O presente redigido visa à ilustração de um princípio implícito na legislação relativa aos juizados especiais criminais o qual se mostra contraproducente aos interesses da coletividade, porquanto, ferindo princípios constitucionais, imputa à sedizente vítima os favores da presunção de veracidade do que foi alegado por sua pessoa, conferindo, em contrapartida, ao indigitado autor do fato, o peso de provar sua inocência. A essa manifesta inversão de valores, deu-se o nome de "princípio da primeira impressão".
PALAVRAS-CHAVE: Juizados Especiais Criminais; Lei nº9.099/95; Lei nº10.259/01; Polícia Judiciária; Termo circunstanciado; Princípio da Primeira Impressão.
"Não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito. Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um jurista interpreta a verdade". (Jean Giraudox)
Em 26 de setembro de 1995 entrava no cenário jurídico pátrio o então novel diploma legal acerca da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais[1]. Posteriormente, já no ano de 2001, a disciplina em torno dos soft crimes foi renovada por meio do advento da Lei disciplinadora dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal[2].
A criação dos juizados especiais emanou de imperativo constitucional[3]. Especificamente no âmbito da Justiça Federal, a criação dos Juizados Especiais Criminais ocorreu com a Emenda Constitucional n.˚ 22, de 18.03.1999, a qual acrescentou um parágrafo ao art. 98 da Carta Magna, prevendo a criação de juizados especiais na esfera da Justiça Federal.
Todavia, é no que concerne à específica problemática existente no seio em que se desenvolvem os juizados especiais criminais na esfera da justiça estadual o que se pretende discutir neste escrito.
Com efeito, há, na circunferência dos soft cases abarcados pela sistemática dos juizados especiais o que se pode denominar de "princípio da primeira impressão". Compulsa-se, frise-se, de princípio de índole nociva, enraizado na prática judiciária e decorrente de hermenêutica equivocada.
A legislação atinente aos juizados especiais cíveis e criminais, ao enfatizar os princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, bem como a realização, sempre que possível, da conciliação ou da transação,[4] acabou promovendo falsa impressão aos órgãos estatais incumbidos de aplicá-la, conjuntura em que esses órgãos romperam em verdadeiro juízo falso, grande desacerto, lastimável engano e patente inexatidão na arte da exegese.
De fato, o hermeneuta, por meio de uma leitura apressada acerca do que dispõe o art. 69 da Lei 9.099/95,[5] fortificou a possibilidade permissiva de perpetuarem-se, como "autores" e como "vítimas" de determinado fato, aquelas partes que, de acordo com a "primeira impressão" surgida no registro de ocorrência policial, viu-se redigido pelo policial atendente em seu histórico.
A sistemática desagradável com que essa realidade acima exterioriza-se no mundo real, bem como os prejuízos que disso advêm à pessoa, serão transladados e tornados inteligíveis adiante.
Com efeito, pretende-se, em um primeiro capítulo, discorrer-se, brevemente, acerca da ciência hermenêutica e sobre a real função do homem hermeneuta. Após, com a mesma brevidade, discorrer-se-á sobre os Juizados Especiais Criminais. Finalmente, então, tornar-se-á inteligível o que se deve conceber por "princípio da primeira impressão", e quais são as suas nefastas conseqüências ao particular, em derradeiro capítulo a respeito da aplicabilidade da legislação atinente aos soft crimes pela polícia judiciária e o "princípio da primeira impressão".
A liberdade de se desprender dos rígidos fechos exegéticos é, sem dúvida, um postulado de que qualquer intérprete não gostaria de abrir mão. No plano jurídico, a segurança jurídica que postula um direito estável, de previsível certeza e de igualdade formal contrapõe-se, hoje mais do que nunca, com a intenção de justiça advinda das impressões do intérprete.
Em virtude disso, enalteceu-se em importância a margem de decisão pessoal do jurista. Para o direito livre, o direito legal tem tantas lacunas quanto palavras. Assim, pode-se dizer que é inadmissível confundir-se o direito com a lei. A fundamentação das decisões é arbitrariamente elaborada pelo pensamento do intérprete, em referência aos resultados obtidos através do seu sentimento jurídico. E justamente foram questões dessa natureza que ocasionaram afirmações como a de Zweigert no sentido de que o defeito da nossa teoria jurídica interpretativa reside especialmente em não termos ao nosso dispor uma hierarquização segura dos múltiplos critérios de interpretação.[6]
Conforme ministrou BONAVIDES, na existência do direito, a interpretação já não mais se volta para a vontade do legislador ou da lei, mas se entrega à vontade do intérprete ou do juiz, em um Estado que acaba deixando de ser de Direito clássico para se converter em Estado de Justiça (...).[7]
Página seguinte |
|
|