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O primeiro Capítulo desta monografia é uma retomada histórica da política de Assistência Social no Brasil, buscando analisar seus primeiros traços surgidos na transição entre o modo de produção escravagista e o modo capitalista, trazendo as suas nuances. Busca-se expor essa trajetória, que ao longo dos anos no Brasil, esteve relegada ao segundo plano. Este capítulo apresenta um apanhado das construções feitas nesta política, tomando como marco a Constituição de 1988, e aborda essa construção histórica da Assistência no Brasil, antes e após a constituição federal.
O segundo capítulo traz a história da criança e do adolescente com o exímio maestro da história Phillippe Ariès, que ilumina essa história da Família e da infância, trazendo o conhecimento da formação dessa sociedade complexa, e da instituição família até o momento que conhecemos. Alguns outros autores utilizados irão contextualizar essa formação no Brasil, como na Europa, o berço das observações de Ariès, a Criança aqui também foi excluída das políticas, sempre esquecida, explorada, sujeita a maus-tratos, violentada em seus direitos básicos de infância, e ao falar em infância José Mauro de Vasconcelos (1975) foi o escritor que, na opinião deste pesquisador, mais se aproximou da retratação cotidiana de uma criança pobre no Brasil, isso feito em sua obra "Meu Pé de Laranja Lima" (uma ficção com lampejos de realidade). Essa obra conta a história de uma criança pobre chamada Zezé, com uma família de muitos irmãos, cujo pai estava desempregado. A trama é cercada de conflitos relacionados à família e à infância de Zezé. E um dos momentos, que sempre leva esse pesquisador as lágrimas, é uma conversa de Zezé com o Portuga (amigo dele de uns 50 anos mais ou menos), depois de uma surra de ficar de cama, ele vai ao encontro desse seu amigo em uma confeitaria, e encontra-o lá, começa a conversar com ele sobre o acontecido, no trecho abaixo Vasconcelos consegue, com um realismo quase palpável, traduzir o cotidiano da vida de uma criança pobre (Anexo 1)
A infância tem esses conflitos presentes nela, desde a descoberta do Brasil e através dos séculos foi relegada ao esquecimento, mas como podemos notar na obra literária de Vasconcelos (1975), que em meio à infância existe um contexto social, sujeitos envolvidos que demandam atenção familiar, demandas essas que atravessam esses sujeitos dando um sentido histórico, próprios à questão social, tais como: o desemprego – como fator desencadeador de inúmeras expressões da questão social – a violência, a pobreza, a falta de habitação, a educação e outras tantas, dando um sentido a esses atores envolvidos, e tudo isso em movimento constante, colocam ingredientes que temperam essas relações.
O terceiro capítulo vai falar de família, essa instituição que está presente na civilização, com uma relação intrincada na sociedade humana e que é um espaço cercado de conflitos como diz Mioto (2013), e que precisa ser discutido em sua totalidade. Também trará o resultado da pesquisa de campo realizada no CRAS – Floresta.
CAPÍTULO I
No presente capítulo realizar-se-á um resgate histórico da Política de Assistência social no Brasil, porque se faz necessário uma retomada dessa história para entendermos melhor este movimento de conquista de direitos, bem como sua organização e sua formação em momentos distintos, principalmente tomando como marco a constituição de 1988, revisitando o antes e verificando o pós-constituição (1988).
1.2 Antes da Constituição de 1988: Assistência social como mediação de conflitos.
Segundo Behring Boschetti (2009), não se pode definir com exatidão os primeiros traços de política social ou do que viria a se configurar como tal; se revisitarmos os fundamentos das políticas sociais, veremos que começaram a surgir quando os movimentos sociais se intensificaram, no avultamento do capitalismo; momento em que a revolução industrial se torna eminente e se acirra a questão social e as lutas de classe, exatamente quando o Estado já tem seu braço firmado na mediação destes conflitos e o seu desenvolvimento, uma realidade consolidada.
Porém, o marco "inicial" das politicas sociais foi no pós-segunda-guerra-mundial.
"Sua origem é comumente relacionada aos movimentos de massa socialdemocratas e ao estabelecimento dos estados-nação na Europa ocidental no final do século XIX (Pierson, 1991), mas sua generalização situa-se na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, em especial na sua fase tardia, após a segunda guerra mundial (pós – 1945)." (BEHRING E BOSCHETTI, 2009: 42)
Ao analisarmos o Brasil vemos que a dinâmica de surgimento das políticas sociais são "semelhantes". Elas foram implantadas, tendo como pano de fundo as lutas de classes, com o acirramento da questão social, em meio a um contexto do mundo capitalista em crise que alcançava o país. Apesar de no Brasil essa condição de capitalismo ser diversa da realidade europeia e dos países onde ocorreu a revolução industrial, Behring e Boschetti ao analisarem a questão dizem que:
"O Brasil capitalista moderno seria, então, um "presente que se acha impregnado de vários passados" (Ianni, 1992: 63), em função da nossa via não clássica desse processo de transição para o capitalismo. Prado Jr. (1991) identificou a adaptação brasileira ao capitalismo a partir da substituição lenta do trabalho escravo pelo trabalho livre nas grandes unidades agrárias numa "complexa articulação de "progresso" (a adaptação ao capitalismo) (BEHRING E BOSCHETTI, 2009: 72)
No Brasil o processo de industrialização e desenvolvimento do capitalismo foi mais lento que na Europa, o berço da revolução industrial, que já no final do século XIX estava totalmente desenvolvido, em terras brasileiras ainda estava na transição do sistema escravagista para o capitalismo de fato, que devido à eminência de uma classe dominante com forte influência agrícola, ainda se podiam achar traços do antigo sistema, mesclados com o novo que surgia; e com a chegada de imigrantes europeus que passavam a povoar as grandes unidades agrícolas, que eram a economia principal do país, a questão social emergente era uma realidade, sobretudo, pelo fato que com a abolição da escravatura, tem-se uma grande quantidade de escravos, agora "desempregados", que passavam a engrossar a fila da pobreza e da miséria.
Conforme estudos de Fausto (1995), uma forte imigração se deu para os centros urbanos, no entanto, ocupando-se prioritariamente da agricultura, principal atividade econômica, com cerca de 80% da economia vigente, ficando o restante distribuído entre a indústria e serviços sendo este último, eminentemente de serviços domésticos.
A característica principal deste mercado era de uma população de analfabetos, negra, mesclada com os imigrantes atraídos pelo café que despontava como uma fonte rentável, concentrada no centro-sul do país. A Região Nordeste em franca decadência, isso devido aos incentivos do exterior para a produção agrícola, pois as terras virgens e promissoras estavam agora centradas na Região Sul do Brasil. Os países consumidores de café aumentaram sua renda e população, sendo o principal consumidor os Estados Unidos, que segundo Fausto (1995) aumentou a sua população consideravelmente entre os anos de 1850 e 1900 e criaram o costume de tomar café.
Na gênese da formação da sociedade brasileira está intrínseco o liberalismo como pano de fundo dessa construção histórica, Behring e Boschetti dizem que essa edificação da sociedade brasileira misturada entre sociedade escravista e sociedade livre, surge à figura do "senhor-cidadão, elemento exclusivo da sociedade civil, na qual os outros não contavam" (BEHRING E BOSCHETTI, 2009: 74)
Esse cidadão abastado da elite da sociedade brasileira detinha todos os privilégios e vantagens, além de o Estado patrocinar os interesses dessa classe.
Gestado dentro deste contexto liberal o embrião da Política de Assistência Social, não poderia surgir senão com a vocação assistencialista, selecionadora, excludente e outros adjetivos afins, vindo se consolidar como instituição apenas em 1942 com a criação da Legião Brasileira de Assistência, gerida pela primeira dama Dona Darcy Vargas.
Segundo Behring e Boschetti, (2009) 1923 é um ano crucial para a compreensão do processo de formação da Política de Assistência Social no Brasil, foi neste ano que foi promulgado a lei Eloy Chaves que é a "base" ou o embrião da Previdência Social no Brasil. Essa lei criou as caixas de aposentadoria e pensão (CAP"s), inicialmente criadas para "categorias estratégicas de trabalhadores" [1]a criação nesse modelo se dá pelo poder de pressão dessas categorias em detrimento das outras, pois a economia brasileira era basicamente agrícola cafeeira. Os trabalhadores ligados a essa economia estavam envolvidos diretamente na produção e circulação destes produtos, por isso seriam essas categorias as com o maior poder de pressão. A criação das caixas de aposentadoria e pensões (CAP"s) não se deu por "bondade" dos patrões, mas para conformar essas categorias que eram responsáveis por praticamente toda a produção brasileira, que dependia quase que exclusivamente das exportações dos produtos agrícolas[2]que representavam cerca de 70% do PIB brasileiro.
Para Behring e Boschetti, esse cenário se modificaria em 1930, quando o comércio de café entra em declínio devido à crise de 1929 a1932, então, o principal produto de produção brasileira sofre uma paralisação repentina nas suas atividades, abrem-se outras perspectivas de comércio, e essas categorias que tinham o poder de pressão se enfraquecem, abrindo espaço para o surgimento de movimentos sociais engendrados nessa crise do mercado de trabalho. Mudanças significativas ocorrem no mundo capitalista.
Sposati (1998) diz que, no caso Brasileiro é uma questão diferente até a década de 1930, a "pobreza" segundo ela não era compreendida como expressão da questão social, mas sim como "caso de polícia" e os movimentos sociais são repreendidos com rigor. Os acontecimentos oriundos destes conflitos sociais eram tratados como raros e geralmente encobertos e negados como acontecimentos presentes na sociedade.
Ainda segundo Sposati, (1998) a pobreza era tida como desvios de certos indivíduos e a responsabilização por cuidar dessa pobreza era atribuída à sociedade civil, principalmente à igreja, não somente a católica, mas também outras denominações, o Estado tinha o papel apenas de apoio e fiscalização, negando efetivamente sua responsabilidade. Surgiram nessa época os asilos como a principal medida de tratamento para essas "doenças", sim doenças, pois os pobres eram considerados doentes, e um problema real de saúde. A assistência social neste contexto refletia uma ação continua de "solidariedade e Benevolência".
Conforme Sposati (1998) em 1930, com a criação do ministério do trabalho indústria e comércio que assume a gestão das ações do trabalho, o Estado começa a compreender que existe uma questão social em ebulição e vê a necessidade de tratar esta questão como política. O Estado assume apenas uma pequena parcela desta responsabilidade, omitindo-se frente à questão maior. O fato é que os movimentos sociais se tornaram um barril de pólvora para administrar e a saída viável seria assumir estas ações, como forma de resignar essa parcela da sociedade que clamava por ações do Estado em seu favor.
As ações do Estado no Brasil em relação à politica social, sempre foram assistencialistas desde sua origem como já dito, a pobreza sempre foi expurgada dos grandes centros urbano, relegadas as periferias, considerada preguiçosa e por isso culpada pela sua condição de miséria, incapaz de alcançar sua independência econômica, por isso vive na "dependência" de programas assistenciais, programas estes inabilitados e insuficientes para resolver as demandas dessa população usuária da assistência social. Neste processo de pauperização da parcela maior da população, que se desenvolve desde a formação capitalista em suas origens, a questão social se explicita, obrigando o Estado a responder as expressões desta questão que se apresentam em demanda pela sociedade.
No ano de 1938, o decreto N° 523 institui a organização Nacional de Serviço Social, posteriormente o Estado também institucionaliza a Assistência Social no Brasil com a criação da Legião Brasileira de Assistência - LBA no ano de 1942. Essa instituição assegurou por estatuto as primeiras Damas como gestoras deste serviço, nesse mesmo período, a assistência social engloba uma ação voltada à educação com o surgimento do sistema "S", o Serviço Social da Indústria (SESI) o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Um fato era real neste contexto é que o mundo do trabalho estava se reorganizando depois da segunda grande guerra, os trabalhadores estavam em grande movimentação e tanto o Estado como o empresariado precisavam dar resposta aos movimentos reivindicatórios da classe operária, nesse novo momento histórico.
Sposati (1998) diz que, as demandas mudaram, os Trabalhadores agora buscam outros horizontes de luta, não buscam apenas ajuda benemerente, querem aumento real da renda, educação e qualificação. Em resposta antecipada para conformar esses operários é que surgem os serviços de assistência mesclado com ajuda financeira.
A criação da Legião brasileira de Assistência - LBA foi o grande expoente desta fase da assistência social no Brasil tornando-se a grande protagonista das politicas sociais do país. Com a criação da LBA "a legião campanhista se torna uma sociedade civil de finalidades não econômicas, voltadas para "congregar as organizações de boa vontade". Aqui a Assistência Social como ação social é ato de vontade e não direito de cidadania"(SPOSATI, 2007, 20)
O início dessa instituição se dá para apoiar as famílias dos pracinhas e posteriormente estende suas ações à sociedade "necessitada" de uma forma geral, principalmente aos que não tinham a cobertura da previdência, também com suas ações de socorro as vítimas de grandes calamidades como enchentes, secas e etc. Ao longo dos anos, certamente, o seu caráter assistencialista se apresentará de forma mais explícita.
A década de 1950 vem com a efervescência de novos movimentos, o comunismo se avoluma com seus pensamentos influenciadores e proibidos e sofre grande repressão, com influências externas de um mundo polarizado entre dois grandes blocos hegemônicos, o socialista e o capitalista. Esses dois sistemas econômicos têm como representantes máximos de um lado a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URRS), e do outro os Estados Unidos da América representante do capitalismo, que buscavam alargar sua zona de influência mundial, inclusive no Brasil que inflige repressão aos comunistas, esse contexto acaba por exigir um processo modernizador inclusive das políticas sociais, nesse dado momento o serviço social se sofistica como diz Sposati:
O populismo é reforçado como forma política de legitimação do poder e comando da chamada burguesia nacional, apoiado na adesão da massa trabalhadora obtida pela antecipação da concessão de benefícios.
A assistência adquire no discurso governamental nova amplitude. Além dos programas de pronto-socorro social, destinados aos hipossuficientes economicamente, abarcará a prestação de serviços sociais básicos. Abarcará igualmente, sob a égide da ONU, os programas de desenvolvimento comunitário destinados às comunidades e regiões com "problemas de estagnação" socioeconômica. (SPOSATI, 1998: 47)
Para equilibrar os conflitos oriundos das disputas que surgem neste momento, o populismo[3]é a forma encontrada para que os trabalhadores fiquem conformados com sua situação, encontrando ecos no discurso de governo inovador da assistência social, mas apenas no discurso.
O mundo estava na década de 1950 mergulhado numa crise econômica e a população brasileira ficando empobrecida, com desigualdades sociais evidentes, que se acentuaram no governo de Juscelino Kubitschek, que tinha como lema de governo "50 (cinquenta) anos em 5 (cinco)", o governo de Juscelino era de cunho desenvolvimentista e abriu o mercado para o capital estrangeiro, seu governo desenvolveu a indústria brasileira de forma mais acentuada, neste momento do mercado nacional houve um aumento do emprego, mas não do salário real dos trabalhadores conforme narra Sposati;
Desta forma, o final da década de 50 apresentava um panorama em que a economia estava crescendo a todo vapor e a inflação aumentando aceleradamente. Contudo os salários reais dos trabalhadores apesar da elevação da produtividade tendiam a cair. As massas urbanas e rurais estavam empobrecidas e vinham cada vez mais pressionando politicamente.(SPOSATI, 1998: 15)
O governo subsequente que assume, tem uma indústria nacional "desenvolvida" com os investimentos feitos por Juscelino, porém, herda uma crise política e econômica astronômica, isso se deu pelo fato de seu antecessor não voltar suas preocupações para as consequências futuras geradas com sua política econômica, essa crise se estendeu até o final da década de 1960, com uma recessão profunda que jogou o país na dependência do capital estrangeiro.
No ano de 1964, com movimentos sociais pressionando por reformas, agrárias e de bases na educação e outros setores somados a pressão do capital estrangeiro, sobretudo dos Estados Unidos da América que temia a instalação de um país comunista na América Latina, acabam por apoiar o Golpe Militar de 1964 e o país mergulha em uma ditadura. A intervenção militar, inicialmente, procura estabilizar a economia nacional com o controle rigoroso da inflação e arrocho salarial. A princípio a estratégia alcança seu objetivo, chegando a gerar o chamado milagre econômico, mas posteriormente mergulha o país numa crise mais profunda e consequentemente no endividamento externo.
Na década de 1970, a crise do petróleo provoca uma nova divisão internacional do trabalho conforme afirma Sposati (1998), o que afeta as relações entre as grandes economias e os países "subdesenvolvidos" em um primeiro momento havia o investimento das grandes potências mundiais nas economias subdesenvolvidas e nesse momento histórico especifico, Sposati diz:
Tais medidas, é claro, afetaram as relações entre as grandes potências e as economias subdesenvolvidas, terminando por agravar a crise nestas economias. Principalmente porque uma das estratégias adotadas foi a elevação do custo do crédito externo e a diminuição do ingresso de capitais nesses países. (SPOSATI, 1998: 18)
A solução única foi recorrer ao endividamento externo, com isso o processo recessivo se tornou intenso levando o país a uma crise de proporções gigantescas, consumindo todas as reservas nacionais.
Essa crise recessiva levou o país a uma subordinação que cobrou em uma moeda cara e terrível a sociedade.
Tal subordinação dos governos nacionais a orientações externas de programas de austeridade econômica resultou em altíssimos custos sociais (baixo nível de vida, desemprego, aumento da criminalidade, etc.) e no custo político da perda da capacidade de decisão nacional. (SPOSATI, 1998: 19)
Essa conjuntura que empobrece o povo leva as massas à outra dimensão política de luta. Os trabalhadores influenciados pela nova conjuntura mundial e os agentes que atuam contra a ditadura militar vigente no Brasil, provocam mudanças de pensamento e consciência. As demandas também são outras, o povo qualifica suas reivindicações para romper com esse ciclo exploratório e com isso os movimentos sociais e sindicais se fortalecem e ao final da década de 1970 e início de 1980, o Governo já incorpora em seu discurso, algumas tímidas propostas sociais, devido a essa conjuntura de crise e empobrecimento da população.
Sposati (1998) analisando o contexto histórico relata relativo aos movimentos sociais, sindicatos, e alguns intelectuais e a igreja que em toda a ditadura haviam sido vetados em muito suas ações sociais e cujos espaços de atuação sofreram uma grande retração, agora as políticas sociais entram na pauta das reinvindicações destes movimentos.
Contudo, segundo Sposati (1998), todo este quadro não é suficiente para a ruptura imediata do estado brasileiro com esse "padrão" de poderio de herança fundamentalmente populista e autoritária.
O assistencialismo assume o papel conformador da sociedade pauperizada, o dito social incorporado no discurso governamental até então são para:
Reduzir as agudizações e se constituem em espaços para que o grupo no poder possa, de um lado, conter conflitos e, de outro, responder "humanitariamente" a situações de agravamento da miséria e espoliação de grupos sociais. (SPOSATI, 1998: 31)
Ao final da década 1970 e começo de 1980 o conceito de assistência social como até então era concebido, assistencialista, paternalista, clientelista, excludente, e também a forma que o capital encontrava como saída para se impor frente à classe trabalhadora de forma exploratória, acaba por sofrer importantes questionamentos por parte destes movimentos surgidos destes conflitos gerados pelo acirramento da questão social. Neste momento histórico, contrapondo-se a essa exploração, houve uma atenção por parte de intelectuais que fizeram uma análise crítica, apontando para a desconstrução dessas práticas institucionais autoritárias e populistas de uma assistência social conservadora nos termos já citados.
Nos anos 80 os estudos e a própria prática política vão permitir uma apreensão das contradições da assistência social que caminha com estudos e pesquisas críticas para a renovação do seu conceito fundamental, mesmo que efetivamente isso ainda seja frágil, mas ganha uma maior projeção, e consegue ser visto como uma resposta estratégica.
De acordo com Sposati (1995) para que os excluídos possam ter acesso a bens e serviços negados em outra instância política, e uma possibilidade real de reposição da cidadania negada, a assistência passa a ser vista como uma ferramenta de compensação das relações sociais contraditórias e como equalizadora (limitada, claro) das desigualdades. A discussão sobre o tema assistência Social no Brasil chega a Assembleia Nacional Constituinte, conduzida pelos movimentos sociais contestadores, pela visibilidade que ganha os estudos, pesquisas e análises feitas por alguns intelectuais que reverberaram o assunto de forma magistral.
Assim, após a Constituição de 1988, a Política de Assistência Social ganha uma nova configuração para o atendimento das demandas sociais. É o que será tratado no próximo item.
1.2 Política de assistência Social pós constituição de 1988: Uma conquista de direitos.
A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 inicia as discussões de uma forma consistente relativa à cidadania e aos direitos sociais, isso foi extremamente importante, porque desde o congresso de políticas de bem-estar social de 1986 havia uma discussão conforme Sposati (1995), que culminou com a criação do grupo interministerial de pesquisa em outubro de 1986. Essas discussões, que eram em torno de uma política social equitativa, avançaram e o resultado foi que se espalhou por diversos órgãos e o debate adensou para que houvesse a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social. Em agosto de 1988, o Centro de Estudos e Projetos em Educação, Cidadania e Desenvolvimento Social (CEDEPSS) da Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) tornou-se estimulador de pesquisas voltadas à questão social e à assistência social no Brasil. Esses estudos foram responsáveis por uma análise detalhada da Politica de Assistência Social no país e pela produção de uma vasta bibliografia sobre o assunto, diversos autores se empenharam e qualificaram sobremaneira a discussão.
Ao trazer a baila o tema Política de Assistência Social neste momento histórico surge segundo Sposati (1995), questionamentos sobre a Política de Assistência Social que urgem por significados reais "o que é? Para que ela serve? Como vem funcionando?" (SPOSATI, 1995: 43).
Ficou claro depois dos primeiros anos da redemocratização que os problemas não se resolveriam automaticamente, ou numa equação matemática simples "redemocratização = problemas resolvidos", requer luta contínua, pressão dos movimentos organizados da sociedade, a exemplo disso, surge o movimento dos trabalhadores sem terra (MST) que reivindicavam a reforma agrária, outros movimentos neste formato surgiram para engrossar as fileiras reivindicatórias.
No bojo destas questões a constituição cidadã foi promulgada e a Seguridade Social brasileira garantida no seu texto, assentada no tripé: Saúde, Previdência e Assistência Social, agora figurando também como responsabilidade do Estado. Assim, a assistência social passa a ser um direito garantido na constituição;
Segundo os artigos 6° e 203° da constituição federal, é apresentada a quem dela precisar, independente da contribuição à seguridade. O que isto quer dizer? Quer dizer que só quem a sociedade reconhece como necessitado e desamparado usa a assistência social.
E que a assistência social deve garantir? Ela tem que garantir os direitos sociais que são: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância etc. para todos aqueles reconhecidos como necessitados. (SPOSATI, 1995: 46)
Definir quem são os necessitados de uma sociedade é uma tarefa inglória, Sposati diz que:
"Para a gente entender o que é "necessitado" temos que entender melhor seguridade social e, assim vai ficar mais fácil compreender a assistência social. (SPOSATI, 1995: 46)".
Portanto, Esses indivíduos seriam quem não tem condições de se manter por falta de um salário, para prover para si e seus familiares os direitos sociais básicos, ou por alguma fragilidade congênita ou não, enfim, os incapacitados para o trabalho. Essas pessoas necessitam de auxílio, pois é uma situação especial e fere os seus direitos, e nesse momento (conforme legislação) é que à assistência social e outras políticas de seguridade social intervém visando garantir saúde, educação, trabalho etc.
A NOB/SUAS[4]afirma que a Assistência Social no Brasil constitucionalmente faz parte do Sistema de Seguridade Social;
A Assistência Social, assim como a saúde, é direito do cidadão, independe de sua contribuição prévia e deve ser provida pela contribuição de toda a sociedade. Ocupa-se de prover proteção à vida, reduzir danos, monitorar populações em risco e prevenir a incidência de agravos à vida em face das situações de vulnerabilidade. A proteção social de Assistência Social, em suas ações, produz aquisições materiais, sociais, socioeducativas ao cidadão e cidadã e suas famílias para suprir suas necessidades de reprodução social de vida individual e familiar; desenvolver suas capacidades e talentos para a convivência social". (BRASIL, 2005, p.89).
Não podemos negar os avanços na política de Assistência Social após a constituição de 1988, mas ainda está longe de ter respostas consistentes relativos às demandas dos usuários, que a cada dia são mais complexas.
A década de 1990 chegou com o advento do neoliberalismo, que prega a redução do Estado e a transferência para o mercado e a sociedade civil da responsabilidade com a Assistência Social, um retrocesso. Os avanços aconteceram, conquistados nas lutas travadas para a aprovação do texto constitucional com a inclusão da assistência e outros direitos como dever do estado. Nesse contexto de crise, os organismos internacionais impõe orientações ao Brasil, que como diz Fernandes;
Em linhas gerais o FMI [Fundo Monetário Internacional] não altera os princípios da seguridade estabelecidos na constituição de 1988, mas, a exemplo das demais propostas dos setores vinculados ao grande capital, propõe a separação das fontes de custeio, desvinculando a previdência, da saúde e da assistência, procedimento este que amplia significativamente as oportunidades para o setor privado lucrativo, na esfera da saúde e da previdência.
Em relação à previdência sugere que o seu custeio se faça pela folha de salário, com uma alíquota de 15% para os trabalhadores e empregadores. As áreas da saúde e da assistência social seriam custeadas com recursos dos estados e municípios. (FERNANDES, 1995 Pág. 201)
Em linhas gerais, a proposta neoliberal da década de 1990 (e porque não dizer a vigente) penaliza sempre a classe trabalhadora. Durante toda a história brasileira vemos desde o processo de transição do modo de produção "escravagista" ao capitalista no Brasil, que o trabalhador ficou sempre com o ônus do enriquecimento de uma pequena parcela da sociedade (a elite), excluído do usufruto dos bens produzidos pelo conjunto da sociedade. As conquista que foram poucas, foram alcançadas a duras penas, direitos estes agora traduzindo os anseios dessa população expressos e garantidos no texto constitucional, e com a investida neoliberal de ingerência externa por meio de organismos financeiros internacionais, querem usurpá-los, transferindo ao trabalhador mal remunerado, diga-se de passagem, a conta pela previdência e aos estados e municípios a conta da saúde e assistência social. É importante lembrar que neste momento histórico o país estava em crise financeira, Dados estes comprovados na Figura 1:
Figura 1 – Inflação Histórica – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e estatística – IBGE
Behring e Boschetti, no capítulo III do livro Política Social no Capitalismo Tardio analisando O"connor, dizem tratar-se de uma estratégia do capitalismo monopolista[5]transferir para o capitalismo competitivo[6]o Estado e à sociedade civil, a responsabilidade para que possam ampliar sua capacidade de acumulação. De que forma isso ocorreria? Pois quando o Estado privatiza a assistência, abre espaço para a mercantilização dessa política e, consequentemente, o vislumbre da lucratividade do capitalismo Monopolista em todas as formas. Não é a intenção aqui discutir este assunto, mas somente para situar a ação do capitalismo monopolista (internacionalmente instituído, suplantando Estados e nações) que transfere ao capitalismo competitivo (empresas locais), ao Estado e à sociedade civil a conta dos "benefícios sociais".
As empresas transnacionais interferem no mercado nacional, tornando desigual a competição, forçando o Estado a intervir para equalizar as desigualdades geradas, o que sobrecarrega sua ação por falta de estrutura para absorver as demandas e com isso tem que transferir à sociedade civil a responsabilidade pela execução dos serviços sociais. Isso gera um passivo e um nicho, a refilantropização e precarização das políticas sociais, o caminho à mercantilização dessa política fica traçado. Os anos 1990 foi uma década marcada por privatizações do estado brasileiro e descentralização das políticas sociais.
Em 1993 a lei 8.742 que dispõe sobre a organização da Política de Assistência Social, importante marco para a assistência no Brasil, é aprovada e traz como definição e objetivo no capítulo I no seu artigo 1° que:
A assistência social, direito do cidadão e dever do estado, é politica de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizado através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993).
Quando o texto traz que é dever do Estado isso significa um avanço ao que até então vinha sendo operado no país, leva o Estado a protagonista da Política de Assistência Social e não mais apenas coadjuvante.
Em 2003 na IV Conferência Nacional de Assistência Social que foi realizada em Brasília, o Ministério do Desenvolvimento Social juntamente com o Conselho Nacional de Assistência Social resolvem dar materialidade as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. O tema foi amplamente discutido em todo o país, culminando com a Política Nacional de Assistência Social – PNAS que tinha como prioridade a implantação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
Trata-se de uma situação nova para a assistência no Brasil, acostumada à condição de clientelista, é urgente desvincular essa imagem impregnada a política de assistência social com contornos assistencialistas. O contexto neoliberal em que estava vivendo o Brasil, com minimização do Estado, a precarização das relações de trabalho, colaborou para que a assistência continuasse com o ranço da imagem apegada a si. A efetivação em sua plenitude conforme determina a lei ainda não foi atingida, porém, não se pode negar que houve avanços, que os invisíveis ganharam visibilidade, ainda que um pouco turvada, mas ganharam.
Os favores populistas já não são uma constante, há um novo olhar para os vulneráveis, já não são mais "doentes", o Estado vê que existe uma população com necessidades reais, com possibilidades e capacidades a se desenvolver, e o mais importante com vontade de superar essa condição. Incorpora-se na política de assistência a centralidade da família, como espaços privilegiados para fortalecer os vínculos de seus indivíduos conforme a Política Nacional de Assistência Social aponta;
Nas suas diretrizes nos itens III e IV há a primazia do Estado na condução da Política de Assistência Social em cada esfera de governo; e que a centralidade na implementação dos benefícios projetos e programas está na família sua concepção (BRASIL, PNAS)
Ter a família como centro de suas ações, revela a intenção do legislador em dirimir as vulnerabilidades desses grupos de indivíduos, centrando esforços no espaço mais importante para tal, sem jamais perder de vista que a família não pode e não deve nunca ser a responsável pelo fracasso das ações adotadas. A implantação do Sistema Único de Assistência Social abre caminho para a construção de uma política com colunas firmes, tentando se desvencilhar da visão a ela atribuída historicamente, e ganha vultuosidade legitimada por lei. No próximo item será explanado sobre o SUAS como efetivação da política de assistência social no Brasil.
1.3 Sistema Único de Assistência Social: a efetivação da política de Assistência Social.
Começam a delinearem-se contornos relevantes com a implementação da Política de Assistência Social, um desses exemplos de construção inovadora foi o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, com a tônica da luta contra trabalho infantil tendo lugar de destaque na Política de Assistência Social, um exemplo claro, que se solidificou com o surgimento do Sistema Único de Assistência Social – SUAS e tornou-se um dos serviços sócio-assistenciais de sucesso, vistos que os índices relativos ao trabalho infantil caíram em 1992, segundo Indicadores e Dados básicos (IDB) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o trabalho infantil girava em torno de 23,63%. Já no último senso, esses números foram reduzidos drasticamente, o Brasil tem 3,7 milhões de crianças envolvidas no trabalho infantil, o que representa 8,6% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, se pensarmos em números reais, em vez de percentual, ainda é um número enorme. Mas, foram registrados avanços significativos na efetivação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS e aprimorado programas voltados à proteção e garantias de direitos, como é o caso do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI. O Programa contempla além do conteúdo de transferência de renda, o trabalho sócio-familiar e a oferta de atividades sócio-educativas para crianças e adolescentes retirados do trabalho.
Na Efetivação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a Proteção Social Básica é um dos níveis de complexidade ofertados à população em risco e tem como objetivo a prevenção de situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Esse serviço destina-se à população que vive em situação de fragilidade decorrente da pobreza, ausência de renda, acesso precário ou nulo aos serviços públicos ou fragilização de vínculos afetivos (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras). Dentro do que preconiza a Proteção Social Básica, além da oferta do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, oferta-se o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV, a fim de complementar o trabalho social com famílias e prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidade e risco social. O Serviço de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos – SCFV é um serviço realizado em grupos, organizado de modo a garantir aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com seu ciclo de vida.
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV foi reordenado no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, esse reordenamento visa qualificar a oferta do Serviço a crianças, adolescentes e idosos; com o reordenamento buscou-se a unificação das regras para qualificar, equalizar, uniformizar a oferta do Serviço, tornando a lógica de cofinanciamento federal convergente, para com isso possibilitar o planejamento da oferta de acordo com a demanda local, garantindo serviços continuados, potencializando a inclusão dos usuários identificados nas situações prioritárias e facilitando a execução do Serviço de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos, otimizando os recursos humanos, materiais e financeiros. No item seguinte será apresentada a configuração da Política de Assistência Social em Goiânia.
1.4 Política de Assistência Social em Goiânia na efetivação de direitos sociais.
A política de Assistência Social no município de Goiânia, após a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), começou a se desenhar com propriedade e identidade tal como é hoje, a partir da implantação da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) que foi instituída em julho de 2007, pela Lei nº 8.537. Esse último é o órgão responsável pela implementação da Política de Assistência Social no município, houve anteriormente a isso, mais precisamente na década de 1990 um projeto pioneiro denominado Sociedade Cidadão 2000, criado em 14 de setembro de 1993, uma entidade conveniada com a Prefeitura de Goiânia, através da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) ou antiga Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário (FUMDEC) que foi o princípio das ações voltadas às crianças e adolescentes em todos os níveis de complexidade orientados a partir desse projeto, que desembocou na criação da Secretaria Municipal de Assistência Social, o qual organizou seus serviços extinguindo a Sociedade Cidadão 2000. Além dessa medida, outras contribuíram para desenhar um novo caminho a ser percorrido para se chegar até o ponto atual da política social no município de Goiânia. As ações pertinentes a ela são articuladas com as demais políticas públicas, buscando promover os direitos de cidadania e a autonomia dos cidadãos. Apresentando um modelo de gestão descentralizado e inclusivo, que oferta um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios.
As ações da política de Assistência Social têm o foco prioritário na atenção às famílias, conforme determina a LOAS. A SEMAS desenvolve atividades socioeducativas com crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e idosos, e executa projetos de geração de renda. Como operador da Política de Assistência Social no município de Goiânia, esse órgão opera com os três níveis de complexidade preconizados na política de Assistência social, são eles:
Proteção Social Básica: Responsável pela gestão das ações no âmbito da Proteção Social Básica que visa prevenir situações de risco, desenvolvendo ações junto às famílias em situação de vulnerabilidade social, trabalhando suas potencialidades e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Proteção Social Especial: A Proteção Social Especial compreende os atendimentos e serviços de informação, orientação, apoio e atividades de inclusão social visando à garantia e defesa de direito a indivíduos (crianças, adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, mulheres) e famílias com direitos violados, adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto - Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviço a Comunidade (PSC) e o atendimento especial, próprio à população em situação de rua. Para a realização destes serviços, a Secretaria de Assistência Social – SEMAS conta com os Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS, na Média Complexidade e com as Unidades de Alta Complexidade, além das instituições da Rede Sócio-assistencial conveniada.
Dentro desta proteção especial a de Média Complexidade, operadas através Programa Social Especial – PSE: Serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social, os Centros de Referência Especializados em Assistência Social – CREAS são locais específicos para esse atendimento.
Também dentro deste serviço existe o acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do ECA com alguns objetivos específicos que tem por finalidade prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, determinadas judicialmente. Devem contribuir para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e social dos adolescentes. Para a oferta do serviço faz-se necessário à observância da responsabilização face ao ato infracional praticado, cujos direitos e obrigações devem ser assegurados de acordo com as legislações e normativas específicas para o cumprimento da medida. Atividades desenvolvidas: Realização de sondagem inicial com os adolescentes, as famílias, os técnicos responsáveis pelo acompanhamento, à coordenação e os parceiros para levantamento dos temas a serem trabalhados nos Seminários Socioeducativos e Culturais para discussão de temas relacionados à sociedade e a família.
Dentro do serviço de convivência e fortalecimento de vínculos encontra-se "fundido" ou reordenado Programa de Erradicação do Trabalho infantil (PETI) é executado conforme as diretrizes do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), atendendo a proposta administrativa e pedagógica contida no Plano Anual de Assistência Social. Priorizando a regionalização, este trabalho é realizado nos Centro de Referências em Assistência Social – CRAS e na rede sócio-assistencial conveniada.
Em Goiânia existe uma realidade diferenciada dos demais municípios que são as Unidades Municipais de Assistência Social (UMAS), essas unidades operam alguns serviços dos Centros de Referência em Assistência Social – CRAS e estão subordinadas territorialmente à última instituição citada. Nessas instituições são desenvolvidas atividades culturais, esportivas, artísticas, lúdicas, reforço escolar (o auxílio às tarefas e trabalhos escolares de crianças e adolescentes), ainda, a execução dos Projetos Bombeiro Mirim, Polícia Militar Mirim e Bate Latas.
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos articula um conjunto de ações, visando à retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil, exceto na condição de aprendizes, a partir de 14 anos conforme artigo 60 do ECA, de vulnerabilidades e situações de risco, visando ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, não somente com Crianças e adolescentes o serviço também desenvolve ações com idosos, com os mesmos objetivos.
Dentro da lógica do fortalecimento de vínculos, a família tem que cumprir algumas condicionalidades, ou seja, compromissos assumidos pela família com o programa, para que receba a transferência de renda destinada ao serviço. Que são: Frequência mínima de 85% nos grupos de convivência por parte das crianças/adolescentes, a manutenção e atualização do peso e da vacinação de crianças com menos de 07 (sete) anos de idade junto aos Centros de Saúde da Família (CSF"s) e a frequência escolar regular.
A família, ao ingressar no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV tem acesso à transferência de renda do Programa Bolsa Família, quando atender aos critérios de elegibilidade, devido ao processo de integração dos programas citados. Às demais famílias também são garantidas a transferência de renda quando se fizerem necessárias.
Ao priorizar ações voltadas à faixa etária de crianças e adolescente a Políticas de Assistência Social adequa-se a normatização do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que prioriza Crianças e Adolescentes na formulação de políticas públicas e para entendermos melhor essa evolução, dedicaremos o próximo capítulo para apreender essa construção historicamente.
CAPÍTULO II
O presente capítulo busca mostrar a trajetória da conquista dos direitos das crianças e adolescente, seja no aspecto social, seja no aspecto legal. Essa trajetória tem como ponto relevante, a mobilização da própria sociedade para assegurar os direitos das crianças e adolescentes que até então, não eram vistos como sujeitos de direitos.
2.1 Um resgate histórico na conquista de direitos.
Ao olhar a história buscando identificar onde as crianças começam aparecer nos escritos, artes, literatura etc, observa-se que existe uma lacuna, não que nos escritos, artes, literatura não apareciam às expressões "criança", mas essas crianças incluídas na sociedade, na convivência familiar do século XI ou anteriores, Phillippe Ariès diz que:
Até por volta do século XII a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representa-la. É difícil crer que essa ausência se devesse a incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. Uma miniatura otoniana[7]do século XI nos da uma ideia impressionante da deformação que o artista impunha então aos corpos das crianças, num sentido que nos parece muito distante de nosso sentimento e de nossa visão. O tema é a cena do evangelho em que Jesus pede que se deixe vir a ele as criancinhas, sendo o texto latino claro: Parvuti. Ora, o miniaturista agrupou em torno de Jesus oito verdadeiros homens, sem nenhuma das características da infância: eles foram simplesmente reproduzidos numa escala menor. Apenas seu tamanho distingue dos adultos. (ARIÈS, 1975: 39)
O que se vê nas retratações da infância dos séculos estudados por Ariès é que a criança ganhava traços adultos como se elas não tivessem a sua própria identidade.
O pintor não hesitava em dar à nudez das crianças, nos raríssimos casos em que era exposta, a musculatura do adulto: assim, no livro de Salmos de São Luiz de Layde, datado do século XII ou do início do XIII, Ismael, pouco depois de seu nascimento tem músculos abdominais e peitorais de um homem. Embora exibisse mais sentimento ao retratar a infância, o século XIII continua fiel a esse procedimento. (ARIÈS, 1975: 39)
Nos estudos de Ariès vem essa constante do retrato infantil dado pelas artes e refletido na literatura, nas quais não se vê traços físicos de crianças nas pinturas e esculturas. Ariès diz que isso se dá porque os homens desta época não paravam para ver ou admirar uma imagem infantil, não lhes interessava e segue dizendo,
Isso faz pensar também que no domínio da vida real, e não mais apenas no de uma transposição estética, a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e cuja lembrança também era logo perdida. (ARIÈS, 1975: 40)
Chegar ao ponto como hoje retratamos as nossas crianças foi uma construção que conforme Ariès diz;
Somente por volta do século XIII, surgiram alguns tipos de crianças um pouco mais próximos do sentimento moderno.
Surgiram o anjo, representado sob a aparência de um rapaz muito jovem adolescente: um clergeon, como diz P. du Colombier N. mas qual era a idade do pequeno "Clerigo"? Era a idade das crianças mais ou menos grandes, que eram educadas para ajudar à missa, e que eram destinadas às ordens, espécies de seminaristas, numa época em que não haviam seminários, em que apenas a escola latina se destinava à formação dos Clérigos. (ARIÉS, 1975:40)
Esses traços, a partir do século XIV, já começavam a serem retratados onde aparecem as crianças em cenas com a leveza própria delas, já não mais homens em miniatura ou adolescentes e continuariam a serem retratadas, porém, em uma configuração diferente a de até então. Ariès diz que agora como "engraçadinhas" não mais somente como figuras religiosas;
Iria finalmente destacar-se uma iconografia leiga nos séculos XV e XVI. Não era ainda a representação da criança sozinha. A cena de gênero se desenvolveu nessa época através da transformação de uma iconografia alegórica convencional, inspirada na concepção antigo-medieval da natureza: idades da vida, estações, sentidos, elementos. As cenas de gênero e as pinturas anedóticas começaram a substituir as representações estáticas de personagens simbólicas. (ARIÉS, 1975: 43)
As primeiras configurações de crianças envolvidas em sociedade começam a aparecer, a criança a partir desse momento irá se tornar uma fonte de inspiração aos artistas;
A Criança se tornou uma das personagens mais frequentes dessas pinturas anedóticas: a criança com sua família; a criança com "seus companheiros de jogos, muitas vezes adultos, a criança na multidão, mas "ressaltada" no colo de sua mãe ou segura pela mão, ou brincando, ou ainda urinando, a criança no meio do povo assistindo aos milagres ou aos martírios, ouvindo prédicas, acompanhando os ritos litúrgicos, as apresentações ou as circuncisões; a crianças aprendiz de ourives, de um pintor etc. ou a criança na escola, um tema frequente e antigo, que remontava ao século XIV e que não mais deixará de inspirar cenas de gênero até o século XIX. (ARIÉS, 1975: 43)
Essa omissão da figura de crianças nos primeiros séculos dá uma ideia de que a infância não era tão importante para a sociedade de acordo com as observações de Ariès. Eles consideravam apenas que era uma fase da vida que passava e as pessoas logo esqueceriam, o certo é que as crianças não eram relevantes para os adultos da época.
Benedito Rodrigues dos Santos (2004) diz que os europeus que vieram ao Brasil para povoar as terras de cá, trouxeram suas impressões relativas às crianças, e que buscaram logo transmiti-las aos indígenas e negros.
Para tal os jesuítas foram os primeiros professores em terras brasileiras, educavam as crianças indígenas para se adequarem aos padrões dos povos recém-chegados, ensinando-os a religião, leitura e costumes. A objetivação era a conversão destes ao Cristianismo, foi uma dificuldade, pois as crianças indígenas não aceitavam a disciplina imposta.
A realidade da criança no Brasil tem contornos parecidos com a narrada por Ariès, porque os colonizadores do Brasil eram povos oriundos da Europa berço de suas observações, portanto, a impregnação destes costumes estava arraigada a essa sociedade e isso irá se refletir durante os primeiros momentos dessa construção da sociedade emergente em terras brasileiras.
Essa realidade de esquecimento e abandono de crianças no Brasil se estendeu por muito tempo. Quando nos debruçamos na história para estudarmos, veremos que a preocupação com as crianças não era uma constante, afluíam aos montes para orfanatos devido à instabilidade das condições de vida na colônia portuguesa, pois havia constantes conflitos com indígenas, piratas, e outros. Morriam famílias inteiras, em outros momentos sobravam crianças órfãs e elas eram o problema, o caminho natural era o encaminhamento dessas aos orfanatos.
As primeiras instituições a serem criadas com esse objetivo apareceram por volta de 1558, segundo estudos de Santos (2004) analisando Priore; e seriam uma constante de abandono e maus tratos, Scarano (2000) escrevendo sobre o esquecimento dessas crianças brasileiras, com especificidade os infantes mineiros dos séculos XIII e XIV, ela diz em seu texto que nenhuma documentação oficial, ou correspondência entre a colônia e a metrópole tratavam de assuntos relativos a elas, somente acontecia quando elas estavam diretamente envolvidas no assunto, ademais, eram assuntos econômicos e políticos, a autora faz uma análise da sociedade mineira com foco nas crianças, em que diz:
Em terras mineiras, não temos notícias da existência de mesteres exercidos especificamente por uma população infantil, seja no papel de meninos de recados, seja fazendo qualquer outro trabalho, mesmo que pouco significativo. Apesar de grande parte da população escrava trabalhar nas "rossas", conforme diziam, a civilização das gerais, naquele período, se caracterizava por ser urbana e mineradora. A mineração marcava a capitania, tornando-a sui generis e peculiar, diferente da grande maioria das áreas brasileiras, a população se concentrava nas vilas e nos arraiais e enquanto se minerava uma determinada lavra, ranchos precários serviam de abrigo para os escravos até que a lavra fosse substituída por outra que apresentasse melhores condições, quando a anterior se esgotasse. (PRIORE, 2000: 110)
Devido a essa característica particular de Minas Gerais ela pode apresentar traços interessantes para a análise aqui neste momento, porque essa particularidade nos mostra que a atividade afim da capitania conforme Scarano (2000),
Dificultava a vida familiar as mulheres que viviam na sua maioria na área urbana permaneciam com os filhos. As crianças como de resto acontecia com as mulheres livres, andavam mesmo por lugares ermos sozinhas ou acompanhando as mães que iam vender seus produtos em lugares, inclusive em lavras distantes. Nessas caminhadas, quase sempre penosas, mas trazendo sensação de liberdade, tais crianças auxiliavam suas mães em seus trabalhos, sem ter, entretanto, uma atividade específica e independente. As famílias, sobretudo as de negros e mulatos livres eram substancialmente matrifocais, dirigidas e sustentadas muitas vezes pelo elemento feminino que deveria contar com um mínimo de auxilio, inclusive dos filhos. (PRIORE, 2000: 110)
Essa característica "matrifocal" desta família mineira, segundo Scarano (2000), era o que favorecia o individualismo entre os brancos assim como entre os escravos, devido ao trabalho precário e instável da mineração, por causa disso tinham que viver cada um dando conta de si praticamente, as mudanças eram constantes e os homens não davam atenção aos filhos, e por vezes abandonavam as mulheres, o que provocou um fenômeno particular nessa região, com famílias chefiadas por mulheres, muitas mães solteiras, pouco comum para a época. Minas Gerais era diferenciada das demais capitanias por influência do tipo de trabalho, Scarano (2000) diz que os escravos levados para serem negociados nessa área eram de uma população tipicamente de adultos, vez ou outra vinham crianças, pois precisariam aguentar o trabalho pesado da mineração, e por isso tinham poucas crianças negras em Minas, o maior números de crianças eram de brancos ou mestiços, um adolescente do sexo masculino na faixa de 15 anos já era considerado adulto, e do sexo feminino 12 anos já poderia se casar. Um escravo bom para os trabalhos das minas deveria ter entre 15 e 24 anos, essa faixa etária era também a expectativa de vida de um jovem escravo, era árduo o trabalho na capitania. Segundo dados do mapa dos moradores de Serro Frio, os nascimentos de mestiços eram os que mais aconteciam na comarca, geralmente de filhos ilegítimos, esses meninos em terras mineiras estavam presentes na vida da sociedade e viviam em certa liberdade, perambulando pelas ruas dos arraiais.
Os filhos dos negros em Serro Frio quase não sobrevivam à primeira fase da infância, morriam quase que todos. Segundo o livro de nascimentos, nasceram 544 negros e foram registrados 596 óbitos (adultos e crianças) de negros em Serro Frio. Assim era a vida das crianças mineiras, segundo Scarano (2000) esquecidas, nenhum relato a respeito de sua convivência mais detalhado, uma realidade de abandono pelo pai, com a criação dos filhos feita por mães solteiras sem o menor apoio. O que remete-se a realidade brasileira que no geral era de abandono, instituições de acolhimento destes menores enjeitados mantidas pela igreja, que os acolhiam, maltratando-os por vezes.
Em 1738 foi criado na cidade do Rio de Janeiro a roda e casa de expostos, segundo Santos (2004), as crianças ali abandonadas passavam a ser propriedades desta, e os filhos de escravos eram livres, mais existiam outros propósitos nefastos para essas casas conforme relatos do autor ao analisar Giacomini e Magalhães, diz ele que essas casas se tornaram o "depósito" de crianças que o senhores da elite não desejavam, e o mais horrendo era o de esconder as mortes de crianças, e o comércio de adoções ilegais.
Em 1830, o código criminal do Império foi promulgado e com relação às crianças e adolescente ele diz no seu artigo 10° parágrafo 1°: "Art. 10°. Também não se julgarão criminosos: 1º Os menores de quatorze anos."
Os adolescentes menores de quatorze anos eram inimputáveis com uma ressalva imposta no artigo 13° que dizia:
Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem commetido[8]crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dez a sete anos.
Nos casos previstos neste artigo, os menores seriam reclusos em instituições próprias para a penalização destes adolescentes, para que eles cumprissem a pena e aos dezessete anos seriam soltos.
As penas mais pesadas como as galés eram substituídas por trabalhos por igual período aos criminosos menores de 21 anos e os maiores de 60 de acordo com o artigo 45° parágrafo 2°. "2º Aos menores de vinte e um annos[9]e maiores de sessenta, aos quase se substituirá esta pena pela de prisão com trabalho pelo mesmo tempo".
Já no código de 1890 essa concepção de inimputável varia para menos, sendo menores 09 anos somente inimputáveis, entre os 09 e 14 anos o texto do código traz que:
Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º Os menores de 9 annos[10]completos;
§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento;
Esse código traz o mesmo critério do anterior com um avanço, sendo agora o menor de 09 anos inimputável por definitivo, penalizando os menores de 14 e maiores de 09 anos, se forem considerados conscientes de seus atos. O código em seu artigo 49° determinava que:
Art. 49. A pena de prisão disciplinar será cumprida em estabelecimentos industrial especiais, onde serão recolhidos os menores até á idade de 21 annos[11]
Mas segundo santos (2000), isso nunca aconteceu e os adolescentes e crianças condenadas no período de vigência deste código cumpriram pena em delegacias e prisões comuns.
Na virada do século, na cidade de São Paulo, nas ruas, perambulavam muitos adolescentes e crianças abandonadas, essa realidade em meio à industrialização, e em um momento no qual a cidade se expandia, e havia uma pauperização galopante, a sociedade começava já a discutir essas demandas. Santos (2000) traz referências do ano de 1898, no qual uma revista literária educativa chamada Álbum das meninas, com um poema de Amélia Rodrigues "O Vagabundo" (anexo 2), expressa uma preocupação da sociedade paulista com o número crescente de menores nas ruas da cidade, esses menores perturbavam a paz conforme reportagem cometendo crimes e arruaça, o poema traduz o sentimento da época referente a esse problema;
Segundo Santos (2000), a autora com o poema pretendia alertar aos leitores dos perigos eminentes que rondavam os cidadãos paulistanos, devido à quantidade enorme de menores que perambulavam pelas ruas da cidade, na prática de vadiagem e cometendo crimes, e também contextualizar a nova realidade que se construía com as transformações dos padrões, com um salto populacional incrivelmente grande em duas décadas.
Segundo Santos (2000), de 30 mil habitantes para 286 mil, uma explosão populacional desta envergadura certamente traria enormes problemas estruturais, dentre estes o problema da infância, desde o início do século XIX a problemática relação Criança/adolescente versus criminalidade é uma realidade presente na sociedade brasileira, vejam esses dados:
Entre 1900 e 1916, o coeficiente de prisões por dez mil habitantes era distribuído da seguinte forma: 307,32 maiores e 275,14 menores.
A natureza dos crimes cometidos por menores era muito diversa daqueles cometidos por adultos, de modo que entre 1904 e 1906, 40% das prisões de menores foram motivadas por "desordens", 20% por "vadiagem", 17% por embriaguez e 16% por furto ou roubo. Se comparados com os índices da criminalidade adulta teremos: 93,1% dos homicídios cometidos por adultos, e somente 6,9% por menores, indicando a diversidade do tipo de atividades ilícitas entre ambas as faixas etária. As estatísticas mostram que os menores eram responsáveis neste período por 22% das desordens, 22% das vadiagens, 26% da "gatunagem", 27% dos furtos e roubos, 20% dos defloramentos [ação ou efeito de desvirginar] e 15% dos ferimentos. Estes dados indicam a menor agressividade nos delitos envolvendo menores, que tinham na malicia e na esperteza suas principais ferramentas de ação; e nas ruas da cidade, o local perfeito para por em pratica as artimanhas que garantiriam sua sobrevivência. (PRIORE, 2000: 214)
São dados que mostram a realidade brasileira de culpabilizar crianças e adolescentes pela violência na sociedade, não é uma novidade da modernidade, ela já vem desde o início dos séculos passados, conforme dados estatísticos citados o números de ocorrências registrados de prisões de menores quase iguala faixa etária adulto, a singularidade deste fenômeno está na complexidade e gravidades dos crimes cometidos pelas duas faixas etárias, a adulta é responsável pelos crimes mais agressivos, enquanto os menores por crimes de menor envergadura. Ao lermos o poema e a reportagem da revista citada dá-nos a impressão que as violências cometidas em São Paulo partiriam totalmente de Adolescentes e crianças que estavam nas ruas cometendo os dito "crimes", ao nos determos na natureza dos crimes cometidos veremos que os adultos são os responsáveis pelos crimes mais violentos. O código penal como citado, também traz uma imposição de pena ao menor de 14 e o maior de 09 anos caso sejam considerados conscientes de seus atos, essa capacidade de ter discernimento de que trata a lei, também é objeto de análise e Santos (2000) analisando essa questão de definir discernimento diz que o termo,
É de difícil definição, "discernimento" era muitas vezes a causa de longas disputas nos tribunais, valendo-se juízes e advogados da vasta literatura nacional e estrangeira sobre o tema. A definição mais corrente pregava: "o discernimento é aquela madureza de juízo, que coloca o indivíduo em posição de apreciar com retidão e critério, as suas próprias ações". A jurisprudência somava casos que elucidavam e guiavam a ação dos profissionais envolvidos naquela matéria: "o maior de nove anos e menor de 14, que procurou ocultar o crime e destruir-lhe os vestígios, prova que obrou com discernimento e, portanto, é responsável".
Sempre será uma questão controversa definir discernimento em crianças. Como citado, era uma polêmica entre juristas e outros profissionais (utilizados na literatura para fundamentar as análises), essa prática ainda é discutida nos dias atuais, com as iniciativas de pretensões da diminuição da idade penal.
A problemática da criminalidade infantil na cidade de São Paulo, a crescente violência (vadiagem em sua maioria) por parte destes menores suscitava discussões em como resolver essas demandas que brotavam na sociedade paulista, podemos verificar isso no artigo que foi publicado no jornal "São Paulo" que foi alvo de interesse do secretário da justiça e segurança pública de São Paulo Washington Luiz, que pregava a solução para o problema pela educação passando pelas fábricas e na "pedagogia do trabalho", seria segundo ele uma solução produtiva, pois além de resolver o problema da delinquência seria rentável concomitantemente.
O trabalho infantil era uma realidade na cidade de São Paulo industrial que se construía, segundo dados do arquivo estadual, conforme traz (MOURA, 2000: 262) "em 1920, [...] o recenseamento concluía que, considerada a totalidade do estado de São Paulo, 7% da mão-de-obra empregada no setor secundário eram constituídos por esses trabalhadores [adolescentes]", os trabalhos exercidos por esses meninos eram muitas vezes pesados e insalubres para a estrutura física de um adolescente. Moura diz que "o trabalho infanto-juvenil foi o espelho fiel do baixo padrão de vida da família operária" (MOURA, 2000: 262), essa exploração perdurou por toda a história brasileira, manchando os cuidados devidos aos cidadãos.
O trabalho infantil em terras brasileiras sempre foi muito explorado. E de importância para o desenvolvimento da indústria, claro, a custa de muitas perdas e exploração "escrava",
Rizzini (2000), fazendo uma análise de uma fabrica têxtil dos anos de 1930 e 1950, fala da importância desse trabalhador;
Famílias do sertão eram recrutadas por agentes para o trabalho na dita fábrica. Como condição, as famílias deveriam ter crianças e jovens, pois o peso do aliciamento recaia sobre estes. Era comum as famílias levarem crianças agregadas para "completar" a cota e conseguir uma casa melhor na vila. A indústria visava o trabalho das crianças e dos jovem, que depois de um período de aprendizado, obtinham uma ocupação definitiva, os pais camponeses eram geralmente empregados em serviços periféricos ao processo industrial, como por exemplo, o cultivo de roças (PRIORE, 2000: 377).
Segundo Rizzini (2000), também nesse mesmo período, havia a indução de falsificação da idade, pois a prática do trabalho era permitida apenas aos 12 anos, se olharmos para nossos parentes mais velhos mais ou menos dessa idade, da década de 1950 muitos tem sua idade alterada pelos mais diversos motivos, e isso vêm ao encontro dessa realidade, o pai deste pesquisador narra por diversas vezes ter sido alterada sua idade para que pudesse trabalhar, é um Brasil que explora a infância.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) se instalou no Brasil em 1948, e já faz uma análise preocupante da questão infantil no país:
O fato do UNICEF ter iniciado sua atuação no Brasil em 1948, apenas dois anos após a sua criação, na qualidade de instituição internacional,indica o reconhecimento da questão da infância como uma questão premente, que se agravaria nas décadas seguintes. Com efeito, paralelamente ao processo de modernização e industrialização que o país conheceu a partir dos Anos 50, assistir-se-ia a uma urbanização acelerada, concentrada, que apesar de apresentar um relativo dinamismo do emprego industrial, geraria acentuados níveis de desigualdade e pobreza. Os índices assustadores a que se chegou na década de 60-70 — na área urbana, em 1970, 53% das famílias tinham renda per capita inferior a meio salário mínimo (Abranches, 1985: 32) — indicam o quadro de condições de vida em que se insere um grande número de crianças e jovens no país. Alimentadas por um processo de desenvolvimento desigual, importantes diferenças regionais, sobretudo entre as regiões Norte-Nordeste e Sul-Sudeste, também condicionariam a trajetória de grande parte da população jovem: Com uma taxa mais elevada de fecundidade, que se faz acompanhar de uma alta taxa de mortalidade infantil e de uma expectativa de vida relativamente curta, as crianças e jovens do Nordeste se encontravam em uma situação de desvantagem social" em relação às suas congêneres do Sul e Sudeste (Ribeiro da Silva, 1987). (ALVIM; VALLADARES, 1988: 09)
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) fez uma leitura acertada ao reconhecer que havia uma questão social em ebulição no país, que era a infância desassistida e que se não houvesse uma intervenção do estado certamente se agravaria com o passar dos anos tornando-se uma questão grave, alimentada segundo ele por desigualdades, sobretudo entre as regiões Norte-Nordeste em relação ao Sul-Sudeste.
É dentro desse contexto que em meados dos Anos 60 o Estado intervém na questão do menor, em novos moldes. Dentro de uma perspectiva modernizadora, expressa também em outros setores da política social (habitação e previdência social), é criada a Funabem (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor). Idealizada para substituir o SAM — denunciado pela imprensa como uma verdadeira "escola de crime" e objeto de inquéritos durante o Governo Jânio Quadros —, a Funabem teria como objetivo imediato "sanear" a atuação até então desenvolvida pelo governo. Era como que o reconhecimento oficial da falência da ação das agências governamentais: destinados a tirar as crianças da rua, o SAM as havia internado para ressocializá-las na marginalidade, "formando" vários dos bandidos da época. Á contraproposta da Funabem se basearia numa nova concepção de reeducação do menor, não pautada exclusivamente na internação, mas no apoio à família e à comunidade (Passetti, 1982). Por outro lado, partia-se de uma nova concepção organizacional: uma fundação nacional e várias Fundações estaduais. A Funabem seria o órgão central encarregado muito mais de ditar uma política nacional do que de executá-la diretamente. Adotando-se o modelo de fundação, a execução da política seria mais flexível desde que a cargo das fundações estaduais. (ALVIM; VALLADARES, 1988: 09)
A Instituição Nacional do Bem-Estar do Menor foi criada pelo então presidente Marechal Castelo Branco, no dia 01/12/1964, já nos estados baseados nessa política foram criadas as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), que eram responsáveis pela aplicação de medidas de reeducação do menor mais com um diferencial o de apoio a família e a comunidade, diferentemente do Serviço de atendimento ao Menor (SAM), essas fundações criaram complexo enormes de reclusão de menores envolvidos com o crime, essas unidades foram inúmeras vezes alvo de rebeliões que na década de 1980, assombravam os noticiários, e se estenderam até meados de 2000, foram sangrentas e aterradoras. Uma reportagem da revista VEJA de 2005, narra uma rebelião na unidade de Tatuapé, diz que naquele ano foram 18 rebeliões até o mês de março, rebeliões que provocaram uma mudança nos paradigmas do Estado de São Paulo, extinguindo a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), alvo de sangrentas rebeliões.
Figura 2 - A casa, finalmente, vai cair: Pacote anunciado pelo governo para a Febem inclui a desativação do violento Complexo do Tatuapé
Fonte: Revista Veja: Rogério Cassimiro/Folha Imagem[12]
Essa mesma rebelião também foi noticiada pela Carta Maior com os seguintes contornos:
Uma decisão inédita da Justiça abre uma porta importante para as entidades que lutam em defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Na semana passada, o juiz Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha, da Vara Central da Infância e Juventude de São Paulo, concedeu uma liminar favorável à ação civil pública que pede a interdição da Unidade 5 da Febem (Fundação para o Bem Estar do Menor) Tatuapé, localizada na capital paulista. A ação, movida em dezembro de 2003, é a primeira deste gênero proposta por entidades da sociedade civil a receber um parecer favorável da Justiça. Os demais casos de interdição de unidades da Febem foram resultados de processos administrativos ou de procedimentos internos da Justiça da Infância acordados com o governo do Estado.
Figura 3 - Unidade da Febem em SP será fechada se não realizar reforma
Fonte: Revista Carta Maior[13]
As perspectivas entre as duas revista é nítida nas fotos apresentadas. A primeira apresenta os "menores" empunhando armas e encapuzados, em uma atitude de afronta. A outra demonstrando nitidamente a violação dos direitos humanos com uma visão real dos fatos. A reação com rebeliões e a violência são expressões da questão social, decorrentes dos maus-tratos sofridos, pelas torturas, nestes grandes complexos.
Pós-Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA veremos abaixo um novo modelo nortear as ações do Estado, ainda frágil, mas que caminha para a construção de um arcabouço legal e estruturas organizacionais mais humanas.
2.2 Estatuto da criança e do Adolescente: uma perspectiva inovadora, desafios e aspectos legais.
Em 13 de julho de 1990, a lei 8.069 que dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente, chamada Estatuto da Criança e Adolescente – ECA é aprovada no Brasil. A lei traz em seu arcabouço legal os direitos da criança e do adolescente, esse estatuto foi composto basicamente por dois livros, o primeiro trata da proteção fundamental como o próprio estatuto define, pessoa humana em desenvolvimento (Cidadão Criança e adolescente). O Titulo II, Capítulo I fala dos direitos a vida e a saúde, já o capítulo II do direito a liberdade, ao respeito e à dignidade, o capítulo III à convivência familiar e comunitária, o capítulo IV do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer e o V à profissionalização, à proteção no trabalho e da prevenção. O Livro II trata da política de atendimento, das medidas de proteção, o acesso à justiça, dos crimes, infrações e conselhos tutelares.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA quando traz à questão da proteção integral, mostra uma inovação importante com relação aos códigos anteriores que sempre tratavam as demandas infantis de forma desfragmentada, falar de proteção integral é dizer de forma ampla no que tange a proteção criança e adolescente, Barros diz que;
A doutrina da proteção integral: é fundamental a compreensão do caráter principiológico adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei tem o objetivo de tutelar a criança e o adolescente de forma ampla, não se limitando apenas a tratar de medidas repressivas contra seus atos infracionais. Pelo contrário, o Estatuto dispõe sobre direitos infanto-juvenis, formas de auxiliar sua família, tipificação de crimes praticados contra crianças e adolescentes, infrações administrativas, tutela coletiva etc. Enfim, por proteção integral deve-se compreender um conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente. (BARROS, 2013: 21)
O Estatuto inova ao ampliar sua tutela na defesa da criança e do adolescente, estendendo à família os cuidados para a redução dos riscos e vulnerabilidades a que esses adolescentes ou crianças estejam submetidos. Dentro dessa visão de proposta, o legislador optou por abranger toda a dinâmica de vida desses, para que pudesse ser eficaz essa proteção pretendida.
Outro ponto relevante no estatuto é relativo à dignidade da pessoa humana, aplicado pela primeira vez com relação a crianças e adolescentes, esse termo menor desaparece do vocabulário legislativo como aponta Barros;
Dignidade da pessoa humana no Estatuto da Criança e do Adolescente: através da proteção integral, o Estatuto procura prever e disciplinar uma gama de instrumentos jurídicos de tutela da criança e do adolescente. O art. 39, ao mencionar "sem prejuízo da proteção integral" busca demonstrar que a proteção do Ordenamento Jurídico pátrio a crianças e adolescentes não se esgota no Estatuto; qualquer diploma legislativo ou ato normativo que trata de criança e adolescente deve garantir-lhes oportunidades de pleno desenvolvimento. Esse artigo guarda ligação com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 12, inciso III, da Constituição da República.(BARROS, 2013: 24)
A criança e o adolescente são tratados como pessoa, e talvez no conceito profundo de sujeitos de direitos pela primeira vez na história brasileira.
Barros diz que o Estatuto da Criança e do Adolescente traz no seu texto o seguinte;
A absoluta prioridade da tutela da criança e do adolescente no caput do art. 42 é cópia da primeira parte do art. 227, da Constituição da República. Tanto !á, como aqui, são enumerados alguns dos direitos que cabem a crianças e adolescentes. A expressão-chave desse dispositivo é a absoluta prioridade. Trata-se de dever que recai sobre a família e o poder público de priorizar o atendimento aos direitos infanto-juvenis. No parágrafo único, destrincha-se o conteúdo da prioridade que deve ser dada a crianças e adolescentes. Em relação ao atendimento pelo Poder Público dessas prioridades - mormente quanto à formulação e execução de políticas públicas ("c") e destinação de recursos públicos ("d") (BARROS, 2013: 25)
Essa prioridade é providencial, apesar de nem sempre ser cumprida, mas renovou o arcabouço de leis para a criança e o adolescente. Que passam a serem vistos antecipadamente na formulação de politicas públicas em todos os âmbitos do direito social.
Segundo Barros, as crianças e os adolescentes agora passam a ser considerados "como sujeitos de direito: o art. 52 se refere à parte final do art. 227 da Constituição da República" (BARROS, 2013: 26)
Portanto, um instrumento que passa a nortear ações públicas com propriedade, onde o espaço privilegiado para a formação deste cidadão é a família que também tem prioridade visando à atenção a criança e ao adolescente. Ao privilegiar o espaço família o estatuto dá um salto na qualidade da formulação de políticas até então, conforme histórico demonstrado, que excluíam essa população considerável da sociedade brasileira, mas ao citar a família como centralidade destas políticas, faz-se necessário pensar este conceito aplicado tanto pela Constituição Federal que no seu artigo 227° diz que a base da sociedade é a família, que por analogia transmite o conceito as demais leis, quanto pela a Lei Orgânica de Assistência Social, o Estatuto da Criança e adolescente, que no seu artigo 4° afinado com a Constituição diz que;
"é dever da Família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."(BRASIL, 2001: 9)
Ao trazer a obrigação da família em assegurar todos esses direitos, é importante compreender que também são deveres da Sociedade civil e do Estado a proteção integral desses sujeitos de direitos. No item 2.3, traremos um breve conceito de família voltado a analisar e pontuar essa centralidade do ponto de vista dos deveres e da promoção da cidadania dos membros da família para que ela possa prover o cuidado de suas crianças e adolescentes.
2.3 A Família: meio de proteção social e fortalecimento de vínculos.
Ao falar do Serviço de Convivência e fortalecimento de Vínculos faz-se necessário abrir um espaço importante e essencial na análise, para discutir sobre uma dimensão "central" da Constituição brasileira, Lei Orgânica da Assistência Social e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na família a centralidade para a formulação das políticas sociais públicas. Porém, precisamos compreender esses conceitos de centralidade para que haja justiça social nas intervenções da Política de Assistência Social e consequentemente no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
Engels (2012) faz uma análise em seu livro "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado" desde o momento "família primitiva" passando pelas Gens até o modelo atual de família; ele analisa as obras de Morgan "O Sistema de Consanguinidades e afinidades da Família Humana" e "A Sociedade antiga" abordando as relações familiares confrontando seus estudos com outros autores além de Morgan, ele traz a substituição da antiga sociedade gentílica por uma nova sociedade contraditória que tinha suas bases de sustentação na figura feminina, migrando para uma com a figura masculina, nesse momento ele analisa Bachofen "O Direito Materno" e tece críticas contundentes a ele, pois diz ele, que são fantasiosas suas ilações, Engels aborda essa construção histórica da família tendo seus primeiros traços e noções na família consanguínea, onde todos são entre si irmãos e irmãs. Posteriormente e aqui começamos a tecer o raciocínio almejado, ele segue falando da família sindiásmica, onde já se observam grupos de homens e mulheres em "matrimônio", e uma característica ainda presente nesta família é a poligamia, mais adiante vindo à monogamia ser instituída na idade antiga não por relações naturais, mais econômicas, surgida no meio do povo mais culto e desenvolvido.
Engels (2012) diz que conforme a "concepção materialista" um momento histórico específico determina a "produção e reprodução da vida imediata" e continua sua explicação dizendo que,
Ela própria possui duas facetas, de um lado, a produção de meios de existência, de produtos alimentícios, vestuário, habitação e instrumentos necessários para tudo isso; de outro lado, a produção do homem, mesmo, a reprodução (Fortpflnzung) do gênero. A ordem social em que vivem os homens de determinada época ou determinado país está condicionada por esses dois modos de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e de família, de outro. Quanto menos desenvolvido é o trabalho, mais restrita é a quantidade de seus produtos e, por consequência, a riqueza da sociedade; com tanto maior a força se manifesta a influência dominante dos laços de parentesco (Geshlechtsbande), sobre o regime social. (ENGELS, 2012: 18)
Com o desenvolvimento desta sociedade emergente, o surgimento da propriedade privada e do Estado com o vislumbre do capitalismo, a possibilidade da exploração do homem pelo homem, o acúmulo de riquezas por apenas uma parte pequena da sociedade, lança os alicerces do antagonismo de classes conforme Engels afirma:
A sociedade antiga, baseada nas relações de parentesco, vai pelos ares em consequência do choque das classes sociais recém-formadas; e da lugar a uma nova sociedade centralizada no Estado, cujas unidades inferiores já não são mais as relações de parentesco e sim unidades territoriais – uma sociedade em que o regime familiar está completamente submetido às relações de propriedade e na qual têm livre curso as contradições de classe e a luta de classes, que constituem o conteúdo de toda a história escrita, até nosso dias. (ENGELS, 2012: 19)
Certamente em reação de sobrevivência, a classe trabalhadora engendrada neste contexto, se reorganiza no novo arranjo familiar (Monogâmico Patriarcal) dessa família burguesa, que surge desfazendo todas as relações de parentesco até esse dado momento.
A emergência do capitalismo impôs mudanças no formato de família concebido na sociedade antiga, trazendo a centralidade da família a se firmar no Estado que também começa a se organizar.
Segundo Engels, o casamento monogâmico foi o grande responsável pela família nuclear da forma como a conhecemos, a base dessa sociedade é o modelo patriarcal, no qual a mulher e filhos foram empurrados a submissão de um homem. Essas relações propiciaram opressão à mulher, mudando a forma de organização das famílias de matrilinear para patriarcal.
Toda essa dinâmica histórica de construção dessa nova sociedade irá certamente se refletir nas principais fases do capitalismo, perdurando até os dias atuais, Mioto (2013) fará uma discussão celebre sobre o tema "matricialidade sociofamiliar na política social", trazendo a baila essa discussão que deveria estar sempre em primeiro plano. Segundo ela, o falar sobre família sempre foi secundarizado, é necessário trazer para dentro das políticas sociais a discussão desse tema que consequentemente rebateria dentro do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, ela segue falando dos desafios impostos à categoria que deveria demarcar o foco do debate sobre família, apresentando propostas de ação dentro das políticas sociais, levando em conta segundo ela;
O reconhecimento da família como espaço altamente complexo, que se constrói e se reconstrói histórica e cotidianamente por meio das relações e negociações que se estabelecem entre seus membros, entre seus membros e outras esferas da sociedade e entre ela e outras esferas da sociedade, tais como Estado, Trabalho e mercado. Reconhece-se que, além de sua capacidade de produção de subjetividades, ela também é uma unidade de cuidado e redistribuição interna de recursos. Tem um papel importante na estruturação da sociedade em seus aspectos sociais, políticos e econômicos e, portanto, não é apenas uma construção privada, mas também pública (MIOTO, 2013: 3)
A família sempre será um espaço interessante para investimentos sociais e um excelente espaço de cuidado. Como afirma Mioto (2013), precisamos entender essa família em sua "dimensão simbólica" e toda sua "multiplicidade e organização. É importante, à medida que subsidia a nossa compreensão sobre o lugar que é atribuído à família na configuração da proteção social de uma sociedade" (MIOTO, 2013: 4) e também como e quais famílias são incorporadas a essa política.
Ao longo da história, se construíram diferentes formas de pensar a família no contexto da proteção social [...] o debate sobre o lugar da família na política social não pode ser descurado, especialmente quando se trata da política de Assistência Social" (MIOTO, 2013: 4).
Promover o debate família enriquecerá a política de assistência, trará compreensão da dimensão social dessa instituição e de toda sua importância, segundo Mioto:
A cidadania social não pode estar apenas vinculada ao processo de desmercadorização, mas também a um processo de desfamilização. Ou seja, da necessidade de haver um abrandamento da responsabilidade familiar em relação à provisão do bem-estar-social. (MIOTO, 2013: 7)
E ela continua seu raciocínio dizendo que "Nessa perspectiva, rompe-se com a ideia que a assistência social só deve ocorrer no caso de falência das famílias," (MIOTO, 2013: 7) a discussão segundo ela vai para além da centralidade por centralidade, é preciso romper com esse conceito ou debater para compreender e diz que:
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