As formas de poder prisional e a família do preso



* Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social, da Universidade de Cruz Alta – RS, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª. M.Sc. Mari Aparecida Bortoli
Cruz Alta – RS novembro 2004
Universidade de Cruz Alta – Unicruz
Curso de graduação em serviço social.
A comissão abaixo assinada, aprova o trabalho de conclusão de curso Como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Serviço Social

Comissão Examinadora:

Profª M.Sc. Mari Aparecida Bortoli – Orientadora

/ UNICRUZ

Profª Drª Mónica de la Fare

/ UNICRUZ

A.S. Angela Cristina

/ SUSEPE

"Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados.
Nosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além da medida.
É nossa luz, não nossa escuridão o que mais assusta."
Nelson Mandela

AGRADECIMENTOS

Este espaço seria pequeno se fôssemos nomear todos aqueles que contribuíram de uma forma ou de outra com a nossa formação.
Então sintam-se agradecidos todos os que colaboraram através das críticas, com o xerox de material, os que contribuíram financeiramente...
Aqueles que simplesmente suportaram o stress, as preocupações, os discursos.
Os que estiveram conosco durante todo o processo de formação, os que reclamaram a nossa ausência, a nossa falta em momentos importantes de suas vidas.
Os que nos incentivaram, os que nos desmotivaram, pois, com certeza, estes fizeram com que tivéssemos mais vontade de seguir em frente.
Agradecemos a todos os que amamos pelo apoio, conforto e motivação.

RESUMO: Existem em nossa sociedade diferentes formas de poder que se constituíram ao longo da história como práticas sociais, uma destas formas é a prisão a qual exerce nos indivíduos um poder disciplinar de vigiar e controlar. Este poder foi analisado durante o estágio curricular do Curso de Serviço Social, através da realização de um projeto de intervenção junto às famílias dos apenados do Presídio Estadual de Cruz Alta, cujo objetivo foi pensar como os familiares são marcados pelas práticas prisionais e como estas práticas atravessam suas vidas. Buscando fomentar processos de auto-análise e auto-gestão a partir da formação de grupos de discussão realizados com os membros da família do preso, seus amigos e vizinhos, nos quais emergiram diferentes assuntos associados aos modos de vida desses coletivos, revelando que o sistema prisional exerce influência não apenas no sujeito apenado como também em toda a sua família. Para a prisão a família não deixa de ser instrumento completo de dominação já que ela interioriza e projeta modelos ideológicos, pois através dela se pode gerenciar a vida da população e controlar suas ações a fim de aumentar sua utilidade. Percebemos neste sentido que o poder prisional possui uma eficácia e uma estratégia tão grande que suas técnicas de normatização além de gerenciar a vida do sujeito apenado, acabam controlando a vida de todas as pessoas que de uma forma ou de outra estão inseridas neste sistema. È importante ressaltarmos que esta análise resulta da prática de estágio a qual nos possibilitou espaços de experimentação e contato com a realidade vivida pelos apenados e seus familiares.

PALAVRAS-CHAVE: Dominação. Normatização. Poder. Prisão. Família

LISTA DE SIGLAS:

CTC

Comissão Técnica de Classificação

DST

Doenças Sexualmente Transmissíveis

LEP

Lei de Execuções Penais

PAC

Protocolo da Ação Conjunta

PECA

Presídio Estadual de Cruz Alta

SUSEPE

Superintendência de Serviços Penitenciários

UNICRUZ

Universidade de Cruz Alta

INTRODUÇÃO

O interesse em estudar as práticas prisionais surgiu no segundo semestre do Curso de Serviço Social não com o intuito de curiosidade pelo cotidiano dos reeducandos no presídio, mas buscando pensar os atravessamentos, isto é, o entrelaçamento, a interpenetração e a articulação de fatos e acontecimentos relacionados aos métodos de punição. Contudo, o eixo temático de nosso trabalho surgiu somente quando iniciamos o estágio supervisionado no qual tivemos a oportunidade de observar as relações, os entrecruzamentos e as práticas de poder dentro do estabelecimento prisional e junto às pessoas que mantêm vínculo com os apenados, assim como, experimentarmos o processo de trabalho do Assistente Social inserido nesta realidade.

Utilizamos a análise sócio-histórica da prisão e a leitura das relações de poder como ferramentas para compreender as emergências e o desenvolvimento dessas relações nos espaços e práticas prisionais e sociais em geral. Percebemos através da prática no campo de estágio que a prisão não é um universo isolado, mas atravessado pelo contexto social. O estudo aqui apresentado objetiva descrever as formas de poder dentro do Presídio Estadual de Cruz Alta (PECA) analisando os mecanismos, as estratégias e as táticas que atravessam as relações, os discursos, as práticas e todos aqueles que estão envolvidos com o sistema prisional.

Para isto utilizamos a perspectiva genealógica, isto é, uma forma de historiar os discursos e os saberes sem ter que se referir a um sujeito, mas marcando a singularidade dos acontecimentos, onde menos se espera, naquilo que não é tido como importante. (FOUCAULT, 1979). Podemos definir este estudo como uma pesquisa-intervenção, pois durante o estágio, além da observação das práticas, elaboramos hipóteses, construímos análises a partir dos acontecimentos e durante a realização da intervenção. Através desses contatos com a realidade ocorreram transformações não somente em nossos conceitos e análises, como também nos sujeitos da pesquisa-intervenção, seus discursos e suas relações.

A pesquisa-intervenção parte do princípio de que pesquisador e pesquisado se constituem no mesmo momento, no mesmo processo. Neste sentido o momento da intervenção é o momento da pesquisa e da produção teórica, pois como sabemos não podemos separar teoria e prática, visto que teoria é prática e prática nada mais é do que aquilo que fazemos. (FOUCAULT, 1979). Ao historiar e analisar as questões referentes ao poder buscamos desconstruir algumas práticas hegemônicas experimentando outras práticas em seu lugar, ficando atentos aos efeitos que cotidianamente nossas ações estão produzindo no mundo.

O presente trabalho se desenvolve em dois capítulos. No primeiro capítulo intitulado "Pensando os modos de vida dos familiares dos reeducandos do PECA" abordaremos como se deu a aproximação com o tema do projeto de intervenção e os primeiros contatos com o poder normatizador da prisão, buscando descrevê-lo quando é exercido nas pessoas ditas "livres". Realizamos também a descrição da prática interventiva a fim de analisar os acontecimentos nos grupos de discussão com os familiares dos apenados ressaltando a importância de espaços como estes para a produção de saberes, para a troca de experiências e a busca de formas para administrar os problemas. O projeto de intervenção fez com que entrássemos em contato direto com a realidade vivida pela família dos reeducandos, desde a problemática do afastamento de um de seus membros, até as dificuldades financeiras, os preconceitos sofridos e a inserção nos mecanismos de poder da prisão.

No segundo capítulo "A prisão e as formas de dominação" descrevemos e analisamos estes mecanismos no cotidiano do preso a fim de compreendermos suas ramificações. Tratamos desde as questões do espaço físico, o isolamento, o esquema cronológico do comportamento, o trabalho penal, a educação penitenciária, enfim, o poder disciplinar sobre o corpo dos condenados. Referimos o Serviço Social no presídio, suas práticas, os atendimentos individuais e os trabalhos em grupo com os reeducandos, o cumprimento das práticas instituídas e a busca de construir espaços que possibilitem o diálogo, à revalorização do saber e a articulação de processos que permitam o melhoramento da vida desses coletivos. Como o campo de intervenção pressupõe análise, buscamos não nos limitarmos em compreender unicamente o PECA, mas o processo de implantação da instituição prisão e os mecanismos de produção de poder das práticas punitivas ao longo da história. Finalizamos retomando alguns pontos que emergiram do processo de estágio, inferindo que o poder não possui natureza, mas sim manifestações, práticas e relações que o caracterizam como gerenciador da vida humana.


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