Sê justo: antes de mais nada, verifica, nos conflitos, onde está a justiça. Em seguida, fundamenta-a no Direito. (Juan Carlos Mendonça)
Só existem duas coisas infinitas: o Universo e a burrice humana; se bem que estou em dúvida quanto à primeira. (Albert Einstein)
Com o advento da mais recente reformulação do Código de Trânsito brasileiro, alguns questionamentos mostraram-se à vista dos estudiosos e aplicadores da norma. Em especial, brotou perplexidade quanto à aparente inviabilidade da prova testemunhal como mecanismo suficiente para a configuração do delito de embriaguez ao volante, ante à expressão concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. Todavia, mostrar-se-á neste redigido que, se para o entendimento de uma lei bastasse tão-somente o conhecimento da gramática com que o texto foi escrito, desnecessária seria a figura dos intérpretes, tais como os doutrinadores, juízes, tribunais e demais hermeneutas, bastando para a execução dos comandos legais que os seus agentes fossem, simploriamente, alfabetizados.
Recentemente, entrou em [1] do Legislador foi o de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, conclusão singela que se faz pela simples análise do primeiro e principal mandamento contido na Lei 11.705/2008 que implementou o conjunto de novidades ora em debate.
Não obstante o cristalino intuito do Legislador, mais uma vez ele laborou em equívoco, como já fizera antes com algumas reformulações em matéria de trânsito, à luz, p. ex., do ocorrido com a infração penal consistente em dirigir veículo automotor sem a devida permissão ou habilitação legal. Com efeito, a infração de dirigir veículo automotor sem a devida habilitação era reprimida, antes do advento do atual Código de Trânsito Brasileiro, pela Lei das Contravenções Penais[2], em seu artigo 32. Até então, não era necessária a produção de perigo concreto, para a perpetração do ilícito.
Todavia, com o advento do CTB, passou-se a exigir perigo concreto, em decorrência da expressão elementar contida no seu artigo 309[3], qual seja, "gerando perigo de dano". Assim, apesar do intuito do legislador em impor maior rigor no combate às infrações de trânsito, ao ser implementado o CTB no ano de 1997, o resultado foi inverso do pretendido ao menos no que se refere à condução de veículo automotor sem a devida Permissão ou Habilitação para Dirigir, bem como, ainda, se cassado o direito de conduzir, em decorrência da exata expressão gerando perigo de dano.
Em virtude disso, então, tornou-se incontável a gama de condutores não autorizados que passaram a isentar-se de qualquer responsabilidade penal, ainda que agissem por meio de condutas livres e conscientes. Isso, indubitavelmente, constituiu-se em uma grande conquista a todos eles, infratores de trânsito. As Polícias Rodoviária e Militar, hoje, já não chegam mais sequer a apresentar nas delegacias de polícia ocorrências de condução de veículo automotor sem habilitação legal, se não verificada geração concreta de perigo, por já se haver tornado assente a jurisprudência a esse respeito.
Isso já ocorrera, também, com a questão da arma de fogo desmuniciada. Assim, enquanto a posse e o porte irregulares de arma de fogo eram tratados pela Lei das Contravenções Penais, tanto fazia estar o instrumento bélico municiado ou não, haveria inevitável incidência típica. Agora, quando o Legislador, então, desejando tornar a matéria mais severa, em decorrência da vultosa gama de crimes praticados por meio de instrumentos bélicos no País, implementando a Lei nº 9.437/97, após a ab-rogando[4] por uma norma ainda mais rigorosa, qual seja ela, a Lei nº 10.826/03, foi concedida, nesse momento, gênese à problemática seriíssima consubstanciada em uma verdadeira avalanche de conflitos jurisprudenciais, ora considerando crime, ora não, a posse ou o porte de arma de fogo sem munição (grifo meu).
Presentemente, com o advento da Lei nº11.705/2008, com a qual se deu execução a algumas reformulações no Código de Trânsito Brasileiro, mais uma vez o Legislador não se atentou para alguns detalhes vitais, dentre eles o princípio de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo!
Dessa arte, como se constatar a percentagem de seis decigramas estipulada no corpo do artigo 306 do CTB, se o infrator não desejar submeter-se ao teste do bafômetro ou não permita a coleta do seu sangue?!
Não resta, pois, como se verá ao longo deste artigo, outra faculdade ao intérprete, perplexo com a grafia utilizada pelo Legislador, que não a hermenêutica jurídica, a fim de se tornar cristalina e lúcida a vontade patente do legislador, consubstanciada no desejo de impor maior rigor aos infratores das normas de trânsito, não obstante, como já se disse acima, as impropriedades e imperfeições com que tentou exprimir esse seu intuito.
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