Caracterização da necessidade de conexão simétrica entre a Constituição e o regramento infraconstitucional, procedendo uma breve explanação acerca da força soberana das normas constitucionais de forma a expressar um devido escalonamento entre estas e as leis de menor hierarquia. Pontuando as bases do controle de constitucionalidade, partimos para o controle difuso de constitucionalidade, a verificação da compatibilidade das leis com a Constituição, consagrando, desta feita, a supremacia constitucional e a sua origem com caso Marbury versus Madison.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Força normativa. Controle de constitucionalidade. Controle difuso de constitucionalidade. Caso Marbury versus Madison.
Fundamos principalmente na teoria da força normativa da Constituição, buscaremos no presente trabalho estabelecer um porque da supremacia da Lei Maior em face do regramento infraconstitucional.
Reconhecendo a indubitável legitimidade da norma constitucional em face de um aspecto de norma "pressuposta", tal como Kelsen, teoria que adotaremos como sendo adequada, torna-se de suma importância estabelecer uma conexão entre o fundamento de legitimidade das normas e o presente foco de estudo. Reconhecemos então que a Constituição tanto em sentido material quanto em sentido formal deve ser aquele documento plenamente impregnado pelos ensejos populares mais justos e não aqueles individuais caracterizados pela indiferença com o alter e preocupados apenas com a auto-satisfação, mas sim um dever ser expressão da abdicação de liberdades individuais para compactuar com a esfera de proporções intangíveis que visará o bem comum. Em que pese adotamos a idéia de escalonamento legitimante de normas - Pirâmide de Kelsen – não será tema se a fonte legitimadora de ultima instancia, a Constituição, é algo meta-jurídico como uma "Grundnorm" ou simplesmente o reconhecimento e incorporação de tal norma pelo povo. Partiremos apenas da idéia de que a Constituição é a fonte emanadora de legitimidade às demais normas, portanto legítima.
Cabe agora afirmar que todas essas normas que buscam legitimação na Constituição devem apresentar plena condizencia e adaptabilidade àquela, sob pena de ser revogada por ser inconstitucional. A jurisdição constitucional é o meio de fazer a verificação de compatibilidade entre regramento ordinário e Constituição, e no controle difuso de constitucionalidade essa missão não é apenas do Supremo Tribunal Federal, como no concentrado, mas de qualquer Juiz ou tribunal. A idéia do judicial review, da verificação de compatibilidade dos atos dos poderes legislativo e executivo em relação à Constituição feita pelo executivo, que surge no caso que abordaremos o Marbury versus Madison, instituindo um dos pilares do constitucionalismo moderno através da sentença do Juiz Marshall. Contudo, nem tudo são flores, surge o problema do "Estado do Judiciário", não estaria o Poder Judiciário com mais poderes que efetivamente deveria ter? Não está havendo uma supremacia do Poder Judiciário sobre os outros poderes? É uma questão a ser levantada.
Atualmente, aventurar-se naquela seara que discorre acerca do poder normativo das normas constitucionais torna-se tarefa arriscada, porém necessária. Arriscada, pois, aquele que se dedica a tal feito corre o risco de, sobretudo, incorrer no erro do paradigma da modernidade falida, naquele erro que causa espasmos em (nossos) intelectos que clamam pela realização do modelo garantista de Constituição, enfim o erro de ser apenas mais um positivista cego que vê a concretização da norma constitucional em seu próprio texto e que é apenas mais uma boca que profere a lei.
Inseridos num mar de turbulências sociais cada vez maiores, o ator jurídico se vê cada vez mais compelido a admitir que ao lado das relações fáticas expressas pelas forças políticas e sociais (Constituição jurídica) há também necessidade, ensejos, clamores e paixões humanas muitas vezes intangíveis, porém inegáveis (Constituição real) esta última que será baliza daquela e vice e versa. Para haver um devido equilíbrio entre aquele pedaço de papel e a atmosfera ontológica social humana, se faz necessário a adequação da Constituição jurídica aos ensejos sugeridos pelo caráter do povo, sempre na busca do bem comum e ao mesmo tempo um sentimento verdadeiro por parte da sociedade que legitime e de impulsão a "Lei Maior", para tanto sublimamos o que Konrad Hesse chama de "vontade de Constituição".
Desta forma a Constituição jurídica legitima deverá possuir o máximo poder normativo, emanando do topo da pirâmide imaginada por Kelsen a luz que trilhará os caminhos para Constituição real, sem, contudo deixar de sujeitar-se e consignar-se a esta.
Após breve explanação acerca da força normativa das disposições constitucionais, chegamos ao foco do nosso estudo. Entendemos que para a Constituição jurídica ser expressão máxima do poder soberano do Estado, caminhando em paralelo à Constituição real e ditando-lhe as diretrizes do bem comum, antes de tudo ela deve ser capaz de controlar completamente a legislação infraconstitucional, fazendo com que esta esteja simetricamente impregnada com seu espírito. Imaginemos o exemplo de um rei que exige o respeito de seus súditos, sem ao menos possuir de seus serviçais, assim que se apresenta o cenário das relações entre Constituição e regramento infraconstitucional.
Como bem aponta Barroso, durante a longa trajetória institucional brasileira é observável uma constante instabilidade nos textos constitucionais tupiniquins, de forma que a avalanche de emendas e remendos, que ainda prossegue
"(...) sob a perspectiva jurídica, a constante variação, gerando incerteza, distancia-se de um dos eixos principais em torno do qual deve gravitar um Estado de direito: a segurança, a estabilidade das relações jurídicas, políticas e sociais."
Assim já se afigurava a dificuldade cada vez maior dos atores jurídicos de manter a confluência entre a norma superior constitucional – que na maioria das vezes parece o rio de Heráclito – e o mar da legislação infraconstitucional que nos assalta no cotidiano.
Consideramos então que os responsáveis por proceder a filtragem constitucional estejam utopicamente tomados pela tão valiosa vontade de Constituição de Hesse ou do sentimento constitucional para Barroso - esqueçamos por um instante que em nosso país um indivíduo enquadrado no artigo 157 do Código Penal em um semáforo paulistano possua a mesma vontade de Constituição de um representante político que utiliza dinheiro público para saldar contas particulares – e que lutem incondicionalmente para sustentar em um país em crise a segurança, a estabilidade das relações jurídicas, políticas, sociais e para tanto sejam os protagonistas do nosso objeto de estudo: o controle de constitucionalidade.
Acordados semanticamente os motivos imprescindíveis da concordância dos atos normativos com a norma constitucional, temos agora os requisitos fundamentais do controle, que segundo Lenza uma Constituição rígida, que é aquela na qual os atos normativos constitucionais para serem modificados devem passar por processos mais dificultosos que aqueles destinados a criação e modificação de leis ordinárias; e a atribuição de tal tarefa à determinado órgão.
Como explanamos anteriormente é a Constituição jurídica aquela responsável por compactuar com a Constituição real, nos termos de Hesse, conclui-se que aquela é no mínimo a regra máxima de onde deve emanar legitimidade às leis de posição hierárquica inferior. Estabelece-se assim uma relação vertical, onde aquelas normas inferiores que condizem formal e materialmente com a norma superior possuem compatibilidade vertical e aquelas que ao contrário, estão em conflito com a Constituição possuem incompatibilidade vertical. Neste último caso, diagnosticada a mazela, devem colocar-se os órgãos competentes à saná-la. Na faceta concentrada brasileira de controle de constitucionalidade cabe ao Supremo Tribunal Federal sanar tais aberrações, para tanto se adotou no Brasil a teoria da nulidade, fortemente influenciada pelo sistema norte-americano, onde se reconhece o "vício congênito" na lei inconstitucional. Segundo esta visão a lei já teria nascido morta e todos os atos jurídicos que dela foram advindos devem ser igualmente declarados nulos – efeitos ex tunc.
Em sentido contrario ao norte-americano – teoria da nulidade – temos a teoria da anulidade, típica do sistema austríaco, no qual o controle de constitucionalidade cabe apenas à Corte Constitucional, que anula a lei a partir de determinado momento e até então ela foi válida e os efeitos dela oriundos continuam valendo. – efeitos ex nunc.
Apesar de predominar na doutrina brasileira a teoria da nulidade, percebemos uma paulatina mitigação desta ideologia em prol da segurança jurídica e dos atos jurídicos perfeitos, tal como constatado no artigo 27 da Lei nº 9868/99:
"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."
Em relação ao âmbito concentrado na esfera federal, é assim denominado por concentrar-se em um único tribunal e pode ser verificado cinco circunstancias: ADIn ou ADI (ação direta de inconstitucionalidade), ADPF (argüição de descumprimento de preceito fundamental), ADIn por omissão, ADINn interventiva e ADECON ou ADC (ação declaratória de constitucionalidade).
Porém não nos aprofundaremos nessa espécie de controle de constitucionalidade, concentrado, pois nosso foco específico é aquela outra espécie do gênero, o controle difuso de constitucionalidade.
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