O direito é inegavelmente uma técnica de controle social que se for bem utilizada será ferramenta apta à pacificação social a que, ao menos idealmente (em prelados eudaimônicos ou não utilitaristas), se prestaria a sua finalidade precípua, de tal sorte que não parece mais haver espaço para que magistrados busquem em seus provimentos incidências rígidas de fórmulas abstratas descompromissadas com a consecução da finalidade de assecuração da razoabilidade ou justiça no caso concreto.
Sem tal pacificação social, galgada a finalidade da jurisdição por Carnelutti, restaria como inviabilizado qualquer empreendimento econômico, a segurança das pessoas restaria comprometida, a legitimidade para a cobrança dos impostos restaria comprometida, enfim, o Estado de desapareceria, passando o ordenamento a ser entendido numa acepção bruta do quanto asseverado por Rousseau em seu célebre contrato social.
Essa idéia de pacificação passa pela necessidade de observância dos direitos de cada qual, de sorte tal que situações de não observância encontrem rápida resposta de um Estado eficiente, sob pena de absoluta falta de coerção e efetividade das normas no meio social e total falta de credibilidade do sistema.
Quiçá por essa razão o Projeto de Código de Processo Civil, em sua Exposição de Motivos, ofereça tanta ênfase na necessidade de se desarraigar o formalismo técnico fundado no oitocentismo processual (ou forma liberal de pensar e conceber o direito por cânones do séc. XIX, num pensamento extremamente dogmático)[1], para que se alcance, dentro da técnica processual, uma maior efetividade do processo.
Referida questão passa pelo exame da necessidade de se conferir não só uma eficácia formal aos atos processuais, mas o que se passa a buscar é algo mais amplo - uma efetividade de tais atos processuais – o processo não é pode mais ser visto como um fim em si mesmo, devendo-se almejar sua utilização como instrumento de consecução de algo maior, qual seja, o direito de ação, liberdade pública ou fundamental right, previsto na norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal e, ainda mais importante, se conferir efetividade aos direitos materiais previstos pelo ordenamento jurídico pátrio e instrumentalizados por este direito de ação.
Ora, de nada adianta que o texto legal permita ou coíba tal ou qual conduta no âmbito do direito material se a sociedade não puder ser pacificada pela jurisdição, principal forma de heterocomposição do sistema jurídico pátrio.
Sobre tal questão valeria lembrar, como asseverado por João Batista Lopes:
A preocupação com a efetividade do processo é a tônica na doutrina contemporânea, mas o tema não constitui novidade absoluta, como se demonstra com a célere frase de Chiovenda: "il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há un diritto tutto quello e próprio quello ch`egli diritto conseguire. O conceito de efetividade é, porém, volátil ou indeterminado. Etimologicamente, efetividade deita raízes no Latim (ex mais facere: efficere), que significa fazer inteiramente, produzir, executar, cumprir[2]
Assim, processo e constituição devem estar intimamente ligados para a consecução de fins comuns no que tange a uma pacificação efetiva da sociedade. No mesmo sentido, de se destacar que Cândido Rangel Dinamarco, ao discorrer a respeito do tema em questão:
A idéia-síntese que está à base dessa moderna visão metodológica consiste na preocupação pelos valores consagrados constitucionalmente, especialmente a liberdade e a igualdade, que afinal são manifestações de algo dotado de maior espectro e significação transcendente: o valor justiça. O conceito significado e dimensões desses e de outros valores fundamentais são, em última análise, aqueles que resultam da ordem constitucional e da maneira como a sociedade contemporânea ao texto supremo interpreta as suas palavras – sendo natural, portanto, a intensa infiltração dessa carga axiológica no sistema do processo (o que, como foi dito, é justificado pela instrumentalidade).[3]
Prossegue o mesmo autor no sentido de que a tutela constitucional do processo tem a finalidade de resguardar os institutos do direito processual com base em princípios suscitados pela ordem constitucional, o que, em última análise deve ser objeto de pronta prestação jurisdicional. Neste sentido, inclusive, destaca-se o trecho que se pede vênia para transcrever:
O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações de liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade.[4]
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