Esta nova realidade desarticulou o movimento de transformação que vinha sendo implementado e gerou dúvidas e confusões, na medida em que começaram a ser divulgadas propostas de diretrizes que se chocavam com as perspectivas que estavam sendo perseguidas. Os cursos passaram a ter entendimentos particulares deste processo: alguns mantiveram as orientações da Portaria 1721/94; outros fizeram ajustes conforme cada nova orientação que recebiam; outros se imobilizaram.
Agora (setembro de 2001), com as novas "Diretrizes Curriculares" aprovadas, um novo tempo deve ser inaugurado. Pretendemos acompanhá-lo.
Todavia, o trabalho desenvolvido até aqui antecipa uma importante tendência da enfermagem brasileira, qual seja, de centrar o currículo no conceito de cuidado. A utilização de teorias ou seus fragmentos parece ser também uma perspectiva.
Acreditamos que a "fundamentação teórica" proposta para a construção de PPP para os cursos de enfermagem foi positivamente validada, mostrando-se adequada, procedente e em consonância com outros modelos, que foram estudados durante o processo de desenvolvimento desta pesquisa. E mais, apesar de ter sido originalmente proposto para cursos de graduação em enfermagem, acreditamos, após as experiências desenvolvidas, que o mesmo, "puro" ou integrado a outros modelos, pode ser um guia objetivo, não só para outros cursos de graduação, mas também para programas de educação continuada e educação em saúde. Mais recentemente esta afirmação foi comprovada quando um exercício acadêmico com as mestrandas do Projeto Interinstitucional junto à UFSM, gerou quatro importantes propostas de PPP: um voltado ao Curso de Enfermagem da UNIFRA (PEREIRA et al., 2000); outro visando efetivar a criação dos Conselhos Locais de Saúde (MOREIRA et al., 2000); um terceiro orientado para o trabalho coletivo e socializador da enfermagem do Hospital Universitário da UFSM (CERVO et al., 2000); e outro, ainda, como Proposta Pedagógica do Curso de Enfermagem da UNICRUZ (TATSCH et al., 2000).
A preocupação com o "Perfil Profissiográfico" do enfermeiro que queremos formar está fundamentada nas concepções que vem sendo objeto de reflexões na profissão e que aportam na necessidade de humanização do curso, do processo formativo e do profissional graduado. A formação deste enfermeiro idealizado, que representa aquele que desejamos formar, com o qual nos identificamos e queremos encontrar nas instituições de saúde nas quais atuamos, tem sua base de sustentação apoiada na realidade das políticas sociais, no código de ética da enfermagem, na lei do exercício profissional, nas diretrizes curriculares e nos marcos que compõem o PPP do curso e propõe dimensões que se complementam em sua diversidade.
Alocadas ao perfil do enfermeiro que estamos descrevendo, o processo de sua formação será orientado para o desenvolvimento progressivo das seguintes dimensões (SAUPE, TAGLIARI, MADALOSSO et al., 1999):
Para preparar o enfermeiro apto a assumir este perfil os cursos têm delineado suas propostas alicerçadas em conceitos predominantemente vinculados ao cuidado. Cuidado que recebe diversificadas adjetivações como: cultural, humanístico, holístico. Esta concentração na busca ou retorno ao cuidado como fio condutor do processo formativo e conseqüentemente do processo de trabalho, parece sinalizar um esforço de ruptura com os postulados da modernidade, fundamentados nas idéias iluministas, que impregnaram o ensino da enfermagem, bem como da maioria, senão de todas as profissões, na crença no cientificismo (a ciência funciona como fonte revelatória onisciente); no tecnologismo (o controle sobre as técnicas e o poder sobre a criação permitem ao homem atingir qualquer fim almejado); no economismo (o constante elevar dos padrões de vida em termos materiais é o principal objetivo da vida humana e o único caminho real para a felicidade pessoal e harmonia social) (SIQUEIRA, 2001).
Mas, as exigências do mercado de trabalho não podem ser desconsideradas. Da mesma forma o desafio do Provão. As empresas privadas, notadamente, colocam de forma altamente competitiva, exigências quanto a especialização, a valorização da complexidade, o desempenho gerencial. As políticas publicas implementadas abrem espaços significativos para o trabalho do enfermeiro, mas o preparo nos cursos parece distanciado destas propostas. O período em que somente o diploma de graduação garantia um lugar permanente no mercado de trabalho ACABOU! "Hoje esta é apenas mais uma das necessidades, de uma enorme lista de novas competências cognitivas e atitudinais consideradas indispensáveis para ingressar ou pretender manter-se em postos de trabalho previamente existentes" (BIANCHETTI, 2000, p.11). A somatória do diploma de graduação, consolidado por um histórico escolar competente, que ultrapasse o curricular e mostre significativa diversificação em iniciativas extra classe; o resultado da avaliação nacional do curso e do candidato; conhecimento de informática; domínio da palavra oral ou escrita; de outros idiomas; capacidade de relacionamentos flexíveis e disponibilidade para mobilização é que darão condição de competitividade aos nossos alunos.
Como resultado destes movimentos contraditórios, um interno à profissão, que segue a rota da HUMANIZAÇÃO. Outro por conta das inúmeras exigências externas originárias do modelo sócio econômico, estamos acompanhando o emergir de propostas que pretendem trabalhar a partir de princípios pedagógicos. A produção de CONHECIMENTO, o TRABALHO em saúde, a PESQUISA, o SUS, a INTER ou TRANSDISCIPLINARIDADE, são alguns conceitos que começam a ser esboçados com possibilidades de se delinearem como condutores privilegiadas do processo educativo. Mas o predomínio ainda é a necessidade da normalização, da diretriz, da lei...ou seja, o medo de ousar!
ALVES, E. D. O agir comunicativo e as propostas curriculares da enfermagem brasileira. Florianópolis, 2000. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Programa de Pós Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina.
BIANCHETTI, L. A qualificação profissional necessária no contexto da globalização. Plural. Florianópolis, APUFSC, v.8, n.12, p.6-11, setembro, 2000.
BRASIL, Lei da Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No 9394, de 20 de Dezembro, 1996.
CERVO, A.S. e outras. Compartilhando experiências com os enfermeiros do HUSM: construindo um trabalho coletivo e socializador. Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos Teóricos da Educação e Planejamento e Avaliação Curricular – Pós graduação em Enfermagem, Mestrado Interinstitucional CAPES/ FAPERGS – UFSC/UFSM/UNIFRA. Santa Maria: 2000. (mimeo).
GANDIN, D. A prática do planejamento participativo. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
MENEGOLLA, M. e SANT’ANNA, I.M. Por que planejar? Como planejar? Currículo – Área – Aula. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
MOREIRA, A.R. e outras. Efetivando o controle social através dos Conselhos Locais de Saúde. Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos Teóricos da Educação e Planejamento e Avaliação Curricular – Pós graduação em Enfermagem, Mestrado Interinstitucional CAPES/ FAPERGS – UFSC/UFSM/UNIFRA. Santa Maria: 2000. (mimeo).
PEREIRA, A.D. e outras. Projeto Político Pedagógico – Curso de Enfermagem da UNIFRA. Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos Teóricos da Educação e Planejamento e Avaliação Curricular – Pós graduação em Enfermagem, Mestrado Interinstitucional CAPES/ FAPERGS – UFSC/UFSM/UNIFRA. Santa Maria: 2000. (mimeo).
SAUPE, R. Projeto Político Pedagógico dos Cursos de Enfermagem. (Projeto de Pesquisa aprovado pelo CNPq para o período 1999/2001 – Aprovado pelo Plano Sul de Pesquisa e Pós Graduação, com financiamento da FUNCITEC). Florianópolis: UFSC, 1999.
SAUPE, R.; ALVES, E. D. Contribuição à construção de projetos político – pedagógicos na enfermagem. Rev.latino-am.enfermagem, Ribeirão Preto, v.8, n.2, p. 60-67, abril, 2000.
SAUPE et al. Projeto Político Pedagógico dos Cursos de Enfermagem (RELATÓRIO DE PESQUISA). Florianópolis, UFSC/CNPQ, 2001. (mimeo).
SAUPE, R.; TAGLIARI, M.H.; MADALOSSO, A; MIGOTT, A.; ORTEGAGNA, H.M.; BARUFFI, L.; GEIB, L.; SILVA, L.A.; KRAHL, M.; CARVALHO, R.; MOCINHO, R.; HAAS, R.E.; DONADUSSI, T. Educadores-Educandos construindo o Projeto Político Pedagógico de um Curso centrado no cuidado cultural. Texto & Contexto - Enfermagem, Florianópolis, v.8 , n.1, p. 441-451, 1999.
SILVA, A.C.B. Projeto Pedagógico: instrumento de gestão e mudança. Belém: UNAMA, 2000.
SIQUEIRA, H.S.G. Cidades pós modernas. Jornal "A Razão", 29.03.2001. Disponível em http://www.angelfire.com/sk/holgonse/index.html
SOUZA, M.F. Construção do marco conceitual: significado para o ensino de enfermagem. Encontro Nacional de Escolas de Enfermagem. ANAIS. São Paulo, ABEn/ UNIFESP, 24 a 26 de julho de 1996.
TAMANINI, W.C.; ALCÂNTARA, M.G.; SAUPE, R. (orientadora). Contribuição à revitalização dos cursos de enfermagem. Seminário de Iniciação Científica, RESUMOS. Florianópolis, UFSC, 1999. p. 139.
TATSCH, C.A. e outros. Proposta Pedagógica do Curso de Enfermagem da UNICRUZ. Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos Teóricos da Educação e Planejamento e Avaliação Curricular – Pós graduação em Enfermagem, Mestrado Interinstitucional CAPES/ FAPERGS – UFSC/UFSM/UNIFRA. Santa Maria: 2000. (mimeo).
UCS – Universidade de Caxias do Sul. Projeto Pedagógico. Subsídios para elaboração e avaliação. Caxias do Sul: EDUCS, 1999.
UPF – Universidade de Passo Fundo. Roteiro Básico para a Elaboração do Projeto Político Pedagógico. Passo Fundo: UPF, s/d. (mimeo).
VASCONCELLOS, C.S. Planejamento. Projeto de ensino – aprendizagem. Projeto Político Pedagógico. São Paulo: Libertad, 1999.
NOTA: Projeto de Pesquisa aprovado pelo CNPq– Plano Sul de Pesquisa e Pós Graduação, modalidade Interinstitucional, coordenado pelo Grupo de Pesquisa em Educação em Enfermagem e Saúde, envolvendo as instituições e pesquisadores arrolados no ANEXO 1.
Artigo original: Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.3, n.2, jul-dez. 2001.
Rosita Saupe, Lorena Teresinha Consalter Geib
lorena[arroba]upf.br
AUTORAS
Rosita Saupe - Enfermeira; Dra em Enfermagem - USP; Pesquisador CNPq; Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Educação em Enfermagem e Saúde – UFSC –
Lorena Teresinha Consalter Geib - Enfermeira. Professora Titular do Curso de Enfermagem da Universidade de Passo Fundo/RS. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Enfermagem, Educação e Cuidado –EDUCARE. Mestre em Assistência de Enfermagem –UFSC –
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|