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A implantação da TV pública no Brasil e a grande imprensa nacional (página 2)


Apesar das dificuldades enunciadas, "no início dos anos 1950, a televisão já se consolidava em vários países e também chegava ao Brasil." (MILANEZ, 2007, p. 12). Para efeito disso, "em 1952, Getúlio Vargas concedeu outorga de canais educativos para várias instituições sediadas no Rio de Janeiro. Liderados por Roquette-Pinto, um grupo de empreendedores conseguiu a concessão do canal 2." (idem, 2007). No entanto, em 1957, "essas concessões "educativas" tiveram sua caducidade decretada, no governo Kubitschek." (idem, 2007, p. 13).

Sempre calcado em um projeto de cunho educativo, preocupado em universalizar a educação para além do ensino regular, Roquette-Pinto "participou da implantação do INCE1, cujo objetivo era criar uma "imagem" para o Brasil, como [já o tinham feito] o Museu de Belas Artes e o Iphan." (idem, p. 16). Baseado, também, no ideário comteano do positivismo, fundado no século XIX pelo filósofo francês Auguste Comte, Roquette-Pinto sempre esteve "empenhado em alargar os caminhos da Comunicação no Brasil." (idem, p. 17). De acordo com sua crença na teoria de Comte, acreditava que "os "detentores do conhecimento" deveriam passá-lo aos "ignorantes"." (ibidem). Reiterando tal afirmação, "para nós, o ideal é que o Cinema e o Rádio fossem, no Brasil, escolas dos que não têm escola." (ibidem).

Curiosamente, "o ano de 1970 é um marco para o desenvolvimento da televisão educativa no Brasil." (idem, p. 39). A curiosidade se dá pelo fato de que foi naquele ano que o regime militar e a Seleção Brasileira de futebol registraram, respectivamente, o milagre brasileiro aliado à fase mais aguda da repressão política e a conquista da Taça Jules Rimet. Dado o ainda maior desapreço do regime de então pelo bem do Brasil, mal comparando com épocas em que o povo tem, pelo menos, seus direitos garantidos, a citar o voto, "[o desenvolvimento da televisão educativa no Brasil] coincide com a criação do Movimento Brasileiro pela Alfabetização (Mobral), na gestão do presidente Médici." (idem). Providos de um empreendedorismo ímpar, idealizadores dos ramos de Comunicação e Educação, da envergadura de Gilson Amado, então presidente da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE), viram na Portaria Interministerial MEC/Minicom nº 408/70, "o grande impulso [que] determinava normas relativas ao tempo obrigatório e gratuito que as emissoras comerciais deveriam destinar à transmissão de programas educativos." (idem, p. 39-40). Ainda assim, essas mesmas emissoras comerciais não conseguiam cumprir a lei à risca, dado que "um levantamento constatou que a grande maioria das emissoras comerciais não tinha condições de suprir, com programação própria, as determinações da Portaria 408. Uma única apresentava possibilidades – a Rede Globo." (idem, p. 40).

Mas, como prenuncia o famoso ditado, já que "há males que vêm para o bem", "restou à TVE realizar, em regime de urgência, a transformação do seu sistema de circuito fechado em um pequeno estúdio de produção. Do total de horas previsto na portaria (sic), a FCBTVE conseguiu atender inicialmente a 45%. Só nesse ano [de 1971], saíram do sistema de circuito fechado da FCBTVE 360 aulas, 46 adaptações de filmes, 43 entrevistas de interesse comunitário, 404 flashes de pedagogia social, um curso de pintura e 54 programas diversos. Essas atividades resultaram em 35.532 emissões, que alcançaram todo o País." (idem, p. 40-41). A nova etapa vivida pela TVE fez "Gilson Amado ir à caça de um canal aberto para desempenhar o papel de laboratório e campo de teste de projetos educativos." (idem, p. 42).

Passados quase vinte anos da morte do mentor intelectual e orquestrador da radiodifusão educativa brasileira, depois de "seis anos de operação, Gilson Amado conseguiu tornar realidade o antigo sonho de Roquette-Pinto e [Fernando] Tude de Souza." (idem, p. 42). Vitória após vitória, "o diretor regional do Dentel [Departamento Nacional de Telecomunicações] concedia à FCBTVE autorização para uma estação de radiodifusão, utilizando o canal 2, do Rio de Janeiro." (idem, p. 47), sendo que o ocupante do mesmo cargo "autorizava a FCBTVE a realizar transmissões em caráter experimental." (idem, p. 50), e, a 25 de outubro de 1975, "autorizava a cessão, sob a forma de utilização gratuita, do terreno do Sumaré para a montagem da torre de estação. Era o canal 2 que começava a se configurar passados 21 anos da primeira tentativa." E quase cinco meses depois, em fevereiro de 1977, "expirou o prazo para o funcionamento em fase experimental. Foi o momento em que a TVE se assumiu como uma televisão com operações normais." (idem, p. 50-51). Como viria a afirmar o jornalista e político Artur da Távola em sua coluna no diário O Globo, em 11/10/1978, "o que ele [o canal 2] já realizou diante da carência de material em que vive é digno dos maiores elogios e não pode ser esquecido." (apud TÁVOLA, 1978, p. 51). Doze anos após a elogiosa análise de Artur da Távola, houve uma série de mudanças, que tiveram por objetivo aprimorar o serviço de radiodifusão pública no País, evidentemente não mais em fase experimental, ainda que bastante circunscrito a financiamentos direcionados para emissoras da Região Sudeste, como quando

em 1990, a FUNTEVÊ passou a denominar-se Fundação Roquette-Pinto / FRP. A partir de 93, a FRP e suas emissoras, a TVE do Rio de Janeiro e a Rádio MEC, enfrentaram uma séria crise econômica (...) Dois anos depois [em 1997], iniciaram-se as negociações para a extinção da Fundação Roquette-Pinto e a sua substituição por uma organização social, o que se concretizou em 1998, com a implantação da Acerp. Também em 1997, aTV Cultura de São Paulo concluiu a criação de uma entidade privada. Surgiu, então, a ABEPEC, à qual a TVE viria a aderir em 1998. Em julho do ano seguinte, as emissoras integrantes da ABEPEC criaram a Rede Pública de Televisão/RPTV, com o objetivo de estabelecer uma grade comum e obrigatória para todas as emissoras associadas. (FRADKIN, 2003, p. 61).

O projeto da TV Pública

O projeto de implantação de uma emissora de televisão exclusivamente pública esconde o desejo do Governo Federal de criar uma emissora de televisão exclusivamente estatal. Por esta razão, é possível afirmar que o atual modelo brasileiro de televisão pública, conhecido como TV Brasil, começou a ser gestado em junho de 2003, quando da realização do Seminário "O desafio da TV Pública – uma reflexão sobre sustentabilidade e qualidade", no Rio de Janeiro.

Em editorial intitulado "A reflexão que indica caminhos seguros", publicado em livro homônimo ao Seminário, Luiz Gushiken, então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, abriu o texto com as seguintes palavras: "O governo brasileiro tem a dimensão exata do significado das palavras público e educação." Gushiken saiu da administração do presidente Lula pela porta dos fundos, no início do segundo mandato, quando ainda respingavam em quase todo mundo do Governo os efeitos do escândalo conhecido como mensalão. Em razão disso, ele não estava presente para subscrever a ideia de um novo Plano de Metas, agora versando sobre a Televisão, quando a TVE foi implodida no Rio de Janeiro e transformada em TV Brasil, tendo sede em Brasília.

Em reportagem publicada por Wilson Tosta no jornal O Estado de São Paulo, a 30/11/2007, Beth Carmona, presidente da Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto (Acerp), de 2003 até aquela data, declarou que "se acaba a Acerp e acaba a TVE, não tenho mais o que fazer aqui." Diretora da série "Menino Maluquinho", até hoje exibida pela mesma TV Brasil cuja presidente Tereza Cruvinel afirmara na época, ao Estadão: "fizemos sucessivas tentativas de harmonização da EBC com a diretoria da Acerp. Gostaria de que fossem integradas ao projeto da TV Brasil, sob direção da EBC. Não houve entendimento", Beth lamentou que tenha havido "dualidade de comando" e "invasão". E encerrou com a seguinte afirmação: "Vi no ar uma coisa que não foi aprovada por mim."

Da mesma forma, a formalização e a consolidação deste projeto de TV Pública foi levado a cabo, porque, segundo o Estadão,

sua criação é um dos projetos estratégicos do segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende contrabalançar a influência da imprensa, que, na avaliação do Planalto, manipulou o noticiário durante a crise do mensalão, em 2005 e 2006, para atingi-lo e ao PT (OESP, 30/11/2007).

No dia anterior, no entanto, em matéria assinada pelo repórter Fábio Zanini na "Folha", revelou-se a que se refere Lula quando "pretende contrabalançar a influência da imprensa", uma vez que "foi a insatisfação com a cobertura da TV Globo no episódio do dossiê contra tucanos, em 2006, que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a propor a criação da TV pública."

Sendo assim, é visível que o presidente tenha "tomado as dores" de outras figuras políticas, como José Dirceu e Antônio Palocci, afinal a imagem dele não ficou arranhada pelos escândalos que se seguiram, resultantes das denúncias feitas por Roberto Jefferson, ainda no ano de 2005. Posto isso, fica visível que Lula se utilizou de um cenário negativo na política nacional – o Mensalão – para, então, se pronunciar a favor da criação da TV Brasil. Mas a diferença fica gritante quando se analisa o discurso e a prática, sendo que a simples menção a "um dos projetos estratégicos do segundo governo do presidente Lula" desqualifica o que estabelecem documentos como a Carta de Brasília e a Medida Provisória 398. Em decorrência disso, a TV Brasil tem estado no limbo, ainda mais se refletirmos que haveria significativa resistência, por causa das já esperadas ressalvas da imprensa nacional. Mas não há reflexão nos veículos tradicionais, tanto é que talvez eles sequer saibam que

o que caracteriza o caráter público da televisão são, resumidamente, três aspectos fundamentais: a natureza jurídica das emissoras educativas e culturais, as formas de financiamento do sistema e o controle público sobre o serviço. Uma dificuldade ao pensar-se a televisão pública no Brasil é a falta de clareza do significado do termo que a qualifica, já que, não apenas no âmbito da televisão mas em qualquer outro setor da sociedade, o termo "público" remete-nos ao da ação do Estado. (MOTA, R., Revista Sociologia e Política, nº 22, jun./2004)

Ainda assim, com tantos argumentos à mão, o presidente Lula deu o pior tipo de resposta, e justo aquela que os latifundiários da informação queriam ouvir: a de que a "criação da TV Brasil é um projeto estratégico que pretende contrabalançar a influência da imprensa".

Até porque, se, desde o início do projeto de implantação de uma emissora pública de televisão no País, foi a declaração acima aquela que pautou a prioridade do presidente, fica difícil saber que função será atribuída ao Inciso VIII do Artigo I da Medida Provisória 398, que "prevê autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão". Definitivamente, não é o que se tem visto, afinal foi extinta a Radiobrás – que era composta por uma agência de notícias, uma rádio-agência, duas emissoras de televisão e cinco emissoras de rádio, tendo passado pelo mesmo processo que ocorreu com a TVE –, logo fundida com a Acerp, quando o Governo Lula visava à criação de uma empresa única, que centralizasse a gestão de todos os órgãos pertencentes ao Poder Executivo, na capital federal, em Brasília.

Esta empresa, já citada anteriormente, é a Empresa Brasil de Comunicação, conhecida pela sigla EBC. Tais fatos demonstram que, no que toca à democratização da informação, o presidente Lula não nutre qualquer respeito em relação ao que é de interesse público, que deveria ser razão o fundamento do projeto de uma tevê pública em qualquer país. Como observa Dominique Wolton,

os três discursos – media, opinião pública e polítcos – compõem um sistema no sentido em que respondem uns aos outros, mas também porque representam as três legitimidades da democracia: a política, a informação, a comunicação. (WOLTON, 1989, fl. 5).

E desta maneira, desmoraliza-se o Inciso I do mesmo Artigo, que cita "complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal", já que não basta, para a efetivação de um sistema público de mídia e informação, que haja o entrelaçamento da programação advinda dos setores privado, público e estatal. A dubiedade quanto ao que viria a ser a TV Brasil, resultado das divergências públicas entre Beth Carmona e Tereza Cruvinel, a partir das declarações já listadas, acarretou na ambiguidade do que a emissora é hoje. Ou seja, o projeto estratégico de Lula é um atentado à sustentação mútua e simultânea dos três eixos enunciados pelo sociólogo francês Dominique Wolton, a melhor forma de se assegurar a complementaridade entre "público e educação", termos que Luiz Gushiken adiantara ter "o governo brasileiro a dimensão exata do significado".

Mas, tanto não tem essa dimensão exata, que, em primeiro lugar, foi extinta a Radiobrás, então presidida pelo jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP Eugênio Bucci, e nomeada para o seu lugar Tereza Cruvinel, que até 2007 era colunista política do jornal O Globo, não por acaso em Brasília, e nunca havia trabalhado no ramo de televisão. Com a firme proposta de alavancar a televisão pública brasileira, pelo menos nas palavras do presidente Lula, ao transformá-la em um veículo de abrangência nacional, foi criada a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e, uma vez mais quando analisamos o Parágrafo Único da Medida Provisória 398, que criou a TV Brasil, de acordo com o qual "é vedada qualquer forma de proselitismo na programação", é difícil não acreditar que o que sempre esteve em jogo foi o tal projeto estratégico de Lula. Em outra medida, a ideia confusa que Lula tem do que é ou deve ser um órgão público de mídia – na verdade, ele invoca uma ideia de tevê estatal –, torna-se uma afronta à memória de Hipólito da Costa, baluarte da imprensa livre brasileira. Durante 15 anos, entre 1808 e 1823, ele esteve exilado na Inglaterra, após fugir da prisão do Santo Ofício em Portugal, e conseguiu enviar ao Brasil, de forma clandestina, todos os 29 exemplares do jornal Correio Braziliense3, à época também conhecido como Armazém Literário. Eram tempos de transição, dado o começo e o fim do Período Joanino, seguido pela coroação de D. Pedro I como príncipe-regente, ao que sobrevinha, na colônia, o desejo de independência por parte dos brasileiros natos, embora a Coroa Portuguesa vetasse e sufocasse qualquer tentativa de manifestação pró-emancipação nacional, contando com o apoio manifesto dos portugueses e os descendentes que aqui residiam. Por esta razão, é de causar estranheza que um presidente originário das classes populares, tenha tamanho receio da liberdade de imprensa, que "só é usada pelos donos das empresas", no dizer e escrever de Cláudio Abramo, adotando, assim, uma postura que cabe mais a um rei absolutista do que a um presidente da República. Dada a necessidade de transformação da sociedade brasileira, desde que não ocorra de cima para baixo, muito menos que parta dos menos favorecidos no sentido de equilibrar o endividamento social histórico dos poderosos, "a comunicação política aparece para nós como o contrário de uma degradação da política: como a condição do funcionamento de nosso espaço público ampliado." (idem, fl. 4). Mas não basta retórica para corrigir a fala equivocada do atual presidente. É preciso muito mais do que isso, é preciso força e coragem para mudar o funcionamento e a distribuição das concessões de canais de televisão no Brasil, exatamente o que foram impedidas de fazer Beth Carmona e Rosa Crescente. Não é à toa que o posicionamento de Lula tem rendido à TV Brasil o jocoso apelido de TV do Lula, além do fato de ser e estar alheia ao seu caráter público e pertencer, mais do que as emissoras comerciais e das tevês a cabo, ao Brasil e a todos os brasileiros; pior do que se se tornasse comercial, a TV Brasil, encampada pelo Governo Federal, tem representado a diretriz do Poder Executivo de transformar em estatista, de cunho governista, um canal da tevê aberta que deve se manter estritamente público. E isto deve se dar pela sua forma de financiamento e a não-veiculação de propaganda comercial, estando voltado para o interesse público, com programação diversificada, atendendo a todos os regionalismos do Brasil e documentando toda sorte de produção cultural.

Porém, até o momento, passados quase três anos da sua inauguração, a TV Brasil tem cumprido apenas parte de sua tarefa. Isto ocorre porque, como se verá nas páginas adiante, os altos escalões da EBC, por não darem atenção aos servidores públicos da Acerp e os celetistas, que já trabalhavam na emissora quando ainda era a TV Educativa do Rio de Janeiro e ameaçaram fazer greves, por correrem o risco de cortes salariais e seguidas dispensas, sendo que este segundo efeito tem realmente acontecido. Por isso, a EBC, que não produz um único programa e fica sediada em Brasília, estrategicamente em contato direto com o Palácio do Planalto, ainda não conseguiu contemplar o telespectador brasileiro através do exercício transparente da função, demanda dentro de um órgão público de mídia. Isto posto, cabe acrescentar que já pertencem à EBC a Agência Brasil, a Rádio MEC e a NBR, o canal oficial do Executivo na televisão. Em suma, esta tentativa de Lula em muito se assemelha ao que Hugo Chávez fez com a Red Caracas de Televisión (RCTV), quando não renovou a concessão para a operação da emissora e a estatizou, passados alguns anos desde que os donos da RCTV apoiaram mal-sucedida tentativa de golpe contra o presidente, em 2002.

A ideia de passar por cima deste projeto de tevê pública, estatizando-o, ganha eco nas palavras de Wolton, que entende que

a legitimidade da informação dos meios de comunicação repousa no direito à informação e à crítica, o qual é independente das técnicas de comunicação. (...) O direito à informação tem precedência de um ponto de vista teórico, mesmo que hoje a comunicação lhe assegure um eco de proporções jamais imaginadas pelos "pais fundadores" da democracia norte-americana ou mesmo da francesa. (fls.6-7).

Este episódio é específico no que toca ao teor corrosivo do patrimonialismo. Sinônimo de uso desmesurado dos espaços e serviços públicos em benefício de particulares, das mais diversas formas, essa prática recorrente na cultura brasileira tem se prestado como prerrogativa para a construção de um modelo que, aos poucos, está se acercando de um projeto de TV estatal, no lugar de contemplar a necessidade de uma TV Pública. Algo que vai de encontro ao que preconiza Beth Carmona, ao sentenciar que "a atenção principal deve estar em não se perder o controle dos objetivos da TV Pública" (CARMONA, 2003, p. 12). Com uma tiragem de 2000 exemplares de "O desafio da TV Pública", é de se suspeitar até onde pretendia o Governo Federal levar adiante a elaboração de uma TV Pública que falasse a todos os públicos do Brasil, uma vez que "a TV feita para o cidadão dialoga com a sociedade civil e deve existir além da tela" (idem, p. 10). Não haveria por que ser diferente, mas a posição assumida por Tereza Cruvinel, ao afirmar, na edição de O Estado de S. Paulo de 01/12/2007, que "a Acerp estava exercendo um comando que é de outra instituição, a EBC. Falou-se em duplo comando, porque o comando não foi entregue pela Acerp", permite inferir que o Poder Executivo, em suma o presidente Lula e o secretário de Comunicação do governo Franklin Martins, atuou de forma ambígua e indecisa acerca do futuro da TVE. Este fato pôde ser observado com maior atenção, quando

uma das disputas mais acirradas na votação da MP foi sobre o local de instalação da sede da emissora, inicialmente planejada para o Rio de Janeiro. O Ministro das Comunicações (sic)2, Franklin Martins e a bancada carioca da Câmara defenderam a manutenção dessa determinação alegando que a capital carioca é um pólo cultural e que a maioria das transmissões é feita pela TVE-Rio. (ARAÚJO, 2008, p.12 ).

Enquanto, de outra feita, pesaram os argumentos apresentados pelos deputados federais Jofran Frejat (PR-DF) e Jovair Arantes (PTB-GO), da bancada governista, de que "órgãos federais devem ficar na capital do país, que inclusive era a sede da antiga Radiobrás e abriga mais de 800 dos seus funcionários que foram incorporados pela nova emissora, foram mais fortes." (ibidem). Com isso, o caráter estatista da criação da TV Brasil, cuja presidente da EBC foi nomeada ainda que nunca tenha trabalhado em televisão, vem a ser reforçado por outra declaração dada por ela, ao admitir que "na medida em que a exploração do canal é da EBC por força da MP [Medida Provisória, no caso a 368], o comando da Acerp deveria ter sido transmitido à EBC". Pelo temor de se privatizar, por meio do estado, um órgão de comunicação que foi criado com o intuito de ser público, "não deixa de ser sugestivo que a própria Rádio Nacional, encampada pelo governo, praticamente funcionava nos moldes de uma empresa privada"." (apud ORTIZ, 1988, p. 80). Este trecho foi extraído da obra "Atrás das câmeras – relações entre Estado, Cultura e Televisão", do sociólogo e jornalista Laurindo Leal Filho, que ao analisar a atuação da TV Cultura de São Paulo, faz referência a uma síndrome quase genética da tradição brasileira, sendo taxativo ao afirmar que "está aí, nesta observação de Ortiz, a gênese da falta de limites entre o público e o privado na radiodifusão brasileira." (LEAL FILHO, idem). Atualizando o debate sobre as reais intenções do Governo Federal em construir uma TV que seja de fato pública, basta analisar a grade do Canal 2 do Rio de Janeiro, UHF. Paulatinamente, a programação da TVE, com um cardápio variado, foi aos poucos substituída por programas encomendados pela cúpula da EBC/TV Brasil, sediada em Brasília mas ditando ordens para as equipes que sempre operaram no Rio de Janeiro, onde estavam os profissionais (diretoria, jornalistas, técnicos) que sempre tocaram a emissora.

Por exemplo, o "Cadernos de Cinema" exibia um filme, ao qual se seguia um debate, gravado, em estúdio, e ia ao ar nos domingos à noite, sendo suplantado, na mesma faixa de horário, pelo "Programa de Cinema", agora também às sextas e sábados, embora se limite a mostrar apenas o filme; o "Diálogos Brasil", nome mais do que sugestivo para a grade de uma emissora que se pretende pública, era exibido ao vivo nas noites de quarta-feira, com as participações de telespectadores que mandavam correios eletrônicos e de debatedores, presentes nos estúdios no Rio de Janeiro, em São Paulo e Brasília, e agora, às nove da noite, tem no lugar o telejornal "Repórter Brasil" – afinal, nos tempos de TVE, o telejornal noturno, o "Notícias do Rio – 2ª Edição", começava às sete e meia da noite –, seguido do "3 a 1", que, a exemplo do "RB", foi exportado da Esplanada dos Ministérios e do Palácio da Alvorada diretamente para pelo menos quatro praças que já recebiam o sinal da TVE-RJ nas mesmas condições: as três já mencionadas, e mais o Maranhão. Ademais, a TVE era a única emissora de tevê aberta do País a transmitir programas que versassem sobre Direito e, mais especificamente, direito do consumidor: tratava-se do "Direito em debate", que, quando foi encerrado, era exibido às quintas-feiras, no horário das dez da noite, e contava com a participação de telespectadores, ao vivo, que faziam perguntas e tiravam dúvidas pelo telefone; no entanto, por acreditar que "a Acerp estava exercendo um controle da EBC", foi encomendado pela cúpula da emissora o programa "Caminhos da reportagem", apresentado nos mesmos dia e horário, mas não conta, durante a exibição, com a interatividade do telespectador. Já o "Código de barras5", que da última vez que teve o seu horário modificado, passou a ser exibido aos domingos, às quatro da tarde, foi ao ar entre 2004 e 2009 e era um programa que abordava, principalmente, pautas relativas ao direito do consumidor e ao consumo consciente. Por conseguinte, nos trinta minutos de duração, o telespectador podia assistir a uma extensão do serviço desempenhado pelo Procon em todo o País.

O "Espaço Púbico" foi outro programa veiculado na TVE, entre os anos de 2001 e 2009, cujo nome, adequado para entrar na grade da TV Pública, foi excluído da programação da TV Brasil, por decisão da EBC. Apresentado pela jornalista Lúcia Leme, era gravado e exibido à meia-noite, de segunda à sexta. Trazia à luz discussões sobre os três temas mais importantes de cada dia, sempre contando com a participação, no estúdio, de pelo menos outro jornalista, além de especialistas em cada assunto debatido. Contudo, devido à inauguração da TV Brasil, no primeiro domingo de 2007, o "Espaço Público" já deixaria de ir ao ar no dia seguinte. Com isso, dado o seu tempo de duração – que era de uma hora e meia –, a EBC se viu no direito de criar mais programas e diversificar seus programas no horário de meia-noite à uma e meia da manhã. Ou seja, se antes havia um programa fixo nesse horário, e sobretudo um programa que carregava no nome algo que desde o início deveria ter sido preconizado e posto em prática pela TV Brasil, a diversificação da grade implica em certa dualidade.

Por um lado, tanto as direções da EBC quanto da TV Brasil, além dos funcionários subordinados a ambas, precisam justificar a média orçamentária anual, em torno de R$ 390 milhões, dando ênfase à produção de programas. Ainda em 2010, a TV Brasil continua a reprisar o programa "Sem censura", de segunda à sexta, apresentado por Leda Nagle desde 1992, na mesma faixa de horário que era antes ocupada pelo "Espaço Público"; atualmente, porém, quase todos os programas veiculados nesse horário – exceções ao "Revista do Cinema Brasileiro", "Arte com Sérgio Britto", "A Grande Música" e "Curta Brasil", exibidos, respectivamente, às segundas, terças, quartas e sextas, e mais o "Sem censura", que vem em seguida aos quatro e é reprisado também às quintas – foram semeados pelos recursos aprovados e liberados pelo Ministério do Planejamento. Em outra medida, o primeiro golpe que a EBC acusou, é uma das razões de ser desta monografia: o fato de a empresa ter sido assumida como projeto do Governo Federal, tendo sede em Brasília e vinculada diretamente à Secom, no lugar de ter mantido a estrutura e a programação criadas há mais de 40 anos pela Acerp, até porque era originária da União parte do capital misto que financiava o órgão fundado por Gílson Amado. Ou seja, seria o caso de injetar-lhe recursos, visando a melhorar a recepção de áudio e imagem do canal, pois o sinal da emissora continua precário mesmo agora, quando o telespectador sintoniza a TV Brasil. Em segundo lugar, ao incorporar a Acerp, a EBC descartou-a, bem como aos funcionários que possuem ou possuíam vínculo trabalhista com a Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto, gerando paralisações de técnicos, como as que tem organizado o Sinrad-RJ, desde que foi criada a TV Brasil.

Em terceiro lugar, a TV Brasil tem corroborado afirmações pejorativas, ao confirmar expectativas de que esta viria a se tornar a TV do Lula, com forte viés governista, ainda que, por trás do ceticismo da criação de uma tevê pública, residisse o temor dos veículos midiáticos tradicionais quanto à perda do domínio no acesso e na distribuição do que é produzido por esses poucos grupos que concentram informação no mercado brasileiro de Comunicação.

No entanto, a última Carta Constitucional Brasileira, que, dentre os seus 250 artigos, assegura o direito de voto aos analfabetos, faculta o voto aos jovens de 16 e 17 anos e institui o Ministério Público como representante, no Judiciário, da sociedade civil, não tem tido êxito ao promover o artigo 223, segundo o qual

compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. (BRASIL, 1988, p.36).

Lato sensu, a promulgação da Carta de 1988, da mesma forma que a inauguração da TV Brasil, representou avanço significativo em direção à obtenção de direitos por parte de mais cidadãos brasileiros. No entanto, como as palavras precisam tomar forma e assim se tornar realidade, stricto sensu, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 05/10/1988, não passa de "lei para inglês ver". Por exemplo, já tendo as Organizações Globo4 se estabelecido como protagonista de oligopólio, e até mesmo monopólio, no setor de Comunicações no Brasil – os Marinho ganhavam espaço, enquanto Chateaubriand e a TV Tupi perdiam –, como assegurar que será "observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal"? Em uma sucessão de atropelos, característicos do regime-de-exceção que vigorava no País, o ano de 1965 marca o nascimento daquele que veio a se tornar, em poucos anos, o principal tentáculo da Família Marinho – a TV Globo –, por meio de um contrato milionário, ao qual apenas se estima, em US$ 25 milhões, entre a recém-criada emissora e o grupo Time-Life, sediado nos Estados Unidos.

Ocorre que, se indivíduos ou organizações estrangeiros não podem ser donos de veículos de comunicação não tendo o(s) investidor(es) se naturalizado brasileiro há pelo menos dez anos nem deter mais do que 30% do capital de qualquer empresa com sede no Brasil, resulta daqui uma dúvida: ou os constituintes não atentaram para a interferência da Globo no funcionamento da política nacional, ou eles optaram por se omitir diante desse fato e aprovar o artigo 223 com todas as ressalvas dessa omissão.

A repercussão na grande Imprensa

Desde a entrada da televisão no Brasil, a implantação de um sistema público de radiodifusão significou o desejo de uns poucos pioneiros e empreendedores. Contra eles, tentava sobrepujar-se a má-vontade do Poder Público e a frequente obstrução realizada pelos conglomerados de mídia no tocante à democratização da Comunicação no Brasil.

Analisando a cobertura que fizeram os três periódicos – O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo – de maior circulação no País, no período de trinta e um dias, entre o primeiro dia de novembro e o dia 02/12/2007, data em que a TV Brasil foi oficialmente inaugurada, foi possível tirar algumas conclusões.

Em primeiro lugar, passou ao largo das três redações o debate sobre a importância de uma tevê que tivesse entre as suas prioridades a democratização no acesso aos meios de comunicação, que são, não menos, formadores de opinião. Alexandre Fradkin refere-se a um cenário do passado, mas a situação atual revela que muito pouco ou mesmo nada mudou, uma vez que

tornou-se patente que, muito embora a moderna tecnologia de televisão tivesse efeitos concentradores, a tevê comunitária colocava à disposição do público recursos que tinham um sentido contrário, com efeitos democratizantes. [Mas] a implantação dessas retransmissoras não apresentou os resultados esperados. A ausência de uma legislação fez com que as primeiras autorizações fossem dadas a políticos e a grandes empresários.

Ao mesmo tempo, e de 2007 até hoje, a inauguração da TV Brasil não tem significado apenas o fim da TV Educativa, a TVE do Rio de Janeiro. O conseqüente processo de verticalização desta TV Pública, a partir de declarações como as que fez a diretora-presidente da EBC Tereza Cruvinel – "Gostaria de que fossem integradas [Beth Carmona e Rosa Crescente] ao projeto da TV Brasil, sob direção da EBC. Não houve entendimento" –, tem promovido a deterioração do debate, diminuindo a importância de uma emissora de televisão que se paute pelo respeito ao ser humano, enquanto a maioria dos "jornalões" aumenta o vulto em torno do aparelhamento do Governo Federal, a partir da relação estreita entre o Palácio do Planalto e a EBC e a TV Brasil.

Caso evidente foi a matéria publicada pela Folha de São Paulo, no dia 24/11/2007, quando utilizou declaração de Sérgio Guerra – "Não queremos ser pai dos pobres, diz Guerra" – para titulá-la. Ademais, a TV Pública foi abordada em segundo plano, sendo tratado apenas no oitavo e nono parágrafos, e mesmo assim restrito à forma declaratória e sem o ponto-de-vista de quem redigiu o texto. Os dois parágrafos são precedidos por um entretítulo que o autor da matéria titulou como "Críticas ao PT"; aqueles, somando a opinião de Guerra aliada ao espaço dado para o senador se manifestar, refletem a linha editorial do periódico, que, implicitamente, subscreve a seguinte afirmação do político: "o país não precisa de TV estatal para manipular consciências". E ele emenda, ao dizer que "somos limpos, coerentes e não temos salvador da pátria. Somos a favor dos pobres. Mas não queremos ser a mãe ou o pai dos pobres", mesclando aquilo que teve maior amplitude no texto – a escolha de Guerra como presidente nacional do PSBD – com uma visão discriminatória sobre o que ele entende ser o papel da TV Pública, que estrearia em dez dias e que não recebeu a devida a. Em linhas gerais, o jornal e o (a) repórter responsável pelo texto, faz dele – Sérgio Guerra – as suas palavras, e acaba mais parecendo sua assessoria de imprensa, ambos denotando serem figuras acríticas.

No entanto, é indubitável que, em outra medida, "estamos transformando o debate sobre o papel da mídia num assunto que entra na pauta de cada cidadão" (DINES, 2003, p. 18). E o próprio Dines salienta que "a discussão da imprensa é uma tarefa que só pode ser atribuída a TV Pública." (idem, p. 19). No dia 05/11, Delfim Netto, ex-ministro da Economia durante o Governo Médici, afirmou à coluna da jornalista Mônica Bérgamo, da Folha, que "na verdade, o que se vai tentar fazer é uma espécie de BBC de Londres, uma TV educativa no sentido mais amplo do termo, que aborde desde arte até a matemática." Até o momento, porém, em nada a TV Brasil tem se assemelhado a um dos mais prestigiosos veículos de comunicação em todo o mundo. Sem contar que, em se tratando de televisão, Netto deveria ter sido melhor assessorado, ou mesmo que tivesse se lembrado, de colocar a linha editorial e o jornalismo no meio desse caminho que abordará "desde arte até a matemática". É o jornalismo independente que chancela a BBC de Londres entre as melhores empresas do setor, tanto entre as emissoras de rádio e tevê quanto entre os sítios da Internet. Por isso, o ex-ministro deveria saber que não se trata de "uma TV educativa no sentido mais amplo do termo", mas de uma TV Pública que, na sua grade de programação, teria de estar voltada, também e não apenas, para o espectro educativo, onde seja a todo instante valorizado o respeito ao telespectador.

Posto isso, é uma contradição em termos, quando ele analisa que "uma TV como essa pode ser intrigante, instigante. Pode ter uma independência que a TV comercial não pode", para em seguida assinalar que "é preciso ver primeiro se a TV vai ter sucesso, audiência. A receita você só sabe se presta depois de comer". Em primeiro lugar, a busca pela independência dentro da estrutura de uma tevê pública não se limita à não-veiculação de comerciais para além dos institucionais, comunicados pelo mesmo Governo Federal que ora financia integralmente a TV Pública; a independência provém exatamente da relação que é mantida entre o governo e a emissora, daí que o que mais se tem visto nos últimos três anos, é o rolo compressor com que o presidente Lula, através da diretora-presidente da EBC Tereza Cruvinel, tem usado para passar por cima de um projeto de TV Pública que, inicialmente, tinha a intenção de dialogar com o cidadão. Mas este projeto foi surrupiado ao mesmo tempo em houve a aglutinação da Radiobrás pela EBC e das TV"s Educativas em cada estado (Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão), pela TV Brasil. O aparelhamento estatal vem daí, e assim não existe independência jornalística na teoria, muito menos na prática.

Além do mais, que independência é essa que "a TV comercial não pode [ter]"? Porque, se, na teoria, Netto pensa que a prioridade é saber se a emissora terá sucesso, é difícil imaginar a qual independência ele se refere para o futuro da TV Brasil. Com um discurso muito distante para quem integra o Conselho Curador do canal, considerando que em momento algum ele mencionou os termos TV Pública ou TV Brasil, torna-se salutar que se ressalte sua última afirmação, de que "a receita você só sabe se presta depois de comer". Voltando ao tempo em que ele era ministro de um regime-de-exceção, é inevitável a lembrança de que vivíamos na Belíndia de Edmar Bacha5, durante a qual Delfim Netto concluiu que importava, primeiro, "deixar crescer o bolo para depois reparti-lo".

Exatamente por esta razão, que a percepção de que algo não caminha bem pelos lados da TV Brasil, desde que se optou pela destituição de Beth Carmona e Rosa Crescente de seus respectivos cargos, em detrimento de uma construção conjunta, que traria muito mais perspectivas de futuro à emissora, no lugar de o mais importante e audacioso projeto da televisão brasileira ter à sua frente uma testa-de-ferro do presidente da República. Três dias depois, a 08/11/2007, a FSP publicou declaração feita pelo presidente Lula na data anterior. Em nota curta, que recebeu o título "Cultura do país terá espaço no canal, diz Lula", o jornal apenas reproduziu discurso proferido em evento do Ministério da Cultura, no qual Lula lembrou "que a TV pública brasileira será um instrumento de divulgação da cultura brasileira no país". O problema é a falta de crença nas palavras do presidente, depois que se delegou à instância superior do Poder Executivo, em Brasília, a atribuição de gerir, inclusive, quem trabalha no Rio de Janeiro, sede das extintas Acerp e TVE local. Isso, sem contar que programas baseados na valorização da cultura nacional, a versar sobre o reconhecimento identitário do povo brasileiro, já faziam parte da emissora que por mais de 30 anos precedeu à TV Brasil, caso do "Cultura Ponto-a-Ponto". Em artigo publicado na Folha de 21/11/2007, no qual se refere da forma mais cara à criação da TV Pública, Antônio Achilis Alves da Silva, então presidente da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), comemora o fato de que "nasce a TV pública federal no Brasil." Em seguida, Achilis atesta que "é extremamente relevante constatar que todos os documentos legais relativos à Empresa Brasil de Comunicação refletem a Carta de Brasília", por mais que o Governo Federal tenha tentado, nos últimos três anos, burlar o documento fundador da TV Pública brasileira – a Carta de Brasilía6 –, esta mesma que enuncia "que este nosso clamor soma-se aos anseios da sociedade brasileira", enquanto "o Brasil debateu intensamente a televisão que quer e pretende construir".

No entanto, no mesmo artigo, Achilis rechaça a ideia de aparelhamento do Estado através da TV Pública, ao sinalizar que estava correto o rumo tomado pela TV Brasil, dado que

diversos instrumentos montam guarda para garantir que a emissora possa rejeitar as tentações e as pressões dos agentes do poder em qualquer nível, inclusive do presidente da República. O controle mais implacável se dará pela sociedade, uma vez que televisão é exposição pública. (FSP, 21/11/2007).

É bem verdade, no entanto, que a concretização de uma TV Pública significa um avanço muito grande para os que a recebem, uma vez que o argumento basilar para o nascimento de uma emissora de caráter e interesse públicos, é a busca pela aglutinação de todos os membros que participam de uma sociedade. Por isso,

é inconcebível levá-la [a TV Pública] ao chão da barganha política na tramitação da medida provisória de sua criação no Congresso Nacional. O xadrez político, onde se jogam trocas e pressões, precisa poupar essa idéia para que o Brasil entre no primeiro mundo da televisão pública. (idem)

Ao fim, o jornalista, que tem especialização em gestão estratégica da Informação, conclui que era chegada a hora de a EBC mostrar serviço, mesmo porque foi criada para substituir a uma outra estatal, da qual o Governo Federal preferiu se desfazer. Assim,

a Empresa Brasil de Comunicação nasce com inúmeros desafios, desde justificar a substituição da Radiobrás, empresa com mais de 30 anos, criada ainda sob a perspectiva de propagação da doutrina de segurança nacional, até a consolidação de um modelo de democratização do acesso à comunicação, da pluralidade da produção cultural e da diversidade na divulgação de conteúdo. Merece a nossa confiança e o apoio do Parlamento, onde, pela significação para as TVs dos estados, está em jogo o caráter da televisão pública brasileira. (ibidem)

Quanto a "o apoio do Parlamento", já era sabido que a maioria dos congressistas não estariam dotados de um pensamento semelhante ao de Alves da Silva, daí acharem razoável que, em se tratando de TV Pública, é concebível "levá-la ao chão da barganha política". Não bastasse deputados e senadores serem donos de cadeias de veículos de comunicação, desde as menores às mais extensas, grande parte da oposição desvirtuou o assunto e mutilou o debate em torno da votação da MP 398, que viria – e de fato veio – para regulamentar a implementação da TV Brasil, a partir de matéria de O Estado de S. Paulo, que trouxe novas informações ao conhecimento dos leitores, no dia 10/11/2007. Com argumentos de que "a TV do Lula pode ser um instrumento poderoso para a tentativa do terceiro mandato. Afinal, a TV do Lula não tem nem independência financeira nem administrativa", como disse o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Onyx Lorenzoni. Ou o mesmo sentido atribuído à discussão, por Antônio Carlos Pannunzio, líder do PSDB naquela Casa, ao afirmar que "essa TV é o caminho do chavismo'' e emendar que "o Planalto vai ter uma televisão para proselitismo e para veicular idéias e princípios que são caros ao governo, mas não a toda a sociedade." Em outro trecho, a repórter Eugênia Lopes, que apurou e redigiu a matéria, lembra que "há preocupação ainda com o fato de que um terço dos 81 senadores é dono de emissoras." E a preocupação não era para menos, visto que o "Planalto tem maioria apertada", o que só fazia aumentar o temor dos governistas, que "temem mudanças que desfigurem a MP", caso de Ideli Salvati, que sentenciou que "o que tem de mais problemático no Senado é o aspecto ideológico." Mas o "aspecto ideológico" a que se refere a senadora, é a mesma questão que emoldura o espectro da situação em torno da "chamada TV Pública brasileira", que, na opinião do sociólogo Demétrio Magnoli, autor de artigo publicado no Estadão a 15/11/2007, considera que a emissora que estava para ir ao ar em menos de vinte dias "não é pública nem estatal, mas puramente governamental". Ele argumenta que

Franklin Martins caçoa da opinião pública quando promete independência para um ente dirigido por um Conselho Curador, um Conselho Diretor, um Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva preenchidos por nomeações presidenciais. (OESP, 15/11/2007)

Aí, tem-se o que poderíamos chamar, jornalisticamente, de lide – ou lead, sem aportuguesamento – e não menos parte, também, da conclusão, na avaliação de Magnoli, que reforça que "a nova rede brasileira não se assemelha à BBC, pois carece de independência, nem à Telesur [de Hugo Chávez], pois carece de um programa político e ideológico.". Outra conclusão que emerge do artigo é "a concepção que cerca a nova rede de TV, que interpreta o incesto como virtude e, orwellianamente7, traduz submissão como independência.".

Em consonância com reportagem publicada em OESP duas semanas depois, o repórter Wilson Tosta salientou que "sua [a da TV Brasil] criação é um dos projetos estratégicos do segundo governo do presidente Lula, que pretende contrabalançar a influência da imprensa", está o fato de que "a rede de TV que [o presidente] implanta não tem a pretensão de veicular uma verdade que se quer histórica, mas unicamente as verdades minúsculas que interessam ao Planalto.". Notícia com o mesmo teor foi publicada na Folha do dia 29/11/2007, quando o repórter Fábio Zanini descreveu que "foi a insatisfação com a cobertura da TV Globo no episódio do dossiê contra tucanos, em 2006, que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a propor a criação da TV pública." Portanto, o então projeto de TV Pública, hoje realidade, é passível de ser entendido como arbitrariedade do atual governo, ao aumentar a burocratização dentro da emissora e diminuir o debate nos programas veiculados pela mesma, não sendo o bastante ter na grade programação voltada para portadores de alguma deficiência ou ser a primeira emissora brasileira a manter um correspondente no continente africano.

No entanto, a birra de Magnoli com o projeto de TV Pública que está em vigor no País desde dezembro de 2007, perde consistência quando ele pergunta ao leitor: "onde está o argumento para justificar que o governo deve gastar impostos produzindo jornalismo político?". A indagação vem do fato de ele ter citado que "o foco da rede de TV será o jornalismo político", mas não deu vazão ao questionamento, quando apresentou argumento – foco no jornalismo político, o que, se bem feito, torna-se ainda mais relevante, sobretudo em uma tevê pública – e concluiu que para o mesmo não se deveria "gastar impostos".

Em matéria publicada pela FSP no dia 29/11/2007, o repórter Fábio Zanini reproduziu afirmação de Franklin Martins durante audiência, no dia anterior, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados. Quanto à possibilidade de existir manipulação política, por parte do governo, na TV Brasil, ele admitiu que existe. Mas fez questão de ressaltar que "não é só na TV pública. Existe também na TV comercial. Ou a gente acha que os interesses comerciais, políticos, partidários nunca vão interferir na programação?" Ainda assim, chega a ser curioso, inusitado pensar na consideração que veio em seguida, quando ele disse que "a sociedade não tolerará uma TV pública chapa-branca."

Lendo e relendo esta reflexão do secretário-chefe da Secom, é importante perceber que, em linhas gerais, a sociedade nunca tolerou a TV Pública ou sua predecessora, a TV Educativa do Rio de Janeiro. Um dos problemas é a baixa qualidade na recepção do sinal da emissora, o que motivou a jornalista Patrícia Kogut, no mesmo dia da matéria de Fábio Zanini na FSP, a atribuir "Nota 0" neste quesito, em sua coluna "Controle Remoto", publicada de segunda a sábado, no "Segundo Caderno" de O Globo.

Mas a típica avaliação infrutífera vem das figuras e entidades mais conservadoras do setor de Comunicação, que não podem ouvir falar em TV Pública que associam naturalmente a estatismo e governismo. Ainda que este problema venha ocorrendo desde antes da entrada em rede da TV Brasil, voltando à matéria de Fábio Zanini na FSP, Paulo Ricardo Camargo, da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), argumentou que "a TV pública não deve ser emissora para veiculação de espaços publicitários."

Notadamente favorável à não-democratização da informação, visto que suas entidades-membro são os mesmos conglomerados de mídia que dominam este mercado no Brasil, a Abert foi uma das querelantes na ação movida no STF em abril de 2009. Na ocasião, junto com o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, argüiu-se para que fosse posto fim à exigência do diploma para o exercício do Jornalismo, passados 40 anos desde que o Governo Costa e Silva baixara Portaria regulamentando a profissão, e apenas um mês a Suprema Corte decidiu pelo fim da Lei de Imprensa, outra herança dos tempos de ditadura, ainda por cima votada a "toque-de-caixa".

A aprovação desses dois textos, aliada à censura imposta há mais de um ano ao Estadão, decorre de um desejo oculto, entre os ministros do Supremo que votaram a favor das três propostas, de tentar desmobilizar a classe jornalística, servindo-se de porta-voz dos empresários de mídia. Até porque, no final das contas, é do interesse destes últimos que a liberdade de imprensa se preste ao casuísmo de atender à liberdade das empresas que eles dirigem.

Embora breve, a coluna que Daniel Castro publicou na Folha Ilustrada, sob o título no dia 30/11/2007, denota que o jornalista acredita ser relevante a chegada ao Brasil de uma tevê que tenha os fins públicos não propagandeados pelos veículos da grande mídia televisiva, a citar uma programação diversificada e que respeite aos direitos humanos, no caso os dos telespectadores.

Para isso, o colunista se vale de profissionalismo e até certa independência para se contrapor à linha editorial do jornal onde trabalha, discordante da criação, e mais, da necessidade de uma TV Pública no e para o Brasil. Seguindo a lógica da credibilidade de Daniel Castro, este traço, que deveria ser caro a todo jornalista, é observado a começar pelo título, ao mencionar que a "TV Brasil ficará fora do ar em SP na estréia".

Castro se vale de uma informação importante para noticiar um fato da maior relevância, pelo menos a dois dias da inauguração oficial da TV Brasil. Afinal, se para a Folha isto não tem muito significado, neste caso o colunista acreditou que lhe cabia o papel de informar ao seu leitor que dali a dois dias estreariam, simultaneamente, a TV Brasil e a TV Digital.

E no momento em que abre o segundo parágrafo com a afirmação "não vai dar [para estrear em São Paulo no dia 2]", dita por Roberto Gontijo, diretor de operações da extinta Radiobrás – hoje EBC – e responsável pela instalação dos equipamentos que transmitiriam o sinal da TV Brasil para o estado de São Paulo, Daniel Castro coloca a cargo do seu público-leitor a compreensão do que lê. Porque, primordialmente, o colunista informa que "Folha apurou que os transmissores atrasaram porque uma parcela não foi paga ao fabricante, na data de vencimento".

Em segundo lugar, porque disseca que o problema não afetou exclusivamente à TV Brasil e ao desejo do Governo Federal, mas também o da TV Cultura, subsidiada pela Fundação Padre Anchieta, mantida com recursos do estado de São Paulo. E ainda que os Governos Federal e do Estado de São Paulo permaneçam como opositores um do outro, a apuração feita pelo autor da coluna, possivelmente em parceria com algum (ns) outro (s) jornalista (s) da Folha, é a de uma situação que afeta duplamente ao telespectador: afinal, não são apenas duas emissoras de televisão, mas duas emissoras que, mais do que as de caráter comercial, valem-se de sua constante busca pelo interesse público e pela valorização do telespectador, na formatação de suas respectivas grades. O inusitado, sobre o qual Castro não deixa de situar o leitor, é no que toca à TV Cultura, que, "para não ficar de fora da estréia da TV digital, já providenciou um "plano B". Está instalando um transmissor emprestado.". Voltando a uma discussão candente para o sucesso da TV Brasil – a constituição do Conselho Curador da emissora –, uma série de reportagens abordaram a eleição dos membros para o Conselho. No dia 26/11/2007, a repórter Renata Giraldi, da Folha, publicou matéria intitulada "Lula nomeia Delfim Netto, MV Bill e mais 13 para o conselho da TV pública", em que desfia o novelo de falta de conhecimento que a direção do jornal, aparentemente, exige que tenham seus jornalistas a respeito do assunto TV Pùblica, e talvez o mesmo eles reservem aos seus leitores.

O problema em questão torna-se de fácil detecção, quando analisamos três imprecisões no texto da repórter. Renata abre a matéria com o seguinte trecho: "o presidente Lula nomeou 15 representantes da sociedade civil que vão compor o conselho curador da Empresa Brasileira de Comunicação --futura TV pública.".

Em primeiro lugar, não é qualquer conselho curador – erro que se deu também no título –, por isso o termo deveria vir em "caixa alta", isto é, as iniciais em maiúscula, o que perfaz Conselho Curador. Em seguida, a entidade gestora da TV Brasil é a Empresa Brasil de Comunicação, e não a Empresa Brasileira de Comunicação. Por fim, esta mesma entidade não é a "futura TV Pública", mas a mantenedora da atual TV Pública ou TV Brasil, bem como a Fundação Padre Anchieta é a mantenedora da TV Cultura de São Paulo.

Enquanto isso, no parágrafo seguinte, a jornalista se limita a elencar alguns dos conselheiros escolhidos, alguns dos quais já havia citado no título. Igualmente, Renata restringe-se a um único ponto-de-vista, o de Franklin Martins, secretário-chefe da Secom, ao transcrever declaração dele de que "o critério de escolha dos 15 representantes foi "amplo, plural e observando as diferentes experiências de cada um"".

Ao mesmo tempo, em um parágrafo de não mais que cinco linhas, ela se refere aos "protestos de deputados que integram o Fórum Parlamentar de Radiodifusão", "o orçamento geral da nova emissora" e que "Franklin deverá falar sobre o assunto na Comissão de Ciência e Tecnologia, na Câmara". Ou seja, aborda três assuntos, distintos, de forma superficial, compensando o leitor nas linhas a seguir, quando explica, com base em afirmações de Franklin Martins, que "a formatação da TV pública ainda está em fase de elaboração" e que, por isso, "até março de 2008 a nova emissora deverá estar pronta e poderá ser constituída.". Mas Renata Giraldi comete outro deslize quando ocupa um espaço precioso, que poderia ter sido utilizado da forma que fez Chico de Gois na edição de O Globo no dia seguinte (27/11/2007), que criou um hiperlink para o internauta conhecer os 15 conselheiros em outra página da Internet, mesmo que também tenha disponibilizado os mesmos 15 nomes no corpo do texto principal. Mas, como a medida não foi adotada na FSP, os nomes apareceram apenas sob a forma de um seguido do outro, o que configurou reportagem com pouca apuração para quem trabalha na sucursal do jornal em Brasília, sede da EBC.

No que toca à matéria publicada no sítio de O Globo, no dia 27/11/2007, o jornalista Chico de Gois apurou mais e melhor, trazendo ferramentas extras para a discussão. Mesmo assim, a palavra "conselho" também apareceu grafada de forma errada, no título "No conselho da TV Pública, rapper, advogado e carnavalesca" e no início do primeiro parágrafo. De acordo com a técnica jornalística, esse mesmo primeiro parágrafo apresenta a hierarquização da notícia, fato inerente ao lide, e coloca em questão as atribuições do Conselho Curador da TV Brasil, que "poderá até demitir a diretoria da EBC, e terá como função fiscalizar a TV". O problema é o jornalista citar em relação à qual TV se refere, por mais que já se tenha mencionado a TV Pública, no início do texto. Ao final deste parágrafo, aparece o já citado hiperlink, "Conheça cada um dos integrantes".

Ao longo da desnecessária descrição sobre os conselheiros escolhidos por Lula – o que tomou o espaço de um parágrafo inteiro, assim como na Folha –, antes do único entretítulo presente na matéria, faz-se referência a Maria da Penha Maia apenas como biofarmacêutica, e não pelo episódio que a tornou conhecida, a luta pela criminalização da violência doméstica, no caso a que é praticada pelo marido contra a esposa. A isto, Renata Giraldi, da FSP, permaneceu atenta.

O segundo parágrafo, então, é a pura e simples transcrição do que dissera Franklin Martins, a respeito de que "o critério não foi o de buscar especialistas em televisão.". E em cima disso, perguntar ao usuário do sítio do jornal: "Você concorda com o critério? Opine", o que mostra uma maior pré-disposição dos editores do Globo Online, em relação aos da Folha Online, de conclamar os usuários do sítio para a discussão de algo em voga às vésperas da entrada da TV Brasil no ar.

Ainda, Chico de Gois ressalta no entretítulo que "Boni é o único integrante que pertence ao meio TV", ao que ele acrescenta que "o único jornalista é o também advogado José Paulo Cavalcanti Filho". Em tom de reprovação, de Gois deixa implícito que a decisão tomada por Franklin Martins foi precipitada, uma vez que "a escolha dos membros se deu antes da aprovação, pelo Congresso, da Medida Provisória que cria a EBC". Até porque, ele emenda em seu texto: "para Franklin, isso não é problema", afinal o secretário-chefe da Secom afirma: "confio que o Congresso não apenas aprovará a TV pública, como aperfeiçoará a Medida Provisória enviada pelo governo.". Na Folha, para o período entre a estreia da TV Brasil, em dezembro, e o mês de março, foi dada a informação de que "até março de 2008 a nova emissora deverá estar pronta e poderá ser constituída", enquanto O Globo noticiou que "a diferença só deverá ser sentida a partir de março de 2008.". De Gois se adianta e esclarece que o Conselho Curador poderá, inclusive, "demitir os diretores da emissora e até a presidente da Empresa Brasil de Comunicação".

Por fim, notícia que a Folha não deu, ao que o repórter do jornal carioca explica que

pelo estatuto da TV pública, os integrantes do colegiado8 vão se reunir uma vez por mês na sede administrativa da empresa, em Brasília. O governo já decidiu que eles receberão jetom9 pela presença nas sessões. (O Globo, 27/11/2007).

No dia 28/11/2007, a Folha de S. Paulo reproduziu em seu sítio na Internet texto originalmente veiculado pela versão, também virtual, da Agência Brasil, sem menção sobre quem o tenha redigido, sob o título "Conselho da TV pública têm (sic) independência e poder de fiscalização, diz ministro".

Em matéria aberta por parágrafo que enumera alguns dos conselheiros mais consagrados que Lula elegeu para fazer parte do Conselho Curador da TV Brasil, o que está em discussão, mesmo, é o conteúdo do título. Afinal, como redigiu o (a) repórter – que não foi identificado no corpo do texto, "o ministro Franklin Martins rebateu hoje as críticas feitas às nomeações para o Conselho Curador".

Para Franklin, "as personalidades que estão ali têm evidente independência em relação ao governo e poderão fiscalizar se a TV pública será uma TV plural". Em tempo: a independência é tamanha, que, passado menos de um ano, o economista Luiz Gonzaga Belluzo se desligou do cargo de conselheiro para concorrer à presidência da Sociedade Esportiva Palmeiras – da qual ele é presidente até hoje –, o tradicional clube de origem italiana que tem um dos principais times de futebol do estado de São Paulo e não menos do Brasil.

Talvez já prevendo a promiscuidade entre o Governo Federal e a EBC – tendo em vista o seu veículo de comunicação mais visado, a TV Brasil, e mesmo este conte com uma audiência abaixo das expectativas –, Franklin afirmou em seguida que "é preciso chegar a um modelo de gestão que garanta que essa TV seja pública e não estatal10." Mas o ônus – que neste caso deixa ao relento o princípio do benefício da dúvida – gerado por essa dúvida, cabe à consciência dos que encampam este que, até hoje, passados exatos três anos desde a inauguração, não passou de um projeto de TV Pública.

Até porque, o que mais tem ocorrido, contrariando as esperançadas e otimistas afirmações de Franklin Martins e desde as demissões forçadas de Beth Carmona e Rosa Crescente, da presidência e direção da Acerp, é a interferência do Governo Federal sobre os desígnios do primeiro grupo brasileiro de mídia inteiramente voltado para a consecução de uma programação com caráter público, de respeito ao telespectador, antes de mais nada e acima de tudo, cidadão pleno de direitos também na hora de assistir televisão.

Abaixo do entretítulo "Início", a reportagem, talvez melhor apurada do que a maioria das que temos visto até aqui nos três jornais analisados, e com não menos elementos para se começar uma discussão com base em argumentos, lembra que "a TV pública entra no ar a partir das 12h do próximo domingo. No Rio de Janeiro, a transmissão será feita por meio da TV Educativa." O (A) autor (a) da matéria finaliza que "a programação da TV Brasil será dividida em faixas temáticas, como infantil, animação, audiovisual, cidadania e esportes." Em matéria assinada por Eugênia Lopes, de OESP, no dia 29/11/2007, o título foi "Petistas querem mais verba para TV pública". Nada mais violento ao pudor jornalístico. Uma lástima que, desde o início, o presidente Lula tenha dado munição de sobra não apenas para estes jornalões, mas também à íntegra da mídia que lhe faz oposição. É difícil de acreditar, afinal já era sabido, mas parece que a cúpula do Governo Federal não foi avisada, quiçá não se apercebeu, de que não seria bem-vinda a ideia de uma TV Pública, tendo a concentração que temos na produção e distribuição da notícia, algo que vigora desde o controle social e midiático imposto pela Imprensa Régia.

Ou, ainda, essa mesma cúpula preferiu "dar um tiro no próprio pé", de propósito, quando Lula optou por dizer que "era preciso contrabalançar a influência da imprensa" e resolveu contratar dois jornalistas tarimbados nos círculos políticos de Brasília, ao mesmo tempo em que temos conhecimento da barganha que existe por trás da concessão pública de um canal a uma emissora comercial. Por exemplo, em relação a quanto recebe de divisas o Poder Público ao tomar a medida de abrir novas concessões para essas emissoras, e quanto, anunciando serviços e empresas estatais, as mesmas emissoras de forte caráter comercial ganham em publicidade.

De todas as formas, merece destaque o fato de se poder ler, entre as matérias relacionadas, outra voz além da de Franklin Martins. No caso, trata-se de Walter Pinheiro, um desses petistas a que se refere o título e relator da MP 398. Ele argumenta que "com R$ 350 milhões não se faz uma boa televisão". A meu ver, com a mentalidade de quem hoje gerencia esses recursos no Brasil, nem com o teto orçamentário citado por ele, na casa dos R$ 6 bilhões. É por essas e por outras que a BBC continua a ser considerada a melhor emissora de televisão do mundo: porque, no Reino Unido, prevalece, há mais de 60 anos, o respeito da máquina pública no sentido de manter o canal, que tem sede em Londres, independente da política de governo, contando com uma verba mensal paga por cada contribuinte que tenha televisor em casa.

No Brasil, "a ideia é usar uma parte dos R$ 3 bilhões de arrecadação do Fistel", porque, de acordo com a repórter do Estadão, "o fundo é composto da arrecadação da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), pagas por todas as operadoras de telecomunicação." Ou seja, o contribuinte brasileiro, diferente do britânico, precisa rastrear o dinheiro que paga em impostos, caso queira descobrir se o mesmo é empregado de maneira honesta, com o devido fim, no Fundo de Fiscalização das Telecomunicações. Eugênia Lopes sentencia que "uma parte dos recursos é usada pela Anatel para fiscalizar as empresas, mas a maior parcela segue para os cofres do Tesouro Nacional."

Por isso, o patrimonialismo, sobretudo nas instituições públicas brasileiras, pode agora voltar ao centro desta discussão. Publicada por Bernardo Mello Franco no dia 30/11/2007, com o título "Aliados pretendem indicar nomes para a TV pública" e o respectivo subtítulo "Parlamentares se queixam de que não foram convidados para integrar conselho da emissora", a reportagem desvenda que, não interessa se poucos ou muitos tinham conhecimento, o fato é que a prática perpassa o nosso histórico de nação corruptível. Justamente pelo fato de que "o Conselho Curador da recém-criada Empresa Brasil de Comunicação (EBC) corre o risco de ser ampliado para acomodar políticos da bancada governista." À época, a possibilidade de isso ocorrer era significativa, por isso que mesmo contrário à proposta, o governo "admite ceder para que a medida provisória que cria a emissora seja votada ainda este ano.". Luiz Sérgio, líder do governo na Câmara, entoava o mesmo discurso problematizador, no sentido de que "acredito que transferir a disputa política para o conselho não seria bom para a TV pública." Mas, como ele é político e, ainda por cima, lida com outros políticos, sobressai o fato de que "ainda não há consenso, e o argumento de que a Câmara e o Senado também têm direito a indicar [membros para o Conselho Curador] persiste na base.". Mas Tereza Cruvinel salientou que "o critério não pode ser partidário.".

Conclusão

Quando alguém se recorda, pela última vez ao final de mais um dia, que a BBC de Londres é modelo de TV Pública para as demais televisões e públicos em todo o mundo, fico com a impressão de que temos potencial para repetir o feito do lado de cá do Atlântico, no hemisfério inferior do globo terrestre.

Fazer televisão não tem mistério; muito pelo contrário, o mistério emerge quando se oculta da sociedade aquilo que não se quer que chegue ao público, que é povo, gente, pessoas, indivíduo.

A meu ver, a realização deste trabalho me permitiu inferir que ser jornalista e trabalhar no ramo de comunicação é uma das formas mais sutis de se buscar a inclusão dos excluídos pela disseminação da informação correta, sincera – ou "sem cera", etimologia percebida em texto escrito por Caio Túlio Costa – e de interesse público.

Talvez venha daí as minhas paixão e crença na organicidade das instituições públicas brasileiras. Porque, por mais que a burocratização torne irreal a realidade do Brasil e os níveis de corrupção sejam sufocantes, é preciso acreditar que nada substitui a amplitude de qualquer instituição pública.

Tanto melhor se esta for uma emissora de televisão, em tempos de crescente convergência entre todas as ferramentas midiáticas, estabelecidas na forma como as conhecemos hoje. É preciso acreditar que se o futuro está há décadas diante de nossos olhos, só assim trabalharemos com a certeza de que o Brasil pode e precisa ser o país que vai fazer agora, hoje, urgentemente, as mudanças que o levarão sempre adiante. E uma televisão pública de qualidade, calcada no respeito ao telespectador e credibilidade, tende a ser o abre-alas para as transformações profundas que queremos e acreditamos ser possíveis, na sociedade como um todo.

No dizer – ou escrever – de Regina Mota,

a meu ver, para que o telespectador/leitor compreenda a importância da mídia em seu cotidiano, o debate deve ser pautado pela perspectiva de seus interesses, assim como são pautados os temas da saúde, da educação, do transporte ou dos benefícios sociais. (MOTA, Curitiba, junho de 2004).

Notas

1 INCE é a sigla que designa Instituto Nacional do Cinema Educativo.

2 O cargo exercido por Franklin Martins não é o de Ministro das Comunicações, equívoco cometido por Valéria Vilas Boas Araújo em Tv Pública no Brasil: história, regulamentação e a criação da TV Brasil. O posto ocupado por ele, é o de ministro da Comunicação Social do Governo Federal, também conhecido como secretário-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom).

3 O Correio Braziliense que hoje circula, em nada tem a ver com o periódico criado no século XIX por Hipólito da Costa.

4 Para entender um pouco melhor o funcionamento das Organizações Globo, são recomendados o livro "Afundação Roberto Marinho", da autoria de Roméro da Costa Machado, e o documentário "Muito além do cidadão Kane", do britânico Simon Hartog.

5 O termo Belíndia foi cunhado pelo economista Edmar Bacha, em princípio dos anos 70, com o intuito de aludir à alta concentração de riqueza nas mãos de uma minoria da população, que seria tão rica quanto os ricos o são na Bélgica, em contraponto às nossas desigualdades sociais, extremas como as da Índia.

6 Documento em que é reforçado o compromisso de se estabelecer uma televisão pública de qualidade e comprometida com os anseios do telespectador brasileiro.

7 Referência ao escritor britânico George Orwell, que lutou na Guerra Civil Espanhola ao lado da Legião Estrangeira. Escreveu, dentre outros, "A revolução dos bichos" e 1984. 8 A existência de um colegiado pressupõe a inexistência de hierarquia. E o Conselho Curador da EBC tem o cargo de presidente.

9 O termo jetom, aportuguesado do francês jeton, é sinônimo de remuneração para quem comparece a uma reunião de determinado órgão, no caso o Conselho da EBC. 10 Largamente indicado o documentário "Viva Zapatero!", da humorista italiana Sabina Guzzanti.

Bibliografia:

. ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo: o jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

. ARAÚJO, V. M. Vilas Boas. Tv Pública no Brasil: história, regulamentação e a criação da TV Brasil. Universidade Federal da Bahia: Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas – Grupo de Análise em Telejornalismo, 21-24/10/2008.

. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 05/10/1988.

. CARMONA, Beth (orgª.). O desafio da TV Pública - uma reflexão sobre sustentabilidade e qualidade. Rio de Janeiro: TVE Rede Brasil, 2003.

. I Fórum Nacional de TVs Públicas, de 08/05/2007 a 11/05/2007. Carta de Brasília. Brasília, 2007. Acesso em 01/12/2010.

. LEAL FILHO, Laurindo. Atrás das câmeras - relações entre cultura, estado e televisão. São Paulo: Summus, 1988.

. MOTA, Regina. Revista de Sociologia e Política nº 22. Curitiba, junho de 2004.

. Medida Provisória 398. Versão impressa. Diário Oficial da União, Seção I: Brasília, 08/04/2008.

. MILANEZ, Liana. TVE Brasil - cenas de uma história. Rio de Janeiro: ACERP, 2007.

. WOLTON, Dominique. A comunicação política: construção de um modelo. Rio de Janeiro: UFRJ, Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos, 1989. Folheto.

Reportagens:

. "Aliados pretendem indicar nomes para a TV pública", O Globo, 30/11/2007.

. "Beth Carmona deixa TVE, que integra nova TV pública", OESP, 30/11/2007.

. "Congresso rejeita conselho da TV pública controlado por Lula", OESP, 10/11/2007.

. "Conselho da TV pública têm "independência" e poder de fiscalização, diz ministro",. FSP com Agência Brasil, 28/11/2007.

. "Governo intervém na TV Educativa e demite diretores", OESP, 01/12/2007.

. "Lula nomeia Delfim Netto, MV Bill e mais 13 para o conselho da TV pública", FSP, 26/11/2007.

. "Não queremos ser pai dos pobres, diz Guerra", FSP, 24/11/2007.

. "Petistas querem mais verba para TV pública", OESP, 29/11/2007.

. "Pravda", por Demétrio Magnoli, OESP, 15/11/2007.

. "TV Brasil ficará fora do ar em SP na estréia", FSP, 30/11/2007.

. "TV Brasil: uma televisão da sociedade", por Antônio Achilis Alves da Silva, FSP, 21/11/2007.

. "TV pública poderá sofrer manipulação, diz ministro", FSP, 29/11/2007.

. "TV pública vai ensinar a ver o mundo de maneira razoável, diz Delfim Netto", FSP, 05/11/2007.

 

 

Autor:

Daniel Feldman Israel

isrdaniel[arroba]gmail.com

Nº DE MATRÍCULA: 520822

HABILITAÇAO: JORNALISMO

PROFESSOR ORIENTADOR: CESAR ROMERO JACOB

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇAO SOCIAL - CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

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