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A Atuação de Oswaldo Aranha no Processo de Engajamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial (página 2)

Márcio José Vieira
Partes: 1, 2, 3, 4

Key-words: Oswaldo Aranha, Getúlio Vargas, United States, Germany, World War II, Allies.

Introdução

A década de 1930 marcou o surgimento ou fortalecimento dos regimes totalitários[1]no mundo. Além do regime nazista adotado na Alemanha com a ascensão ao poder de Hitler, em 1933, do fascismo italiano comandado por Mussolini e do comunismo soviético, Portugal e Espanha também caminharam nesse sentido. Sem estar alheio ao que acontecia, o Brasil, comandado por Getúlio Vargas, começou a traçar um caminho diferente do da democracia representativa. O político gaúcho chegara ao poder em 1930, quando uma revolução pôs fim a República Velha.

Governou temporariamente até 1934, quando convocou eleições para a assembléia constituinte, que o elegeu indiretamente para continuar na presidência. Com a impossibilidade de reeleição presente na Constituição de 1934, Vargas, para continuar no poder, liderou um golpe, com a ajuda decisiva dos militares, e implementou no Brasil um regime corporativista[2]com características fascistas baseado na experiência portuguesa e italiana, que foi chamado de Estado Novo.

Quando Getúlio Vargas chegou ao poder, ainda 1930, tinha objetivos claros: o desenvolvimento da siderurgia nacional, que alavancaria a industrialização do país, e a modernização das Forças Armadas. Esses objetivos foram renovados com a instauração do Estado Novo, e o caminho para alcançá-los guiou a política externa brasileira a partir do período referido. Figura expoente no período foi o ministro das Relações Exteriores do Estado Novo, Oswaldo Aranha. Democrata convicto, segundo Seitenfus (2003), Aranha iniciou sua carreira política no Rio Grande do Sul, sempre ao lado de Getúlio Vargas, e foi um dos principais artífices da Revolução de 1930. Antes de assumir a pasta das relações exteriores em março de 1938, entre outros cargos que exerceu, foi embaixador em Washington. Em sua estada oficial na capital estadunidense, ganhou a confiança do governo de Franklin D. Roosevelt, sendo indispensável para o novo regime brasileiro ganhasse a confiança dos EUA, necessária no conturbado momento da implementação do Estado Novo.

A presença de Aranha no Estado Novo se contrapunha à presença de declarados germanófilos[3]no novo governo, principalmente nas Forças Armadas, capitaneados por Eurico Gaspar Dutra, ministro da guerra, e Pedro Aurélio de Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército. A atuação de Aranha sempre foi guiada pelo pan-americanismo. Para Aranha, uma cooperação Brasil-EUA era o caminho natural da política externa nacional nesses tempos de crise (SEITENFUS, 2003).

Com Aranha como chanceler, o Brasil começou a aproximar-se dos EUA e a influência germânica no Estado Novo conheceu um adversário de peso. A atuação do ministro nas sucessivas reuniões extraordinárias de chanceleres convocadas para avaliar a situação na Europa, sempre em concordância com os EUA, e sua missão ao país, convidado pelo governo estadunidense, provaram a inclinação pan-americana que o Brasil começava a tomar com o agravamento da situação na Europa, que não tardaria em chegar ao Novo Mundo.

À luz do papel de Oswaldo Aranha no cargo de ministro das Relações Exteriores do Estado Novo, o presente estudo busca investigar a efetiva influência de Aranha na defesa do alinhamento brasileiro aos Aliados, em particular com os EUA. Bem como, analisar a maneira como o chanceler lutou contra as vozes pró-Eixo dentro do próprio governo.

Desse modo, tem-se como hipótese que a atuação de Oswaldo Aranha no ministério das Relações Exteriores foi fator decisivo no processo de engajamento brasileiro na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Estados Unidos, lutando contra os simpatizantes do Eixo Nazi-Fascista dentro do próprio governo brasileiro.

Buscando provar a hipótese apresentada, o estudo objetivou analisar a atuação de Oswaldo Aranha no comando do Ministério das Relações Exteriores desde sua posse, em março de 1938, até a declaração de guerra aos países do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1942, destacando o seu papel na definição do alinhamento brasileiro no conflito internacional, ao lado dos Estados Unidos. Iniciou-se o trabalho apresentando um panorama do cenário político interno brasileiro na década de 1930, com ênfase nas principais correntes ideológicas e seu vínculo com o cenário europeu. Em seguida, buscou-se compreender a trajetória de Oswaldo Aranha no governo revolucionário a partir de 1930, passando da política para a diplomacia para, finalmente, analisar a atuação de Oswaldo Aranha como chanceler, enfatizando seu papel no período de definição do engajamento brasileiro na Segunda Guerra Mundial.

Para alcançar esses objetivos, foram utilizadas para a realização do estudo, basicamente, fontes secundárias. Para entender o período em questão, o primeiro governo de Getúlio Vargas, com ênfase em sua política externa a partir, principalmente, do Estado Novo (1937-1945) e a atuação de seu Chanceler no período, Oswaldo Aranha, foram pesquisados livros que tratam tanto do cenário internacional como do cenário nacional brasileiro e da inserção internacional.

A pesquisa, em sua primeira etapa, consistiu em apresentar um panorama do cenário político nacional e internacional e das correntes político-ideológicas. Para isso, a obras de Vigenani (1991), Seitenfus (2003) e Skidmore (1969) serviram como ponto de partida. O regime político nacional, afetado pelos acontecimentos mundiais, como a crise econômica mundial de 1929 e a ascensão de regimes autoritários na Europa, e o relacionamento brasileiro no período, principalmente, com os Estados Unidos e com a Alemanha, também foram pesquisados. Nesse sentido, tanto as obras já citadas como os trabalhos de Moniz Bandeira (1998), de Francisco Luiz Corsi (2000), de John Dulles (1985), de Boris Fausto (2003) e de Hélgio Trindade (1974) foram utilizados.

Com relação à pesquisa sobre Oswaldo Aranha, o personagem tema desta Monografia, foram utilizadas bibliografias e fontes primárias, como gravação em áudio e textos de discursos proferidos por Aranha e cartas redigidas por ele.

Os estudos sobre Oswaldo Aranha, suas idéias, sua personalidade, sua formação, sua atuação, sua percepção sobre o desenvolvimento, sobre o interesse nacional, sobre as relações brasileiras com os EUA e com a Alemanha, principalmente como chanceler, se assentaram, principalmente, em biografias e discursos. Para isso, a biografia escrita por Stanley Hilton (1994) foi pesquisada, bem como a biografia política escrita a três mãos por Aspásia Camargo, João Hermes de Araújo e Mario Simonsen (1996), pela riqueza de informações sobre a trajetória política e diplomática de Aranha. Sobre a importância de sua estada como embaixador em Washington e de sua entrada no Estado Novo como Ministro das Relações Exteriores, as obras de Gerson Moura (1980) e, novamente, Seitenfus (2003), além das biografias citadas, foram utilizadas.

Para se obter uma compreensão e visão mais ampla do estudo, foi utilizado o método racional. Apesar de os assuntos a que o método racional se aplica não serem fenômenos suscetíveis de comprovação experimental, o método racional também é científico (CERVO e BERVIAN, 2002). A técnica utilizada foi a de indução, de inferência e de análise e síntese.

Para prover a base teórica necessária para a execução do estudo, foram utilizadas teorias parciais que levam em consideração as peculiaridades históricas. As pesquisas sobre a personalidade do homem de Estado, as forças profundas, o interesse nacional e o processo decisório tiveram como ponto de partida o trabalho de Renouvin & Duroselle (1967) e o de Duroselle (2000). Enfatizando o processo decisório, também foram utilizados os trabalhos de Steinert (2000) e de Allison (1990).

Marco Teórico

Para entender o papel de Oswaldo Aranha no Ministério das Relações Exteriores é necessário compreender a relevância do homem de Estado, sua atuação e as pressões que canaliza. Com o intuito de atender a esse propósito, os trabalhos de Renouvin e Duroselle (1967) e o de Duroselle (2000) serviram como ponto de partida para uma análise teórica mais consistente. Segundo os autores, as relações internacionais devem ser pensadas a partir de dois eixos fundamentais: as forças profundas e os homens de Estado.

A análise do homem de Estado, o responsável pela condução dos problemas nacionais e de toda problemática governamental, leva em consideração, além de outras variáveis, as pressões ou pulsões que canaliza. As pressões são originadas de grupos organizados que tentam fazer valer seus interesses. As pulsões não agem de forma organizada, mas, sim, de forma difusa e obscura. A essas pulsões, Duroselle (2000) denomina forças profundas.

Tendo absorvido todas as influências, chega a hora da decisão, a atividade que justifica o homem de Estado. A decisão implica uma opção. Para os autores, é preciso constatar que o homem acredita ser livre (RENOUVIN; DUROSELLE, 1967). Mas o homem de Estado, o decisor, não está sozinho. Ele está cercado de conselheiros e assistentes, que o autor chama de peritos escolhidos (DUROSELLE, 2000, p. 227). O homem de Estado e os peritos escolhidos formam a equipe decisória, que estará à frente do processo decisório.

Também analisando o processo decisório, Allison (1990) examina algumas das hipóteses e das categorias fundamentais empregadas pelos analistas, quando consideram os problemas do governo em política externa. Partindo da análise da crise dos mísseis de Cuba, o autor propõe três maneiras de se encarar o processo decisório: a política racional, o processo organizacional e a política burocrática.

O modelo[4]de política racional parte do princípio de que os "acontecimentos no domínio dos assuntos externos são concebidos como ações escolhidas pela nação ou governo nacional" (ALLISON, 1990, p. 225). A decisão é tomada pelo governo nacional, buscando maximizar seus objetivos. O segundo é o modelo organizacional, que leva em consideração o aglomerado de organizações que compõem o governo, todos com seus interesses e objetivos. E, por último, a política burocrática considera um número maior de participantes no processo de decisão. Nela, a ação governamental é conseqüência de uma negociação entre vários indivíduos de vários grupos que compõem o governo, direta ou indiretamente.

Os três modelos se sobrepõem, sendo que a política burocrática abarca todas as fases tanto da política racional quanto do modelo organizacional. O poder de explicação da política burocrática reside na revelação de desavenças entre os diversos jogadores envolvidos no processo. A decisão inclui os "resultados conseguidos por grupos empenhados numa decisão ou ação, e as resultantes que decorreram de negociações entre grupos com posições marcadamente diferentes" (ALLISON, 1990, p. 240). Os jogadores inseridos em certo grupo de interesse representam opiniões, formação e, até mesmo, grupos diferentes, e, muitas vezes, diferentes dos demais integrantes do grupo. A decisão a ser defendida por esse grupo levará em consideração as diferentes opiniões para, finalmente, ser levada à mesa de negociação.

Steinert (2000), por sua vez, apresenta algumas abordagens teóricas desenvolvidas por outros ramos das ciências humanas das quais o historiador em relações internacionais pode fazer uso, destacando aquelas sobre a decisão em matéria de política externa. O autor retoma os modelos propostos por Allison e acrescenta algumas novas abordagens.

É dado destaque à análise hierárquica dos fatores que influenciam a decisão. O autor aponta como principais fatores: os dados econômicos, políticos, militares, pessoais, organizacionais, a opinião pública, etc., "que podem variar consideravelmente com o tempo, sobretudo no decorrer da uma seqüência decisória" (STEINERT, 2000, p. 458). Esses fatores são as forças profundas, que influenciam a decisão.

Analisando o Brasil a partir da década de 1930, pode-se destacar o presidente Getúlio Vargas como o homem de Estado, o tomador de decisões. Entretanto, suas decisões são fruto do embate no seio do governo de opiniões diametralmente opostas. Enquanto, de um lado, havia uma influente ala pró-Eixo liderada pelos chefes militares, do outro havia os pan-americanos, liderados pelo chanceler Oswaldo Aranha.

Tendo em vista o exposto, esta Monografia se propõe estudar como se deu a decisão brasileira de alinhar-se aos EUA no contexto conturbado à época da Segunda Guerra Mundial, bem como identificar os atores que fizeram parte do processo decisório analisando, do modo especial, a atuação de Oswaldo Aranha no jogo de forças existente dentro da cúpula do governo de Getúlio Vargas.

A Revolução de Outubro de 1930 e a Era Vargas

Para estudar a atuação de Oswaldo Aranha no ministério das Relações Exteriores do Estado Novo, é necessário entender a situação nacional, principalmente, a partir de 1930. Nesse sentido, a presente seção tem por objetivo a contextualização do período analisado, buscando identificar as principais forças políticas, internas e externas, que atuaram no período para, depois, analisar a trajetória de Aranha e, mais especificamente, sua atuação como chanceler.

A República Velha, ou Primeira República, que vigorou no Brasil desde a proclamação da República em 1889, era dominada pelos grandes latifundiários que alternavam os presidentes conforme os interesses dos grandes cafeeiros, entre São Paulo e Minas Gerais. De acordo com a Constituição de 1891, a reeleição era vetada, o que tornava cada sucessão, de quatro em quatro anos, uma intensa procura de acordos entre as principais máquinas políticas para a indicação do sucessor. Uma vez acertada a indicação, a eleição estava praticamente garantida, pois os governos estaduais não hesitavam em manipular os resultados para que os acordos pré-eleitorais se concretizassem. As denúncias de corrupção eram recorrentes, mas o regime persistia (SKIDMORE, 1969).

Entretanto, o processo sucessório de 1930 foi particularmente conturbado. O então presidente Washington Luis, paulista, insistiu na candidatura do também paulista Julio Prestes. A intransigência do presidente levou mineiros e gaúchos a um acordo e, em meados de 1929, as oposições lançaram as candidaturas do gaúcho Getúlio Vargas, antigo ministro da Fazenda de Washington Luis, para presidente, e do paraibano João Pessoa para vice. Formou-se, assim, a Aliança Liberal (AL).

Julio Prestes foi o vencedor das eleições realizadas em março de 1930, graças às práticas exercidas pela situação em toda a República Velha. No entanto, ao contrário dos processos eleitorais anteriores, dentro da AL havia elementos dispostos a acabar com o regime dominante. Um grupo de jovens políticos[5]principalmente gaúchos e mineiros, começou a organizar o movimento armado que poria fim à República Velha. O movimento, iniciado em 3 de outubro do mesmo ano, alcançou seu objetivo um mês depois, quando a junta militar, que havia afastado Washington Luis do cargo, entregou o poder a Getúlio Vargas (FAUSTO, 2003).

A vitória da AL levou ao poder representantes de duas facções: os partidários da construção de uma nova república democrática, que queriam a convocação de novas eleições o mais rápido possível, e os que simpatizavam com um regime autoritário, representados, principalmente, pelos tenentes, que alegavam que o País não estava preparado para novas eleições, pois os mesmos políticos de antigamente voltariam aos cargos, apoiados por seus "currais" eleitorais. Esses dois grupos lutaram por espaço no governo de Vargas, que articulava habilmente, angariando apoio dos dois lados, por meio de cargos e promessas.

Na arena econômica, apesar de o desenvolvimento industrial ter passado a figurar como o principal objetivo do novo regime, a Revolução não representou, exatamente, uma ruptura com a antiga ordem. A estrutura social e as forças econômicas continuaram as mesmas, e, apesar de uma pequena, mas influente, classe média ter surgido com mais força, o País continuou predominantemente agrícola. No entanto, a Revolução pôs fim à estrutura republicana criada no fim do século XIX. Ao assumir o governo provisório, Vargas tratou de fechar o regime, ao gosto dos tenentes. Fechou o Congresso e indicou homens de confiança para os governos estaduais (SKIDMORE, 1969).

O embate entre as diferentes facções que ascenderam ao poder em outubro de 1930 se materializou de forma violenta com o levante constitucionalista em São Paulo em 1932. Provocados também pelo forte sentimento regionalista, os paulistas, alijados do poder desde a Revolução de 1930, levantaram-se em armas contra o regime getulista em 9 de julho. Os revoltosos contavam com uma união nacional contra Getúlio, que vinha sendo negociada principalmente com o Rio Grande do Sul e com Minas Gerais, mas o esperado apoio não se materializou. Não obstante, Flores da Cunha, o interventor do Rio Grande do Sul, que hesitava sobre a participação do estado no levante, enviou tropas de apoio contra São Paulo.

A superioridade das tropas oficiais, que contavam com cerca de 18 mil homens contra 8.500 paulistas, e a debilidade dos revoltosos em levar a revolução para fora de São Paulo fizeram que a vitória de Getúlio se concretizasse. No dia primeiro de outubro, representantes da Força Pública paulista reuniram-se com o general Góes Monteiro e rederam-se (FAUSTO, 2003). A revolta, embora facilmente esmagada pelas tropas governistas, provou a necessidade de atender os anseios por novas eleições. Convocado ainda antes da revolta paulista, o pleito para a Assembléia Constituinte foi realizado em 1934. A Assembléia eleita escolheu Vargas indiretamente para continuar na presidência. O governo constitucional de Vargas deveria durar até 1938, quando seriam realizadas eleições diretas para o Executivo, mas os acontecimentos por vir mudaram a situação.

O período era particularmente conturbado na arena internacional. Na década de 1930, o mundo ainda tentava se recuperar da crise mundial de 1929, deflagrada após a quebra da bolsa de Nova Iorque, e, principalmente, a Europa passava por transformações políticas que acabariam por provocar a Segunda Guerra Mundial. Vários regimes autoritários surgiram, como o comunismo soviético de Josef Stálin, o fascismo italiano de Benito Mussolini e a vertente alemã, o nazismo de Adolf Hitler, como alternativas extremas à democracia representativa (VIGEVANI, 1991).

No Brasil, essas tendências também encontraram representantes na criação dos dois primeiros partidos de alcance nacional. O comunismo se abrigou sob a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e sob a popularidade do líder Luís Carlos Prestes, ao passo que a extrema direita, fortemente identificada com o fascismo, organizou a Ação Integralista Brasileira (AIB), sob a liderança de Plínio Salgado (SKIDMORE, 1969).

A ANL, por representar as aspirações comunistas, desde o início de sua atuação, teve problemas de toda ordem. No governo de Vargas, com um Congresso dominado por membros da classe média e da agricultura, a ameaça comunista sempre foi encarada como iminente. Nessa conjuntura, a atuação da ANL sempre foi restrita pelas ações policiais e pelos embates públicos com membros da AIB, até ser declarada ilegal e definitivamente fechada pelo governo em julho de 1935 (SKIDMORE, 1969).

Em novembro do mesmo ano, estourou no Brasil a Intentona Comunista, que tinha como objetivo o golpe de Estado e a implantação de um regime comunista, cujos planos foram traçados um ano antes, em Moscou, portanto, antes do fechamento da ANL. Os levantes começaram em novembro, no Rio de Janeiro e no Nordeste. Mas a maneira desordenada pela qual a rebelião se iniciou no Rio Grande do Norte, facilitou a ação das forças governistas e, assim como o levante paulista, a tentativa de revolução foi esmagada em poucos dias, com baixas dos dois lados. A perseguição aos comunistas continuou durante todo o governo Vargas, até o fm do Partido Comunista, na capital, em 1940, e, em São Paulo, em 1941 (DULLES, 1985).

As tendências fascistas que se fortaleciam na Europa encontraram eco no Brasil com a AIB. Criada com a divulgação do Manifesto de outubro de 1932, a AIB se fundamentava no lema: "Deus, Pátria e Família". De cunho nacionalista, apesar da clara influência do fascismo europeu em sua gênese, a AIB propunha a construção e desenvolvimento de uma nacionalidade verdadeiramente brasileira, valorizando o espiritualismo, em detrimento do materialismo característico do comunismo e do liberalismo e, ainda, repudiando a existência de partidos políticos, pois, segundo o Manifesto Integralista, o exercício de diversos partidos dividia o povo brasileiro (MANIFESTO..., 2007).

De sua criação até a proibição das atividades partidárias no Brasil a partir do Estado Novo, o Integralismo se relacionou de maneira ambígua com o governo Vargas. Trindade (1974, p. 278) afirma que

Desde as origens do movimento até sua dissolução, persistiu uma ambigüidade básica na relação entre o integralismo e a nova elite política (...). As posições do integralismo alternam-se entre o cortejo, a cumplicidade e o ódio, cujos episódios simbólicos são: o desfile de apoio a Getúlio antes do golpe de 37, o Plano Cohen forjado no interior da AIB e o atentado ao Presidente da República no Palácio da Guanabara em 1938.

O partido foi financiado pela Itália fascista após o sucesso nas eleições municipais nacionais de 1933. O financiamento visava a vitória de Plínio Salgado nas eleições presidenciais de 1938, que nunca se realizaram. Segundo o emissário especial mandado pela Itália para investigar a atuação do movimento, Píer Filippo Gómez, a AIB era uma "autêntica e legítima filha do fascismo" (apud SEITENFUS, 2003, p. 48).

Com a aproximação dos preparativos para as eleições de 1938, o governo de Vargas se fechou cada vez mais. O presidente, e os mais próximos dele, não se dispunham a abandonar o poder, mesmo com a impossibilidade de reeleição prevista na Constituição de 1934 (FAUSTO, 2003). Os preparativos para o golpe contaram com o apoio decisivo das forças armadas e foram endossados pelo ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Para criar um clima de instabilidade, Vargas se utilizou de duas principais estratégias: para evitar que os governadores se levantassem contra os preparativos do golpe, interveio nos estados buscando angariar apoio aos preparativos golpistas; e utilizou o fantasma comunista para justificar a adoção de medidas excepcionais.

Desde o levante em novembro 1935, o movimento comunista vinha sofrendo forte repressão e era quase inexistente. Entretanto, até junho de 1937, o estado de guerra, aprovado após o levante comunista ser contido pelas tropas federais, foi renovado pelo Legislativo. Quando o Executivo apresentou proposta para mais uma renovação do estado de guerra, uma maioria do Congresso se colocou contra. Foi então divulgado, em 29 de setembro de 1937, o Plano Cohen. As rádios o anunciaram como um plano da Internacional Comunista (Komintern) para um iminente golpe comunista no País. Na verdade, o Plano foi obra do capitão do exército e integralista Olímpio Mourão Filho.

O Plano Cohen foi a oportunidade perfeita para que Vargas provasse a seriedade da fragilidade do País frente à ameaça comunista. Apesar da fraqueza do movimento comunista, poucas vozes se levantaram contra o pedido do Executivo e o estado de guerra foi renovado, admitindo a autenticidade do Plano Cohen e abrindo caminho para o golpe. Finalmente, em 10 de novembro, o Congresso foi fechado e Vargas outorgou uma nova Constituição, escrita por Francisco Campos, novo ministro da Justiça fortemente identificado com o Integralismo. Nascia, assim, o Estado Novo, período no qual Getúlio Vargas concentrou o poder em suas mãos. Desse modo, o Brasil se afastava definitivamente da democracia e aproximava perigosamente dos regimes fortes que faziam sucesso na Europa (SEITENFUS, 2003).

O golpe de Vargas foi possível graças, principalmente, à passividade do Congresso eleito em 1934. Desde a revolta comunista, o presidente vinha pensando na possibilidade de um golpe. A facilidade com que o Congresso aprovava as resoluções do Executivo encorajou cada vez o ímpeto de Vargas de iniciar um projeto nacional de regime autoritário para eliminar as forças políticas opostas e colocar super-poderes nas mãos do presidente (SKIDMORE, 1969). A sociedade brasileira demonstrou total indiferença em relação aos acontecimentos e o movimento comunista agonizava.

A AIB se regozijou com o advento do Estado Novo e com a pretensa promessa do cargo de ministro da Educação para Plínio Salgado. Além do mais, a Constituição havia sido escrita por um simpatizante integralista, Francisco Campos, que seria o novo ministro da Justiça. A AIB, no entanto, acabaria sendo alijada de qualquer possibilidade de poder. Momentos após o início do Estado Novo, todas as agremiações políticas forma declaradas ilegais, e esse foi um golpe certeiro nos planos dos integralistas. O enterro oficial da AIB aconteceu na noite de 10 de maio de 1938, com a fracassada tentativa de golpe integralista, quando militantes integralistas atacaram o Palácio Guanabara, residência de Getúlio Vargas. Na ocasião, o próprio presidente Vargas se defendeu, empunhando armas junto com sua filha Alzira. Apesar do lado trágico, tendo havido baixas dos dois lados, o humor carioca denominou a tentativa de golpe do pijama (SEITENFUS, 2003).

De acordo com a circular de número 1166, de 12 de novembro de 1937, enviada pelo Itamaraty às missões diplomáticas na capital, o novo governo não necessitava de reconhecimento, pois se tratava de um assunto interno. Na verdade, poucos se interessaram pela situação nacional, a não ser, principalmente, os Estados Unidos (EUA) e a Alemanha, que disputavam influência na região.

Quanto à suspeita de influência de alguma força externa no golpe do Estado Novo, Vargas desmentiu qualquer acusação. Oficialmente, em 17 de novembro de 1937, o Itamaraty divulgou uma circular às missões diplomáticas, afirmando que a transformação política por que acaba de passar o Brasil, em nada altera sua tradicional política internacional. Continuamos fiéis como sempre aos ideais democráticos, pacifistas e pan-americanistas, para a realização dos quais estamos agora com meios de ação mais fortes, mais rápidos e decisivos. A nossa carta política não obedece aos ditames de nenhuma ideologia exótica. Ela consagra a realidade brasileira e se ajusta às nossas necessidades dentro do mundo moderno. Não nos seduziram conselhos, inspirações ou sugestões, que nunca existiram nem o nosso patriotismo admitiria, de qualquer líder de grande fama mundial. Não cogitamos tão pouco por nós mesmos de imitar exemplos de fora. Dentro da agitação da humanidade contemporânea tiramos no momento oportuno a lição prática e realista da experiência histórica sinceramente compreendida e aceita de meio século de regime republicano. É a clara visão do presente, sem repúdio do passado e com a preocupação constante do futuro (apud SEITENFUS, 1995, p. 373).

Apesar das explicações, a Alemanha e a Itália, expoentes dos regimes autoritários na Europa, se entusiasmaram com a implantação do Estado Novo, enquanto os EUA, que pareciam à margem dos acontecimentos, se inquietaram com a perspectiva da chegada do autoritarismo em território americano, temendo pelo avanço da situação cada vez mais belicosa na Europa e sua influência nas Américas (SEITENFUS, 1995).

O recém-formado Eixo Roma-Berlim aplaudiu a evolução da situação política brasileira. Francisco Campos, o novo ministro da Justiça, era conhecido na Alemanha como um inimigo declarado do comunismo e da democracia liberal. Além do novo ministro da Justiça, a grande maioria do novo gabinete nutria simpatia pelos regimes fortes, dentre os quais destacam-se Eurico Gaspar Dutra, novo ministro da Guerra, Waldemar Falcão, do Trabalho, Pedro Aurélio de Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, e Filinto Müller, chefe de Segurança do Rio de Janeiro. Desta forma, tanto alemães como italianos estavam certos de terem encontrado um aliado autoritário na América do Sul.

Ainda sobre a suposta participação estrangeira no nascimento do Estado Novo, mesmo com o desmentido oficial do Itamaraty, a atitude alemã causou controvérsias. Durante o ano de 1937, a embaixada alemã no Rio de Janeiro fez análises sobre a política brasileira. Em uma dessas análises, datada de 4 de março, ou seja, oito meses antes do golpe do Estado Novo, o embaixador alemão à época, Schmidt-Elskop, declarou estar a par dos preparativos de golpe por parte do Executivo. Segundo o embaixador, "Vargas quer provavelmente permanecer no poder e joga cascas de bananas aos pés de seus adversários" (apud SEITENFUS, 2003, p. 91). O embaixador ainda previa a encenação de uma tentativa de golpe comunista como justificativa.

A Alemanha e a Itália, apesar de terem em comum a aspiração autoritária na América do Sul, divergiam quanto à maneira de alcançá-la: enquanto a Alemanha incentivou o golpe de Vargas, os italianos mantiveram distância e continuaram financiando a campanha de Plínio Salgado. Com a ausência de integrantes da AIB no gabinete do presidente, ambos os países se deram conta de que o Estado Novo foi uma vitória pessoal de Vargas. Ao contrário dos regimes autoritários europeus, tais como o fascismo italiano, o nazismo alemão e o Estado Novo em Portugal, o regime brasileiro não se apoiava em um partido e em uma ideologia. Uma das medidas do Estado Novo brasileiro foi acabar com as atividades partidárias. Entre novembro de 1937 e 1945, o Brasil viveu o governo autoritário de Getúlio Vargas.

A implantação do Estado Novo inquietou Washington. Tanto o governo como a imprensa dos EUA desaprovam o novo regime. O jornal The Washington Post é um dos mais duros em suas críticas. Para o jornal, Vargas se tornou "um virtual ditador" que pretende se perpetuar no poder (apud SEITENFUS, 2003, p. 84). Todas as publicações ressaltavam o caráter fascista e o corporativismo do Estado Novo.

Os EUA, sob a presidência de Franklin Delano Roosevelt, adotaram a política da boa vizinhança para se aproximar dos países latino-americanos. Roosevelt queria um pan-americanismo não-coercitivo, ou seja, uma união pela amizade, não pela coerção, e se esforçava para manter boas relações com a América Latina. Assim, o Estado Novo acendeu o sinal de alerta no governo estadunidense.

No Departamento de Estado, as reações foram, como as da imprensa, negativas. Para o secretário de Estado Cordell Hull, era necessário saber se o golpe teve realmente influência do Eixo Roma-Berlim antes de o governo tomar uma posição quanto ao fato. Para contornar as desconfianças dos EUA, as incessantes explicações da cúpula varguista com relação à natureza interna e nacional do regime, a atuação de Oswaldo Aranha como embaixador em Washington e depois como chanceler do Estado Novo[6]e, por fim, a frustrada tentativa de golpe integralista foram suficientes.

O Estado Novo também interrompeu o pagamento dos juros da dívida externa, o que gerou mais preocupações do governo dos EUA quanto à natureza do novo regime. Porém, essa medida foi tomada devido à desfavorável evolução da balança comercial brasileira principalmente a partir de 1928, e não por uma posição ideológica da cúpula do Estado Novo (SEITENFUS, 2003). A balança comercial brasileira, apesar de sempre superavitária, a partir de 1928 não conseguia arcar com a evolução dos juros da política externa, salvo em alguns anos do governo de Vargas, e a partir de 1937 a situação se tornou insuportável.

Outubro de 1930, se não foi a completa ruptura com a ordem anterior, mudou sobremaneira a face da política brasileira. Os indícios de fechamento do regime podiam ser encontrados já no início da Era Vargas, quando o presidente do governo provisório fechou o Congresso e loteou as chefias dos estados. O levante de 1930 deve ser visto como necessário quando se analisa a precariedade dos métodos da República Velha. No entanto, o País se livrou do regionalismo paulista e mineiro para um regionalismo gaúcho, mais aberto, porém com a mesma fome de poder. Já o Estado Novo provou a incapacidade do País de construir uma democracia, ainda que incipiente, em face dos desafios e das turbulências que enfrentava. O gabinete do Estado Novo, inicialmente, foi dominado pelos germanófilos, que foram imprescindíveis na gestação do golpe. O Estado Novo foi, basicamente, uma vitória pessoal de Getúlio Vargas.

3.1 A Política Externa do Estado Novo

O Estado Novo enfrentou um dos maiores desafios de política externa da história do Brasil: a Segunda Guerra Mundial. O conturbado período entre as duas grandes guerras, principalmente após a crise econômica estourada em 1929, atingiu

diretamente o País. O principal item da pauta de exportações nacional, o café, foi particularmente afetado, levando o País a uma dispendiosa política de valorização[7]do produto na década de 1930.

Para contornar os efeitos da crise, o Brasil, durante a primeira metade a década, assinou 31 acordos comerciais baseados na claúsula de nação mais favorecida, todos denunciados em 1935, devido ao clima de protecionismo que dominava o comércio mundial à época (CERVO; BUENO, 2002).

Na arena comercial, dois países disputavam influência no Brasil, os EUA e a Alemanha. Com a chegada de Adolf Hitler ao poder, em 1933, a Alemanha passou a mostrar maior interesse pelo mercado brasileiro. Até então, a Alemanha dedicava-se exclusivamente à compra do café brasileiro, mas, a partir de 1934, com a implantação do Novo Plano[8]a Alemanha nazista tornou-se um dos maiores parceiros comerciais brasileiros até o início das hostilidades na Europa, em 1939. Com o Novo Plano, o Estado nazista passou a ter controle total sobre o comércio alemão e o comércio internacional seguiria o princípio da compensação, ou seja, o perfeito equilíbrio das exportações e das importações. Assim, o que era exportado era pago com marcos de compensação, que possibilitavam a importação (SEITENFUS, 2003).

O Novo Plano significou para o Brasil a assinatura, em 1936, de um acordo comercial com base no comércio compensado. Diante a aproximação do Brasil com a Alemanha, os EUA decidiram acelerar a assinatura de um tratado comercial com base na claúsula da nação mais favorecida e em vantagens eqüitativas e recíprocas, acertado em fevereiro de 1935. São flagrantes as diferenças entre os dois tratados assinados pelo Brasil. Enquanto o tratado assinado com a Alemanha tinha caráter marcadamente protecionista e bilateral, o acordo com os EUA era marcadamente liberal. A despeito das características, o tratado assinado com a Alemanha impulsionou sobremaneira o comércio bilateral, chegando a suplantar os EUA como maior destino das exportações brasileiras (Tabela 1). As importações para a Alemanha cresceram mais de 100 por cento em 5 anos, passando de mais de 11% do total das importações em 1933 para quase 25% em 1938, enquanto as importações para os EUA cresceram em ritmo menor. Nas exportações, enquanto os EUA perderam espaço, a Alemanha mais que dobrou suas compras de produtos brasileiros no mesmo período. Todo o sucesso alemão no comércio exterior brasileiro foi graças ao Novo Plano. O gabinete germanófilo do Estado Novo e o crescimento do comércio com a Alemanha reforçavam em Washington o caráter pró-Eixo do governo, desmentido pela presença de Oswaldo Aranha, a partir de 1938.

Tabela 1 – Percentual da participação dos Estados Unidos e da Alemanha nas importações e exportações brasileiras (1933-1938).

Importações

1933

1934

1935

1936

1937

1938

Alemanha

11,95

14,02

20,44

23,50

23,88

24,99

Estados Unidos

21,18

23,67

23,36

22,12

22,99

24,21

Exportações

1933

1934

1935

1936

1937

1938

Alemanha

8,12

13,13

16,51

13,23

17,05

19,06

Estados Unidos

46,71

39,17

39,44

38,85

36,19

34,32

Fonte: Apud HILTON, 1977, p. 217.

Segundo Francisco Luis Corsi (2000), as questões ligadas ao desenvolvimento foram temas centrais da política externa do período. Com o advento do Estado Novo, o sonho de Vargas, explicitado ainda em 1930, de construção de um complexo siderúrgico que alavancaria o desenvolvimento nacional foi renovado com mais força. Outra questão primordial era renovação do arsenal militar. Nesse quesito havia forte influência dos chefes militares que apoiaram o golpe de Vargas. A cúpula militar do Estado Novo preocupava-se seriamente com a possibilidade de ataque vinda da vizinha Argentina[9]e o problema dos equipamentos militares figurava como essencial para a segurança nacional.

Para tratar dessas e das outras questões internacionais, Getúlio Vargas convidou para assumir a pasta das Relações Exteriores do Estado Novo seu amigo Oswaldo Aranha, figura de grande relevo na política interna e ex-embaixador em Washington, onde adquirira grande prestígio no governo de Franklin Delano Roosevelt. Em um gabinete formado majoritariamente por admiradores dos regimes fortes europeus, os chamados germanófilos, a atuação de Aranha foi fator decisivo no processo de engajamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. A política externa do Estado Novo, dominada pelo conflito mundial iniciado em 1939, trouxe novas perspectivas de desenvolvimento para o País por intermédio das negociações pendulares entre Brasil, Alemanha e EUA, nas quais Oswaldo Aranha atuou como o principal defensor do pan-americanismo.

Oswaldo Aranha

4.1 O Personagem

Oswaldo Euclides de Sousa Aranha nasceu em 15 de fevereiro de 1894, na cidade gaúcha de Alegrete. Filho do Coronel Euclides Egídio de Souza Aranha, presidente local do Partido Republicano Rio-Grandense[10]e de Luiza de Freitas-Valle Aranha, matriarca politicamente influente, foi criado na Estância Alto Uruguai, de propriedade dos pais, em Itaqui, quase na fronteira com a Argentina. O ambiente no qual foi criado, na mais ampla liberdade, foi propício para o desenvolvimento de uma personalidade ativa. "Sou mais um homem de ação do que de ideação", escreveu em 1930. (apud HILTON, 1994, p. 03).

Fator decisivo na formação do menino Aranha foi a importância que a família deu aos estudos do garoto. Oswaldo Aranha, já em 1903, com nove anos de idade, foi matriculado em um internato de formação jesuítica em São Leopoldo (RS), de onde se desligou três anos depois, quando corria o risco de ficar cego, para um sério tratamento em Buenos Aires.

Entre 1908 e 1911, Aranha freqüentou o Colégio Militar na capital do País, Rio de Janeiro. Lá, definiu sua preferência pelo Direito, a principal escola de formação dos políticos da época. Os anos de Colégio Militar também serviram para criar o combativo gaúcho, intendente e líder da Revolução de 1930. Outro fator que o levou a optar por Direito foi a grande admiração por Rui Barbosa, graças, principalmente, a sua "campanha civilista" contra a candidatura presidencial do Marechal Hermes da Fonseca. Após as eleições de 1910, das quais o Marechal Hermes se sagrou vencedor, Oswaldo expressou em carta para a mãe a vontade de largar a carreira militar e estudar Direito. A mensagem anti-militar, anti-oligárquica e de exaltação às liberdades civis de Rui Barbosa conquistou Aranha.

A evolução do pensamento cívico de Oswaldo fica clara quando, aos dezesseis anos ainda incompletos, em 1911, decide se matricular na Faculdade de Direito. No ano seguinte, redige uma carta aos pais, desolado com a morte do Barão do Rio Branco em 1912,:

Parece que nossa terra está fadada às grandes desgraças! Vão os homens de valor, (...) Nós, realmente, decaímos passo a passo nestes últimos tempos: a miséria granjeou adeptos na "nefanda política" e sobe acelerada as escadas do poder! Morreu Rio Branco! Devemos senti-lo, porém, muito mais devemos sentir a morte moral de nossa Pátria! Tudo nos leva a descrer desse Marechal... (apud HILTON, 1994, p.7).

Na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, onde estudou de 1912 a 1916, além de se formar um competente advogado, Aranha completou sua formação cívica e conheceu a geração que viria a ser a elite republicana em alguns anos. Entre outras figuras importantes, Aranha foi apresentado a Luis Carlos Prestes e ao grande companheiro na conspiração de 1930, Virgílio de Melo Franco. Também se engajou na política estudantil, criticando veementemente a política dominante[11]

No meio do curso, em 1914, Aranha decidiu, junto com o amigo Rubens Maciel, fazer uma viagem pela Europa. O contato com o velho continente foi de extrema importância na formação do jovem Aranha, despertando nele um interesse até então pouco comum à política brasileira, as relações internacionais. Aranha escolheu a França para fazer um curso na École des Hautes Études Sociales, sem direito a diploma, pois não fez a prova de admissão (CAMARGO; ARAÚJO; SIMONSEN, 1996).

Recém-formado, Aranha, aos 22 anos, abriu uma banca de advocacia em Uruguaiana (RS). No mesmo ano de 1917, casou-se com Delminda Gudolle, a quem chamava em inúmeras cartas de "Vindinha", e, entre 1918 e 1923, o casal teve quatro filhos. Porém, apesar de gostar de Direito, Aranha largaria a advocacia para praticar o que realmente o atraía, a política.

4.2 O Político

Logo após se formar, Oswaldo Aranha voltou para casa e se filiou ao Partido Republicano, do qual seu pai era o chefe local. Na volta ao Rio Grande do Sul, a situação política era tensa. As eleições de 1922 no estado confirmaram a hegemonia Borges de Medeiros, reeleito pela quarta vez na região. Com mais uma derrota, a oposição, capitaneada por Assis Brasil, partiu para a luta armada: mais uma guerra civil no Rio Grande do Sul entre republicanos e libertadores. O conflito se encerrou com o tratado de Pedras Altas, em dezembro de 1923. O tratado proibiu a reeleição e abriu caminho para uma nova etapa, da qual Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha seriam, pela vertente republicana, os artífices do entendimento.

Oswaldo Aranha participou ativamente dos embates pelo lado republicano[12]ao lado de Flores da Cunha. Chefiou tropas provisórias em defesa da legalidade e acabou sendo ferido no pé. A região onde a bala penetrou permaneceu insensível ao toque por toda a sua vida. A guerra civil de 1923 revelou um Oswaldo Aranha combativo e determinado, o mesmo espírito que o faria liderar o levante de outubro de 1930. O advogado e aguerrido combatente agora poderia exercer seu oficio preferido.

Ainda exercendo o ofício de formação, Aranha criou um influente círculo de contatos e correspondentes por todo o estado. Em 1924, logo após a assinatura do tratado de Pedras Altas, foi convidado por Antônio Borges de Medeiros, presidente estadual e líder do partido, para a subchefia de polícia na zona de fronteira. Começava a carreira política do jovem advogado. Nas eleições de 1927, Aranha foi eleito para a Câmara dos Deputados. No entanto, só exerceria o cargo por poucos meses. Saiu para assumir o cargo de secretário do Interior e Justiça no governo do novo presidente gaúcho, Getúlio Vargas.

A partir de então, o jovem Aranha se tornou um dos destacados membros do cenário político. Do grupo que chegaria ao poder em 1930, Oswaldo Aranha era o mais novo. Ao assumir o cargo de Secretário, Aranha começava a desenvolver especial relação com Getúlio Vargas, que seria determinante por toda sua carreira política. A fidelidade de Aranha era incontestável. Episódio fatídico que ilustra de maneira marcante a fidelidade de Aranha aconteceu no governo de Juscelino Kubitschek, já no fim de sua carreira política, quando, ao ser cogitado para assumir um cargo no governo, Aranha, recusando, afirmou enfaticamente que "só poderia ser segundo de Getúlio Vargas" (apud HILTON, 1994, p. 483). Hilton (1994) destaca outro episódio que ilustra de maneira marcante a fidelidade Aranha. Na fatídica reunião da cúpula do segundo governo de Vargas, em 1954, quando o presidente chamou seus ministros para decidir sobre os rumos do governo, fortemente atacado pela imprensa, principalmente após o atentado da Rua Toneleiros, Aranha afirmou que

Se estivesse no exercício da Presidência, não renunciaria antes de terminado o inquérito e de entregues à Justiça os mandantes e mandatários de todos nós (...) Opino assim, não para resguardar a figura do presidente, cuja atitude conheço, mas a honra de seu cargo, a dignidade de sua investidura e, por fim, para evitar que sua renúncia antecipada possa ser interpretada no estrangeiro e no país como uma possibilidade de um presidente do Brasil, escolhido entre todos nós por um povo bom e cristão, vir a ser tido e havido e julgado como conivente com uma monstruosidade como a da rua Toneleiro (sic).

Enfim, sugeriu que Vargas deveria oferecer "resistência pessoal ao preço da própria vida" (grifo do autor), e assegurou que estaria ao seu lado (apud HILTON, 1994, p. 479).

No cargo de secretário, Aranha preocupou-se com a situação deficitária das indústrias gaúchas, notadamente a indústria do vinho, da banha e do charque. Mas o principal papel de Aranha foi o de conciliador no antigo embate entre republicanos e libertadores, ajudando a fortalecer o Rio Grande do Sul nas eleições presidenciais, previstas para março de 1930. O Rio Grande do Sul já era o segundo estado em arrecadação, o terceiro maior produtor agrícola e o maior fornecedor para o mercado interno, e a criação de uma frente única gaúcha fortaleceu ainda mais a posição nacional do estado, frente à hegemonia de São Paulo e Minas Gerais.

Desde quando tomou posse no governo gaúcho, em 1928, Getúlio Vargas era tratado como presidenciável para as próximas eleições nacionais. Porém, havia chegado ao cargo com decisiva ajuda do presidente Washington Luis, e fazer o papel de oposição não era agradável aos olhos de Getúlio. A solução seria um acordo que fizesse que o presidente indicasse seu sucessor, prática imprescindível na República Velha. Obedecendo à estrutura oligárquica, o presidente Washington Luis, paulista, deveria indicar o mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que fatalmente sairia vitorioso nas eleições. No entanto, em setembro de 1929, o presidente, como já era esperado nos meios políticos, anunciou a candidatura do presidente paulista, Julio Prestes, como mencionado anteriormente. A política do café-com-leite estava definitivamente terminada.

O rompimento entre mineiros e paulistas abriu caminho para o alinhamento de novas forças políticas no cenário nacional, e a intransigência de Washington Luis uniu mineiros e gaúchos. Ambos os estados concordavam que era preciso radicalizar o jogo sucessório, não necessariamente para lançar candidato próprio, mas para fazer que o presidente mudasse de idéia quanto ao seu sucessor. Mas Washington Luis insistiu na candidatura de Julio Prestes.

As conversações entre gaúchos e mineiros começaram já em abril de 1929. Os principais representantes nessa fase oficiosa das negociações foram João Neves da Fontoura e Afrânio de Melo Franco, em nome, respectivamente, dos gaúchos e dos mineiros. Os entendimentos culminaram com a assinatura do Pacto do Hotel Glória, na capital Federal, firmado em 17 de junho do mesmo ano, que selou definitivamente a aliança Rio Grande do Sul-Minas Gerais. Nesse primeiro momento, Antônio Carlos, ex-presidente mineiro, foi escolhido como a primeira opção para disputar o Catete, seguido por Vargas e Borges de Medeiros, que recusou a lembrança de seu nome, alegando idade avançada.

Oswaldo Aranha foi o principal interlocutor de Vargas durante todo o processo. Foi ele que, a pedido do próprio Vargas, sempre receoso e buscando uma solução conciliatória, tentou, em vão, uma última rodada de negociações com o Catete durante o mês de julho. Na ocasião, Washington Luis tentou subornar Aranha, oferecendo a ele a vice-presidência na chapa encabeçada por Julio Prestes. Aranha, no entanto, desprezou a oferta do presidente (CAMARGO; ARAÚJO; SIMONSEN, 1996).

Após o encontro de Aranha com Washington Luis, não restou alternativa para a aliança Rio Grande do Sul-Minas Gerais senão lançar candidatura própria. O Rio Grande do Sul, ansiando por ter um candidato à presidência, fortaleceu sua posição ao conseguir a união de todas as forças políticas do estado com a organização da Frente Única Gaúcha (FUG), colocando lado a lado grupos políticos que combateram em lados opostos por muito tempo. Aranha, como secretário do Interior e Justiça, foi o principal articulador da Frente. Essa unidade, que faltava a Minas Gerais, permitiu que Aranha oficializasse no Rio de Janeiro a candidatura de Getúlio Vargas para presidente e de João Pessoa, governador da Paraíba, para vice, sob o manto da Aliança Liberal (AL).

Aranha era otimista quanto à candidatura de Vargas. Em carta ao amigo, agora candidato à presidência, Aranha (apud CAMARGO; ARAÚJO; SIMONSEN, 1996, p. 64) afirma que

Nunca tivemos a situação atual, nem no país, nem no governo, nem na opinião pública. Todas as correntes políticas (...) partidos, governos, legalistas, revolucionários, conservadores, independentes, indiferentes, (enfim) tudo e todos louvam e confiam na tua conduta feita de ordem, pelo cumprimento das leis, e de progresso pela ação fecunda de teu espírito realizador.

O programa da AL comportava as aspirações das classes dominantes regionais não associadas à elite cafeeira e objetivava sensibilizar a crescente classe média. Defendia a necessidade de diversificar a produção, sem se prender à indústria cafeeira. Propunha medidas de proteção aos trabalhadores, à regulamentação do trabalho do menor e da mulher e a aplicação da lei das férias. A ênfase maior, no entanto, era na defesa das liberdades individuais, na anistia, acenando para os tenentes, e na reforma política (FAUSTO, 2003).

O poder de manipulação da situação foi enorme durante toda a República Velha e Aranha não alimentava esperanças sobre a possibilidade de eleições honestas. Por isso, ao mesmo tempo em que orquestrava a campanha eleitoral da AL, preparava o terreno para uma ação armada após as eleições. Inclusive reconheceu, após o vitorioso levante de 1930, que em viagem a Belo Horizonte havia selado uma aliança com Virgílio de Melo Franco com o objetivo de encerrar de vez o regime dominante. "Sem esperanças eleitorais, sem ilusões políticas, sem fé na imparcialidade do governo, concluímos pela necessidade de uma revolução fatal e inevitável" (apud HILTON, 1994, p. 26).

O esforço pela revolução ganhava corpo mesmo antes das eleições. Aranha negociou com líderes mineiros a criação de um fundo para a aquisição de armas no exterior. Procurou também a cooperação dos tenentes, conversando com Luís Carlos Prestes, exilado em Buenos Aires. Prestes, que, inclusive, escrevendo a Aranha, incitava a necessidade da revolução, afirmando que "o dilema é claro e insofismável, dele não há sair – fazer revolução armada ou submeter-se pela própria vontade ao governo federal" (apud GUIMARÃfES, 1982, p. 305). O líder tenentista lembrava que, desde julho de 1929, Vargas ia conquistando a simpatia dos tenentes e que isso fora obra de Aranha. Outro líder tenentista, Osvaldo Cordeiro de Farias, reconheceu que Aranha foi a alma da conspiração. Mas Prestes, que anos mais tarde se declararia comunista, por não concordar com a evolução dos preparativos e por ver em Vargas o mesmo conservadorismo dos próceres paulistas, não aderiu à Revolução.

Getúlio Vargas, desde o início dos preparativos eleitorais, mostrava sua ambigüidade. A idéia de uma batalha eleitoral o preocupava. Já a possibilidade de uma guerra civil o repugnava. Dificilmente na história do Brasil houve um candidato a presidente mais relutante do que Vargas. O relacionamento especial que tinha com alguns políticos gaúchos, inclusive com Aranha, foi fundamental para que ele finalmente, após mais algumas resistências, aceitasse o caminho que a história o reservou.

Em fevereiro de 1930, Vargas se afastou da presidência do Rio Grande do Sul e nomeou Aranha como seu substituto, dando a este a possibilidade de agir em nome do estado. Sua tarefa principal era manter a coesão da FUG e transportar essa imagem para todo o País para entusiasmar os eleitores. Da mesma forma, aproveitando o período eleitoral, desenvolveu ainda mais o espírito de resistência do Rio Grande do Sul.

Como era esperado, Júlio Prestes venceu o pleito de 1º de março 1930. As fraudes foram mais uma vez denunciadas. A repressão do governo federal foi mais incisiva do que nas outras eleições, principalmente na Paraíba, onde a autoridade de João Pessoa foi gravemente ameaçada por tropas federais. Aranha, como presidente do Rio Grande do Sul, informou ao Catete que repudiava as ações do governo federal e informou que tudo ocorrera em paz no seu estado no dia das eleições. Washington Luis respondeu dizendo que todos os governadores, menos o de Minas e o da Paraíba afirmavam que o pleito ocorrera normalmente. Aranha, respondendo ao cinismo do presidente, enumerou as fraudes constatadas em todo o País.

Com a derrota nas eleições, a AL começava a ensaiar os primeiros passos da Revolução. Mas várias cisões ameaçaram o ímpeto dos revolucionários. Em entrevista ao jornal carioca A Noite, Borges de Medeiros reconheceu a derrota e ofereceu a colaboração do estado ao novo presidente, isolando Minas Gerais. No Rio Grande do Sul, as declarações ambíguas de Getúlio, ora acompanhando os esforços do levante, ora colaborando com o governo federal, e a cisão entre radicais e conservadores enfraqueceu a preparação da AL. Minas Gerais recuou, responsabilizando a precariedade militar e os altos riscos.

Aranha, de volta à Secretaria do Interior, renunciou ao cargo, devido às críticas à organização do movimento (CAMARGO; ARAÚJO; SIMONSEN, 1996). No entanto, apesar da renúncia, Aranha continuou coordenando os esforços militares em favor do levante e a chama da revolução, apesar de enfraquecida, continuava acesa.

O estopim do levante explodiu em 26 de julho de 1930. Nesse dia, João Pessoa foi assassinado em uma confeitaria do Recife por João Dantas, um de seus adversários políticos. Apesar de o assassinato ter suas razões pessoais, o fato foi explorado politicamente e serviu para reanimar a AL em sua luta para acabar com o regime dominante (FAUSTO, 2003).

A revolução se encaminhava. Aranha, em um último apelo ao amigo Vargas, insistia pela necessidade do levante armado, afirmado que

Nada se pode esperar das leis, que não são praticadas, nem nos homens que são os seus violadores. Onde a lei não é cumprida, o governo assenta no arbítrio e na força. A desordem material é a resultante de uma maior anarquia moral. Não havendo ordem, é impossível o progresso. As soluções pacíficas, preconizadas como melhores e mais simpáticas, tornam-se inúteis e quiméricas (...) Resta apenas, como recurso extremo, dominar esse arbítrio e vencer essa força (apud GUIMARÃfES, 1982, p. 366).

Finalmente, às 17h30 do dia 3 de outubro, Oswaldo Aranha saiu do Quartel da Guarda Civil à frente de seus homens para lançar o ataque que deu início aos levantes em todo o País com o intuito de demover a oligarquia paulista do poder. Começava o levante que mudou a dinâmica da política brasileira. O próprio Aranha passou telegrama a Washington Luis declarando que "tudo fizemos pela paz, chegamos a implorá-la, mais pelo País do que por nós. Recusada e agredidos, levantamo-nos em armas" (apud HILTON, 1994, p. 68).

Os enfrentamentos entre os revolucionários e as tropas oficiais se estenderam durante todo o mês. A invasão de São Paulo estava preparada, quando as tropas revolucionárias que avançavam pelo sul do País, sob o comando de Góes Monteiro, estacionaram em Ponta Grossa, de onde sairiam para atacar as tropas solidárias a Washington Luís em Itararé, em território paulista. Essa batalha, no entanto, não chegou a ocorrer. Em 24 de outubro, uma junta militar comandada pelo General Tasso Fragoso depôs o presidente da República e constituiu uma junta provisória de governo.

Após resistir a entregar o poder, a junta militar, que já havia tomado o poder, cedeu às manifestações e à pressão dos revolucionários e entregou o poder a Getúlio Vargas, que chegou à capital precedido por 3 mil soldados gaúchos. A vitória foi gaúcha. Vargas desembarcou no Rio de Janeiro em uniforme militar e usando um grande chapéu dos pampas. Para completar o simbolismo, os gaúchos amarraram seus cavalos em um obelisco na Avenida Rio Branco. Vargas tomou posse em 3 de novembro de 1930 (FAUSTO, 2003).

No novo governo, Aranha assumiu, a contragosto, pois gostaria de permanecer no Rio Grande do Sul, o cargo de ministro da Justiça e de Negócios Interiores, responsável pela difícil tarefa de articular as forças vitoriosas de 1930 e construir a nova ordem. Além de se deparar com os mais diversos problemas, desde o banditismo de Lampião no sertão nordestino às investigações de corrupção na República Velha, o desafio de Aranha era assentar as aspirações dos que pretendiam institucionalizar a Revolução, dando a ela caráter legal, e dos que insistiam na necessidade de mudanças estruturais nas relações de poder e na estrutura do Estado.

Aranha decidiu deixar para Vargas a tarefa de, como presidente, arbitrar os conflitos diante do impasse civil-militar. O ministro permaneceu em posição eqüidistante das forças divergentes, enquanto Vargas oscilou, pairando sobre as disputas, e acabou incorporando as insatisfações, fazendo concessões a ambos os lados.

Outro problema enfrentado pelo ministro foi a constante oposição da imprensa ao Governo Provisório. Aranha tentou sempre manter com a imprensa relações harmoniosas, demonstrando desde já sua veia democrática em um governo fechado, quando poucos no governo tratavam a imprensa com respeito. Qualquer publicação controversa era motivo de ameaças e até de agressões físicas. Diante da situação, foi criado um Departamento de Publicidade com a função de analisar a publicação de notícias que pudessem causar inquietações na população.

Uma das questões que mais inquietavam o Governo Provisório era a dívida externa. Em reunião ministerial para discutir o tema, Aranha se posicionou a favor da suspensão temporária do serviço de juros, em opinião oposta à do ministro da Fazenda, José Maria Whitaker. O debate entre os dois se tornou público e ambos colocaram o cargo à disposição do presidente, que não aceitou a demissão de nenhum deles. Não obstante, Whitaker acabaria se demitindo em solidariedade à demissão do interventor paulista Laudo de Camargo, em decorrência dos conflitos entre o Partido Democrático e o Partido Republicano no estado de São Paulo (CAMARGO; ARAÚJO; SIMONSEN, 1996).

Com a pasta da Fazenda acéfala, Vargas nomeou Aranha para o cargo, por acreditar que a situação financeira do País precisava ser comandada por alguém identificado com a Revolução. Aranha acumulou os dois ministérios, mas as constantes lutas políticas dentro do governo e a oposição da FUG desgastaram por demais o ministro, que pediu demissão[13]A principal reivindicação da FUG era a rápida reconstitucionalização do País, com a convocação de novas eleições. Aranha era favorável a essa reivindicação e não suportava a pressão de conciliar as vozes dissonantes do governo que ele representava. A amizade com Vargas, no entanto, o demoveu da decisão e Aranha aceitou continuar no governo, ocupando apenas a pasta da Fazenda.

Aranha assumiu o ministério da Fazenda em momento particularmente complicado: a crise mundial de 1929 ainda repercutia na economia nacional, o preço do café e outros produtos primários estava em constante queda no mercado internacional, o mil-réis estava desvalorizado e os investimentos estrangeiros desapareceram, o que refletiu no balanço de pagamentos, esgotando as reservas cambiais. A escassez de divisas obrigou o governo a suspender parte do pagamento aos credores internacionais. Aranha deveria enfrentar todas essas situações e manter a credibilidade do País.

Os principais problemas eram o café e a dívida externa. A queda no preço do café, o principal produto brasileiro de exportação, fez que os produtores ficassem no prejuízo e com grande estoque armazenado. Em vista disso, o governo determinou a compra e destruição dos excedentes. Aranha era contrário ao plano, pois, além de ser contra a intervenção governamental na vida comercial, acreditava que o governo simplesmente não podia sustentar financeiramente o programa. O ministro conseguiu convencer Vargas, que concordou em transferir para iniciativa privada a maior parte da responsabilidade.

Quanto ao problema da dívida externa, o governo provisório encontrou um rombo de mais de US$ 1,25 bilhão. O desequilíbrio do balanço de pagamentos forçou a interrupção do pagamento de parte da dívida. Para contornar a situação, Aranha negociou com os credores um acordo sobre o pagamento apenas dos juros sobre os títulos. A solução encontrada foi a tomada de um novo empréstimo para que o governo emitisse novos títulos para pagar os juros sobre as dívidas.

Enquanto Aranha tentava acalmar a situação econômica, a situação política era crítica. O clamor em favor da pronta reconstitucionalização uniu democráticos e republicanos em São Paulo. Nesse esforço, juntaram-se aos paulistas representantes de outros estados, inclusive do Rio Grande do Sul e sua Frente Única. Aranha, procurando manter a estabilidade do governo provisório, trabalhou em dobro, tentando acalmar o ânimo principalmente dos gaúchos. Em seu íntimo, concordava com os paulistas, mas sua fidelidade ao governo era inconteste. "Não sou por tenentes, nem por generais, nem por políticos (...) Sou pela Revolução" (apud HILTON, 1994, p. 127), explicou à imprensa.

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