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Evidencia-se também neste capítulo um breve histórico do uso do livro didático como ferramenta facilitadora de aprendizagem aqui no Brasil. Ferramenta esta que, na sua maioria está carregada de estereótipos que representam o negro de maneira inferior e subalterna em relação ao branco. Concluo o capítulo com uma discussão sobre a política de branqueamento que tenta a todo custo valorizar a cultura dos brancos e desvalorizar a cultura dos negros.
No terceiro capítulo está presente a pesquisa desenvolvida na escola analisada, Novo Horizonte, aonde busco através de uma leitura das imagens dos cinco livros didáticos analisados, perceber se com a promulgação da Lei, as imagens sociais do negro no livro já estão mais valorizadas ou se ainda estão vinculadas a papéis sociais subalternos.
A metodologia utilizada nesta pesquisa é baseada na revisão bibliográfica e documental, aonde busco provar que a imagem do negro no livro didático é bastante reduzida se comparado com a imagem do branco e que mesmo no século XXI, apesar dos movimentos sociais, da implantação da lei 10.639/2003 a classe dominante de uma maneira mais sutil, não menos astuta, utiliza deste poderoso veículo de aprendizagem, de formação de opinião para continuar registrando o preconceito que infelizmente no Brasil ainda não morreu. Para confirmar este estudo realizei uma pesquisa de campo onde analiso com detalhes as imagens dos cinco livros didáticos estudados no primeiro ano do ensino fundamental I da escola escolhida.
O Brasil fez uso do trabalho escravo durante os três primeiros séculos de construção do País. "Os primeiros africanos desembarcaram no Brasil no ano de 1538, presume-se que nos fins do século XVI, a população negra já deveria somar cerca de 10.000 pessoas, 6.000 somente em Pernambuco e 3.000 na Bahia, o restante estava distribuído pela colônia" (Mendonça, 1973, p. 80). Estes negros eram trazidos nos porões de navios negreiros e tinham valor de mercadorias. O tráfico destes navios era bastante lucrativo e envolvia administradores, investidores e gerenciadores que organizavam este tipo de negociação a fim de saírem ganhando com esta empreitada cuidando para que não ocorressem prejuízos.
Portugal era o principal manipulador do tráfico negreiro, já que era este País que mais saia ganhando com a arrecadação de impostos. Foi a partir de 1649, com a fundação de Companhias que o tráfico negreiro passou a ser controlado através de fiscalizações. Essas mantinham sob domínio da Coroa a entrada e o destino dos negros, aumentando ainda mais a arrecadação de impostos. Foram extintas em 1778, depois da queda do Marquês de Pombal.
Os navios negreiros saiam da África com os negros acorrentados nos porões passando fome e frio, em uma viagem desumana. Com a demora do trajeto era comum que homens e mulheres defecassem e vomitassem no mesmo ambiente em que viajavam. Diante disto, pode-se imaginar como esta travessia era humilhante e como estes negros estavam submetidos a todo e qualquer tipo de doença que muitas vezes os levavam a morte.
Quando desembarcavam aqui no Brasil, estavam simplesmente arrasados de cansaço da dura viagem vivida e muitos inconscientes do sofrimento que lhes aguardava neste País, sobre esta dolorosa viagem, Mattoso explica:
"Vinha de longe após um mês, freqüentemente dois meses de navegação, ou de mais perto, após cabotagem perigosa e por vezes clandestina, o cativo é, de ordinário, desembarcado num estado de exaustão física e moral fácil de imaginar. Se vem do outro lado do oceano, sofreu o traumatismo psíquico da captura, as longas marchas às vezes necessárias para atingir o porto. Foi posto a ferro e esperou talvez muito tempo a chegada dos "tumeiros" traficantes. Preso a bordo do navio, conheceu as rotas de uma dura navegação antes de ser desembarcado, mas morto do que vivo, em terra desconhecida e hostil. Se vem de mais perto seus sofrimentos não são menores, pois teve igualmente de separar-se dos amigos, talvez também de parentes, deixar um tipo de vida ao qual se havia mais ou menos adaptado, para ser acorrentado e arrastado do desconhecido, numa angústia somente igualada ao desgaste físico levado ao extremo pela viagem forçada a promiscuidade a bordo, a fome e a rudez agressiva dos seus condutores" (MATTOSO, 2003, p. 65)
As palavras de Mattoso só confirmam as verdades do período da escravatura, negros mal tratados e desrespeitados até a própria natureza. Durante o século XVIII, o tráfico negreiro ganhou ainda mais forças, estima-se que em 1817, o número de africanos aqui no Brasil chegava a 1.930.000. No ano de 1831, foi proibido o tráfico de navios negreiros, porém, a entrada destes povos ao País não diminuiu, pelo contrário, desenvolveu-se um contrabando de navios negreiros que só chegou ao fim com o último embarque no ano de 1855.
Existe até hoje uma imprecisão sobre os detalhes da escravidão no Brasil, já que todos os arquivos referentes a este tema foram queimados no dia 13 de maio de 1891, ordenados pelo Ministério Público, assim, os dados importantes referentes à vida dos negros aqui no País no período da escravidão foram completamente retirados dos capítulos oficiais da nossa história.
Sobre os negros que vieram para o Brasil Santos, 1975, afirma:
"Os negros que vieram para o Brasil eram retirados a força de diversas regiões do continente africano, principalmente da costa ocidental da África. Africanos de origem Banto, do Congo e de Angola, foram trazidos logo no começo da colonização, e foram espalhados pelas plantações do extenso território rural, que correspondia os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Devido à extensa faixa territorial destas províncias, praticamente não havia comunicação entre esses grupos. Já os africanos de origem Sudanesa, os Gege do Daomé e os Yorubá, também conhecidos como Nagôs e os Minas, desembarcaram no Brasil, já no último período da escravidão e ficaram concentrados nas regiões urbanas de Salvador e Recife, existia entre esses últimos povos uma comunicação mais facilitada, contribuindo assim para proliferar os terreiros de candomblé na cidade de Salvador." (Santos 1975 p. 86).
Junto com estes negros, vinha uma rica e expressiva cultura que a escravidão, por sorte, não conseguiu esmagar totalmente, como por exemplo, a dança, a música, a religião, a língua, a comida, a arte africana tão forte e tão diversificada que ajudou fortemente na composição da formação do povo brasileiro. Exótica, bonita, matreira e diferente: a mulata morena. Saudoso, nostálgico, amoroso o vai e vem e o canto da mãe negra ninando seu lindo filho. Gostosas, picantes, cheirosas, apetitosas são as variadas guloseimas da mãe preta no fogão. Valente, astuto, ligeiro, o negro rapaz no gingado da capoeira. Tudo bonito de se vê, gostoso de provar, estas e tantas outras dádivas generosas da mãe África.
A escravidão segurava os negros na ignorância, na inferiorizarão na falta de perspectiva para o futuro e os deixava infelizes e com baixa auto-estima, já que os mesmos eram submetidos a castigos animalescos e a constantes e diversos tipos de humilhação moral e física. O seu maior desejo sempre foi durante todo o tempo tornar-se livre, pois a condição de escravo o tornava quase que um ser desumano, sem alma. O negro escravo em nenhum momento desistiu de viver livre, sobre isso, Darcy Ribeiro afirma:
"Não tem outra saída, entretanto, uma vez que da condição de escravo só se sai pela porta da morte ou da fuga. Portas estreitas, pelas quais, entretanto muitos índios e muitos negros saíram; seja pela fuga voluntarista do suicídio, que era muito freqüente, ou da fuga mais freqüente ainda, que era tão temerária porque quase sempre resultava mortal. Todo negro alentava no peito uma ilusão de fuga, era suficiente audaz para, tendo uma oportunidade, fugir, sendo por isso, supervigiado durante seus sete a dez anos de vida ativa no trabalho." (Darcy Ribeiro, 1995, p. 118).
Além de serem considerados como animais e viverem períodos dolorosos de confinamento, almejando a todo tempo a liberdade, como explica Ribeiro, eram também desprovidos de direitos e tratados simplesmente como instrumentos de trabalho. Utilizados para trabalharem nas plantações canavieiras do século XVII, nas atividades da colônia, nas minas de ouro, de pedras preciosas e nas atividades agrícolas e domésticas, o acesso a educação para esses povos era inexistente. Os brancos, dominantes, não achavam necessário que os negros estudassem, pois a função destes era de executar tarefas que não necessitavam de estudos e sim de força braçal, também tinham consciência de que, com a possibilidade da entrada dos negros na escola, estes sujeitos poderiam perceber que eram em maior quantidade e rebelar-se contra os seus senhores.
A escravidão negra rendia muitos lucros para os traficantes, comerciantes e muito mais para os senhores, com seu duro trabalho os negros sustentavam a classe colonial dominante. Quanto mais escravo, mais elevada era a posição social.
Os senhores de engenho não eram nem de longe, bonzinhos. Apesar de toda a tirania vivida, os negros escravos, através de trabalhos duros e pesados, foram agentes sociais que lutaram todos os dias de suas vidas para resistirem ao tipo de sociedade racista existente naquele período. Ainda trabalharam duro para enriquecer cada vez mais esse país e os seus senhores que nada deram em troca para esses povos, apenas desprezo e falta de oportunidades.
Inúmeras foram às formas que os negros encontraram para resistir à escravidão, além de fugas e suicídios era comum assassinato, abortos, fugas coletivas e individuais. É neste contexto que nasce os quilombos, o mais famoso foi sem dúvida o de Palmares, resistindo há aproximadamente 100 anos, chegou a reunir no ano de 1690 um número aproximado de 20 mil pessoas, desenvolvendo neste ambiente uma comunidade bastante organizada. O quilombo dos Palmares foi um exemplo de luta e resistência do povo negro em busca da verdadeira liberdade. O maior representante desta comunidade foi o negro Zumbi que resistiu até 20 de Novembro de 1696, último dia de sua vida, quando foi assassinado, tornou-se o maior símbolo de heroísmo brasileiro contra a escravidão.
Muitas também foram às rebeliões negras que aconteceram durante o período de escravidão, na Bahia em específico no ano de 1798, houve a Conjuração dos Alfaiates, inspirada nos ideais da revolução francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Tinha como principal objetivo assumir o poder e constituir uma nova forma de organização social aqui na Bahia.
Destacou-se também o levante dos Malês, grande movimento que reuniu negros instruídos, escravos e libertos na tentativa de tomar o poder na Bahia no dia 24 de Janeiro de 1835. Mesmo não obtendo os ideais desejados, essa rebelião plantou ainda mais os anseios de liberdade com uma dimensão tão intensa que despertou o medo dos senhores que extraditaram para a África a maioria dos sobreviventes que participaram da rebelião, receosos da repercussão que esta revolta ocasionou.
A Constituição brasileira de 1824, outorgada por decreto imperial, não garantia aos escravos a condição de sujeitos de direitos, tampouco, "a Carta Magna republicana, escrita em 1891, dois anos depois da abolição da escravatura, esta, manteve sufrágio como direito de poucos" (Shumaher e Brazil, 2007, p. 315).
"No período da República, houve uma aproximação da população negra as escolas, nos moldes das exigências oficiais, mesmo sem o apoio das políticas públicas. Fica patente a criação de escolas pelos próprios negros" (CRUZ, 2005 p. 56).
Na década de 80, o movimento negro envolveu-se em mobilizações para denunciar o racismo e a ideologia dominante presentes nas escolas, espaço onde deveria propagar princípios de igualdade. Foram alvos de críticas: o livro didático, o currículo, a formação de professores entre outros pontos.
A discriminação e o preconceito que os negros foram vítimas durante longos e cruéis anos, manifestam-se até hoje de maneira velada na nossa sociedade e também de maneira aberta em alguns espaços educativos. Através de um discurso preconceituoso de alguns professores que caracterizam muitos de seus alunos negros como incapazes e preguiçosos e é claro, nos veículos de informação, como o livro didático, é construído a imagem de um negro predestinado ao fracasso.
A diversidade da cultura e da etnia trazida pelos negros para o Brasil enriqueceu o nosso País. Somos hoje uma mistura de crenças, raças, cor e costumes. É uma parte da nossa história que não pode ser esquecida e nem contada de uma maneira fragmentada. Não combina convencer aos nossos alunos que a Lei Áurea foi assinada pela generosa Princesa Isabel, como está registrado nos livros de história. Sabe-se que foram os interesses políticos, sociais e econômicos que ocasionaram tal decisão, esta e outras verdades precisam ser contadas.
Sobre isso Gomes (1995) afirma:
"O aluno negro, ao ingressar na escola, além de encontrar a história de sua raça trabalhada de maneira folclorizada, ainda encontra reforços por parte do corpo docente no que diz respeito à negação de sua origem racial (...)." (GOMES, 1995, p. 89)
Ressaltar as contribuições que o povo africano trouxe para o nosso País é mais que uma obrigação, é um verdadeiro dever. Torna-se necessário para a construção da identidade do povo brasileiro. Cabe a escola, assumir o papel de reparar as injustiças cometidas ao povo negro durante todo esse tempo e contar de maneira exata o que ocorreu de fato com a nossa história, promovendo uma divulgação dos direitos de todos, das diversas culturas existentes, levando em consideração toda a diversidade que existe no nosso País.
Darcy Ribeiro, em seu livro O povo brasileiro, mostra um relato sobre as matrizes culturais. No capítulo que é chamado de: gestação étnica está uma leitura sobre a contribuição cultural do negro.
Segundo Darcy:
"Nenhum povo que passasse por isso com sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios suplicados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os suplicou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a agente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria. A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturados impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, suriciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos (...)" (RIBEIRO, 2006, p. 108).
Neste contexto, veio à abolição, forçada pelas pressões externas e internas dos movimentos sociais ao Governo em prol do fim da escravatura. Festejada por todo o território nacional, a abolição foi recebida pelos brasileiros com muito entusiasmo e muitas comemorações, porém ela não representava deveras a liberdade almejada pelo negro. Abandonados a própria sorte, tornaram-se caminheiros descalços e desfalecidos, famintos esfarrapados, sem pátria, sem trabalho, sem apoio e sem esperança, vagando sem norte. Não foram preparados para viver como homens livres, e também não encontravam oportunidades para ter acesso à estrutura econômica e social do País. Acabavam se aglutinando junto a grupos de movimentos de resistência como as irmandades, nos terreiros de candomblé e quilombos, como já foi citado, numa busca constante de sobreviver e de recuperar a sua identidade e os seus direitos perdidos ao longo dos anos da escravidão.
"O Brasil foi o último País a abolir a escravatura" (MOURA 1988, p. 48) e ainda não preparou oportunidades para acolher os ex-escravos, pelo contrário, os mesmos não encontraram possibilidades de integração junto ao País e ainda não tinham condições de concorrer com os estrangeiros, vindos de um período de recessão européia, em especial a italiana, exatamente no período de pós-abolição, trazidos com incentivo do governo brasileiro, tomaram o lugar de trabalho que deveria ser dos ex-escravos que então já poderiam vender sua força de trabalho para viverem dignamente, mas isto infelizmente não aconteceu e mais uma vez o Brasil saqueou dos negros a oportunidade que os mesmos tinham de viver honestamente como seres humanos neste País.
Agora livres, não encontraram da terra que eles regaram com trabalho, sangue, suor e sacrifício a gratidão merecida. O crescimento que o País alcançou, tem generosa parcela do trabalho negro escravo e o que lhes sobrou desta terra que deveria ser sua pátria mãe foi apenas a discriminação, o abandono, a crueldade e o sofrimento. Nada lhe restou a não ser refugiarem-se nos guetos, nos morros, proliferando na pobreza, gerando assim um dos grandes problemas brasileiros existentes, as favelas, aonde os mesmos continuam vítimas do infortúnio de serem rejeitados em sua própria terra.
Da saída das senzalas até a chegada a Universidade, um longo e doloroso caminho, regado por lutas e conquistas, derrotas e vitórias. Esta é a saga do povo africano aqui no Brasil. O total abandono a que foi relegado depois da abolição e a precária estrutura econômica e social brasileira são as principais responsáveis pelas atuais dificuldades vivenciadas pelo povo negro. Um povo discriminado, injustiçado, supliciado, mas que nem por isso acomoda-se com esta situação e luta ardentemente por uma vida melhor e mais justa.
A partir da segunda metade do século XX, os movimentos sociais passam a expressar suas reivindicações através de forte pressão política a fim de melhorar o tratamento discriminatório que recebiam no seu cotidiano. Entre eles estava o movimento social negro que buscava reconhecimento das matrizes africanas na formação da cultura brasileira.
Este movimento articulou-se bastante na Convenção Nacional do negro, que se realizou no Rio de Janeiro e em São Paulo nos anos de 1945 e 1946, quando intelectuais e ativistas afro-descendentes advogaram medidas afirmativas a favor do legado da população negra, já no final do século XX, com a terceira Conferência Mundial contra o racismo, realizada de 31 de agosto a 07 de Setembro de 2001 em Durban, África do Sul frutificou a semente a muito plantada por aqueles que doaram vidas, sacrificaram sonhos a fim de tornar o estudo de suas origens africanas e a valorização de sua cultura reconhecida por toda a população brasileira. Através destas lutas, nasce a necessidade de se legitimar uma Lei que torne obrigatório o estudo das raízes africanas.
Denunciando a desigualdade racial existente no Brasil, esses movimentos sociais, provocaram debates sobre a questão da diversidade e as diferenças culturais existentes em nosso País já que a maior parte dos saberes que formam o povo brasileiro tem origens no legado das civilizações africanas, embora haja profundo desconhecimento e ausência da história africana no Brasil na educação de nível básico e nos níveis superiores de graduação e pós-graduação.
"Os currículos, programas, materiais e rituais pedagógicos privilegiam os valores europeus em detrimento dos valores de outros grupos étnico-raciais presentes na sociedade. Os valores desses grupos são, na maioria das vezes, ocultados ou apresentados de uma forma tal que não coloque em conflito os valores dominantes. Em conseqüência, as populações excluídas, podem vir a privilegiar os valores da história e cultura oficial como os únicos a serem considerados, renegando os seus próprios valores, se o processo pedagógico, o seu cotidiano e a sua cultura, não favorecer-lhes oportunidades de reflexão e reelaborarão". (SILVA, 2001, p. 16)
É baseado nesta desvalorização do estudo da história africana que o movimento negro aponta para a necessidade de diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e africanos, assim como uma articulação de uma educação comprometida positivamente com as relações étnico-raciais, tendo nos seus currículos conteúdos que reconheçam e valorizem a história e a cultura dos afro-descendentes, a diversidade da nação brasileira, ao igual direito a educação de qualidade que permita ao negro reconhecer-se na cultura nacional, expressando suas próprias visões de mundo, manifestando com autonomia seus pensamentos e desejos.
A Bahia é o estado com a maior população negra do Brasil e Salvador a cidade mais negra mundialmente depois de Lagos, capital da Nigéria e naturalmente daqui surgiram ações de cunho pedagógico, social e cultural que influenciaram na implementação da Lei 10.639/2003, como por exemplo, a escola comunitária Mãe Aninha do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, escola comunitária do Ilê Aiê etc. Estes espaços educativos tiveram sua parcela de contribuição na luta para divulgar uma educação mais abrangente onde estivesse englobado o estudo da diversidade cultural do nosso País, modificando um pouco a influência da visão eurocêntrica nos conteúdos estudados em sala de aula.
É a partir do estudo da diversidade étnico racial e do respeito com as diferenças existentes na nossa sociedade que se pode idealizar uma educação mais democrática. Referente a isto os PCNS afirmam:
"Pluralidade é fator de fortalecimento da democracia pelo adentramento do tecido social que se dá, pelo fortalecimento das culturas e pelo entrelaçamento das diversas formas de organização social" (PCN, 1997 p. 28)
Reconhecer é também valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negra, desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes. E é na busca incessante deste reconhecimento que nasce a Lei 10.639/2003 alterando a Lei 9.394/1996 em 9 de janeiro do ano de 2003, quando o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva finalmente entende a importância das lutas anti-racistas dos movimentos sociais negros no Brasil e dá prosseguimento a construção de um ensino democrático que incorpora a história e a dignidade de todos os povos que participaram da construção do País.
A nova Lei coloca a sociedade diante da responsabilidade de assumir a história do povo africano estabelecendo a obrigatoriedade em todas as redes de ensino, público e particular o estudo da temática "história e cultura afro-brasileira" na educação nacional. Além disto, a referida Lei também determina uma revisão dos currículos a fim de adequá-los as novas exigências, uma melhor qualificação dos professores e o seu constante aperfeiçoamento pedagógico, e a responsabilidade da mesma a cargo do Poder executivo. Assim, é percebível que o interesse desta Lei não é apenas introduzir os estudos sobre a cultura afro, mas também de qualificar os professores a fim de que os mesmos possam explicar o assunto para os alunos através de um verdadeiro embasamento teórico sobre o tema em questão.
Corpo do artigo 26 da Lei 9.394/96:
"Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela."
O artigo 26 da Lei 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação), com nova reforma em 09 de janeiro de 2003, ganhou nova redação, alterando o seu exposto para os artigos abaixo transcritos:
"Art. 26- A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre a História e a cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira
Art.. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. (Planalto, 2003)"
Petronilha Gonçalves e Silva foi a relatora do parecer nº 03/2004, do Conselho Nacional de Educação, que regulamentou a Lei 10.639/03. O parecer criou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino da História e cultura africana e Afro-brasileira no dia 10 de março de 2004.
A tomada desta decisão de corrigir as injustiças acometidas a população negra também através de uma Lei vinculada a Educação traz uma reparação com a história do povo negro, já que estes fizeram e fazem parte da construção da história deste País, e precisam ser estudados e respeitados como tal.
As diretrizes Curriculares para a inclusão dos conteúdos da História afro-brasileira e africana apresentada na escola seguem determinados pressupostos teórico-metodológicos que auxiliam ao corpo pedagógico o desenvolvimento desta temática, como por exemplo, o fornecimento de um material didático-pedagógico específico, que desenvolva temas anti-racistas e ainda recursos auxiliares aos professores para que possam desenvolver as suas atividades combatendo qualquer tipo de preconceito ou discriminação racial que se faça presente.
Muitos professores infelizmente ainda não estão preparados para lecionarem assuntos que diz respeito à cultura africana, já que por muito tempo a narrativa desses povos foi contada de maneira diferente da realidade e na maioria das vezes estava vinculada apenas ao período da escravidão. Porém é preciso começar a prepará-los a entenderem a verdadeira história desses povos e sua grande contribuição no processo de construção de nosso País, através de bons projetos pedagógicos, logo estes docentes já estarão aptos para incorporarem em suas salas de aulas estudos da cultura afro.
Depois de estarem preparados os professores já poderão ensinar para seus alunos a importância de aceitar as diversas culturas existentes em nosso País e mostrar para seus alunos que, como afirma SILVA 2001:
"... A diferença pode ser bela e enriquecedora, que o diferente, o distinto étnico e outros não são desiguais, é fundamental na luta pela cidadania plena. É um grande passo para a conquista da auto-estima e cidadania dos descendentes de africanos que por possuírem a pele mais escura e os cabelos mais crespos, são denominados negros e são estigmatizados e excluídos" (SILVA, 2001, p. 58)
"Quase sem exceção os negros aparecem nesses materiais apenas para ilustrar o período escravista do Brasil - Colônia ou, então, para ilustrar situações de subserviência ou de desprestígio social" (Cavalheiro 2005 p. 96). São estas situações de desvalorização do povo negro que a lei pretende reparar. Além disso, procurar contar uma história diferente, positiva, evidenciando as qualidades da história negra é o mínimo que nós brasileiros podemos oferecer em prol do resgate da dignidade deste povo tão injustiçado.
Pensando nesses materiais para combater o racismo, o Ministério da Educação (MEC), lançou nestes últimos anos, um grande legado voltado para pesquisadores, professores e estudantes, no intuito de divulgar estudos, que auxiliem a divulgação da Lei 10.639. Nestes livros estão presentes artigos que contam a luta histórica dos negros. Há também discussões de como combater o racismo no dia-a-dia da escola, o cuidado que a mesma deve ter para não reproduzir um discurso racial, aspectos que explica a história da áfrica, sua geografia e detalhes que foram esquecidos ou contados de maneira diferente por uma educação baseada no eurocentrismo como foi a nossa durante anos.
Já se passaram mais de seis anos, após a promulgação dessa lei e ainda permanece o desafio das escolas, professores, livros didáticos de colocá-la realmente em prática de maneira correta e eficaz, desprezando totalmente idéias e atitudes racistas que venham a prejudicar a imagem do negro na nossa sociedade. Sendo realmente levada a sério, a implementação da lei proporciona o estudo da cultura afro-brasileira a milhares de crianças negras, brancas, índias etc. Muitas dessas crianças já estão aprendendo sobre a história afro-brasileira, e entendendo que se faz necessário respeitar a diversidade de etnias presentes no nosso convívio social. Diante deste fato é possível afirmar que foi válido todo o esforço dos movimentos sociais e dos grandes intelectuais negros engajados na luta contra o racismo, que apesar de levarem mais de meio século para tornar o estudo da história africana e do povo negro na formação da sociedade brasileira obrigatório seus esforços enfim, foram recompensados.
O livro didático não é um instrumento moderno, estudos comprovam que, na metade do século XVI, já existia uma preocupação em adotar livros adequados para a prática de transmissão de conhecimentos.
No Brasil, o livro didático é controlado pelo Estado através da legislação criada em 1938, pelo decreto de nº8. 469, assim, os livros didáticos só podem ser adotados com a autorização do Ministério da Educação.
Em 1960, equipes técnicas foram formadas a fim de aprovar os livros a serem utilizados nas escolas, a partir daí a atual FAE (Fundação de Assistência ao Estudante), ficou com a responsabilidade de fazer a co-edição e com o objetivo de aumentar a tiragem e a distribuição desses livros.
Em 1985, após a implantação do PNLD (Programa Nacional do livro didático), esses livros começam a ser analisados de maneira mais criteriosa.
O livro didático deveria, conforme Rangel (2001, p.13),
"Contribuir efetivamente para a consecução dos objetivos do ensino de língua materna, tais como vêm definidos em documentos oficiais, como os PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais, assim é necessário que ele abstenha–se de preconceitos discriminatórios e, mais do que isso, seja capaz de combater a discriminação sempre que oportuno", (RANGEL, 2001, p.13).
Ou seja, o livro deve cumprir o papel de estimulador da cidadania, produzindo efeito contrário a todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação dentro ou fora da escola. Porém de acordo com Silva:
"O livro didático, de modo geral, omite o processo histórico–cultural, o cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como o índio, o negro, a mulher, entre outros. Em relação ao segmento negro, sua quase total ausência nos livros e a sua rara presença de forma estereotipada concorrem em grande parte para a fragmentação da sua identidade e auto-estima", (SILVA, 1995, p. 47),
Isto quer dizer que, está presente na maioria dos livros didáticos, formas de discriminação ao negro, além da presença de estereótipos, que equivalem a uma espécie de rótulo utilizado para qualificar de maneira conveniente grupos étnicos, raciais ou, até mesmo, sexos diferentes, estimulando preconceitos, produzindo assim influências negativas, baixa auto-estima às pessoas pertencentes ao grupo do qual foram associadas tais "características distorcidas". Sobre isto, mais uma vez Silva afirma:
"O livro didático apresenta o passado histórico e a cultura do povo negro sob forma reduzida e conveniente, quando não consegue inviabilizá-los completamente. O fato histórico mais reduzido refere-se à escravidão." (Silva, 2001, p. 51)
Por ser o principal portador de conhecimentos básicos das variadas disciplinas que compõem o currículo dentro das escolas, o livro didático torna-se um dos recursos mais usados em sala de aula, e um instrumento pedagógico bastante difundido, por isso facilita à ação da classe dominante de registrar como quer e como lhe convém a imagem do negro na sociedade brasileira. SILVA, 2001, ainda diz:
"O livro didático ainda é nos dias atuais um dos materiais pedagógicos mais utilizados pelos professores, principalmente nas escolas públicas onde, na maioria das vezes, esse livro constitui-se na única fonte de leitura para os alunos oriundos das classes populares, Também para o professor dessas escolas, onde os materiais pedagógicos são escassos e as salas repletas de alunos, o livro didático talvez seja um material que supre as dificuldades pedagógicas." (Silva, 2001, p. 19,)
Caberá ao professor ter a preocupação com a forma pela qual o conteúdo histórico é exposto nos livros didáticos, na medida em que possam contribuir para combater as abordagens incompletas e estereotipadas das imagens dos afro-descendentes.
Para que este tipo de imagem do negro não seja divulgado cada vez mais, é preciso tomar cuidado com os livros didáticos trabalhados, principalmente nas séries iniciais, já que nesta fase as crianças estão em processo de formação de valores e identidades, bem como a sua formação social.
4.1. O NEGRO NO LIVRO DIDÁTICO
Baseada na cultura eurocêntrica, a educação brasileira desenvolve uma política de discriminação e exclusão do povo negro visto que não incluem em seus conteúdos programáticos estudos sobre essa cultura. Infelizmente o nosso modelo de educação não leva em consideração
Ao longo dos anos, na formação da história do Brasil, o negro foi mantido à margem da sociedade brasileira. Esta desigualdade racial é legitimada também no ambiente educacional, quando há um diferente tratamento entre alunos brancos e negros e também quando os materiais didáticos trabalhados na escola não estão voltados para desenvolver uma prática de valorização das culturas e etnias diferentes que existem em nosso País.
Sobre isto, Silva (2005) destaca:
"De modo geral, ele omite ou apresenta de forma simplificada e falsificada o cotidiano, as experiências e o processo histórico – cultural de diversos segmentos sociais tais como a mulher, o branco, o negro, os indígenas e os trabalhadores entre outros." (SILVA, apud, MUNANGA 2005, p. 23)
E ainda enfatiza:
"Em relação à população negra, sua presença nesses livros foi marcada pela estereotipia e caricatura, identificadas pelas pesquisas realizadas nas últimas décadas" (Idem, p. 23)
Segundo Sant" Ana (2005, p. 57), a partir de dados levantados por muitos pesquisadores sobre o racismo no livro didático, alguns pontos foram detectados e levantados, são eles:
1) Nas Ilustrações e textos o negro pouco aparece e, quando aparece, está sendo representado em uma situação de inferiorizarão comparado ao branco;
2) Pouco ou nada está ilustrado sobre a família negra, é como se a criança negra não tivesse família.
3) Os textos presentes nos livros fazem a criança pensar que a raça branca é mais bonita e mais inteligente;
4) Nos textos sobre a formação étnica do Brasil são mostrados o índio e o negro; o branco não é mencionado (em alguns casos) já é pressuposto;
5) Índios e negros são geralmente são citados no passado, como se não existissem;
6) Os textos de história e estudos sociais limitam-se as referências sobre as contribuições tradicionais dos povos africanos.
Mediante os pontos abordados, entende-se o porquê da criança negra não se sentir na maioria das vezes representada no livro didático, tão pouco sua família ou algo que faça parte do seu cotidiano. É neste momento, que a escola, junto com os professores, aliados a livros que tratem desta questão étnica de maneira democrática, podem trabalhar no intuito de apresentar para seus alunos negros a sua história, a sua verdadeira identidade, e a necessidade de respeitar o valor peculiar que cada povo e cada cultura possuem.
Silva (1989) complementa:
"O livro didático ao vincular estereótipos que expandem uma representação negativa do negro e uma representação positiva do branco, está expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de inferioridade/superioridade raciais que se conjugam com a não legitimação pelo Estado, dos processos civilizatórios indígenas e africanos, entre outros, constituintes da identidade cultural da nação" (Silva, 1989, p. 57)
Assim, as representações dos negros no livro didático estão normalmente carregadas da ideologia do grupo dominante. Esse, na maioria das vezes, não tem a oportunidade de escrever sua própria história, ou seja, a sociedade brasileira acostumou-se em ver os negros desempenharem papéis sociais subalternos e desvalorizados no contexto social. Mais uma vez Silva comenta:
"O estereótipo do negro estigmatizado em papéis de baixo prestígio social contribui, em grande parte, para que as pessoas de pele clara tenham adquirido o senso comum de que os negros não têm papéis e funções diversificadas e que esse é o "seu lugar" na sociedade, bem como para que muitos negros no passado interiorizassem essa representação e aceitassem como natural a estigmatização, como o seu lugar na sociedade. Por outro lado a exclusão real na sociedade é exercida através do código da "boa aparência", que contribui em larga escala para barrar os negros que tem capacitação, para exercer os papéis e funções consideradas de prestígio social" (Silva, 2001, p. 14).
4.2. A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO
A discriminação que o negro sofre ocasiona efeitos negativos em relação à união da população do nosso País. Durante a história do nosso País, desde quando o negro chegou ao Brasil, o colonizador tenta a qualquer custo encontrar justificativas para o fato de existir a escravidão e também para tentar tornar aceita a maneira como o negro é oprimido e marginalizado, essa desvalorização é imposta devido a uma inferiorizarão a qual o negro é submetido. O processo de imigração, que se iniciou antes da abolição e tornou-se intenso depois dela, tinha como objetivo impedir a entrada do negro no mercado de trabalho, conseqüentemente impedindo a sua estabilidade civil, econômica e a sua condição de cidadão.
A classe dominante alegava incompetência dos negros para exercer determinadas funções que tinham maior valor social, limitando essas funções para serem executadas pelos emigrantes brancos, a fim de que os mesmos pudessem miscigenar o País. Este processo de miscigenação fracassou, já que nem sempre a união de mestiços de pele clara com negros resulta em descendentes mais claros. Essa mistura trouxe para muitos mestiços a falta de uma identidade e de um reconhecimento para com a sua cor e os seus ancestrais, como afirma Silva:
"O fracionamento da identidade, a auto-rejeição, a rejeição ao seu povo, a negação do racismo aqui existente e a ausência de participação na luta pela sua destruição, significam um efetivo prejuízo para a luta por direitos de cidadania e respeito à alteridade" (SILVA, 1995 p. 34).
Assim, essa ideologia da inferiorizarão do negro, além de ocasionar uma auto-rejeição, ocasiona uma busca do branqueamento, provocando nas pessoas de pele clara um desprezo para com o negro, afastando-se dos mesmos, não percebendo que, com esse afastamento, acabam excluindo e ajudando para concretizar o extermínio cultural e físico dos negros.
Durante e depois da escravidão, coube a sociedade brasileira, através da ideologia do branqueamento, legitimar o preconceito racial e estigmatizar o negro pela sua condição marginalizada, transferindo a ele a culpa pelo seu próprio fracasso, imputando nele características negativas e inerentes de um derrotado, enquanto traz para si características positivas que lhe façam se aceitar como negro, aspirando assemelharem-se ao máximo as características da raça branca.
No século XIX, a classe dominante, baseada em teorias científicas desenvolvidas neste período, tentou internalizar no próprio negro e em toda sociedade a idéia de inferioridade natural do negro e afirmar que, era a raça branca o verdadeiro modelo de perfeição e humanidade. O estímulo à imigração européia prejudicou a chance dos negros usufruírem da democracia, diminuindo, conseqüentemente a chance dos mesmos de participarem da política do País. Esse afastamento quase que total dos negros no desenvolvimento do Brasil gerou essa política de branqueamento que nada mais é do que uma ideologia que defende o processo de miscigenação como forma para acabar com a opressão racial.
O objetivo dessa política de branqueamento era e ainda é divulgar que o País não apresenta diferentes grupos raciais, e sim uma nação branca que pela miscigenação irá erradicar o negro da população do Brasil, como se isto fosse um objetivo velado na sociedade como um todo. Essa política se propaga mediante a maneira pela qual o negro vem sendo mostrado ao longo da história, de forma estereotipada ou inferior.
Após a Segunda Guerra mundial, a UNESCO, patrocinou uma investigação sobre a democracia racial no Brasil ao mesmo tempo foram realizados congressos de intelectuais e militantes anti-racistas sobre o negro. Essas duas ações chegaram a seguinte conclusão: existe racismo e preconceito no Brasil, mesmo que não se manifestem da mesma forma que nos EUA E África do Sul. Nesse mesmo período o Congresso Nacional aprovou a Lei Afonso Arinos que se declara continua a discriminação racial. Esta lei foi equivalente a uma confissão do nosso estado brasileiro de que há sim racismo no Brasil.
A III Conferência Mundial de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata que aconteceu em Durban, África do Sul em 2001, formulou medidas com a intenção de combater e eliminar o racismo, preconceito e discriminação racial e outras formas de negação do ser humano. O Brasil participou e firmou compromisso mundial de acabar com essas práticas dentro do seu território, assumindo uma postura de negação do reconhecimento de uma democracia racial que o país tinha, muitos orgulho de propagar.
O ambiente escolar deveria ter como papel principal a valorização das diversas culturas existentes no nosso extenso País. Este espaço educativo, que representa uma das instâncias sociais formadoras de ideologia, está repleto de uma dura realidade em que infelizmente as diferenças étnico-culturais não são valorizadas nem se quer respeitada, pelo contrário, serve de espaço para difundir preconceitos e práticas racistas por todo o País. O mito de que o Brasil possui uma democracia racial impede de forma sistemática os grupos étnicos de conquistar o seu espaço e o seu respeito na sociedade.
E ainda o livro didático, responsável por disseminar informações, quando nas raras vezes que apresenta o negro, o faz de maneira que o mesmo aparece às margens da sociedade, este tipo de aparição remete a política de branqueamento, já que representa uma educação voltada apenas para brancos, não incluindo os negros, visto que estes não conseguem se perceberem representados nos livros didáticos.
Para a elaboração deste trabalho com o propósito de explorar a discussão em toda a sua amplitude, foi organizado um processo de análise dos cinco livros didáticos. A escola escolhida para a realização da pesquisa foi a Escola Municipal Novo Horizonte que atende aos segmentos da Educação Infantil a 4º série do Ensino Fundamental I.
A instituição tem capacidade para atender 1.200 alunos, sendo que a freqüência atual é de 1.020. Os alunos que estudam nesta escola são em grande maioria do próprio bairro que está localizada, em Sussuarana. Este bairro é uma área formada pelos bairros Nova Sussuarana, Novo Horizonte e Sussuarana. A escolha do bairro se deu pela predominância de afro-descendentes, a partir do momento em que se torna mais interessante perceber como se dá a relação destes educandos com as imagens sociais que representam o negro no livro didático numa localidade onde a população educacional é majoritariamente negra.
A clientela da escola segundo dados estatísticos analisados pela Coordenadora Pedagógica da escola é majoritariamente constituída por famílias de classe baixa. Para a realização da pesquisa foi analisado cinco livros didáticos do Primeiro ano do Ensino Fundamental I da referida escola.
Para fazer a análise procurei constatar quantas vezes aparecem personagens negros nestes livros didáticos e qual o tratamento dado a cada um deles e também perceber se há algum personagem negro famoso no campo da política, ciência, artes, esporte que estejam ilustrados nestes livros.
O primeiro livro analisado foi o de Língua Portuguesa: Porta aberta alfabetização, cujas autoras são: Isabela Carpaneda e Angiolina Bragança e o livro é do ano de 2005 pós implementação da Lei10. 639 de 2003. Neste livro, das 165 imagens que aparecem apenas 19 vezes está presente a imagem de uma pessoa negra, num percentual de 88,5% contra 11,5%, tal diferença evidencia que os números pendem em favor dos personagens brancos. Se levarmos em consideração o efeito disto na construção da identidade da criança de etnia não branca, fica visível que o livro didático termina funcionando na prática como um instrumento que naturaliza processos que são sociais e contribuem para corroborar a ideologia do branqueamento. Analiso neste livro algumas das imagens mais significativas aonde a criança negra é desvalorizada e está em condições subalternas se comparado com crianças brancas.
No anexo I o texto presente no livro, nos apresenta um conto de história, onde uma criança conta uma história para seus colegas da turma, das 10 crianças que aparecem na história, apenas 1 criança é negra as outras são brancas de cabelo liso.
No anexo II aparece a imagem da chapeuzinho vermelho, representada por uma criança branca de olhos azuis. As tradicionais histórias infantis sempre trazem consigo o estigma de perpetuar o estigma da classe dominante.
No anexo III, aparece à historinha do boi da cara preta, aonde, na história o boi assusta a personagem da Mônica, não aparece durante a história, à imagem do boi, apenas da Mônica. Interessante perceber que o boi da cara preta, história infantil tão conhecida, tem a cara pintada exatamente de preto e é visto como mal e perigoso, porque necessariamente a cor preta é neste caso sinônimo de maldade? Porque o boi não poderia ter a cara branca ou amarela ou qualquer outra cor diferente de preta. A verdade é que a cor preta na nossa sociedade ainda é a representação de uma coisa ruim, que não nos faz bem, este é mais um tipo de preconceito que existe no mundo atual e que é sem dúvida disseminado no livro didáticos.
No Anexo IV o livro ao trabalhar a letra f do alfabeto apresenta a palavra fada para exemplificá-la e representa essa personagem através de uma criança branca e loira, abaixo da personagem aparecem três crianças pequenas cada uma com um instrumento musical, uma com um pandeiro, outra com um timbal e a última com um cavaquinho. As personagens de historinhas que aparecem no dia-a-dia da criança geralmente estão representadas por crianças brancas, principalmente quando as histórias não são nacionais, dificilmente são representadas por crianças negras para representar a personagem principal, estas crianças aparecem nas histórias, como no caso acima com papéis bem menores que crianças brancas e muitas vezes representando funções menos valorizadas e até sem prestígio na nossa sociedade.
No anexo V, aparece na imagem cinco crianças apontando para um outdoor. Destas cinco crianças há uma criança negra, a única que não tem cabelos suficientes para cobrir sua cabeça dando impressão de que sua cabeça é maior que das outras crianças que possuem cabelo por toda cabeça.
Ao trabalhar as letras a + n, o livro dá como exemplo a palavra anjo e ilustra anjinhos representados por crianças brancas de cachinhos dourados (anexo VI). Será que as crianças do nosso Brasil estão representadas mais por anjinhos brancos ou anjinhos negros? Porque a realidade que está presente na nossa sociedade não é representada de maneira correta nos nossos livros didáticos? Como nossas crianças afro-descendentes devem se sentir quando anjos são representados por crianças que quase não fazem parte da vida social delas? Um sentimento de exclusão deve fazer parte da vida dessas crianças e é esse tipo de situação que a Lei 10.639/2003 deverá trabalhar cada vez mais para que isso não exista.
Na página 163 aparece no livro uma história chamada o toró e tem como figura ilustrativa uma senhora negra (anexo VII), dando muitas risadas, com os seguintes trajes: avental, luvas e pano amarrado a cabeça. Essa imagem nos remete uma idéia que é muito divulgada na nossa sociedade de que os trabalhos serviçais estão a cargo das pessoas negras.
Na página 199 aparecem algumas crianças representando vários papéis do dia-a-dia, como por exemplo, escovando os dentes, brincando, tomando banho (anexo VIII). Destas crianças algumas são negras. É de fundamental importância representar crianças negras desenvolvendo este tipo de papel para desenvolver sua integração social junto com outras crianças, colocando-as no mesmo patamar das crianças brancas.
Na página 236 aparecem três cantores de uma banda de marcha, destes três, apenas um é representado por uma criança negra (anexo IX), mostrando mais uma vez que a criança negra sempre está em minoria, nunca é representado um grupo de colegas em que todos são negros ou estão em maioria, assim percebe-se que a imagem do mesmo muitas vezes somente aparece para não deixá-lo totalmente de fora das ilustrações.
Assim, durante a análise deste livro, foi possível identificar que a imagem do negro ainda é muito limitada neste veículo de aprendizagem. Sem falar que durante a análise não foi encontrado a criança ou adulto negro desenvolvendo algum tipo de atividade valorizada pela sociedade, apenas apresenta-se como ator coadjuvante. É preciso que a imagem do negro no livro didático seja imediatamente modificada, precisando assumir papéis sociais mais respeitados e valorizados na sociedade, a tal ponto que uma criança negra, branca ou índia ou qualquer outra cor que esteja estudando nestes livros didáticos possam perceber que a oportunidade de ter um emprego e uma vida social digna é direito de todos e todas e não somente dos brancos.
Não há nesse livro didático, nenhuma representação de pessoas importantes que sejam negras e conhecidas nos dias atuais. O que há nesse livro didático é uma valorização da criança branca que não representa a realidade que acerca o nosso País, afinal nossas crianças brasileiras mais se assemelham com crianças brancas de cabelos lisos e olhos azuis? Ou com as crianças mestiças que são filhas de pais negros e mães negras que mesclaram o nosso País no momento em que desembarcaram dos navios negreiros vindos da áfrica e se misturaram com índios e europeus? É preciso de uma vez por todas apresentar o nosso País como ele verdadeiramente é.
Mesmo com o esforço da lei 10.639/2003 em modificar nos nossos espaços educativos, idéias, imagens e ações discriminatórias, ainda é muito fácil encontrar essa discriminação nesse ambiente, aonde deveria reinar a inclusão de todos e todas sem menosprezos por alguém ser diferente não importa em que sentido.
O segundo livro a ser analisado foi o de história e cultura afro-brasileira e indígena, da editora Ética, cujos autores são Ubiraci Gonçalves dos Santos e Pedro Gabriel Silva o livro é de 2008, ou seja, também lançado depois do surgimento da lei 10.639/2003. Este livro está incluso em uma coleção de livros que vai do 1º ao 5º ano do ensino fundamental I, e tem como objetivo trabalhar com as crianças a diversidade cultural presente em nossa sociedade, atendendo a Lei de diretrizes e bases da educação nº 11.645 de 10 de março de 2008 que torna obrigatória a inserção no currículo das redes oficiais e particulares de ensino a temática da história e cultura afro-brasileira e indígena. Assim sendo, este livro que já está sendo trabalhado desde julho de 2009, faz parte de um projeto-piloto da Prefeitura Municipal de Salvador e chegou há apenas cinco escolas municipais, uma delas foi exatamente à escola, Novo Horizonte. Depois de ser desenvolvido esse projeto neste ano de 2009 e tendo bom êxito a partir do próximo ano já estará sendo trabalhado em todas as escolas da rede.
O livro tem o objetivo de desenvolver temas para serem trabalhados com os alunos sobre ética, cidadania, identidade e valores culturais e históricos. Durante todo o livro é trabalhado um pouco da cultura da África, como cantigas que exaltam este continente. Também estão presentes muitas crianças negras e índias. Há ilustrações da baiana do acarajé e a história sobre o seu trabalho. O Zumbi dos Palmares também está representado neste livro, na imagem o mesmo é apresentado como sendo um homem forte e como se estivesse livre da escravidão, junto da imagem, um pequeno texto que diz:
"Zumbi era forte e inteligente, Zumbi morava no quilombo, ele era livre como um pássaro. Zumbi, mais um herói negro brasileiro." (SANTOS; SILVA 2008, p. 44)
A página 46 apresenta a ilustração de uma roda de capoeira (anexo X), aonde se apresenta crianças negras, brancas e indígenas. Na página 49 há uma história que conta uma lenda africana (anexo XI), a vida de Tami lá na África.
Na página 70/71 mostram algumas crianças brincando, (anexo XII) ilustradas por uma criança negra e outra criança cadeirante, apresentando para os leitores a necessidade de uma inclusão social de todos. Já na página 75 uma família indígena (anexo XIII) é apresentada junto com uma cantiga que registra o cotidiano do índio.
Na página 96, possuí a imagem de uma professora negra (anexo XIV), ilustração importante e rara já que dificilmente é encontrada uma pessoa negra representando papéis sociais de maior prestígio no livro didático. Para finalizar, o livro apresenta na sua última página, 99, (anexo XV) a imagem grande do Zumbi dos Palmares representando toda a sua força e poder, agora não mais ilustrado como um escravo, comum em alguns livros didáticos e sim como uma pessoa livre.
Os três últimos livros a serem analisados foram: "quem perdeu você ou eu?"; "Um dia para a vida inteira"; "onde está o meu tesouro", do autor José Ricardo Moreira com ilustrações de Rogério Coelho do ano de 2009, produzidos para o projeto Cidade educadora da Prefeitura Municipal de Salvador com o objetivo de ajudar as crianças da rede se alfabetizar com maior facilidade. Este projeto está incluso todo o ensino fundamental I, porém, analiso apenas, evidentemente os que são trabalhados no primeiro ano do ensino fundamental I.
Os livros desenvolvem um trabalho de histórias contadas por personagens sobre problemas na vida cotidiana, no primeiro livro conta a história da perda de um amiguinho que se vai deixando os coleguinhas com saudade, nada, absolutamente nada sobre preconceito é discutido e aparece muitas vezes durante as ilustrações uma criança negra que se chama Artur, este personagem é de grande importância e está sempre presente nas historinhas apresentadas. Outras crianças negras também são apresentadas além de Artur, como na página 6, (anexo XVI) do livro "Quem perdeu você ou eu", quando aparece a ilustração de uma menina negra. Apresenta-se na página 42 (anexo XVII) a ilustração da mudança de uma criança para outra cidade, quem carrega as caixas dos objetos a serem transportados é um adulto negro. Reafirmando mais uma vez a idéia de que os papéis de força braçal estão vinculados a pessoas negras.
No livro onde está o meu tesouro conta a história de menino negro Artur que tinha tudo na vida, família, casa, e um avô muito legal, mas ele queria uma coisa diferente, por isso todo o livro conta a história da busca de Artur ao seu tesouro tão bem escondido. A família de Artur é apresentada na página 5 do livro (anexo XVIII), seu pai é negro, sua mãe é branca e seu avô também, seu irmão menor é ilustrado como chatinho e aponta o dedo para Artur dando língua, ele não é negro e tem olhos verdes. Artur é representado no livro como um menino esperto e inteligente. Não há também nesse livro algum tipo de discussão sobre as diferenças étnico-raciais apesar de serem apresentadas no mesmo, pessoas de todas as cores como é possível ver no (anexo XIX) com várias crianças e também no (anexo XX) , quando crianças brancas, negras e índias estão com as bandeiras do Brasil e da Bahia.
Como é possível observar na analise das imagens dos livros didáticos apresentados, apesar de conterem ilustrações significativas do negro, ainda é muito tímida sua aparição, certamente devido à implementação da Lei 10.639/2003, essa imagem já está sendo mais comum, antes da lei, era muito difícil encontrar como relata muitos pesquisadores nessa área e quando apareciam estavam vinculados a papeis sociais desvalorizados ou de menor prestígio se comparado com as imagens dos brancos. É de fundamental importância ver o negro representado nos livros, e de maneira digna porque se a criança que estuda nesses livros for negra, ela se sentirá prestigiada, e respeitada se ela for de uma família negra, ela se sentirá representada nesses livros e se ela for uma criança branca já aprenderá a valorizar a criança negra e tê-la como igual, mesmo cada uma com suas diferenças.
A realização deste trabalho monográfico despertou em mim além do desejo de aprofundar os estudos sobre o assunto abordado também descobri que como todo profissional principalmente da educação, posso contribuir para divulgar o valor da cultura negra.
Não obstante o esforço dos educadores, dos autores dos livros didáticos, do ensino brasileiro a valorização da cultura afro-descendente, bem como o respeito ao negro, ainda é um processo que engatinha nas veredas do preconceito e da discriminação.
Por mais de 300 anos a classe dominante brasileira, aquela que tem usufruído em beneficio próprio da força negra de maneira desumana, cruel e dolorosa, tem elaborado principalmente através da educação, que é o maior veículo de socialização existente, não é neutra, portanto, está ou não a serviço dos poderosos uma inculcação de valores injustos, discriminatórios, cruéis espalhando a idéia de que o negro é um ser inferior com pouca inteligência e portador de força física sempre a serviço do mais forte.
Tal trabalho sacrifica uma cultura, viola a integridade de um povo, humilha uma etnia e afeta negativamente o que o homem possui de melhor que é a sua auto-estima e a sua dignidade. Esse trabalho deplorável é executado principalmente através do livro didático, onde o negro é representado por figuras ridicularizadas, desenvolvendo papeis humilhantes. Apesar de que já se existe a tentativa da execução de um trabalho diferenciado.
O Brasil carece de uma reviravolta radical, com medidas severas e relevantes para desmistificar esse conceito de que o negro é um ser inferior que a classe dominante de maneira irresponsável e criminosa divulgou através dos tempos. Cabe a escola empenhar-se no sentido de fazer florescer as sementes plantadas por muitos, que a exemplo do rei Zumbi, sacrificaram suas vidas, derramaram seus sangues e ofereceram-se como holocausto.
Ao educador compete a vigilância, o desempenho e a valorização das divergências mostrando que a diversidade forma o mosaico humano, diferente, belo, desigual e único. A junção das diferenças evidencia a beleza de sermos da mesma essência apesar de diferentes.
Portanto, ao educador mais do que a qualquer outro profissional cabe o compromisso de evidenciar, destacar e realizar o trabalho de resgate cultural de um povo que teve a sua história violentada, cujas conseqüências desastrosas ainda afligem de maneira considerável todos os afro- descendentes.
Hoje os movimentos sociais, os militantes da luta contra o racismo e a discriminação, os afro-descendentes contam com Leis favoráveis, movimentos atuantes e grandiosos que favorecem o resgate da originalidade cultural do afro descendente, sua valorização na sociedade, bem como a prática de valores que mostram que todos são iguais.
Esta somatória de lutas ainda não expressa na dimensão justa, à necessidade de transformar a realidade brasileira ainda discriminatória e abrir de maneira generosa oportunidades de ascensão social, respeito, apreço pelos cidadãos negros, brasileiros genuínos tão dignos e nobres quanto qualquer outro.
A escola deve está à frente deste trabalho de resgate de valorização. Deve estar alerta para as representações negras no livro didático, pois é ai a construção do alicerce de uma sociedade nova, justa e igualitária onde o afro-descendente tenha garantido o seu papel de cidadão livre no território Brasil.
Esta metamorfose cultural, social e humana é amparada pela lei 10.639/2003 e amplamente apoiada por líderes brasileiros que desafiando a elite estão refazendo valores e de alguma forma buscando remediar uma longa ação criminosa praticada contra os negros que aqui chegaram forçados deixando sua pátria, seus sonhos, sua cultura, seus familiares e enfrentaram um suplicio que durou mais de trezentos anos. Ainda hoje, sofrem as conseqüências dessa ação insana praticada pelos colonizadores e legitimada pela sociedade que aqui se edificou e que por certo não possuí sangue puro, a miscigenação comprometeu a linhagem e, no entanto prega-se, vive-se um preconceito e uma discriminação irracional.
A sociedade brasileira, a escola, os educadores por certo, deverão dar prosseguimento a ação que não repara mais redime o sacrifício de um povo. Aos educadores cabe cuidado, vigilância e atenção, para que os livros didáticos não continuem sendo instrumento de manipulação. Vela-se para que sejam instrumentos que gerem conhecimento, conhecimento inclusive de justiça, liberdade e solidariedade.
Não se pode esquecer que os colonizadores fizeram do povo negro uma legião de flagelados. Hoje, os afro-descendentes são caminheiros de uma grande tribulação. Não se preparou uma estrutura para ampará-los após a abolição. Para sobreviver a qualquer custo uniram-se como puderam e formou-se um dos grandes problemas brasileiros, as favelas.
As favelas são heranças que a sociedade tem de enfrentar. Se a elite continuar centralizando a renda, os problemas tenderão a crescer. A escola, os educadores, a sociedade podem formar um grande mutirão não só de solidariedade, mas de reparação ao grande erro cometido: a escravidão. Está como tantas outras catástrofes realizadas pelo homem precisam ser banidas do nosso código de honra e do nosso projeto de vida, que além do propósito de procurar reparar a todo custo este flagelo seja firmado o compromisso de jamais repeti-lo.
Concluo esse trabalho com a certeza de que muito ainda deve ser feito para transformar de maneira positiva a imagem do negro no livro didático, mas com a certeza de que com a implementação da Lei 10.639/2003 e com a força dos movimentos sociais negros breve veremos nos nossos livros didáticos o negro incluso desempenhando papéis relevantes da nossa sociedade.
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ANEXO I – Criança contando história para seus colegas
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 33.
ANEXO II – Chapeuzinho vermelho.
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 48.
ANEXO III- Boi da cara preta e Mônica
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 63.
ANEXO IV – A Fada
Fonte: Português, pg. 94.
ANEXO V – Crianças apontam para outdoor
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 120.
ANEXO VI – Anjinhos
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 160.
ANEXO VII – História Toró
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 163.
ANEXO VIII – Crianças desenvolvendo atividades do cotidiano
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 199.
ANEXO IX – Banda de marcha.
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 236
ANEXO X – Roda de capoeira
Fonte: Livro Porta Aberta de Português, pg. 33
ANEXO XI – Lenda africana
Fonte: História e cultura africana, pg. 49.
ANEXO XII – Criança negra e criança cadeirante
Fonte: História e cultura africana, pg. 70.
ANEXO XIII – Família indígena
Fonte: História e cultura africana, pg. 75.
ANEXO XIV – Professora negra
Fonte: História e cultura africana, pg. 96
ANEXO XV – Zumbi
ANEXO XVI – Criança negra.
Fonte: Cidade Educadora. Pg.6
ANEXO XVII – Carregador de caixas.
Fonte: Cidade educadora. Pg. 7
ANEXO XVIII – Família de Artur.
Fonte: Cidade educadora. Pg. 5
ANEXO XIX – Muitas crianças
Fonte: Cidade educadora. Pg. 54
ANEXO XX. – Crianças com as bandeiras
Fonte: Cidade educadora. Pg. 97
AGRADECIMENTOS
Há quatro anos cheguei a UFBA, cheia de sonhos almejando fazer o curso de Pedagogia muito longe de pensar que tal caminhada mudaria o rumo da minha vida e a minha perspectiva de futuro.
Hoje consciente do meu papel na sociedade em que vivo sei que verdadeiramente posso contribuir para tornar o mundo melhor. Nesta caminhada, nunca estive sozinha: comigo o Deus que eu confio, adoro e amo, comigo, sempre comigo.
Agradeço o amor, o carinho a força e a solidariedade da minha família, mamãe Lúcia Vanda, presença iluminada, vó Maria Rosa, carinho incondicional e meu irmão, João Paulo, doce amigo.
Aos meus colegas, bons companheiros de luta, muitos hão de ficar no meu coração como amigos verdadeiros, em especial: Carleane Teles, Daniele Almeida, Marcos Epfanio, Michele Silva, Stéfanie Oliveira, Suzane Ferreira e muitos outros.
Ao meu doce baby, Agnaldo, por seu apoio, carinho, amor e por abraçar a minha causa, buscando ao longo desses meses materiais que ajudaram na construção desse trabalho.
Ao meu orientador e amigo Miguel Bordas, profissional de exuberante inteligência e capacidade plena.
A Universidade Federal da Bahia, por abrir-me incondicionalmente as portas da instrução, a ela devo muito do que sou.
Aos meus Professores e Professoras, exemplos dignificantes cuja amizade cultivarei para sempre em meu coração, em especial a Pró Maria Couto, por todo o seu carinho e doação
A Professora Maria Elisabeth Souza Gonçalves, brilhante educadora, depreendida, competente e amiga. O meu muito obrigada por ser a luz inicial dessa monografia.
A minha madrinha Creuza Augusta Jatobá, por seu constante carinho, por sua força amiga e sua presença firme.
A Tia Dairlene Ribeiro Nascimento, por seu carinho e companheirismo e por sua incansável torcida por meu sucesso.
Enfim, que Deus cubra de bênçãos generosas, a todos que estão ajudando-me a construir positivamente a minha história.
Autor:
Lara De Freitas Severo
lara.severo[arroba]hotmail.com
Monografia apresentada ao Colegiado de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do título de Licenciada em Pedagogia.
Orientador: Professor Dr. Miguel Bordas
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇAO
GRADUAÇAO EM PEDAGOGIA
Salvador
2009
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