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Susceptibilidade de bovinos das raças Jersey e Gir à acidose láctica ruminal (página 2)

Enrico Lippi Ortolani

Material e métodos

A descrição e o manejo dos animais, assim como o protocolo de indução, já foram anteriormente descritos por MARUTA & ORTOLANI (2002). Amostras de sangue foram colhidas da veia jugular previamente e nos seguintes momentos após o início da indução da ALR: 14, 16, 18, 20, 22 e 24 horas. Para a análise do ácido láctico e seus isômeros, o sangue foi colhido em tubos do tipo vacutainer contendo anticoagulante fluoreto/EDTA (ácido dietileno diamino tetracético); para as determinações de hemogasometria, o sangue foi colhido diretamente em seringa plástica contendo solução de heparina sódica, seguindo as precauções técnicas descritas por LISBÔA et al.. (2002). Para a determinação das concentrações de lactato total e de seu isômero L, foram utilizados a técnica colorimétrica de PRYCE (1969) e um kit diagnósticoa, respectivamente. Os teores de lactato-D foram estimados através da subtração da concentração do lactato-L do lactato total. As seguintes análises hemogasométricas foram realizadas: pH, concentração de bicarbonato e as pressões parciais de CO2 e O2. Estas análises foram realizadas no hemogasômetro modelo ABL-330b. Os métodos estatísticos empregados na avaliação dos dados deste trabalho já foram descritos anteriormente por MARUTA & ORTOLANI (2002).

Resultados

Quando comparado pontualmente, o pH sangüíneo dos garrotes J foi menor (p<0,05) que nos G, na 2ªh e 24ªh (Figura 1). A média geral do pH sangüíneo no decorrer do experimento foi menor (p<0,025) nos bovinos J que nos G (Tabela 1). Inversamente, o teor plasmático de lactato total foi maior (p < 0,005) nos bovinos J, a partir da 14ª h de indução, que nos G (Figura 1), sendo a média geral desta variável também superior (p<0,00001) na primeira raça (Tabela 1). 

Os teores de lactato-D plasmáticos apresentaram o mesmo perfil que o lactato total, descrito acima, ou seja, maiores (p<0,004) valores foram detectados nos animais J a partir da 14ª h (Figura 2), sendo também maior (p<0,00001) sua média geral (Tabela 1). Por outro lado, as concentrações plasmáticas de lactato-L, até a 20ªh, foram maiores (p<0,05) nos garrotes G que nos J (Figura 2), sendo também maior (p<0,00001) a média geral deste isômero nos bovinos G (Tabela 1). 

 Maiores teores de bicarbonato e de total de dióxido de carbono (TCO2) (p<0,034), foram verificados nos garrotes G a partir da 18ªh (Figura 3), com as respectivas médias gerais também superiores (p<0,00001) nestes animais (Tabela 1). Maior média geral (p<0,00001) de pCO2 e menor (p < 0,00001) de pO2 foram encontrados nos bovinos G (Tabela 1).

 Quanto maior o teor plasmático de lactato-D, menor foi o pH sangüíneo encontrado (p<0,0001; r = - 0,53). Embora esta relação tenha sido constatada nos bovinos J (p<0,0001; r = - 0,78) (Figura 4) a mesma não ocorreu nos garrotes G (p>0,75; r = - 0,06). A concentração sangüínea do lactato-L não influenciou significativamente o pH sangüíneo (p>0,119; r = - 0,21), em ambas as raças. 

 Apenas nos bovinos Gir, constatou-se que quanto menor a concentração plasmática de lactato-L maior (p<0,001; r = - 0,59) foi o teor de bicarbonato (Figura 5). Na raça Jersey, tal relação não foi significativa (p>0,54; r = - 0,12).

Discussão

Segundo RADOSTITS et al.. (1995), a acidose metabólica em bovinos pode ser classificada em moderada (pH sangüíneo entre 7,30 e 7,25); severa (pH 7,25 a 7,20); e grave (pH 7,10 a 7,0), comumente fatal. A acidose metabólica apresentada pelos animais de ambas as raças nos momentos mais críticos do processo (14ªh a 18ªh) foi severa, pois os valores do pH variaram entre 7,25 a 7,20 (Figura 1). Estes valores são compatíveis com os tradicionalmente descritos em bovinos com ALR (DUNLOP, 1972; RADOSTITS et al.,., 1995). Contudo, se a comparação for feita ao término do experimento (22ªh a 24ªh) a acidose metabólica passou a ser moderada nos garrotes Gir, mantendo-se severa nos Jersey (Figura 1).

Embora MARUTA & ORTOLANI (2002) tenham constatado que a produção de ácido láctico no rúmen foi semelhante (p>0,17) entre as raças estudadas, o presente experimento identificou nos bovinos da raça J, maior absorção deste ácido (Figura 1), em especial do isômero-D (Figura 2), comprovado pelas maiores (p<0,00001) concentrações plasmáticas médias de lactato total e de lactato-D nos garrotes J. Além disso, os mesmos apresentaram menores teores de bicarbonato e de TCO2 sangüíneos (p<0,034) (Tabela 1).

A constatação de que a absorção do lactato total foi maior nos taurinos contradiz os achados de BRAWNER et al.. (1969) e TAYLOR et al. (1969), que verificaram que os bovinos zebuínos da raça Brahman, submetidos a ALR, absorveram maiores quantidades de ácido láctico do rúmen, e os mesmos apresentaram maior acidose metabólica que os taurinos da raça Hereford.

A maior queda no pH e nos teores de bicarbonato sangüíneo, nos bovinos J, foi originada pela maior absorção do lactato-D, associado a uma menor absorção do lactato-L (Figura 2). Enquanto o primeiro isômero é minimamente metabolizado pelo organismo, o lactato-L é bastante oxidado ou convertido à glicose, consumindo nestes processos bioquímicos íons de hidrogênio (NAYLOR & FORSYTH, 1986). Segundo estes autores, o processo oxidativo ocorre de acordo com a seguinte reação química: 2 CH3CHOHCOO + 2 H+ + 6 O2 6CO2 + 6 H2O. Desta reação, ressalta-se a grande produção de CO2 e o igual dispêndio de O2. Nos bovinos G, as médias gerais de pCO2 e de pO2 foram, respectivamente, maior e menor (p < 0,00001) (Tabela 1) no decorrer da ALR, indicando a maior ocorrência desta reação bioquímica nos animais desta raça, quando comparados com os J.

O maior uso de íons H+ pelos bovinos G, no referido processo, além de diminuir a acidemia, constatada pela elevação do pH sangüíneo na 22ª e 24ªh da ALR (Figura 1), promoveu também uma elevação nos teores de bicarbonato a partir da 18ª h (Figura 3). Nos bovinos G, quanto menor foi a concentração de lactato-L, maior foi a de bicarbonato (Figura 5). Este resultado indica que quanto maior for a metabolização do referido isômero, maior será o consumo de íons H+, elevando o pH sangüíneo e economizando assim o uso de bicarbonato para a restauração parcial do equilíbrio ácido-básico. A constatação de que os zebuínos absorveram e utilizaram melhor o lactato-L e que a absorção do lactato-D foi menor que nos taurinos parece ser inédita e sem uma explicação inteiramente conhecida, indicando que novos estudos devem ser conduzidos para elucidar tais fatos. Em estudo realizado por MARUTA (2000), constatou-se que os bovinos Jersey exibiram maior movimentação ruminal (p<0,00001) que os Gir, durante a ALR. Segundo WILLIAMS & MACKENZIE (1965), quanto maior a movimentação do rúmen, maior a absorção do ácido láctico para o organismo.

Conclusões

A acidose metabólica foi semelhante e severa durante a 14ª e 20ª h de indução em ambas as raças, tornando-se de grau moderado apenas nos bovinos Gir a partir da 22ª h. Os bovinos Jersey absorveram maiores quantidades de lactato-D e menores de lactato-L, do rúmen, que os Gir. Estes últimos metabolizaram com maior intensidade o lactato-L, o que contribuiu para restauração parcial do equilíbrio ácido-básico. O presente resultado indica que zebuínos da raça Gir são menos susceptíveis que taurinos da raça Jersey à acidose metabólica, na ALR.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP, pela concessão da bolsa de Mestrado do primeiro autor; às técnicas Clara Satsuki Mori e Regina Mieko Sakata Mirandola, pela colaboração nas determinações laboratoriais.

Fontes de aquisição

a - Kit LACTATE (nº 735-10) da SIGMA DIAGNOSTICS 

b - Hemogasômetro "pH/Blood Gas Analyzer Radiometer ", modelo ABL330

Referências bibliográficas

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Artigo original: Cienc. Rural, Fev 2002, vol.32, no.1, p.61-65. ISSN 0103-8478 

 Celso Akio Maruta (1)  Enrico Lippi Ortolani (2)
ortolani[arroba]usp.br

1. Médico Veterinário, Mestre em Clínica Veternária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) ,Universidade de São Paulo (USP).

2. Médico Veterinário, MSc, PhD., Pesquisador 1C do CNPq, Professor Associado, Departamento de Clínica Médica, FMVZ, USP, Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, 05508-000, São Paulo, Brasil., FAX 055-11-38187944 ramal 283.



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