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Foram utilizados, no primeiro experimento, oito garrotes, quatro da raça Jersey e quatro Gir, com um ano de idade e pesando entre 140 e 170kg. No segundo experimento, foram utilizados apenas os quatro garrotes da raça Jersey. Os animais foram criados extensivamente até os seis meses de idade e, em seguida, foram desmamados e mantidos estabulados, em baias individuais, num sistema de "tie-stall" (presos em correntes), sobre um piso de cimento, recoberto por cama de maravalha, com 15cm de altura, trocada a cada três dias. Diariamente, era retirada, de forma seletiva, o excesso de fezes da região posterior da baia e, dependendo do caso, pequenas porções de maravalha colocadas sobre a cama existente. Os bebedouros tinham controle central e não apresentaram vazamento durante o experimento. Uma vez por semana, os garrotes eram soltos num solário, com piso de cimento, por um período de quatro horas. A alimentação consistia de 70% da matéria seca (MS) de feno de capim coast-cross (Cynodon dactylum (L) Pers) e 30% da MS de ração concentrada (75% farelinho de trigo e 25% de farelo de soja). Os animais recebiam diariamente, por cabeça, 40 g de um suplemento mineral comercial, contendo sal comum e os macro- e microelemenotos essenciais. A ingestão de matéria seca diária correspondia a 2,7% do peso vivo dos garrotes.
1º Experimento - Foram avaliados o crescimento e o desgaste normais do casco de garrotes das duas supracitadas raças. A primeira medida foi tomada no dia 14 de novembro de 1997 e, 60 dias após, foi determinada a segunda mensuração. Mediram-se todas as unhas laterais dos quatro membros de cada animal. Para a mensuração e o cálculo do crescimento e do desgaste dos cascos foi empregada a técnica descrita por HAHN et al. (1986), a qual recomenda a marcação da muralha do casco em dois pontos específicos (dorsal e lateral) em duas ocasiões diferentes (Figura 1 e 2). Ao invés do ferro de solda, preconizada pela técnica original, a marcação foi realizada com o emprego de uma broca de aço com 1,9mm de diâmetro a qual era acoplada a uma furadeira Minimot 40/E de alta rotação (20.000rpm). A primeira marca foi fresada no estojo córneo a um centímetro da linha do perióplio, aprofundando-se a broca o suficiente para permitir uma boa identificação, sem, no entanto, atingir o tecido vivo (Figura 1).
2º Experimento - Foi verificada a influência de apara corretiva do estojo córneo sobre o crescimento e desgaste dos cascos de garrotes da raça Jersey. Logo após o término do primeiro experimento, foi realizada uma apara corretiva do estojo córneo, segundo os conceitos de KASARI (1991) e TOUSSAINT & RAVEN (1973), onde foi retirada cerca de 0,5-1,0cm da muralha axial e abaxial assim como quantidade suficiente de material da sola, a fim de manter a concavidade desta, não procedendo quaisquer correções na região do talão. Essas aparas foram realizadas tanto na unha lateral como na unha medial. A técnica, os procedimentos utilizados e os cálculos efetuados foram os mesmos empregados no primeiro experimento. Houve a necessidade de marcar-se o casco mais uma vez (em abril), pois a marcação realizada em novembro foi gradualmente desaparecendo.
As médias gerais, dentro e entre os tratamentos, foram avaliadas inicialmente por análise de variância (teste F). No caso de significância, as médias foram comparadas, entre si, pelo teste de Duncan. Os dados foram analisados com auxílio de um programa estatístico computadorizado MINITAB (1992).
Os resultados pertinentes à comparação das médias de crescimento e de desgaste obtidos no 1º experimento estão apresentados na tabela 1. Não existiram diferenças significativas tanto no crescimento como no desgaste, quando comparadas as raças Jersey e Gir (p>0,72) e os membros anteriores e posteriores (p>0,32) (Tabela 1). Contudo, maiores crescimento (p<0,001) e desgaste (p<0,004) foram detectados na região lateral que na dorsal da mesma unha, em ambas as raças (Tabela 1).
Os resultados obtidos no 2º experimento demonstram que a apara não interferiu no desgaste dos cascos, que se manteve inalterado. O crescimento, no entanto, foi bastante estimulado com o emprego da apara, em ambas as regiões dos cascos laterais (p<0,004) como nos cascos dos membros anteriores e posteriores (p<0,006) (Tabela 2).
O crescimento mensal médio dos cascos (0,41-0,42cm/mês), constatado neste trabalho (Tabela 1), independeu da raça e dos membros considerados e encontrou-se dentro dos valores padrões de bovinos hígidos, ou seja de 0,4 a 0,5cm/mês (VERMUNT & GREENOUGH, 1995).
Os presentes resultados atestaram que não existiu influência racial (p > 0,72) sobre o crescimento e o desgaste dos cascos (Tabela 1). Como o peso e a idade dos animais empregados eram semelhantes, assim como o manejo ambiental e dietético idêntico pode-se afirmar que nestas condições a taxa de reposição do tecido córneo foi idêntico entre os dois grupamentos raciais. Estes resultados confirmam a ausência de influência racial citada por VERMUNT & GREENOUGH (1995) em revisão sobre o assunto.
Existiu uma pequena tendência numérica do crescimento médio dos cascos (0,41cm/mês) ser superior ao desgaste dos mesmos (0,38cm/mês) (Tabela 1). Isto também foi detectado por HAHN et al. (1986), que constataram que essa diferença acentua-se quanto menor for a abrasividade do piso, e, por conseqüência, menor o desgaste dos cascos. As médias de crescimento e desgaste dos cascos, detectadas neste experimento e supracitadas neste texto, foram semelhantes às descritas por MANSON & LEAVER (1988,1989) e Tranter & Morris (1992), porém ligeiramente inferiores às verificadas por CLARK & RAKES (1982) e HAHN et al. (1986). Deve-se ressaltar que os autores destes dois últimos trabalhos citados utilizaram, na sua maioria, vacas holandesas mantidas em "free-stall" com piso abrasivo de concreto, que facilitava o desgaste dos cascos. Segundo HAHN et al. (1986), quanto maior for o desgaste dos cascos maior será o estímulo para o crescimento dos mesmos. No presente experimento, o desgaste dos cascos foi pequeno, já que os garrotes foram mantidos sobre espessa camada de maravalha, o que não proporcionava um atrito marcante.
Os presentes resultados confirmaram as conclusões de CLARK & RAKES (1982), HAHN et al. (1986) e DISTL et al. (1990) que ocorrem crescimento e desgaste maiores na região lateral do casco (lado abaxial), que na região dorsal (Tabela 1). Segundo DISTL et al. (1990), o maior contato do solo com a região lateral do estojo córneo facilita um maior desgaste do casco nesta área, o que estimula a ocorrência de um notório crescimento concomitante.
Não ocorreram diferenças no crescimento e desgaste dos cascos dos membros anteriores e posteriores (p > 0,32) (Tabela 1), semelhante aos resultados descritos por CLARK & RAKES (1982) e TRANTER & MORRIS (1992) e diferentes dos observados por HAHN et al. (1986), que constataram maiores crescimento e desgaste nos membros posteriores que anteriores. Deve-se ressaltar que tais resultados foram obtidos em condições experimentais diferentes, ou seja, enquanto que no presente trabalho os animais foram mantidos em sistema de "tie-stall", os animais dos trabalhos citados anteriormente encontravam-se sob condições de pastejo, CLARK & RAKES (1982) e TRANTER & MORRIS (1992), ou em "free-stall", HAHN et al. (1986). Animais em estação distribuem o seu peso corporal de tal forma que os membros anteriores carregam, aproximadamente, 60% do peso e os membros posteriores o restante (FESSL 1968). Os membros posteriores têm como principal papel impulsionar o animal para frente (GREENOUGH & WEAVER, 1997). Esse fato contribui para que cascos dos membros posteriores de animais em locomoção suportem maior peso, contribuindo para um maior desgaste do tecido córneo naquela região. O pasto é um terreno considerado mais próximo ao ambiente natural de um ruminante, portanto é de esperar que ocorram desgaste e crescimento uniformes dos cascos sob essas condições, como foi verificado por TRANTER & MORRIS (1992).
Este estudo confirmou o efeito estimulante do crescimento dos cascos após suas aparas (Tabela 2), o que já havia sido descrito por MANSON & LEAVER (1988, 1989). Esse resultado tem significado prático, pois é comum o tratamento dos cascos com a retirada dos tecidos córneos danificados. Tal manobra cirúrgica é adequada, pois além de extirpar áreas afetadas e em necrose, também estimula a regeneração e crescimento do casco hígido.
Novos trabalhos devem ser realizados para comparar o crescimento e o desgaste de cascos de bovinos de outras raças zebuínas e taurinas, usualmente criadas no Brasil, e submetidas a diferentes tipos de manejo zootécnico do aqui utilizado.
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Artigo original: Cienc. Rural, Fev 2001, vol.31, no.1, p.67-71. ISSN 0103-8478
Rüdiger Daniel Ollhoff (1) Enrico Lippi Ortolani (2) -
ortolani[arroba]usp.br
1. Médico veterinário, PhD., bolsista CNPq, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade São Paulo (USP). Rua José Francisco Dalledone 237, Sobrado 8, 82200-250, Curitiba, PR. Autor para correspondência.
2. Médico veterinário, PhD., Professor Associado, Departamento de Clínica Médica, FMVZ-USP.
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