Não é desconhecido dos operadores do direito, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente dos próprios avanços tecnológicos num mundo globalizado, o que não pode ficar á margem do ordenamento jurídico, não mais se podendo cogitar da possibilidade de empregar fórmulas medievais ou latinas num mundo com tal peculiaridade (o termo juntar aos autos, vem do hábito medieval de se costurar pergaminhos nos autos do processo com linha e agulha, o que perde sentido num mundo impregnado pela digitalização, inclusive com a possibilidade de formação de autos digitais como admitido pela Lei nº 11.419/07), estabelecida de forma sem precedentes no curso da evolução histórica.
Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam, como proposta inicial para a solução do problema referente ao hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[1](o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um "pensar" menos dogmático, mais aberto ao "perquerir", tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[2] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares, e, desta forma mais consentâneos com a realidade atual).
E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual "o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia"[3], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[4]reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[5].
Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra em pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo.
Tal discussão se torna muito evidente e atual, num mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida, por veículos como a internet e a própria mídia, de um modo geral, observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal (como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo, econômicas ?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de "dizer o direito", de forma imparcial).
Tais variáveis são postas em conflito, de forma candente, na questão de massas que se delineia no presente momento, com a discussão das ações versando sobre a possibilidade de alteração da carga tributária em detrimento do contribuinte e em contrariedade à vontade do Poder Legislativo, como se observou (e cuida-se de fato público e notório eis que amplamente divulgado pela mídia) na questão da votação da mantença da CPMF pelo Senado Federal, o que, como parece ser de singular obviedade franciscana, tenderá a levar à propositura de um elevado número de demandas similares, e, com certeza, terá como pano de fundo, a discussão a respeito da influência de fatores interdisciplinares como justificativas aptas à sustentação de quaisquer das teses jurídicas em conflito (até porque normalmente são invocadas antinomias aparentes de normas, com regimes jurídicos diversos, como se exporá adiante).
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