Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Essa definição é mais uma, em meio a várias outras definições envolvendo a questão "O que é música?". Porém sua abrangência atualizou muitas definições costumeiras, na medida em que seu conteúdo mudou a concepção e as atividades dos próprios músicos, que passaram a atender necessidades musicais em outras áreas como o teatro, cinema etc, atividades nas quais a música surge a partir de sugestões provenientes de outros sentidos, dessa forma, a música pode estar no Dó, no Ré, no Mi... mas não exclusivamente neles, já que o Dó, o Ré, o Mi... pode estar no azul, no amarelo, na neblina, no sol, no gesto, na expressão, no cheiro, no gosto, no violino, na panela, no motor do carro, etc. Assim o desenvolvimento do imaginário sonoro que se dá através da criação de uma consciência em relação aos sons que nos rodeiam, na minha opinião, pode ser obtido através da música, tendo a imaginação como suporte para sua criação. Por isso o estudo da linguagem musical e sonora é o foco deste trabalho, que não se restringe somente a um show. Sendo assim, o show Adriana Partimpim passa a servir como inspiração, assim como outras referências audiovisuais destinadas ao público infantil, ou não, que fui descobrindo com o tempo, e que se fosse o caso mereciam também serem estudadas.
A música ocidental se desenvolveu a partir de teorias e concepções clássicas e européias. Conceitos foram criados por pensadores que atribuíam teorias para outras áreas do conhecimento, como Pitágoras, por exemplo. Ele acreditava que o que há de mais elevado na música podia ser mais bem obtido pela inteligência através dos números do que pelos sentidos, através dos ouvidos. Assim Pitágoras revelou essa relação entre as matemáticas e a música e em seguida, consequentemente entre a astronomia e a astrologia e a música, criando uma teoria que foi chamada de Música das Esferas. Conforme Lia Vera Tomás, em sua tese De Música: contribuições para a elaboração de uma nova teoria musical, essa teoria pitagórica foi...
um sistema filosófico e também uma forma artística "intermidiática" que existiu da Antiguidade ao Renascimento: nela se considerava que a divisão dos sons em oitavas era o equivalente acústico do movimento dos astros no céu e este o equivalente visual das relações formais representadas pelos números. Assim, cada nota musical podia ser representada por um astro do sistema celeste, que por sua vez refletia um valor matemático.
Portanto, foi nesse contexto de descobertas em várias áreas do conhecimento que a música atribuiu valores matemáticos, físicos, astrológicos, arquitetônicos, teológicos etc, para construção de sua teoria - que a define, de acordo com a musicologia conservadora, como uma arte de linguagem isolada e auto-suficiente.
Em meio ao nosso contexto atual é inevitável pensar na música como uma linguagem isolada de outras. A compreensão da música por si só, sem nenhuma outra referência de linguagem, é a principal idéia defendida pelos musicólogos eruditos. Arlindo Machado, em seu livro "A televisão levada a sério" comenta os interditos que a musicologia tradicional faz em relação às outras formas de música. Gêneros musicais que incorporam outras linguagens à composição, mesmo que essas sejam sonoro/verbal, e composições vindas de uma sugestão sensorial que não seja auditiva são interpretadas pelos "ouvidos especializados" como formas menores de música. Porém, a música "pura" ou "absoluta" é um fato recente na cultura humana. Citando Arthur Nestróvski, o pesquisador Arlindo Machado lembra que
Mesmo os contemporâneos de Haydn e Mozart, em pleno Classicismo, via de regra, estão longe de descrever as sinfonias como uma linguagem compreensível em si mesma, com ambições além do mero passatempo. A própria idéia de se escutar em silêncio, com uma concentração comparável à da reflexão ou da leitura, causaria espanto às platéias de 250 anos atrás.
NESTRÓVSKI, apud MACHADO, 2005, 154-155.
Foi só nos fins do século XVIII, que Beethoven, com seus modelos de sonata, reinventou a música como pensamento autônomo, capaz de expor uma idéia geral dentro de uma composição exclusivamente sonora, construindo modelos sinfônicos que buscavam formas coerentes, e dotados de argumentos capazes de se contrapor e se resolver ao longo da composição, atribuindo valores considerados clássicos na época e que continuam se repetindo como modelo de construção até hoje. Antes dele, a música "pura" quedava restrita ao plano do treinamento instrumental, ou ao entretenimento da corte e ainda ao acompanhamento litúrgico (MACHADO, 2005, 154).
Porém, sabemos que Beethoven recorria aos bosques dos arredores de Viena como fontes de inspiração. Pelo que tudo indica a música que ele criava e os motivos pelos quais criava não vinham só de si. É visível, por exemplo, na 6ª Sinfonia, que Beethoven se apropriou de elementos vindos da natureza, como canto de pássaros, e também de motivos visuais, fazendo referência a danças camponesas. Sinfonias baseadas em outras obras também foram compostas, como a ópera intitulada Fidélio, publicada em 1814 e baseada na obra francesa Leonora e o amor conjugal do escritor Bouilly. Nesse sentido, quais seriam os critérios que a musicologia se baseia para classificar uma obra como música ou não música? Seria a forma como é composta ou a forma como ela é escutada? A questão debatida por Arlindo Machado é se a música, por sua natureza e especificidade, sempre foi uma linguagem auto-suficiente ou se a exclusão, por parte da musicologia, de outras linguagens acopladas a obra é um veto datado historicamente.
Esse universo intertextual de apropriações é uma atividade que não se refere somente à atualidade. Acompanhando informações passadas por Arlindo Machado (2005, 154), o termo grego mousiké (literalmente: a arte das musas) fazia referência a um espetáculo que incluía não só a desempenho instrumental, mas o canto, poesia, filosofia, dança, ginástica, coreografia, a performance teatral, e "efeitos especiais" produzidos através de jogos de luz. É um espetáculo que hoje, chamaríamos de multimídia.
Mais recentemente, o avanço tecnológico propôs mudanças nas formas de se pensar cada arte e teve como conseqüência o surgimento de novos meios de propagação de idéias, conservando a integração já existente entre essas linguagens, mas também mudando e facilitando ainda mais a relação entre elas. O cinema, por exemplo, uniu a música, fotografia, arquitetura, dramaturgia, entre outras, que se relacionam pela familiaridade implícita nos textos de cada uma, afinal todos eles refletem a mesma mentalidade geradora, ainda mais quando o contexto histórico é o mesmo. Essa aproximação, por um lado, trouxe um desenvolvimento e uma maior autonomia dessas linguagens e por outro lado uma integração dessas, já que os interesses próprios de cada uma e seus princípios estéticos passam a ser outros quando combinadas entre si.
A tecnologia também aumentou a disponibilidade para a produção e propagação de idéias em todas as formas de comunicação. A "massificação da produção" tornou-se, então, uma realidade diante da facilidade de acesso dessas tecnologias à população, intensificando o número das produções de conteúdo. Assim, as tecnologias criadas, no caso, para produção sonora, propôs uma nova estética "conceitual" (muito mais vinculada à idéia do que à técnica) e "timbrística" (caracterizada pela introdução dos sons fabricados e executados eletronicamente por sintetizadores e posteriormente computadores).
Essa amplitude concedida à música, a inseriu num contexto mais diversificado e mais pulverizado, considerando que a música atribuiu outras funções sociais e outros valores estéticos, afinal, foi a partir dessas mudanças que a música passou a atender, mais intensamente, outras atividades, tanto ligadas ao universo sonoro quanto ao universo visual.
Assim, a complexidade e sofisticação dos valores atribuídos a uma composição passam a não ser tão importantes, quando a sua função é, por exemplo, se adequar às outras linguagens, ou seja, quando sua função é de transmitir certa intenção, a fim de passar uma mensagem específica através de um produto audiovisual. Deste modo, o efeito desejado é o mais importante e pode ser obtido pelo simples e banal.
Nesse contexto, a relação entre o homem e o processo criativo também mudou, pois o criador não é mais mediado pela técnica, já que a linguagem tecnológica oferece tais suportes técnicos embutido em seus produtos. A partir disso o "compositor", que pode ser músico ou não (dependendo do conceito de "ser músico") passa fazer parte de um processo criativo mais "superficial" no qual ele não estabelece o contato direto com o instrumento. Ele se depara com sugestões sonoras pré-estabelecidas pelo computador e monta tais trechos selecionados a fim de obter o resultado desejado.
Uma composição "musicalmente correta", usando de referência os conceitos da musicologia tradicional, se caracteriza basicamente pela combinação e organização de elementos musicais essenciais como ritmo, melodia, harmonia, produzidas pela combinação de instrumentos que se dialogam no decorrer da composição através de seus timbres e valores (forte, fraco, agudos, graves, curtos, longos, rápidos, lentos). A textura resultante de tais combinações e diálogos criam um contexto, uma base que permite a resolução do discurso sonoro, o qual indica os acontecimentos de um determinado assunto.
Podemos chamar as composições de "Líricas" porque tendem a usar valores relacionados com a finalidade de criar e sustentar um clima.
Se o compositor quiser criar uma composição "Dramática", ele deve estar mais atento aos valores contrastantes com mudanças abruptas e surpresas... Beethoven talvez seja o melhor exemplo a mencionar. Em Beethoven, você é constantemente surpreendido por novos acontecimentos. Uma passagem suave é repentinamente interrompida por uma forte explosão de toda orquestra; ou uma passagem em fortíssimo subitamente se torna pianíssimo. Há ainda numerosos trechos de sua música onde uma secção muito lenta é imediatamente seguida por uma muito rápida e furiosa.
SHAFFER, 1991, 47.
Já nas composições mais recentes, nas quais a música atribui outras funções, a textura obtida pela combinação e organização desses elementos, citados acima, pode servir de BG (iniciais do termo inglês background, traduzido como trilha de fundo) para poesia (letra), a fim de ilustrar o texto e dá intenção às palavras. Da mesma forma em que esta pode estabelecer a mesma função de intenção, quando usada como trilha sonora para uma imagem, adicionando mais uma camada de significado para a cena. É pela exploração e organização criativa desses valores básicos que o compositor determina o caráter e a intenção da narrativa, e evoca diferentes respostas emocionais e sensações sonoras no ouvinte.
Porém existem outros elementos, timbres, e valores que fazem parte de um universo mais amplo, que envolve não só a música, mas o som. A expressão sonora se utiliza do som como matéria-prima de comunicação. Por isso a expressão sonora não é concebida somente pela música em si, mesmo que ela se manifeste, na cultura ocidental, como principal meio de expressão sonoro-cultural. Considerando que a música é uma expressão relativa ao som, o conceito "expressão sonora" re-significa a composição, e a música, nesse contexto mais abrangente, amplia suas possibilidades de criação e comunicação, saindo do seu estado estático e indo até a sonoplastia. Por meio desse conceito, o compositor além de incorporar instrumentos musicais especificamente produzidos para o fim de participarem de um contexto expressivo, que supõe formas e técnicas de formação e construção de linguagem, também se utiliza de sons que não se incluem nos fins musicais tradicionais, e que também se constituem como matérias-primas da expressão abordada. Mesmo que tais sons tenham origem de objetos construídos para outros fins, estes são produtos diretos da cultura que os utiliza, e não apenas fenômenos físicos ou algo que é desvinculado das circunstancias históricas e sociais de seus usuários. Assim, acabam sendo instrumentos que fazem referência a algo dentro de um contexto expressivo.
O compositor Murray Shaffer explora de maneira criativa as várias possibilidades de se fazer música. No capítulo "O que é música?" de seu livro Ouvido Pensante, o compositor trabalha diferentes questões na sala de aula referentes ao cenário musical de nossos dias e com a finalidade de se obter uma definição de música que seja útil e viva" (SHAFFER, 1991, 25).
Uma definição precisa incluir todos os membros da família a que se propõe definir. Ela liga todos. Você não pode ter uma definição que deixe algo de fora.
SHAFFER, 1991, 30.
As diferentes experiências musicais realizadas na sala de aula foram eliminando e re-trabalhando cada definição, sugeridas inicialmente pelos alunos em torno da questão "O que é música?". As primeiras experiências surgem a partir da definição: Música é som agradável ao ouvido. Para discutir isso, primeiramente Shaffer toca ritmicamente o tímpano que está na sala. Os alunos concordam que a sugestão pode ser considerada música. Da mesma forma, Shaffer faz com uma lata de lixo. A resposta dos alunos é não. Mas por quê? De acordo com eles, a lata de lixo não tem altura definida e produz ruído, dessa forma o ruído não é um som agradável ao ouvido, portanto a sugestão não pode ser considerada música. Essa experiência trouxe aos alunos conceitos novos e que passavam despercebidos aos seus ouvidos. O primeiro é que o tímpano, ao contrário do que os alunos achavam, também não tem uma altura definida e possui vibrações irregulares assim como a lata de lixo, mesmo tomando o tom de outros instrumentos na orquestra quando tocado com eles. O segundo, é que, do mesmo modo que a lata de lixo, vários instrumentos empregados na orquestra também produzem ruídos, como a bigorna, sinos, lixas, apitos, sirenes e máquinas de escrever.
Então, o que acontece com a definição "Música é som agradável aos ouvidos?" Para continuar o trabalho a partir dessa definição, Shaffer passa a seguinte tarefa: Os alunos terão que escrever uma música para a cena de um filme de horror de Alfred Hitchcock. Na cena, a vítima está entrando numa casa escura. O assassino se esconde atrás da porta e, num certo momento, tapa a boca da vítima, golpeando-a. Como os alunos reforçariam esta cena dramática com música? Depois de algumas tentativas, o resultado mais terrificante e que mais ilustrou a cena, se constituiu em uma seqüência produzida por instrumentos e vozes, em que cada músico tocou uma nota em seu instrumento, aleatoriamente e sem o objetivo de obter um acorde específico, desde que, cada músico tocasse a nota o mais forte possível. Da mesma forma cada cantor deu um grito, com o único objetivo de gritar o mais alto possível. O som produzido é verdadeiramente terrificante (SHAFFER, 1991, 28), e com certeza o som não foi agradável aos ouvidos de ninguém. Mas a música atendeu perfeitamente à proposta, ou seja, à sua função de trilha sonora para um filme de horror.
Outra experiência, então, é realizada acerca da definição "Música é som organizado com ritmo e melodia". Shaffer toca a gravação de uma peça chamada "Um sobrevivente de Varsóvia", de Schoenberg. Os elementos contidos nessa peça não propuseram nenhuma outra discussão acerca da definição "Música é som agradável aos ouvidos", que por sinal foi eliminada, já que os alunos concluíram que se pode fazer música com ruído. Na peça de Schoenberg, há um narrador que é acompanhado por orquestra e coro. Ele é um dos poucos sobreviventes do extermínio dos judeus pelos nazistas, no gueto de Varsóvia. Está descrevendo a cena que tem na memória (SHAFFER, 1991, 29). A música ilustrou perfeitamente o texto, deu força às palavras, e foi eficiente ao descrever a tragédia. Depois da experiência musical do filme de Hitchcock, os alunos não tiveram dúvida de que a gravação se tratava de música legítima. Mas a questão agora é, se a peça tem, ou não, ritmo e melodia. A partir disso, surge uma discussão sobre "o que é ritmo?" e "o que é melodia?".
O caráter rítmico e melódico atribuído pelo compositor à peça, não foi matematicamente pensado, como, por exemplo, em peças clássicas, já que Schoenberg segue o ritmo da locução e cada nota é executada à medida que cada palavra é narrada. Essa falta de lógica talvez fosse o motivo pelo qual os alunos ficaram em dúvida se a composição tinha, ou não, ritmo e melodia.
A discussão continua quando Shaffer vai ao piano e toca cinco ou seis sons disjuntos, em registros e dinâmicas diferentes (SHAFFER, 1991, 31). Uma melodia é composta por uma série de sons que são organizados com o objetivo de expressar certa emoção. Porém, o som que Shaffer produziu ao piano resultou confuso e desregular. Isso não agradou muito aos alunos. Mas a questão debatida também não era para definir se uma melodia é boa ou ruim. Ao tocar o piano Shaffer escolheu suas notas, Schoenberg escolheu as suas em Um sobrevivente de Varsóvia, assim como Beethoven também escolheu as suas na 9ª Sinfonia. Nesse caso, a sucessão particular de sons que Shaffer atribuiu à sua melodia deu um certo caráter a ela. A música de Schoenberg também tem outro caráter emocional, do mesmo modo que a 9ª Sinfonia de Beethoven tem um caráter completamente diferente. Isso se dá porque cada compositor seguiu sua lógica de composição e organização, já que suas intenções foram diferentes. Porém a palavra "organização" pode significar na prática, desorganização, quando a intenção do compositor é de obter tal efeito específico em sua melodia. O mesmo se aplica ao ritmo. Um ritmo pode ser qualquer seqüência de apoios que organizamos e desorganizamos à vontade, dependendo do efeito particular que queiramos (SHAFFER, 1991, 32).
Assim podemos considerar a presença de ritmo e melodia na peça de Schoenberg, já que complexidade rítmica e melódica não significa falta de ritmo e melodia. Através dessas experiências, Shaffer e seus alunos já puderam começar a formular a definição que engloba em seu conceito as palavras: organização, ritmo e melodia. Ou seja, cada compositor, da sua forma, organiza os sons, atribuindo-os ritmo e melodia. Mesmo sabendo que ritmo e melodia, não são necessariamente dois elementos que são essenciais para que uma composição exista como já foi exemplificado na experiência com a lata de lixo percutida.
Para buscar mais elementos para sua definição Shaffer faz as seguintes questões: O carpinteiro martela o prego em uma tábua, ele faz música? E o lixeiro que joga a lata de lixo no caminhão, faz música? A resposta do aluno é não. Mas por quê? Não é música, pois nem o homem, nem o lixeiro têm a intenção de fazer música. A resposta do aluno foi pertinente e Shaffer encontrou a palavra que queria: "Intenção".
A palavra que vale é intenção. Faz uma grande diferença se um som é produzido para ser ouvido, ou não. Não existe intenção de que os sons da rua sejam ouvidos; São incidentais. Se os fabricantes de automóveis pudessem fazer freios silenciosos estou certo que os fariam, embora, naturalmente, se possa pensar que os freios, do mesmo modo que as buzinas são sinais de alerta. Isso quer dizer que tem a intenção de que sejam ouvidos, embora não pelos seus próprios motivos, mas antes porque os sinais nos avisam do perigo iminente.
SHAFFER, 1991, 34.
O carpinteiro não faz música enquanto martela, porque ele não tem a intenção de fazer. O importante é martelar os pregos. Do mesmo modo que o lixeiro, o importante é realizar sua atividade, ou seja, jogar a lata de lixo no caminhão. Mas isso não quer dizer que não há possibilidade de se fazer música utilizando um martelo como instrumento. Por exemplo, se o carpinteiro, enquanto martela, começa assobiar, suas batidas servem de apoio (ritmo) para seu assobio (melodia), e isso passa a ser música para ele, pois as marteladas sugeriram o assobio, mesmo que talvez essa sugestão tenha partido do seu subconsciente. Porém a palavra intenção não se refere só ao emissor, mas também ao receptor, ou seja, o som que o carpinteiro faz com o martelo e seu assobio, pode não ter a intenção de ser ouvido por uma pessoa que está perto realizando outra atividade, por exemplo. Nesse caso, o som não é música para ele. É como na mesa do jantar. Enquanto estamos comendo, os sons dos talheres são incidentais, mas se alguém decidir percutir os talheres nos copos, vira música. Dessa forma, Shaffer chega a seguinte conclusão: Música é uma organização de sons (ritmo, melodia, etc) com a intenção de ser ouvida (SHAFFER, 1991, 35).
Por mais que a definição encontrada não seja compatível com as dos dicionários e de muitos cadernos de apreciação musical (as quais se baseiam em conceitos ultrapassados e não tão abrangentes), com certeza, foi satisfatória e atendeu às necessidades propostas pelas atividades realizadas em sala de aula, trazendo um conceito de música que incluiu todos os objetos e atividades de sua categoria. Definições explicam "coisas". Quando as coisas mudam, as definições também mudam, complementa Shaffer (1991, 36).
PELAS LINGUAGENS SONORO E MUSICAL
O imaginário sonoro é o repertório de sons que acumulamos. A imaginação busca os sons que transitam pelo imaginário do indivíduo e da cultura, associados sempre às imagens vivenciadas por ele. Essa condição neurológica de associação entre som e imagem faz com que o indivíduo crie uma equivalência dos sentidos audição e visão, que na prática significa ver os sons e ouvir as imagens. Essa confusão dos sentidos não é nova nem rara.
Já no século XVII, Pierre Bourdelot, médico e musicólogo, escrevia: '... os filósofos mais sensatos puseram-na (a música) em paralelo com a arte da pintura; por isso podemos julgá-la pela disposição do desenho, pela ordem, pelos grupos, pelos contrastes, pela perspectiva, pelo tom, pela variedade das cores... enfim, todas as coisas em conjunto formam uma harmonia que tem muito relacionamento com a música'.
BOURDELOT, apud COTTE, 1988, 25.
Foi criado, então, o termo sinestesia que, de acordo com o dicionário significa "... que experimenta sensações simultâneas com um outro órgão". Em 1960, essa sensação visual do som foi experimentada pelo professor Oliver Messiaen, do Instituto de Musicologia da Sorbonne e citada no livro Música e Simbolismo, de Roger J. V. Cotte, à página 25. Sua experiência, em companhia de índios na América do Sul, consistiu em absorver uma determinada droga, composta por ervas especiais e que deixou sua visão perturbada por algumas horas, e a vista e os ouvidos confundiam-se. Alusões, desde a Idade Média, envolvendo o termo sinestesia, são publicadas e indicam a subjetividade do tema assim como a curiosidade de compositores, recentes e do passado, em descobrir uma relação equivalente entre som e imagem.
Na música, os estudos abarcam vários aspectos como amplitude, timbre, intensidade, notas, etc. A ilusão de perspectiva na música é introduzida pela amplitude, que adiciona uma terceira dimensão ao som. Assim o compositor, através da perspectiva pode causar a idéia de movimento do som. O compositor Murray Shaffer usa o conceito de Espaço Virtual na música, que pode ser obtido pela variação da amplitude, graves, agudos, que movimenta o som pelo espaço real, conceito que também é aplicado para o tempo, que pode ser desconstruído da sua forma definida (baseada no relógio, que é dividido em células de tempo proporcionais), podendo espichá-lo ou comprimi-lo, transformando-o assim em um tempo psicológico ou virtual. Um som forte, por exemplo, implica uma sensação de que o som se dirige pra baixo, como se ele fosse atraído pela gravidade.
A psicologia nos mostra que um som forte frequentemente é pensado como uma figura concêntrica, isto é, vórtice, envolvente como um turbilhão, e frequentemente é interpretado como se oprimisse o ouvinte. Um som forte pode também ser caracterizado como carregando um grande peso em direção ao centro de gravidade. Tensões agudas acontecem quando uma melodia forte tenta subir com força. Uma linha delicada sobe sem esforço.
SHAFFER, 1991, 78.
Já um som fraco tem efeito contrário, ou seja, ele se afasta do centro, se movimentando para cima, em direção ao horizonte.
Um som fraco está constantemente se dissolvendo, esvanecendo como neblina, escapando dele mesmo. Procura voar acima do horizonte, para o silêncio.
SHAFFER, 1991, 78.
O compositor francês Hector Berlioz usou em seu Traité d´orchestration, comparações cromáticas para descrever o timbre dos instrumentos musicais, como a "tonalidade suavizada de uma cor escura", que é obtida pelos sons graves da flauta, ou "o puro colorido do Clarinete". Já na década de 40, Norman MacLaren explorou suas ferramentas procurando diferentes formas de expressar suas idéias, principalmente pela aplicação da técnica e da tecnologia em sua arte. Ele criou animações originais, muito diferentes das conhecidas na época, inventando conceitos que extrapolaram o campo da animação, pois tratavam de idéias filosóficas, matemáticas, além de relações entre cor, imagem, ritmo e som, que eram exploradas pela banda de som da película, num processo em que MacLaren desenhava e arranhava o próprio filme, resultando não só na sincronização do som com a imagem e na visualização do som pela imagem, como no filme Synchromy, mas na criação de sons originais e inéditos, similares aos sons de sintetizadores, que, por sinal, ainda não existia na época (Robert Moog só começou a fabricar sintetizadores com sons eletrônicos nos anos 60). Um outro exemplo também é o compositor Sergei Prokofiev, que na trilha sonora do desenho animado Pedro e o Lobo, composta em 1936, com o objetivo pedagógico de mostrar às crianças as sonoridades dos diversos instrumentos, associou o timbre de cada instrumento ao personagem ao qual ele quis se referir na história, como por exemplo, o quarteto de cordas que descreve as situações em que Pedro está em cena, a flauta se referindo aos pássaros, o oboé ao pato, o clarinete ao gato, o tímpano e bombo ao caçador, as três trompas ao lobo, e os sons graves do fagote que menciona o avô rabugento.
Trabalhos com pretensões científicas, tratando de sinestesia também apareceram a partir do século XVII, como a teoria do padre jesuíta Kircher (1602-1680), publicada na Alemanha. No quadro abaixo se encontram noções básicas e elementos já conhecidos, mas não tido como exatos: como o branco sinônimo de uníssono e a evocação do Sol para quinta.
Intervalo Terminologia antiga |
Intervalo Terminologia moderna |
Notas |
Cores |
Semitonium Tonus minor Tonus maior Semiditonus Ditonus Diatessaron Tritonus Diapente Hexachordon minor Hexachordon maior Diahepta Diapason |
Uníssono Segunda menor Segunda maior estreita Segunda maior larga Terceira menor Terceira maior Quarta Quarta aumentada Quinta Sexta menor Sexta maior Sétima menor Sétima maior Oitava |
Dó Dó sustenido Ré Ré Mi bemol Mi Fá Fá sustenido Sol Lá bemol Lá Si bemol Si Dó |
Branco (?) Branco Cinza Negro Amarelo Vermelho claro Rosa Castanho Amarelo ouro Púrpura Vermelho vivo Violeta (azul) (?) Púrpura (?) Verde |
COTTE, 1988, 27.
São inúmeros os trabalhos científicos que foram publicados; apesar disso, até hoje essa e outras pesquisas envolvendo o termo sinestesia não chegaram a nenhum resultado concreto, isso porque a subjetividade é a principal característica das sensações e associações. Assim sendo, um mesmo som pode ter significados diferentes para pessoas de regiões diferentes, já que a carga simbólica atribuída a algum fenômeno percebido está relacionada à cultura, ao ambiente em que a pessoa vive e ao que ela vê. Dessa forma, as propriedades físicas de uma onda sonora emitida por um pássaro na floresta, por exemplo, são as mesmas quando emitidas por um pássaro na gaiola em uma casa localizada em uma grande cidade. A similaridade também está na forma em que essa onda estimula o ouvido de um índio e de um morador da metrópole, porém os significados atribuídos ao som pelos dois são diferentes, já que seus valores culturais são distintos.
Desde criança somos estimulados sonoramente. O estímulo ocorre através da percepção auditiva, que capta as vibrações provocadas por diferentes objetos traduzindo o som recebido em imagens mentais, ou imagens acústicas. Essa característica humana de tradução é chamada por Leonardo Sá, de sensação sonora e é a partir dela que formamos nosso imaginário sonoro. "Não haveria sensação sonora se não houvesse um aparato orgânico que transformasse as vibrações em imagem mental, em imagem acústica". (SÁ, 1991, 123).
A construção do imaginário sonoro vai além de notas que se combinam, se contrapõem e se resolvem ao longo da narrativa musical, tocadas por instrumentos que possuem uma estrutura capaz de produzir sons de alturas já definidas, dentro de um campo melódico tradicional; o intervalo de uma oitava. Ou seja, a sinestesia não somente envolve os aspectos musicais tradicionais, mas o universo sonoro de uma forma mais abrangente. Sendo assim o uso da linguagem sonora na produção musical está diretamente ligado à idéia da construção e do desenvolvimento do imaginário sonoro, uma vez que a sua apropriação aumenta o grau de informação da composição. Dessa forma, qualquer fonte sonora pode ser considerada matéria prima na expressão abordada, já que a expressão sonora tem o som como suporte para expressão e comunicação. Os elementos sonoros usados na composição, então, são anexos que atribuem significados e contribuem para a elaboração de uma mensagem com mais conteúdo.
Esse conjunto de elementos equivale-se a qualquer outro conjunto de sinais que originalmente, são dotados da capacidade de funcionar como suporte material, isto é, como material significante da comunicação sonora.
JOSÉ & SERGL (site acessado em março de 2008, 8).
As funções desempenhadas pelos sons dentro de uma composição são várias, e as relações de significado que estabelecemos a determinado fenômeno percebido são compreendidas por Leonardo Sá a partir dos conceitos de "indício", "símbolo" e "ícone". No processo comunicativo, essas categorias sígnicas se apresentam de formas combinadas de maneira em que elas se complementam no decorrer da narrativa sonora.
Primeiramente, temos o signo indicial que se refere aos sons que estabelecem
uma contigüidade com o objeto ao qual se refere, não se confundindo com ele e, principalmente, fazendo com que o intérprete não se detenha no fenômeno e passe, de imediato, ao referido. É o caso do som de passos numa rua... do silêncio inesperado do motor de um carro quando giro a chave de ignição, indicando haver algum defeito... ou no caso da percepção visual, a visão de fumaça fazendo-nos pensar em fogo, a imagem de uma pegada de animal na terra, etc.
SÁ, 1991, 125.
Ou seja, o signo indicial indica o evento, e faz-nos remeter às nossas referências de memória, não havendo necessariamente intencionalidade por parte do emissor. É como um som de água, por exemplo. Mesmo que esse som tivesse sido gravado em um tanque, ao ouvi-lo, o ouvinte irá se lembrar de ambientes bucólicos; seja um rio, mar, ou qualquer som de água que remeta alguma experiência anterior do ouvinte.
O segundo caso trata-se de sons que, para atribuirmos algum significado a eles é preciso que tenhamos alguma informação prévia a respeito. São eventos que supõe certos códigos, como por exemplo, um sinal de escola, uma sirene de ambulância ou de polícia, uma campainha de telefone ou de residência, um apito de juiz de futebol etc. São sons que já possuem uma informação estabelecida culturalmente, que implicam um pacto entre emissor e receptor e que supõe certa intenção do emissor quando são executados. Assim sendo, uma pessoa que nunca teve contato com um telefone, por exemplo, não iria relacionar sua campainha com o fato de que alguma pessoa está chamando, ou não saberia distinguir os sinais de ocupado e de chamada. Da mesma forma, uma pessoa que nunca freqüentou um ambiente escolar, não saberia que o sinal de intervalo indica a hora de entrar e sair da sala de aula. Assim também funcionam os hinos, que ultrapassam a função de simples peças musicais, tendo em suas melodias e letras características peculiares da cultura a qual se referem. Esses signos, cuja referência implica um determinado contexto cultural, são os signos simbólicos. São signos que tem um vínculo intencional e proposital entre quem emite e que ouve.
O terceiro caso trata-se dos efeitos sonoros ou melodias que imitam fatos ou fenômenos. Estes signos são chamados de signos icônicos, e da mesma forma que os signos simbólicos, são intencionais, mas estes nos fazem remeter a significados específicos. É como na canção Ciranda da Bailarina (Edu Lobo & Chico Buarque), no show Adriana Partimpim: enquanto a letra diz "... o padre também pode até ficar vermelho se o vento levanta a batina", a melodia do piano, assim como o gesto da cantora, imita o movimento da batina do padre sendo levantada. Ou como as melodias do fagote em Pedro e o Lobo que imitam as broncas do avô, também sincronizadas com seus dedos, que apontados para Pedro, indica que a melodia escutada se refere à fala do avô.
Ouvimos o que vivemos. Por isso o homem tem conservado em sua memória, mesmo que inconsciente, a paisagem sonora do meio em que vive. O grau de informação de uma produção sonora está na morfologia musical e tímbrica que é veiculada. Assim, cada instrumento musical escolhido é mais um elemento para o processo de aperfeiçoamento da expressão sonora. A diferença desses instrumentos não está somente na sonoridade, perceptível num primeiro momento, mas na carga simbólica que estes instrumentos carregam. Carga que atribui a eles um papel descritivo e informativo na composição como um todo. Dessa forma, os sons que estes instrumentos produzem são resultado de uma realidade sócio-cultural do ambiente ao qual eles "pertencem", ou seja, desde os materiais usados na fabricação até as técnicas de execução, carregam consigo valores culturais - clima, flora, fauna, religião, organização social, etc, que também caracterizam as produções sonoras realizadas pelo compositor influenciado pela cultura a qual estes instrumentos "pertencem". O grau de informação também depende da escolha de fontes sonoras que não se referem aos instrumentos musicais. Nele estão presentes os instrumentos não convencionais, os chamados objetos sonoros (fontes sonoras que não são construídas para exercerem a função de instrumentos musicais, mas que fazem parte do cotidiano do emissor e/ou do receptor) e os efeitos especiais, os quais compõem a paisagem sonora.
Se a imagem capta o olho, o áudio cruza a fronteira entre a memória de determinada época ou local, trazendo para o receptor sensações, odores, situações. A paisagem sonora permite detalhar cada elemento formador dessa referência. Às vezes um simples farfalhar de folhas ao vento lembra fatos significativos ao contexto da narrativa.
JOSÉ & SERGL (site acessado em março de 2008, 14).
Assim uma composição rica em informação, recria o imaginário e a paisagem sonora retida na memória do cidadão por meio dessa combinação entre instrumentos musicais e objetos sonoros. Quando em uma composição, são colocados elementos sonoros que fazem parte do universo "extra musical", estes fazem referência de memória, criando e recriando significados para esses sons. Significado que irá depender do contexto musical em que estes sons estarão inseridos.
Saber conduzir a imaginação pela narrativa sonora a partir desses princípios composicionais é tarefa do compositor, que explora e combina os diferentes sons "pertencentes" à sua cultura. Mas para colocar em movimento seus devaneios, é preciso que o ouvinte também estabeleça a conexão entre o som que está ouvindo e a imagem a qual este som pertence. Sendo assim, a construção e o desenvolvimento do imaginário sonoro irão depender da postura auditiva da pessoa, supondo uma postura ativa do receptor. Assim sendo, é tarefa do ouvinte abrir os ouvidos para os sons que o rodeiam, já que criar e desenvolver o imaginário sonoro se constitui em atingir uma consciência sonora da paisagem que nos envolve.
Pensamos sons a partir dos sons que percebemos e, adiante, novos sons ou possibilidades sonoras imaginamos quanto mais tenhamos condições efetivas de vivenciar os seus meios, as suas fontes, os seus instrumentos. A imaginação trabalha no espaço do imaginário e tem nas imagens acústicas as suas referências fundamentais.
SÁ, 1991, 128.
Dessa forma, a falta de imagem na música seria "compensada" pela imaginação visual do ouvinte, que através da conexão estabelecida entre som e imagem, teria acesso ao seu mundo interior. Essa experiência não é novidade. Em Berlim, eram produzidos os chamados filmes acústicos, que são filmes feitos a partir de técnicas de cinema aplicadas no rádio, de forma que as imagens fluíssem oniricamente em sucessão: sons das ruas, trens, ruídos das fábricas, marchas de protesto, mercados etc. Assim o ouvinte projeta suas próprias imagens e não se depara com imagens projetadas pela maior parte das produções que a indústria cultural oferece, tanto para o rádio como para a televisão. Imagens que são recriadas a partir das que já foram criadas, ou seja, recusa a imaginação do ouvinte, invalida seu imaginário, e nega seu discurso. Assim o silêncio deixa de ser matéria prima da expressão sonora e passa a ser uma condição econômica e política da massa, que pela falta de acesso as produções e aos meios de produção, absorve o que a indústria oferece.
Uma composição é a combinação e/ou organização de sons. Uma proposta estética que supõe certa intenção, sendo o compositor o fabricante de sons que utiliza as matérias-primas que a sociedade produz. As mudanças trazidas pela revolução industrial, que introduziu diferentes tipos de máquinas na vida do homem, trazem um novo panorama sonoro, tanto de escuta quanto de matéria prima para produção de som, trazidas pela variedade e velocidade das produções industriais. O homem se vê rodeado por objetos e materiais nunca vistos, sons nunca ouvidos. O imaginário sonoro e cultural também mudou. O deslocamento do homem do campo para as cidades se intensificou, seu cotidiano passou a ser outro, sua jornada de trabalho, sua maneira de viver. São diferentes também, os motivos que o levam a se expressar, sua existência e seus sentimentos Dessa forma, inevitavelmente a expressão sonora também se adequou a essas novas necessidades de expressão do homem moderno.
Tudo indica que as primeiras formas do homem se comunicar fazendo arte foi com o princípio estético de imitação da natureza, tanto na música como em outras formas de expressão. No caso da música, compositores como Vivaldi, de Kuhnau e Haydn seguiam o caminho da imitação da natureza como inspiração direta. O ambiente sonoro no qual o homem do século XVI se relacionava era bucólico, por isso ele descrevia o que via. A natureza era conteúdo do seu imaginário. Os instrumentos obtidos nessa época eram de matérias prima extraída da natureza, e os materiais utilizados na construção dos instrumentos influíram ricamente na elaboração do simbolismo ligado a cada um deles (COTTE, 1988, 57) assim como as técnicas e formas de se tocar esses instrumentos implicam conceitos criados pelas várias ciências que estavam se desenvolvendo na época, como a física, matemática, astrologia etc.
Com o tempo, a música clássica, considerada perfeita, passa a não fazer tanto sentido num contexto social "caótico", veloz e poluído. Uma composição que antes tinha uma flauta, construída por um material extraído da natureza e que na orquestra, por exemplo, tinha a função de descrever o movimento de um pássaro, passa a abrir espaço para sons "fabricados", por exemplo, como uma guitarra elétrica ou um sintetizador, que, nesse novo contexto social descrevem o som dos motores barulhentos e de algumas das engenhocas facilitadoras da vida humana. Essas novas matérias primas da expressão, vindas do desenvolvimento de outras áreas do conhecimento humano, no caso, da elétrica e da mecânica, expressam através da música, uma nova realidade que o próprio homem criou e desde então se vê presente nela. Com seu imaginário modificado, o homem tem o ruído como uma importante realidade sonora, este trazido pelo desenvolvimento dessas novas áreas do conhecimento do homem moderno e pela introdução da máquina na vida do homem.
Hoje vivemos em uma sociedade na qual os meios tecnológicos desempenham um papel fundamental no cotidiano. Na comunicação, o desenvolvimento tecnológico, possibilitou o surgimento de novos meios de expressão e de construção de linguagens que permitiu ao ser humano a objetivação de pensamentos e sentimentos, mesmo que essas representações ainda não dêem conta de exteriorizá-los em sua totalidade. A linguagem multimídia, por exemplo, resultante do desenvolvimento da informática conciliou três linguagens (texto, imagem e som) em uma só, formando uma nova; ou seja, linguagens que teoricamente vinham se desenvolvendo por si só há séculos, agora se encontram e interagem entre si. Assim a música apanha outras possibilidades de expressão, e é incorporada em um contexto social relativamente novo, adquirindo um novo sentido, incorporando novas propostas estéticas, trazidas por mudanças não só na música e nas formas de praticá-la, mas também no surgimento de novos produtos que estão cada vez mais presentes em nossas vidas e cada vez em maior quantidade, criados pelo desenvolvimento da tecnologia e o aumento da população. A música, como parte integrante desses produtos, é indispensável e contribui de forma eficaz para seus funcionamentos. Tomamos como exemplo: celulares, microondas, vídeo-game, computador, televisão, brinquedos etc. Dessa forma, por um lado, perdemos os sons da natureza, os quais muitos já estão em extinção e somos cada vez mais alienados disso. Por outro lado ganhamos novos sons nas cidades, caracterizando uma paisagem sonora mais poluída, homogênea, constituída pelo superpovoamento de sons indistinguíveis. A transformação constante dos sons que nos rodeiam envolve uma transformação que também se diz a respeito à sociedade e ao comportamento do homem. Dessa forma o estudo da paisagem sonora que nos rodeia, é um estudo multidisciplinar que não só envolve a análise das linguagens sonora e musical, mas outras áreas de estudos sônicos que se inter-relacionam como a acústica, psico-acústica, otologia, comunicações e engenharia de registros sonoros (música eletroacústica e eletrônica).
De um modo ou de outro, os pesquisadores que se dedicam a esses variados temas estão fazendo à mesma pergunta: Qual é a relação entre os homens e os sons de seu ambiente e o que acontece quando esses sons se modificam? ...O território básico dos estudos da paisagem sonora estará situado a meio caminho entre a ciência, a sociedade e as artes. Com a acústica e a psico-acústica aprendemos a respeito das propriedades físicas do som e do modo pelo qual é interpretado pelo cérebro humano. Com a sociedade aprendemos como o homem se comporta com os sons e de que maneira estes afetam e modificam o seu comportamento. Com as artes, e particularmente com a música, aprendemos de que modo o homem cria paisagens sonoras ideais para aquela outra vida que é a da imaginação e da reflexão psíquica.
SHAFFER, 1997, 18.
BIBLIOGRAFIA
COTTE, Roger J.V. Música e simbolismo.
SHAFFER, Murray. Ouvido Pensante. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
SHAFFER, Murray. A Afinação do Mundo. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
TOMÁS Lia Vera. De Música: contribuições para a elaboração de uma nova teoria musical. Tese de doutorado, São Paulo: PUC/COS, 1997.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: Editora Senac, 2005.
FILMOGRAFIA
Pedro e o Lobo
Synchromy - Norman MacLaren
Adriana Partimpim
SITES ELETRÔNICOS
JOSÉ, Carmem Lucia & SERGL, Marcos Julio. Paisagem sonora. http://www.ufrgs.br/estudiodeaudio/conteudo_producao/paisagem.pdf
(acesso em março/2008).
Autor:
Leonardo Guimarães Fontoura
Idade: 24 anos
UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
CURSO DE RÁDIO E TV
Piracicaba - 2008
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|