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Tópicos cruciais sobre pedofilia (página 2)

Roger Spode Brutti

Dessa arte, a generalização do termo pedófilo a autores de crimes sexuais efetivados contra pessoas menores de idade é errônea, mas, a bem da verdade, já estabelecida coloquialmente. Cumpre salientar, ainda, que o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition (DSM-IV), da Associação de Psiquiatras Americanos, aduz a definição de uma pessoa pedófila, mas especifica que a sua caracterização só se perfectibilizará,  caso cumpram-se os três quesitos seguintes: 1- Por um período mínimo de seis meses, a pessoa deveria possuir intensa atração sexual, fantasias sexuais ou outros comportamentos de caráter sexual relativos a pessoas menores de 13 anos de idade; 2- A pessoa deveria apresentar desígnio de  realizar seus desejos, sendo que o seu comportamento é seria afetado pelos seus próprios desejos e/ou referidos desejos acabariam causando estresse ou dificuldades intra e/ou interpessoais ao paciente; e 3- A pessoa possuiria mais do que 16 anos de idade e seria, no mínimo, cinco anos mais velha do que a(s) criança(s) citada(s) no primeiro critério.

Note-se, pois, que o ato sexual entre pedófilo e criança não necessita estar presente, sendo que uma pessoa poderá, perfeitamente, ser considerada clinicamente como pedófila apenas pela presença de fantasias ou desejos sexuais em sua mente, desde que configurados os três critérios supraditos.

Isso posto, o termo pedofilia é de conotação clínica, não penal, embora largamente seja utilizada nas manchetes policiais como sinônimo da prática de autores de abusos sexuais para com menores. Por sua vez, a legislação penal brasileira, acertadamente, não utiliza explicitamente referida terminologia, expondo, isto sim, em vários tipos penais, tipificações que abarcam como sujeitos passivos de crimes sexuais pessoas de tenra idade, como veremos no tópico seguinte.

PREVISÕES PENAIS RELATIVAS À PEDOFILIA

Em 1989, adotada pela ONU[10], a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 19, expressamente obriga aos estados a adoção de medidas que protejam a infância e a adolescência do abuso, da ameaça ou da lesão à sua integridade sexual.

A legislação brasileira não estabelece tipificação específica atinente ao termo "pedofilia". Todavia, o contato sexual entre adultos e crianças pré-púberes ou não se enquadra juridicamente em tipos penais tais como o estupro[11] e o atentado violento ao pudor[12].

Há, ainda, o tipo previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente[13], que traz texto misto ou de conteúdo variado, ao estabelecer como crime a conduta de quem apresenta, produz, vende, fornece, divulga ou publica, por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores (internet), fotografias ou imagens com pornografia[14] ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes.

Em verdade, a preocupação para com a proteção das pessoas menores de idade já veio consagrada na Constituição Federal brasileira em seu art. 227, onde consta que é dever não só do Estado, mas também da família e da sociedade, garantir meios ao desenvolvimento salutar da criança e do adolescente[15]. No seu parágrafo 4º, ainda, aquele dispositivo constitucional concede mais do que simples gênese ou escoro, mas imperativo inevitável à repressão de abusos envolvendo a temática em epígrafe por meio do estabelecimento de normas repressoras.[16]

Se bem procurarmos, decerto, outros tipos relacionados ao tópico do assunto especial tratado neste redigido exsurgirão, como bem ocorre com as previsões contidas nos arts. 240 e 244,A, do ECA[17]. Não obstante, o que se pretendeu neste ponto foi a exposição de que a legislação brasileira, sem gris algum, estabelece múltiplas hipóteses de enquadramento legal daquelas pessoas que incidem em atos desvaliosos consistentes no abuso sexual de menores, a despeito de não conter qualquer tipo específico relativo ao termo "pedofilia". Nesse sentido, como antes se viu, é de fato errônea a utilização deste termo clínico de forma generalizada para com os autores de crimes sexuais praticados em desfavor de seres humanos de pouca idade, porquanto o pedófilo nem sempre é criminoso, pois pode nutrir fantasias sexuais envolvendo menores sem efetivá-las, bem como o sujeito ativo dos tipos exemplificados neste capítulo pode nunca haver tido atração "primária" por infantes, mas pode haver consumado crimes sexuais contra meninos ou contra meninas por motivos outros tais como estresse, problemas no casamento, ou, o que é mais comum, pela carência de um parceiro adulto.

Por fim, em torno do tema ainda há interessantíssimas questões processuais pontuais que abrilhantariam ainda mais a temática, como a discussão atinente à necessidade, ou não, de condição de procedibilidade naquelas hipóteses de violência presumida onde o ato teve o consentimento do sujeito passivo[18]. Não obstante, frise-se, o que se propôs nesta exposição foi apenas nortear o leitor a obter uma visão panorâmica acerca do real significado do termo pedofilia, as principais previsões legais referentes ao tema envolvendo a exploração sexual de menores e, como se verá adiante, as indesejadas dificuldades probatórias concernentes às atividades da Polícia Judiciária na busca pela comprovação da autoria e da materialidade destes ilícitos.

DIFICULDADES PROBATÓRIAS ENFRENTADAS PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA SOBRE A TEMÁTICA EM EPÍGRAFE

Como agravante fastidioso que assola não só os menores de idade vítimas de crimes sexuais, mas também à Polícia Judiciária no seu essencial e precípuo papel tendente a elucidar a autoria e comprovar a materialidade de desvaliosos atos da espécie, estampa-se que essa ilicitude ocorre ordinariamente às escuras, longe dos olhos de testemunhas, onde, no mais das vezes, o único indício que se tem é a palavra da própria vítima[19].

[20] afirmar que a palavra da vítima constitui-se em um elemento de suma importância na formação da prova em crimes contra os costumes, já que é elemento natural da conduta ser esta levada a efeito longe dos olhos de terceiros.

Nessa linha, não se há de olvidar que a prova pericial também resta muitas vezes prejudicada, porquanto, em tantos episódios, configuram-se sujeitos ativos do crime o próprio pai das vítimas, desumanos que são, onde, na ausência de demais familiares, aproveitam-se da sua prole acariciando as suas partes íntimas, não permitindo restarem indícios a serem coletados mais tarde, vendo-se, assim, depreciada a elaboração de perícia, em decorrência da ausência dos vestígios.

Fato ainda alarmante em nossa vida já tão privilegiada de recursos informáticos é o fenômeno que ocorre via internet, onde imagens e vídeos são lançados na rede mundial de computadores divulgando cenas de sexo explícito entre adultos e crianças.

Com efeito, há uma infinidade de programas de compartilhamento de arquivos disponíveis gratuitamente na rede mundial de computadores, tais como: iMesh, Ares Galaxy, eMule, µTorrent, Kazaa, BitTorrent, Alliance, Nakido, GenialGiFT, Gnutella, Turbo Torrent, BearShare, Lphant, Hello, BitTornado e Qnext. A problemática toda, pois, consiste no fato de que os programas de compartilhamento de arquivo, simplesmente, compartilham, rápida e gratuitamente, o vídeo e a imagem que o usuário bem entender em divulgar entre o seu computador e quaisquer outros computadores espalhados pelo mundo, desde que conectados à internet e com algum programa de compartilhamento em funcionamento. Caso deseje, por exemplo, que o seu vídeo seja capturado por um computador de um usuário que jamais desejaria assistir a um vídeo de pornografia infantil, basta nomear o referido arquivo de vídeo com um outro nome qualquer. Desta forma, o receptador inocente acreditará estar baixando para o seu computador um vídeo lícito, mas, na verdade, tratar-se-á de uma filmagem doentia envolvendo o estupro ou o atentado violento de uma criança de tenra idade. O pior de tudo, ainda, é o fato de que, ao deixar o seu computador ligado e baixando referido vídeo, sem imaginação acerca do seu verdadeiro conteúdo, automaticamente, e isso é o natural entre os programas de compartilhamento de arquivo, outros usuários do mundo todo já estarão também capturando automaticamente do computador desta inocente pessoa o referido [21] e upload[22].   

Em assim sendo, percebe-se que uma pessoa inocente, sem imaginar, recebeu um vídeo criminoso e repassou-o a incontáveis outras pessoas, o que dificulta sobremaneira a sua responsabilização criminal. Claro, e isto é certo, a exemplificação supradita referiu-se a um arquivo com nomenclatura simulada e, deduz-se, assim que identificado fosse seria deletado incontinenti pelo usuário surpreendido.

 Todavia, é preciso restar claro que o compartilhamento de arquivo por meio dos programas alhures referidos pode ocorrer de tal forma que, mesmo estando os vídeos ou imagens denominados com a expressão "pornografia infantil", ainda assim a identificação dos seus usuários e propagadores criminosos é problemática, dada a celeridade com que as trocas ocorrem e em decorrência do cuidado com que os delinqüentes costumam levar a efeito seu comportamento criminoso separando em seus computadores, após as propagações, aqueles arquivos ilícitos compartilhados, removendo-os das pastas de download e de upload para uma pasta à parte daquelas próprias do programa de compartilhamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isso posto, viu-se, neste ligeiro escrito, que a noção coloquial que imputa de forma generalizada aos crimes sexuais praticados contra menores como sendo a sua totalidade ocasiões de "pedofilia" é concepção equivocada, porquanto esse tipo de parafilia é termo clínico, não penal.

Viu-se, além disso, que vários tipos penais estão dispostos na legislação pátria, a fim de que não se veja isento de responsabilidade criminal aquele que satisfaz a sua lascívia aproveitando-se de criaturas humanas de tenra idade.

Por fim, foi possível visualizar-se, ainda, algumas dificuldades enfrentadas pela Polícia Judiciária na elucidação de crimes desta espécie, tanto naquelas hipóteses em que ninguém pôde testemunhar a conduta, porquanto efetivada longe dos olhos de terceiros, bem como, e isto é tão preocupante quanto, naquelas hipóteses onde os doentios autores de tamanha ilicitude resolveram, ousadamente, propagar ao mundo inteiro, por meio da rede mundial de computadores, as cenas repulsivas de suas atrozes condutas.        

 

 

Autor:

Roger Spode Brutti

rogerinteligente[arroba]yahoo.com.br

Delegado de Polícia Civil no RS. Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (UNICRUZ). Mestrando em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Franciscana do Brasil (UNIFRA). Especializando em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Professor Designado de Processo Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS).


[1] [De ped(o)- + -filia.] S. f. Psiq. 1.    Parafilia representada por desejo forte e repetido de práticas sexuais e de fantasias sexuais com crianças pré-púberes. * Pedofilia erótica.  Psiq. 1. Perversão sexual que visa a criança. 

[2] A Classificação Internacional de Doenças (CID-10), da Organização Mundial da Saúde (OMS), item F65.4, define a pedofilia como "Preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou de outro sexo, geralmente pré-púberes, ou não".

[3] [De par(a)- + -filia.] S. f. Psiq. 1.      Cada um de um grupo de distúrbios psicossexuais em que o indivíduo sente necessidade imediata, repetida e imperiosa de ter atividades sexuais, em que se incluem, por vezes, fantasias com objeto não humano, auto-sofrimento ou auto-humilhação, ou sofrimento ou humilhação, consentidos ou não, de um parceiro. [Deste grupo fazem parte o exibicionismo, o fetichismo, a frottage, a pedofilia, o masoquismo sexual, o sadismo sexual e o voyeurismo.]

[4] A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede é em Genebra, na Suíça. O director-geral é, desde 2006, o sueco Anders Nordström.

[5] Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é um tratado que visa à proteção dos menores em todo o mundo, aprovada na Resolução 44/25 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.

[6] A Assembléia Geral é o órgão intergovernamental, plenário e deliberativo das Nações Unidas, e é composto por todos os países membros, tendo cada um direito a um voto. É um fórum político que, igualmente, supervisiona e coordena o trabalho das agências.

[7] LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

[8] Croce, Delton, et alli, Manual de Medicina Legal, Saraiva, São Paulo, 1995

[9] [Do lat. primariu.] Adj. 1.Que antecede outra; primeira.

[10] A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada oficialmente a 24 de Outubro de 1945 em São Francisco, Califórnia por 51 países, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira Assembléia Geral celebrou-se a 10 de Janeiro de 1946 (em Westminster Central Hall, localizada em Londres). A sua sede atual encontra-se na cidade de Nova Iorque.

[11] Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

        Parágrafo único.(Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996)

        Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

[12] Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal :

        Parágrafo único.  (Revogado pela Lei n.º 9.281, de 4.6.1996

        Pena - reclusão, de seis a dez anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

Obs.: perceba-se que o termo "alguém" abrange tanto o homem como a mulher no polo passivo do crime e, logicamente, tanto meninos como meninas. Vide, também, Lei nº 8.072, de 25.7.90, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

[13] Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

[14] A definição exata de pornografia - e por extensão de pornografia infantil - é controversa, englobando geralmente filmes ou fotografias com cenas de sexo explícito e, ainda, dependendo do caso, algumas formas de nudez com conotação intencionalmente erótica

[15] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[16] CF, art. 227, § 4º: A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

[17] Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de sexo explícito ou vexatória: (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

  Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000)

Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.

[18] Um exemplo dessa instigante palpitância é o fato de que o consentimento da vítima menor de quatorze anos e sua experiência sexual anterior não descaracterizariam a presunção de violência no crime de estupro (CP, art. 213 c/c art. 224, a), conforme entendimento firmado em Plenário no julgamento do HC 74.983-RS (DJU de 29.8.97, v. Informativo 77). Habeas corpus que foi indeferido, vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia a ordem, ao fundamento de que a presunção de violência é relativa. Precedentes citados: HC 74.700-PR (DJU de 9.5.97); RE 108.267-PR (RTJ 130/802); HC 74.286-SC (DJU de 4.4.97); HC 74.580-SP (DJU de 7.0.97); HC 69.084-RJ (RTJ 141/203) e HC 74.983-RS (DJU de 29.08.97). HC 76.246-MG, Min. Carlos Velloso, 13.02.98.

[19] "Em tema de delitos sexuais é verdadeiro truísmo dizer que quem pode informar da autoria é quem sofreu a ação. São crimes que exigem isoladamente, o afastamento de qualquer testemunha, como condição mesma de sua realização, de sorte que negar crédito à ofendida quando aponta quem a atacou é dasarmar totalmente o braço repressor da sociedade". (TJSP - AP - Rel. Acácio Rebouças - RT 442/380).

[20] [Do ingl. truism (de true, 'verdadeiro').]S. m. 1.Verdade trivial, tão evidente que não é necessário ser enunciada: "É já um truísmo dizer-se que a vida tem um ritmo próprio"  (Mário de Alencar, Contos e Impressões, p. 179). 

[21] [Ingl.] S. m. 1. Numa rede de computadores, obtenção de cópia, em máquina local, de um arquivo originado em máquina remota.

[22] [Ingl.] S. m.  Inform. 1.     Numa rede de computadores, envio, para um computador remoto, de cópia(s) de arquivo(s) originado(s) em máquina local. 



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