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Essas experiências de campo me conduziram a buscar os recursos metodológicos da antropologia cultural. Esses referenciais antropológicos instrumentalizaram-me para romper com os rigores metodológicos das pesquisas que pressupõem a necessidade de afastamento do sujeito e do objeto. Passei então a encontrar as pessoas, ouvir seus relatos de forma mais livre, desenvolvendo a pesquisa conforme essas narrativas apontavam novas questões passíveis de serem investigadas. Aprendi, portanto, que a objetividade do pesquisador não prescinde de seus sentimentos, de sua sensibilidade; neste caso, optei por estabelecer uma relação de diálogo e não de interrogatório com meus entrevistados. Passei a figurar em meus textos como o autor de relatos densos até então considerados descartáveis.
Esta opção não se deu logo e nem foi o primeiro passo no desenvolvimento do estudo. A princípio, busquei sistematizar um modelo semi-aberto de entrevistas visando responder uma questão inicial específica que pretendia determinar o porquê do turismo sexual. Nesse momento, os dados quantitativos foram priorizados, como instrumento de investigação da realidade, pois acreditava ser necessário delimitar o mais rigorosamente possível a abordagem. Assim, os primeiros questionários foram estruturados de modo a conter perguntas que se limitassem a uma investigação sobre as razões do turismo sexual.
A primeira etapa da pesquisa de campo foi realizada no segundo semestre de 2003, e quando passei à etapa da análise pude refletir sobre as possibilidades que o relato livre dessas pessoas poderia ter trazido; percebi a limitação, a insuficiência das metas estabelecidas inicialmente e redimensionei os rumos do estudo. Coloquei o foco principal na dinâmica da exploração sexual infanto-juvenil, procurando desvendar os principais envolvidos nessa trama social que compreende a comunidade e os turistas, visando a elaboração de uma denúncia.
Em função desse redimensionamento da problemática do porquê para o como, a pesquisa quantitativa foi posta em segundo plano, priorizando-se a pesquisa qualitativa. Entretanto, alguns dos questionários e entrevistas não puderam ser refeitos porque não foi possível reencontrar muitos dos entrevistados da primeira fase. Por esse motivo, algumas entrevistas mostram-se bastante limitadas. Mas mantive esses registros no anexo do trabalho, justamente para mostrar o processo de desenvolvimento da pesquisa e não apenas o resultado final.
Foi justamente a experiência da pesquisa de campo que mostrou o quanto seria contraditório reivindicar uma importância social para o turismo, referir a responsabilidade ética do profissional da área e tratar as pessoas como simples objetos para um levantamento estatístico. Pelo mesmo motivo, não seria pertinente apresentar um resultado final sem apontar os caminhos que levaram a ele. Ao propor uma discussão, um debate sobre a questão do turismo sexual, não poderia apresentar uma conclusão fechada em si mesma. Além do mais, esse processo interpretativo se construiu muito mais pela prática, pelas experiências, pelos erros e acertos dela decorrentes.
As informações bibliográficas sobre a região, suas formas de cultura e lazer, sobre a sociedade, economia e turismo, foram importantes na construção da metodologia de pesquisa, bem como na fundamentação das reflexões sobre a prostituição infanto-juvenil e sobre o turismo sexual. Mas foi na experiência vivida que encontrei os caminhos para definir e desenvolver meus objetivos. Por isso, em vários momentos no decorrer deste trabalho sempre que me referi diretamente às questões observadas em campo, expondo-me na primeira pessoa do singular e rompendo algumas das convenções normalmente utilizadas em trabalhos acadêmicos. Incluo minha experiência entre as outras relatadas nos depoimentos e entrevistas, pois a interação com essas pessoas foi fundamental para a realização do projeto.
Esse tipo de abordagem metodológica fundamenta-se nas orientações de pesquisa de campo propostas pela antropologia cultural, de observação participante e de entrevistas. A observação participante permitiu a interação com crianças e adolescentes e o convívio com a comunidade das regiões onde ocorre a prostituição. As pesquisas nas fontes bibliográficas e nas fontes documentais tiveram um caráter exploratório para uma comparação com a realidade encontrada.
O vídeo, que também segue a metodologia proposta pela antropologia visual, foi a última parte deste trabalho, e, através de recursos de áudio, imagens fotográficas, filmagens e produções digitais de animação, buscou-se viabilizar uma outra forma de exposição do problema deste estudo. A diversificação dos suportes utilizados visa atingir de maneiras diferentes o público, possibilitando uma nova forma de motivar discussões e reflexões sobre o tema. A imagem editada no vídeo, neste caso, foi constituída como uma representação, pois não é a realidade em si. O vídeo foi a maneira encontrada para registrar um olhar pessoal sobre a problemática e interpretar uma dada realidade.
Este trabalho encontra-se dividido em quatro partes principais em formato de texto e um vídeo gerado em sistema digital.
No primeiro capítulo, sistematizamos informações básicas e avaliamos o crescimento do turismo sexual e do envolvimento de crianças e adolescentes nesta prática no mundo, no Brasil e em Fortaleza. A seguir, apresentamos algumas ações de combate ao turismo sexual conduzidas pelos países emissores desses turistas. No segundo momento, anexamos um resumo sucinto das ações oficiais de combate e alguns direitos de crianças e adolescentes baseados no Estatuto da Criança e do Adolescente.
No segundo capítulo, abordamos a questão da construção do espaço urbano de Fortaleza, descrevendo sumariamente o contexto da segregação sócio-espacial implantado na cidade a partir do desenvolvimento da região da avenida Beira-Mar. A seguir, tratamos da consolidação dos espaços e das políticas de desenvolvimento do turismo no Estado do Ceará.
No terceiro capítulo, assunto de principal interesse, enfocamos a exploração sexual infanto-juvenil praticada pelo turismo sexual em Fortaleza. Esse capítulo constituiu-se no principal desafio em função da diversidade de fontes de pesquisa utilizadas: bibliográficas, relatos de moradores e envolvidos na exploração sexual e informações empíricas coletadas a partir das observações participante. No quarto e último capítulo, apresentamos a produção textual que deu origem ao vídeo-denúncia, algumas notas sobre a experiência da produção de um material dessa natureza e a ficha técnica de produção.
Os avanços no século XXI serão conquistados pela luta humanitária contra os valores que justificam as divisões sociais – e contra a oposição que essa luta terá de enfrentar por parte dos interesses econômicos e políticos estabelecidos.
Este capítulo pretende oferecer subsídios para o debate da polêmica questão do turismo sexual, problematizando, especialmente, o crescimento do turismo sexual infanto-juvenil no mundo. Ordenamos as informações em dois momentos principais. No primeiro contemplamos o contexto mundial e o contexto brasileiro. Apresentamos, por fim, algumas ações oficiais de controle promovidas nos países emissores dos turistas sexuais, visando auxiliar em futuras ações brasileiras.
Neste início de século digitalizado surge uma motivação para os deslocamentos que a cada dia passam a ser mais rápidos e mais eficientes, guiados pelos sistemas de comunicação. Objeto que proporciona relacionamentos palpáveis em um curto período de tempo. Através das novas tecnologias, muitas vezes oferece relacionamentos íntimos proibidos. O hedonismo nos leva a cultuar o corpo, a imagem chegando, a sexualidade transformando seres humanos em bens de consumo, nos guiando até ao primitivo.
O turismo sexual é a atividade de deslocamento organizado para a prática de atos sexuais comerciais com residentes do lugar de destino. Muitas vezes a prática desse turismo vem de uma casualidade da divulgação entre certos elementos na propaganda turística que aguçam o imaginário sexual do turista.
A prática do turismo sexual vem crescendo a cada ano principalmente nos países subdesenvolvidos e envolvendo mais crianças e adolescentes nesse processo. De acordo com Ryan e Hall, o turismo sexual consiste na interação entre dois grupos marginais, a saber: turistas de um lado, e prostitutas, homossexuais, ou categorias similares, de outro. Ambos os grupos se situam em posições ambíguas ou limites, com relação ou à lei, ou aos costumes, ou às convenções, etc. Essas "entidades" podem estar disfarçadas e, ao assumirem esses "papéis", não estão obrigatoriamente renunciando a outras dimensões de sua vida. O turista, por exemplo, está distanciando temporariamente de suas atividades regulares, mas retornará a elas depois de determinado período. O indivíduo engajado em atividades sexuais também não está vinculado permanentemente a esse processo, pois, como já dissemos anteriormente, ele ou ela geralmente assume outras funções sociais.
2.1 Turismo e exploração sexual infanto-juvenil no mundo
O presente subcapítulo foi elaborado a partir das informações sistematizadas através de organismos não-governamentais internacionais, tais como: End Children Prostitution, Pornography and Trafficking, Movement to Prevent Child Prostitution, International Labour Organization e Fundo das Nações Unidas para a Infância. Esses organismos em ação conjunta desenvolvem projetos voltados para a minimização de danos provocados por essa atividade, estimulados pelas análises estatísticas de crescimento da mesma no mundo. No turismo sexual encontra-se o comércio da exploração sexual infanto-juvenil. Essa atividade contraria totalmente a ética do turismo e vem sendo desenvolvida principalmente nos países considerados em desenvolvimento.
Alguns países já atuam vigorosamente no combate dessa atividade, como a Alemanha, por exemplo, que possui uma legislação específica para os crimes ligados ao turismo sexual. Na Espanha, Itália, França e também na referida Alemanha há leis de extraterritorialidade, que permitem processar quem comete abuso sexual contra menores no exterior. Na Itália, a Federação das Agências de Viagens e Turismo lançou uma campanha sobre as conseqüências da atividade no Brasil, Cuba e República Dominicana. Sabe-se que na Tailândia, em cuja capital, Bancoc, as crianças são oferecidas em catálogos aos turistas estrangeiros nos mercados populares. Essa prostituição forçada arrecada cerca de US$1,5 bilhão por ano. A situação no Brasil, comparada com a dos países asiáticos, é insignificante; destinos como Fortaleza evidenciam a necessidade de uma atuação imediata das autoridades e órgãos de proteção da infância e da juventude, para que não passemos a figurar nessa listagem de rotas preferenciais da exploração sexual.
A End Children Prostitution, Pornography and Trafficking (ECPAT), baseada em análises feitas em Bancoc, denuncia que, em diversas localidades turísticas, observou uma associação direta entre o crescimento do turismo e a exploração sexual de crianças. Essa entidade comenta ainda que existem entre 60.000 e 100.000 crianças engajadas na indústria do sexo nas Filipinas. Já no Vietnã, crianças com menos de 18 anos correspondem a aproximadamente 20% da "força de trabalho" vinculada à atividade. No Camboja, essa cifra atinge 31% e envolve crianças com idades que variam entre 13 e 17 anos.
As pesquisas da International Labour Organization (ILO) oferecem dados ainda mais alarmantes. Em 1995, havia pelo menos um milhão de crianças asiáticas envolvidas em algum tipo de atividade relacionada à exploração sexual forçada. Essa situação é especialmente alarmante em sete países da Ásia: Coréia, Tailândia, Filipinas, Sri Lanka, Vietnã, Camboja e Nepal.
Em 1996, o Movement to Prevent Child Prostitution (MPCP) notificou que nações como o Sri Lanka, Tailândia, Filipinas e Taiwan tornaram-se notórios destinos para pedófilos. Estimaram que entre 10.000 e 15.000 garotos, de 6 a 15 anos, foram vítimas desse tipo de comércio.
A expansão da exploração sexual de crianças e adolescentes em redes globalizadas, bem como a indústria do sexo, sustentada especialmente pelo turismo sexual, foi denunciada durante o Seminário Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Américas, realizado em Brasília. O julgamento dos exploradores sexuais de crianças e adolescentes no país da ocorrência e no país de origem do explorador foi uma das recomendações dos participantes desse encontro, que solicitaram a cooperação dos governos de outros países para que esses julgamentos fossem realizados.
No seminário foi proposta ainda a adoção, por todos os países, de leis protetoras e punitivas para eliminar a prática da exploração sexual. A adoção de leis penais extraterritoriais foi incluída no programa de ação proposto no congresso mundial, em Estocolmo. Na oportunidade, representantes de 119 países e de organizações não-governamentais, além do Unicef, comprometeram-se a estabelecer uma associação global contra a exploração sexual de crianças e adolescentes, mobilizando, inclusive, a "indústria turística" para que esta não permita o uso de suas redes para esse fim.
Nas ruas o presente nos assedia, traz a marca dos itinerários às vezes dispersos, difusos ou mesmo concentrados, definidos pela vida cotidiana.[...] Na rua encontra-se não só a vida, mas os fragmentos de vida, e é o lugar onde o homem comum aparece ora como vítima, ora como figura intransigente e subversiva. No movimento da rua encontra-se o movimento do mundo moderno.
Neste subcapítulo apresentamos um levantamento preliminar que visa à constituição de um quadro geral do sexo pago nas macrorregiões políticas do Brasil. Para tal, sistematizamos informações sobre o crescimento do turismo de exploração sexual infanto-juvenil em algumas regiões brasileiras, valendo-nos de dados quantitativos e qualitativos, visando mapear os envolvidos nesta prática.
Nesta pesquisa do espaço da prostituição no Brasil, podemos identificar as três principais capitais brasileiras envolvidas nesta prática: Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Cabe destacar que estas cidades, por terem atraído um fluxo de turistas sexuais considerável, também ocupam um papel fundamental nos destinos turísticos brasileiros vinculados à diversidade cultural e à beleza cênica das paisagens naturais.
As comidas típicas, as belas praias, o carnaval e os monumentos históricos não são os únicos elementos utilizados na propaganda turística do Brasil no exterior. A imagem da mulher brasileira associada à sensualidade é muito freqüente nessas propagandas, o que colabora para o crescente número de visitantes que chegam ao país em busca do turismo sexual, especialmente no litoral do Nordeste.
A desigualdade social brasileira, com diversas características físicas e políticas sociais de desenvolvimento mal formuladas, acaba levando várias pessoas a se envolverem em situações de risco para a conquista de uma melhor qualidade de vida; muitas dessas pessoas se submetem, tornando-se escravas e escravos de americanos e europeus.
A cada ano que passa cresce a prática dessa atividade no Brasil. Nas pesquisas feitas nas cidades de Fortaleza, Natal, Recife, Salvador e Rio de Janeiro detecta-se que não só de estrangeiros vive o turismo sexual, mas sim de vários turistas domésticos que, em busca de sol e praia, aproveitam para praticar sexo sem compromisso e comercialmente.
As embaixadas brasileiras no exterior estão encarregadas de identificar agências de viagem que vendam pacotes para a prática do turismo sexual e impedir sua operação no Brasil. Estados e municípios que usarem marketing sexual não receberão verbas da Embratur, que elaborou cartilha em parceria com o Ministério da Justiça e a Associação Brasileira de Hotéis, mostrando que o turista sexual é pouco rentável. Ele gasta menos de US$40 por dia, enquanto o turista convencional gasta US$80.
Na cidade do Rio de Janeiro, em especial, existe nas imediações da Praia de Copacabana, nos postos dois e três, e na Praia de Ipanema, próximo ao posto nove, um grande fluxo de turistas sexuais estrangeiros e domésticos em busca do turismo sexual GLS. Os brasileiros mulatos e negros que estão inseridos na prática do turismo sexual são os mais procurados.
A Bahia passou a se destacar, na última década, como um dos pontos mais procurados na rota do turismo sexual, principalmente na época do carnaval, e passou a ser um dos principais pontos do tráfico de mulheres para o exterior. Observa-se um grande fluxo de turistas sexuais em busca do turismo sexual GLS na cidade de Salvador, nas imediações do Pelourinho, onde uma rede organizada local faz a ligação entre turistas sexuais estrangeiros e adolescentes. Esses turistas são na maioria argentinos e italianos.
Verifica-se na Praia de Boa Viagem, no Recife, um grande fluxo de turistas estrangeiros em busca de turismo sexual GLS com crianças e adolescentes. A atividade se inicia no aeroporto, com uma quadrilha de taxistas que fazem os traslados na chegada dos turistas e do hotel onde os mesmo ficam hospedados, que fornece todos os contatos necessários para a prática do turismo sexual na cidade.
2.2.1 Turismo e exploração sexual infanto-juvenil no Brasil
A exploração sexual é um dos mais graves problemas que afetam a infância e a juventude no Brasil. Segundo a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), de fevereiro de 1997 a fevereiro de 2002 foram denunciados 2.350 casos de abuso e exploração sexual de menores. Estima-se que o número seja muito maior.
A End Child Abuse in Asian Tourism (ECPAT) – Itália, uma organização não-governamental que atua em mais de 30 países na luta contra a prostituição infantil, divulgou o alarmante dado desse tipo de prostituição no Brasil. São cerca de 500 mil menores, em especial no Norte e Nordeste, vendendo o corpo para pagar a conta da miséria, e que investem em seu sonho de salvação nos braços de príncipes encantados louros e barrigudos. Aventura e prazer a baixo custo atraem por ano a Fortaleza, segundo a entidade, cerca de 70 mil italianos; por valores que oscilam entre dez e mil reais, é possível fazer um bom "programa" na capital cearense. Salvador e Recife também substituíram o Rio de Janeiro na preferência dos turistas sexuais de origem alemã, holandesa, suíça e italiana, que procuram menores acreditando que a idade diminui a possibilidade de contágio pelo vírus da Aids.
Verifica-se, nas cidades turísticas, que existem empresas de turismo atuantes, principalmente na Europa, que oferecem pacotes, incluindo passagens, estadia em hotéis e programas com meninas e meninos brasileiros. Há denúncias de conivência de autoridades com motoristas de táxi, disk-pizzas, doleiros, donos de barracas de praia. O maior número de turistas sexuais vem da Europa, especialmente da Alemanha, Portugal, Espanha e dos Estados Unidos; e são, na maioria, homens com idades entre 30 e 50 anos, de classe operária ou média baixa, que aproveitam as férias para uma temporada de orgia a baixo custo. Segundo informações de uma atendente de uma determinada companhia aérea do aeroporto de Lisboa, os vôos charteiros que têm como destino Fortaleza, Recife e Salvador, decolam com 98% de seus lugares com passageiros do sexo masculino. Considerando essas informações, pode-se inferir que não é um vôo familiar, com interesse em desfrutar a cultura e as belezas naturais do país e sim um vôo com intuito à prática de outro tipo de turismo.
Os espaços de algumas regiões brasileiras não estão associados à prostituição e não temos dados estatísticos sobre elas. As informações dos próximos dois parágrafos são relatadas por depoimentos de moradores das comunidades e análises antropológicas.
Nas regiões da Amazônia verifica-se que existe um grande fluxo de turistas estrangeiros que, em visita à floresta amazônica, aproveitam para explorar sexualmente as meninas das cidades ribeirinhas. Identifica-se uma organização em algumas cidades próximas da fronteira com o Peru junto ao Rio Solimões, onde os traficantes de drogas comandam a prática do turismo sexual, oferecendo meninas a "preço de banana". A situação na região é bastante crítica na prática de atos sexuais comerciais, atingindo principalmente crianças e adolescentes.
Nas cidades ribeirinhas ao longo do Rio Negro observa-se uma organização que leva meninas para serem exploradas em outras regiões brasileiras, principalmente o Nordeste e o Centro-Oeste. Segundo informações de uma adolescente com quem se teve contato na região do Rio Negro, elas são enganadas e levadas para trabalhos domésticos em casas de famílias de classe média dessas regiões; quando chegam, são induzidas a se prostituírem, sendo levadas a uma realidade pior do que a vivida em sua região. A adolescente também informou que uma vez por semana a organização passa de barco pelas cidades de São Gabriel da Cachoeira, São Joaquim, Barcelos, Carvoeiro, Santo Antônio, Novo Airão e algumas comunidades indígenas, contratando meninas entre 12 e 18 anos para trabalhar em outras regiões brasileiras, prometendo melhoria da qualidade de vida.
Hoje, as crianças têm seus direitos estabelecidos pelas leis internacionais, por quase todos os países. "... a ratificação (validação) obriga os governos especificamente a proteger a criança da exploração econômica e da realização de qualquer tipo de trabalho que possa envolver situações de risco, ou interferir na educação da criança, ou ser prejudicial à saúde ou ao desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social da criança.
Neste subcapítulo encontram-se algumas ações governamentais e não-governamentais de combate ao turismo sexual e alguns direitos de crianças e adolescentes estabelecidos pelo ECA.
O combate ao turismo sexual infanto-juvenil vem ganhando novas dimensões no Brasil e no mundo, nos últimos dois anos, mas ainda são tímidos os programas propostos para combater o problema. Em fins de 1995, o Brasil começou a agir para mudar a imagem do país no exterior retirando de seus cartazes e prospectos qualquer imagem de mulheres em trajes sumários.
O I Encontro Nacional de Parlamentares Integrantes de Comissões de Combate à Prostituição Infanto-Juvenil, realizado em dezembro de 1996 no Rio de Janeiro, aprovou algumas propostas de alteração do Código Penal, entre elas a mudança na classificação dos crimes sexuais, que hoje estão contidos no capítulo referente aos crimes contra os costumes, para o capítulo dos crimes contra a pessoa. O argumento principal dessa correção legislativa é que nos crimes de estupro ou abuso sexual a vítima é a pessoa e não a sociedade ou a família.
O Brasil é um dos países onde existe uma das maiores incidências de turismo sexual, não se sabe ainda a posição em que o país se encontra no ranking. Os organismos especializados insistem que essa atividade tem crescido a cada ano paralela ao crescimento da atividade turística. A Embratur lançou em fevereiro de 2000 uma campanha de combate ao turismo sexual infanto-juvenil, forçada pelas denúncias das organizações não-governamentais. Foi criado o Disque-denúncia Prostituição Infanto-Juvenil, um telefone de contato entre a população e a direção da campanha. Segundo a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), responsável pela coordenação da apuração das denúncias, os brasileiros, e não os estrangeiros, são os que mais favorecem a prostituição infanto-juvenil.
Outra proposta refere-se à ampliação do significado do crime de atentado violento ao pudor, que seria classificado, no Código Penal, junto com o crime de estupro, uma vez que o uso da violência na prática sexual, qualquer que seja a forma, constrange e humilha a vítima. Foram propostas também as trocas da palavra "mulher" por "alguém" na classificação das vítimas do crime de estupro, e a criação de um novo tipo de crime denominado "abuso sexual", que se traduz por "constranger alguém à prática de atos libidinosos diversos da relação sexual".
Os idealizadores da Campanha Nacional pelo Fim da Exploração, Violência e Turismo Sexual contra Crianças e Adolescentes elaboraram um anteprojeto de lei para ser aprovado nos municípios brasileiros. O anteprojeto estabelece penalidades para as propriedades que abrigarem crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis. A pena é suspensão do alvará por 30 dias na primeira autuação e cassação se comprovada a prática de violência ou exploração de menores ou se houver uma segunda autuação. Essas recomendações legais já estão em vigor em Porto Alegre.
Natal, capital do Rio Grande do Norte, é a cidade que tem a melhor atuação no combate ao turismo sexual infanto-juvenil, e onde políticas públicas são desenvolvidas juntamente com as Instituições de Ensino Superior para o combate da prática, com o lançamento, nos anos 90, de uma campanha pioneira de combate à exploração sexual de crianças e de adolescentes através do turismo.
Com o aumento alarmante da violência sexual no Ceará, o governo estadual assumiu o compromisso de defender e proteger crianças e adolescentes vítimas da violência sexual. Ao assinar, em agosto de 2003, em solenidade pública, o Termo de Compromisso com a presença dos organismos governamentais, não-governamentais e sociedade civil, representada pelo Fórum Cearense de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, os dirigentes dos setores públicos e privados comprometeram-se a lutar com todos os meios e formas possíveis contra a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Em março de 2004, o Governo do Estado do Ceará cria o Comitê Cearense Interinstitucional do Turismo para o Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pelo Decreto nº 27.391. Tem como objetivo orientar e regular a conduta ética da sociedade e do Estado, através de seus agentes e entidades direta e indiretamente vinculados ao Trade turístico, contra a exploração sexual de crianças e adolescentes.
2.3.1 Direitos das Crianças e dos Adolescentes
Nas primeiras campanhas de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes através do turismo, os apelos pela redução dessa atividade eram de pouca importância para a sociedade e para o estado e eram deixados de lado pela pressão dos lucros e da realidade da vida comercial como forma de sustento para várias famílias.
A legislação brasileira estabelece no Estatuto da Criança e do adolescente que:
As crianças e os adolescentes envolvidos no turismo sexual não estão com todos os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bloqueados pelo sistema de vida. Não existe proteção da família, da sociedade e do governo. Seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social é interrompido pela atividade nas ruas, que os priva de sua liberdade e dignidade.
O esporte, o lazer e a educação, tal como está previsto no Código, não são garantidos a todos, tornando-se um privilégio das classes mais favorecidas. O governo não utiliza seus equipamentos para promover a educação que é a única fonte de informação e inserção social no começo da vida do ser humano. Essas crianças e adolescentes são objetos de exploração, violência, crueldade, opressão, fazendo parte da massa dos excluídos produzidos pelo progresso.
As crianças e os adolescentes, objetos deste estudo, pertencem a um grupo que não conhece os direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; eles são formados na miséria das ruas das cidades brasileiras.
Às vezes penso que nasci na cidade errada e que aqui não é lugar para ninguém morar; só consegue viver aqui quem já foi para a escola.
As pessoas que visitam Fortaleza só conhecem o lado de fachada da cidade, não conhecem o que está atrás da beira-mar.
Este capítulo analisa o desenvolvimento da atividade turística no Estado do Ceará. Primeiramente, apresentamos um breve histórico da cidade de Fortaleza e da evolução dos espaços geográficos da cidade e da região metropolitana, suas mutações no decorrer dos anos e alguns dados estatísticos ligados aos índices econômicos e sociais. Em seguida, tratamos das políticas públicas relacionadas ao turismo cearense.
Fortaleza teve sua origem nos fortes levantados na Barra do Ceará e às margens do Rio Pajeú, sendo hoje considerada um pólo turístico e uma cidade cheia de complexidades sociais.
Situada na região Nordeste, Fortaleza, não só é conhecida como terra das belas praias, a cidade revela-se como um espaço marcado por fortes contrastes que expressam em significativas desigualdades sociais, no modo de crescimento da cidade e na vida cotidiana de seus habitantes.
A prática do lazer nas praias teve início em Fortaleza nos anos 20, timidamente na Praia do Peixe, que é a atual Praia de Iracema, quando as roupas de banho eram saiotes godês por cima de um calção. Ainda na década de 1940, o banho de mar era uma exceção e um sonho quase inatingível das populações urbanas da cidade. Os primeiros bares foram surgindo à beira-mar, e a moda de ir à praia começou a dar uma nova característica à região da orla. O Hotel Iracema Plaza e o restaurante Lido começaram a exibir lançamentos de artistas e produtos trazidos de fora e, como isso é um demonstrativo de status, o desenvolvimento da orla seguiu-se desenfreado, mudando sua característica de vila de pescadores aos poucos e utilizando os espaços para empreendimentos progressistas luxuosos.
Em 1971, o alargamento da rodovia de acesso à serra de Guaramiranga prolongou a avenida Santos Dumont e a avenida Beira-Mar, fazendo a ligação entre vários bairros e modificando a estrutura já existente na região. Com essas modificações estruturais na cidade, o bairro da Aldeota e a Praia do Futuro sofreram um processo de ocupação intensa, com a construção de edifícios e casas luxuosas e a ampliação de áreas de lazer e turismo.
A construção de prédios na orla marítima, com mais de dez andares, desencadeou mudanças climáticas na cidade, como modificações da circulação dos ventos para o centro da cidade, gerando o aumento da temperatura.
Embora tenha alcançado elevado índice de crescimento nos últimos 20 anos, a concentração de renda de sua população aumenta significativamente, de modo que os 10% mais pobres ganham em média 0,76% do salário mínimo, enquanto os 10% mais ricos ganham 45,7 salários mínimos.
Estes desequilíbrios têm se refletido em várias frentes de expansão da miséria social e da violência, através da segregação dos espaços da cidade. Dados de 1995 revelam um contingente de 720 mil favelados, o que corresponde a 36% da população de Fortaleza.
Os espaços de Fortaleza são segregantes, sendo nítida a cidade dos turistas e a cidade dos miseráveis. Essa característica deixa alguns habitantes locais irritados com a invasão dos turistas, enquanto outros pensam que o turismo desenvolve a cidade, econômica e socialmente, por ser uma atividade geradora de empregos e de renda. A cidade reúne belas praias, e conta com a receptividade de seu povo e outros atrativos culturais.
A cidade é um pólo industrial e um centro turístico, sendo uma das cidades que mais cresce na região Nordeste. A Grande Fortaleza é a quinta maior metrópole do Brasil, e passa por todos os problemas urbanos comuns às cidades brasileiras. Entre as regiões metropolitanas é a segunda maior em proporção de pobres, logo atrás do Recife e um pouco à frente de Salvador. O rápido crescimento urbano-econômico de Fortaleza, que possui 336 km2 de área totalmente urbanizada, e a firme deliberação dos governos municipais e estaduais, a transformaram numa moderna urbe, em um pólo turístico emergente, mesmo sendo uma cidade cheia de contrastes e sem solução de seus problemas sociais e culturais.
A partir do chamado milagre brasileiro, Fortaleza descobre que pode transformar seus 30 quilômetros de praia em espaços de bons negócios e passa a se voltar fortemente para atividades turísticas desenvolvidas a partir do seu sol o ano todo e de suas praias. A oferta turística passa a englobar pontos comerciais à beira-mar, núcleos específicos de comércio de artesanato, hotéis, restaurantes, bares e boates.
No ano de 1971, foi criada a Empresa Cearense de Turismo S/A (Emcetur), entidade de economia mista, com 51% das ações pertencentes ao Estado. Acreditava-se que seria o órgão que faltava para o desenvolvimento da atividade turística no Estado.
Em 1975, o Ceará é governado pelo coronel Adalto Bezerra, com o Primeiro Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Plandece), tentando destacar o Ceará como modelo de desenvolvimento turístico no país.
O turismo foi inserido na economia do Ceará, programado por políticas governamentais, na década de 80, com o Plano de Mudanças do governo Tasso Jereissati (1987-1991). Esse plano destacava a importância do planejamento turístico, a potencialidade do Estado para a atividade, a implementação de uma infra-estrutura adequada e viabilização dos fluxos turísticos domésticos e internacionais. O governo Virgílio Távora, por seu secretário de Planejamento, que seria o seu sucessor, elabora o 1º Plano Integrado de Desenvolvimento Turístico do Estado do Ceará (1979). E esse governo começa a partir daí analisar o turismo como forma de desenvolvimento econômico para o Estado.
No governo seguinte (Ciro Gomes), o Ceará passa a integrar o Programa de ação para o Desenvolvimento do Turismo do Nordeste – Prodetur Nordeste – em 1992, juntamente com os demais estados da região Nordeste, incluindo o Norte de Minas Gerais ou a área mineira pertencente ao Nordeste, que é definida pela Sudene como Polígono da seca.
Antecede ao Prodetur-CE o Prodeturis – que é o Plano de Desenvolvimento do Turismo no Litoral Cearense, gestado com verbas do próprio Estado, cobrindo todo o litoral cearense. Desde então, o turismo vem contribuindo para o desenvolvimento econômico do Estado, trazendo recursos para a infra-estrutura básica através do Prodetur e contribuindo para a multiplicação das atividades econômicas, por ser um serviço de ação global, que desenvolve uma cadeia de ações paralelas.
Segundo dados do IBGE, na década de 70/80, a população da cidade cresceu 69,5%; entre 80/90, o crescimento populacional foi de 53,26%. Também é significativa a expansão da indústria do turismo na cidade, que a coloca, na atualidade, como terceiro pólo turístico do Nordeste.
A falta de planejamento na construção do espaço urbano gerou vários desequilíbrios para a cidade. Verifica-se que, durante toda a estruturação do turismo do Estado do Ceará, na cidade de Fortaleza só se preocuparam com ações progressistas e não com o desenvolvimento cultural e a preservação das comunidades que viviam à beira-mar.
Verifica-se com o tempo que as questões ligadas a políticas de expansão da atividade turística no Estado do Ceará não foram bem formuladas, no que diz respeito aos impactos provocados pelo turismo, tais como, a exploração sexual de crianças e de adolescentes, temática abordada por este estudo.
Fortaleza é pólo receptor e emissor de turistas ao mesmo tempo; uma parte de sua população também viaja; o governo do Estado do Ceará trabalha para firmar o estado como pólo receptor, colocando-o como grande potencial para a atividade turística.
O problema da exploração sexual está associado à pobreza, à desigualdade e à exclusão social. Mas sabemos, também, que existem outros fatores, como os de natureza cultural que dizem respeito a formas tradicionais e familiares de organização econômica. Sabemos que não podemos esperar mais para oferecer alternativas de mudança que permitam atuar tanto sobre a pobreza quanto sobre as exigências familiares.
Este capítulo aborda o assunto de principal interesse, tratando dos relatos elaborados a partir das pesquisas de campo e de crianças e adolescentes envolvidos na exploração sexual em Fortaleza. A primeira parte foi dedicada a uma análise preliminar do problema, quando se utilizou uma metodologia de entrevistas semi-abertas e quantificaram-se os depoimentos, visando um futuro estudo que dimensione a extensão dessas práticas através da atividade turística.
A beira-mar de Fortaleza é composta pelas Praias de Iracema, Mucuripe e Meireles, que são pontos privilegiados de atração turística tanto para brasileiros quanto para estrangeiros. Com seus três quilômetros de extensão, a praia concentra a maior parte dos hotéis e mistura ofertas de lazer, compra e entretenimento. Tem calçadão para caminhadas, quadras de esporte, feira de artesanato, barracas, bares, cinema e o mercado de sexo que funciona dia e noite sem parar.
De acordo com a pesquisa realizada pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), Fortaleza é a cidade brasileira da região Nordeste com o maior índice de exploração sexual de crianças e de adolescentes. No ranking nacional é a terceira capital do país em número de denúncias de exploração sexual infanto-juvenil depois do Rio de Janeiro e São Paulo. Entre fevereiro de 1997 e setembro de 2001, foram registrados ao todo 117 casos. No mesmo período, São Paulo teve 158 ocorrências e o Rio de Janeiro, 340. As causas ligadas à oferta são numerosas e complexas, ainda que a pobreza seja um dos fatores principais.
Para um melhor desempenho dessa pesquisa, fiz algumas entrevistas com crianças e adolescentes envolvidos no turismo sexual, com identificação da problemática que leva à prostituição. No decorrer do envolvimento com essas crianças e adolescentes, houve contato com pessoas das comunidades da região metropolitana da cidade.
Em uma dessas localidades, na favela Serve Luz, alguns moradores colocam que o principal problema das crianças e adolescentes envolvidos com turistas é a aquisição de algum recurso para a compra de drogas, principalmente as drogas sintéticas. A necessidade do consumo de drogas induz essas crianças e adolescentes a se prostituírem com turistas estrangeiros, que trazem consigo uma moeda mais forte que dá mais autonomia para aquisição de drogas com os traficantes.
No contexto de nossas pesquisas, foram realizadas entrevistas com 10 crianças e adolescentes entre nove e dezoito anos na Praia de Iracema, no período de 20/04/2003 a 22/05/2003. Nas entrevistas foram colocados os seguintes questionamentos: Sexo, Idade, Grau de Instrução, Situação Familiar, Endereços, Ocupação Profissional, envolvimento com algum tipo de droga e envolvimento sexual.
Os 10 entrevistados declararam que já tiveram relacionamento sexual com turistas vindos de outros países e que a maioria era constituída de portugueses, italianos e holandeses.
As entrevistas foram feitas somente com 10 crianças e adolescentes, pela dificuldade de se conseguir mais envolvidos que estivessem disponíveis para passar as informações que se fazem necessárias para essas conclusões. Os traficantes e agenciadores ficam ao redor durante toda a abordagem, as crianças e os adolescentes sempre pedindo para terminar logo as perguntas, para que eles pudessem sair sem que seus agenciadores percebessem que estavam sendo entrevistados. Alguns deles não são dominados por agenciadores, mas estão vinculados de alguma maneira aos traficantes de suas comunidades de origem.
O sentimento de ódio detectado durante as entrevistas é bastante visível na expressão dessas crianças; elas querem sempre falar algo, mas na maioria das vezes omitem informações, por estarem saturadas de promessas e questionamentos sem soluções. Na memória sempre permanece o melhor da rua; os problemas são esquecidos e, dia após dia, arquivados e deletados da mente.
Figura 1: Sexo dos entrevistados.
Figura 2: Idade dos entrevistados.
Figura 3: Locais de moradia dos entrevistados.
Figura 4: Grau de instrução dos entrevistados.
Figura 5: Vínculo de trabalho dos entrevistados.
Figura 6: Utilização de drogas pelos entrevistados.
Durante algum tempo teve-se contato com alguns portugueses que, em visita à Fortaleza, utilizavam casas localizadas nas favelas e bairros afastados para a prática do turismo sexual infanto-juvenil. A maioria deles já conhecia o Brasil e o único objetivo da viagem era o agenciamento de meninos e meninas para a prática de atos sexuais comerciais. Como esses turistas visitam mais de uma vez o Brasil, já na segunda viagem vêm com contatos para hospedagem.
Por essa e outras realidades dos deslocamentos para a prática do turismo sexual, verifica-se que não são utilizados os equipamentos disponíveis para o turista que vem conhecer e desfrutar da cultura, do sol e das praias do país. O turista sexual utiliza meios de hospedagem fora da rede hoteleira convencional, às vezes até mesmo favelas e bairros periféricos, enquanto os outros turistas gastam com os meios de hospedagem, traslados, passeios e bons restaurantes.
O turista, com fins dedicados à cultura e ao lazer, utiliza os traslados nacionais, redes hoteleiras, bons restaurantes, compra artesanato local e, com isso, movimenta a economia da cidade. O turista sexual vem para o Brasil utilizando companhias aéreas internacionais, em vôos charteiros originados das cidades de Lisboa, Milão, Paris, Roma e outras. Quando chega, pega algum tipo de transporte até o local destinado à hospedagem, que geralmente já é de propriedade de europeus instalados no país.
No desembarque internacional do Aeroporto de Fortaleza, é fácil observar pessoas aguardando os passageiros dos vôos internacionais charteiros sem nenhuma identificação dos receptivos convencionais da cidade. Logo após o desembarque, não existe uma organização turística dos passageiros desembarcados; cada um procura pelo nome indicado no receptivo, e segue em carro comum ou em táxi que o leva até seu local de hospedagem.
O turista sexual doméstico aproveita seu deslocamento para a prática da atividade na cidade, mas geralmente não tem como motivação principal a prática dessa atividade e sim a procura de sol e praia.
O grande objetivo das organizações de combate à exploração sexual infanto-juvenil através do turismo é chegar às agências emissoras de pacotes para turistas estrangeiros e brasileiros que vêm a Fortaleza em busca de sexo fácil e barato. A partir dos relatos de crianças e adolescentes envolvidos com o turismo sexual na cidade de Fortaleza é possível chegar a alguns dos agenciadores e praticantes desse tipo de turismo.
Durante algum tempo de observação na Av. Beira-Mar, identificamos barraqueiros ao longo do calçadão oferecendo aos turistas crianças e adolescentes indiscriminadamente. Os barraqueiros das Praias do Mucuripe e Iracema foram identificados como os principais agenciadores de crianças e adolescentes na cidade. Geralmente o turista sexual escolhe o menino ou a menina e paga o programa para o barraqueiro da praia. É sempre possível observar essa situação nas praias urbanas da cidade na época de alta temporada.
A preparação de profissionais para atuação na atividade turística receptiva na região metropolitana da cidade de Fortaleza não é adequada para a formação de um turismo de qualidade. Na recepção de alguns hotéis, os funcionários intermediam a prostituição de pessoas do sexo feminino e masculino de qualquer idade para programas. Na maioria das vezes, a prestação de serviço desses recepcionistas está direcionada a executivos, especialmente homens que estão na cidade a negócios e que já são clientes do hotel.
Na identificação desse tipo de turismo, observou-se que é quase nulo o envolvimento sexual de crianças e adolescentes do sexo masculino com turistas do sexo feminino; geralmente essas crianças e adolescentes estão envolvidos no turismo sexual GLS.
Além da atuação de menores diretamente nos hotéis, pode-se observar na Avenida Beira-Mar e na Avenida Historiador Raimundo Girão a presença de um grande número de menores entre doze e 16 anos também envolvidos na rede ilícita da prostituição.
Os adolescentes que se prostituem nesse local utilizam produções femininas para atrair clientes. Durante algum tempo de observação identifica-se turistas sexuais parando ao longo da pista em carros alugados na busca desse tipo de programa. A maioria dos menores tem seus pontos fixos, e é mais visível a atuação de meninos travestidos do que com caracterização masculina que são os famosos garotos de programa: "Michês".
O problema dos "meninos jornaleiros", é que eles não são vistos pela comunidade local em suas insalubres situações de trabalho, durante as madrugadas, vendendo jornais nos sinais de trânsito. Expostos, esses meninos são explorados sexualmente por turistas estrangeiros que, no final da noite, passam de volta das boates e bares para suas localidades de hospedagem.
Nesse tipo de exploração sexual dos "meninos jornaleiros", observa-se também uma falta de interesse das organizações emitentes de jornais, que, por serem veículos de comunicação diária para toda a população, não deveriam esconder essa situação, que acontece todas as manhãs na distribuição de seus produtos, com seus funcionários, nas principais avenidas da cidade.
No anexo A, na página 76, encontra-se um mapa da exploração sexual infanto-juvenil da Avenida Historiador Raimundo Girão, alguns pontos da Avenida Beira Mar e de outras ruas próximas à essas avenidas.
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