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Como peculiaridades formais, a referida autora, em linhas gerais, aponta como vantagens do uso das histórias em quadrinhos no processo de formação de leitores na faixa etária da turma em questão: presença das imagens em diálogo com o texto; textos escritos em frases simples, em ordem direta e de comunicação imediata e objetiva; predominância dos períodos simples; a narrativa que gira em torno de uma situação central, um problema, um conflito, com fatos bem definidos a serem resolvidos até o final; a efabulação ( concatenação dos momentos narrativos) com esquema linear: princípio, meio e fim e ainda o humor, a graça e situações inesperadas que exercem grande atração neste público-alvo.
"Por associarem imagens e textos, os gibis ajudam as crianças a aprender a ler e a avançar rapidamente na leitura", afirma a pedagoga Maria Cristina Ribeiro Pereira, coordenadora geral dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) da Língua Portuguesa, em entrevista publicada na edição nº 111 da Revista Nova Escola que traz como reportagem de capa Traga os gibis para a sala.
Nos gibis, as crianças conseguem deduzir o significado da história observando a imagem, sendo que muitas vezes, não seriam capazes de ler diretamente. Isso dá a elas a sensação de ser uma leitura "fácil", o que é interessante para o processo de formação dos pequenos leitores, visto que os gibis têm a particularidade de unir duas riquíssimas formas de expressão cultural: a literatura e as artes plásticas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 20 de dezembro de 1996, já apontava para a necessidade de inserção de "formas contemporâneas de linguagem" como forma de qualificar a prática da leitura, bem como os demais processos de ensino-aprendizagem.
No entanto, não faz muito tempo, os quadrinhos eram considerados um leitura pouco valiosa e temia-se que ao ler suas histórias, as crianças acabassem por perder o gosto pela leitura de outras obras. Atualmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais preconizam que para formar um leitor competente, ou seja, que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto e que possa ler o que não está escrito, é fundamental que a prática da leitura explore a diversidade de textos que circulam socialmente em nosso cotidiano, inclusive as histórias em quadrinhos. Afinal, os leitores das histórias em quadrinhos, em geral, tornam-se também leitores de outras revistas, jornais e livros.
É importante ressaltar que a possibilidade de produzir textos eficazes, desde as séries iniciais, tem a sua origem na prática da leitura, pois esta, por um lado, nos fornece a matéria-prima para a escrita: o que escrever. Por outro lado, contribui para a constituição dos modelos: como escrever. Ler e escrever são atividades que se complementam e devem ser incentivadas de forma criativa desde cedo.
Angela Rama (2009, p.21) reconhece que a inclusão das histórias em quadrinhos na sala de aula não é objeto de qualquer tipo de rejeição por parte dos estudantes que, em geral, as recebem de forma entusiasmada, sentindo-se, com sua utilização, propensos a uma participação mais ativa no processo de leitura.
A forte identificação das crianças com os ícones da cultura de massa – entre os quais se destacam vários personagens dos quadrinhos – é também um elemento que reforça a utilização destas histórias na formação de leitores nas séries iniciais.
Além dos fatores já citados, é interessante lembrar duas características bastante pragmáticas do aproveitamento dos quadrinhos para despertar o gosto pela leitura no ambiente escolar: acessibilidade e baixo custo.
Andréa Kluge Pereira (2009, p.31) adverte para que o uso das histórias em quadrinhos não seja apenas um pretexto para o estudo e transmissão de conteúdos, como comumente ocorre, mas sim, como uma possibilidade de incentivo à leitura e à produção textual, explorando-as como narrativas ficcionais, com personagens, enredo, cenários, etc.
Waldomiro Vergueiro (2009, p.40), coordenador do Núcleo de Pesquisas em Quadrinhos na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), reforça que "leitura não é só o livro, leitura é tudo". Vergueiro ainda destaca que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) encara as atividades com os quadrinhos – por mesclarem elementos verbais escritos e visuais – como um fator de estímulo à leitura.
Como já dizia o educador Paulo Freire (1982, p.11), "a leitura do mundo precede a leitura da palavra". Assim sendo, pode-se reiterar que os quadrinhos, como forma de leitura, sempre poderão ser um caminho para outros gêneros de leitura e que sua inserção nas séries iniciais, de forma dirigida e lúdica, é um recurso viável que contribui para a formação de leitores críticos.
Construir narrativas, prática tão antiga na História, é um importante aspecto da cultura humana. O ser humano tem buscado meios para se expressar desde tempos remotos, de narrar suas histórias, registrar aquilo que vê, ouve, pensa e discute na sua relação com o meio e a sociedade em que vive. As linguagens verbal e não-verbal, por sua vez, foram e têm sido, até hoje, ferramentas vitais para a expressão humana, possibilitando o registro e propagação de inúmeras narrativas que chegaram até nós, e ainda são produzidas em nosso meio nos mais variados suportes, como nas histórias em quadrinhos.
De certa forma, pode-se afirmar que as histórias em quadrinhos vão ao encontro das necessidades do ser humano, na medida em que utilizam fartamente um elemento de comunicação que esteve presente na história da humanidade desde os primórdios: a imagem gráfica. Ainda que de forma intuitiva, tanto o homem das cavernas como a criança de hoje parecem ter compreendido que, como diz a sabedoria popular "uma imagem fala mais que mil palavras".
O termo gibi surgiu devido ao lançamento, em 1938, no Rio de Janeiro, de uma revista chamada Gibi que fez muito sucesso entre os jovens, contando aventuras na forma de quadrinhos.
No entanto, historicamente, os quadrinhos, muitas vezes, têm sido tratados pela sociedade como uma subliteratura e, ainda, como uma linguagem nociva ao desenvolvimento psicológico e cognitivo de quem a consome.
O discurso contrário à ideia de que os quadrinhos estimulam a leitura se deve ao fato de que a posse de informação sempre representou uma forma de poder socialmente constituído, naturalmente, é desinteressante para os detentores dessa informação que ela transite livremente. Como a linguagem dos quadrinhos sempre foi representativa na leitura infantil e das camadas populares, sua validade cultural é questionada por aqueles que preferem privilegiar linguagens, discursos e obras inacessíveis.
Waldomiro Vergueiro (2009, p.9) comenta que as histórias em quadrinhos já foram consideradas como superficiais e com conteúdo aquém do esperado pela realidade do aluno, afastando-o da chamada "boa leitura". Na verdade, segundo o referido autor, tratava-se de discursos ocos, sem embasamento científico, reproduzidos de forma acrítica para contornar o desconhecimento sobre a área das histórias em quadrinhos (HQs), que possuem uma linguagem específica.
Valentina Imaculada Claudino (2008, p.47) cita que "a origem das histórias em quadrinhos tem relações com o crescimento da imprensa escrita". Até então, o uso dos desenhos nos textos tinha intenção apenas ilustrativa, visto que ainda não existia a fotografia nesta época. As figuras acompanhando o texto fizeram sucesso. A ideia de chamar a atenção do público leitor para as publicações fez com que, em meados do século 20, os jornais passassem a publicar, nas edições de domingo, narrativas contadas em quadrinhos. Foi neste período que se iniciou a expansão deste gênero.
Angela Rama (2009, p. 16) ratifica que apesar da imensa popularidade dos gibis junto ao público leitor – composto principalmente por crianças e adolescentes – e das altíssimas tiragens das revistas, a leitura das histórias em quadrinhos passou a ser estigmatizada pelas camadas ditas "pensantes" da sociedade. Tinha-se como certo que sua leitura afastava as crianças de "objetos mais nobres" – como o conhecimento do "mundo dos livros" e o estudo de "assuntos sérios"-, que causava prejuízos ao rendimento escolar e poderia, inclusive, gerar conseqüências ainda mais aterradoras, como o embotamento do raciocínio lógico, a dificuldade para apreensão de ideias abstratas e o mergulho em um ambiente imaginativo prejudicial ao relacionamento social e afetivo de seus leitores.
De uma maneira geral, durante os anos que se seguiram à malfadada campanha de difamação contra elas, as histórias em quadrinhos quase se tornaram as responsáveis por todos os males do mundo, inimigas do ensino e do aprendizado, corruptoras de inocentes mentes de seus indefesos leitores. Portanto, qualquer ideia de aproveitamento da linguagem dos quadrinhos em ambiente escolar seria considerada uma insanidade. A barreira pedagógica contra as histórias em quadrinhos predominou durante muito tempo e, ainda hoje, não se pode afirmar que ela tenha realmente deixado de existir. Mesmo atualmente, há notícias de pais que proíbem seus filhos de lerem quadrinhos sempre que as crianças não se saem bem nos estudos ou apresentam problemas de comportamento, relacionando o distúrbio comportamental à leitura de gibis.
Paulo Ramos (2009, p.13) reforça a ideia de que houve uma época no Brasil em que levar histórias em quadrinhos no Brasil para a sala de aula era algo inaceitável, cenário bem diferente do início deste século. Quadrinhos, hoje, são mais bem-vindos nas escolas. Há até alguns estímulos governamentais para que sejam usados no ensino e nos livros didáticos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Moacy Cirne (2008, p.12) relata que apesar das acusações de causar preguiça mental, ou seja, fazer com que o aluno perdesse vontade de ler, por exemplo; na década de 50, aqui no Brasil, chegaram a ser feitas histórias em quadrinhos com base nas obras de Euclides da Cunha, José de Alencar, José Lins do Rego, Shakespeare, Cervantes, Lewis Carroll e muitos outros nomes da literatura brasileira e estrangeira.
Com o tempo, ficou comprovado que aquele "cineminha de papel" era muito mais do que pura diversão, era também cultura. Assim como os livros, os quadrinhos poderiam mexer com a imaginação das pessoas e levá-las a viagens no mundo dos sonhos.
"Não se pode deixar de dizer que nem todos os gibis são bons, como também nem todo livro é bom" – lembra Moacy Cirne, considerado o maior estudioso brasileiro das histórias em quadrinhos. Em qualquer lugar, há muitos quadrinhos bons e outros tantos bem ruins. A questão não são os meios ou os processos, mas aquilo que é comunicado através deles, daí a necessidade de bom senso na seleção das histórias durante a elaboração das atividades que visam o processo de formação de leitores, visto que muitas destas histórias oferecem uma grande riqueza de propostas para serem exploradas em proveito das crianças, ao contrário de outras.
Fanny Abramovich (2001, p.158) declara que as histórias em quadrinhos fazem parte integrante deste século e é tolo e preconceituoso esnobá-las ou não levá-las a sério, afinal, envolvem uma concepção de desenhos, de humor, de ritmo acelerado, de intervenção rápida nas situações os personagens se defrontam, num ritmo conciso e quase cinematográfico que encanta as crianças. Por isso, os quadrinhos ficaram conhecidos como arte sequencial, já que se tratam de uma sucessão de quadros, uma sequência gráfica, imagens desenhadas uma após a outra. Ao contrário dos desenhos animados, em que as figuras são fotografadas para dar agilidade aos personagens, nos quadrinhos, o que faz movimentar as figuras de cada episódio é a leitura, a imaginação.
Personagens, em sua maioria crianças, passando por situações corriqueiras e que possuem personalidades diversas, como ocorre na vida real, também são componentes atrativos para o leitor iniciante.
Palavras e imagens, juntos, motivam de forma mais eficiente a leitura, pois a interligação do texto com a imagem, existente nas histórias em quadrinhos, amplia a compreensão de conceitos de uma forma que qualquer um dos códigos, isoladamente, teria dificuldades para atingir. Na medida em que essa interligação texto/imagem ocorre nos quadrinhos com uma dinâmica própria e complementar, representa muito mais do que o simples acréscimo de uma linguagem a outra – como acontece, por exemplo, nos livros ilustrados -, mas a criação de um novo nível de comunicação, que amplia a possibilidade de fomento à leitura.
Nelly Novaes Coelho (2000, p. 217), ao falar sobre a obra A Psicologia da Criança e a Pedagogia Experimental de Claparède, deixa claro que o interesse das crianças pelas histórias em quadrinhos ou o prazer que demonstram, ao ouvi-las ou lê-las, são os sintomas de que tal ato, mais do que simplesmente diverti-las, satisfaz a uma necessidade interior e instintiva: a necessidade do crescimento mental, inerente ao ser em desenvolvimento, tal como o prazer da movimentação incessante dos jogos ou correrias sem finalidade aparente, tão naturais na infância, resulta da necessidade instintiva do crescimento orgânico.
Da mesma forma, o interesse maior que os pequenos demonstram pelos gibis está na facilidade com que esse tipo de literatura "fala" à mente infantil; ou melhor, atende diretamente à natureza ou às necessidades específicas da criança. As imagens são essenciais no processo de comunicação mensagem/leitor, pois atingem direta e plenamente o pensamento intuitivo/sincrético/globalizador que é característico da infância, ou seja, as histórias em quadrinhos correspondem a um processo de comunicação que atende mais facilmente à predisposição psicológica das crianças.
Segundo Marly Amarilha (2006, p. 238), trazer as histórias em quadrinhos para a sala de aula não propicia apenas momentos de ludicidade, mas também oferece uma oportunidade para exercitar o olhar crítico que favorece a formação de comunidades de leitores, moldando a inteligência, valores e a sensibilidade dos alunos.
Atualmente, nota-se uma outra relação entre quadrinhos e educação, bem mais harmoniosa. A presença deles nos livros didáticos, provas de vestibular, a sua indicação nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e a distribuição de obras ao Ensino Fundamental (por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola) levaram obrigatoriamente a linguagem dos quadrinhos para dentro da escola e para a realidade pedagógica do professor.
No Brasil, embora ainda predomine a produção estrangeira de histórias em quadrinhos, já existe uma tradição que arraiga no famoso O Tico-Tico - que possuía uma proposta educativa e moralizadora muito forte - lançado em 1905, com as aventuras do ingênuo/travesso Chiquinho, versão brasileira (criada por J. Carvalho, grande desenhista da época) da personagem Buster Brown, garoto crítico e contestador, criado nos Estados Unidos, em 1902, pelo famoso cartunista Outcault (Richard Felton), que, em 1895, criara o Yellow Kid, contribuindo para a popularização das histórias em quadrinhos.
Problema complexo e dependente de uma complicada política econômica, a literatura em quadrinhos extrapola o literário ou o lúdico para adentrar no ideológico e no ético. Daí o perigo, apontado por estudiosos dessa massa de produção estrangeira, que invade o nosso país e "alimenta" o brasileiro: poderá ela descaracterizar o nacional? Pergunta que só a longo prazo poderá ser respondida...
Infelizmente, conforme Moacy Cirne (2008, p.11), a partir dos anos 80, os quadrinhos para as crianças perderam um pouco a criatividade. Personagens de Walt Disney – como Mickey, Pato Donald e Tio Patinhas – passaram um tempo contando histórias muito repetitivas. Além disso, a fantasia dessas histórias, que deveria enriquecer a imaginação das crianças, parecia falsa e artificial, causando desagrado a alguns pais e professores.
Dentro desse contexto, destaca-se importância do terreno conquistado pela arte dos quadrinhos de Maurício de Sousa. Atuante profissional como jornalista, Maurício de Sousa, em 1960, resolve lançar-se na grande aventura das histórias em quadrinhos. Em 1963, já dirigia uma pequena equipe de desenhistas e iniciava a criação de novos personagens no Diário da Noite: Chico Bento, Penadinho, Astronauta e Bola Bola. Esses, mais o Bidu, o Franjinha, o Cebolinha, o Piteco, a Turma da Mata... já existiam, quando, em 1964, Maurício cria a principal figura de seu mundo infantil, Mônica. Daí para o sucesso total foi um passo. Maurício consegue unir sua criatividade à indispensável engrenagem industrial/publicitária/comercial. Em 1966, a distribuidora Maurício de Sousa Produções Ltda. Alcançava jornais de todo o Brasil com tiras de suas personagens e entrava no largo âmbito do merchandising (dezenas de indústrias lançam produtos infantis com a Turma da Mônica, inclusive com histórias tendo sido adaptados para o cinema, televisão e vídeo-games).
Em 1970, através da Editora Abril, Maurício de Souza lança a revista Mônica e seu sucesso transpõe as fronteiras do país. No Congresso Internacional de Lucca, Itália, 1971, Mônica dá à Editora Abril o troféu "Gran Guinigi" e ao seu criador o troféu "Yellow Kid" – o prêmio máximo do Congresso, uma espécie de Oscar dos Quadrinhos. Posteriormente, a Editora Globo e a Editora Panini vieram a publicar os gibis de Maurício de Sousa.
A Turma da Mônica torna-se a mais famosa e bem-sucedida família de personagens de histórias em quadrinhos do Brasil; e a distribuição nacional da Maurício de Sousa Produções chega a 2.500 tiras, 800 tablóides e o suplemento a cores, Jornalzinho da Mônica, fora as inúmeras revistas especiais, superando as vendas dos quadrinhos de Walt Disney.
À revistinha Mônica, segue-se a do Cebolinha (1973), também resultando em sucesso editorial. Em 1977, surge Pelezinho. Essas três revistas, de nível internacional, atingem tiragens de quase um milhão de exemplares.
Conforme está explicitado na obra Literatura Infantil: teoria, análise e didática, de Nelly Novaes Coelho, a filosofia das histórias criadas por Maurício de Souza é a de divertir às crianças (e aos adultos) mensagens de otimismo. Seus personagens não são neuróticos. Eles tentam resolver seus próprios problemas. Seu estilo de desenho é simples, coerente com o tipo de narrativa que faz para o consumo diário. Os leitores de histórias em quadrinhos querem entendê-las num relance e sem grande esforço. Arabescos, enfeites, fundos e detalhes em demasia dificultam essa visão imediata.
Enraizados na realidade da vida e do cotidiano, seus bonecos são "gente". Identificam-se com as pessoas, retratam a vida no seu dia-a-dia. A conversação dos personagens é popular. O "dia-a-dia": comer, dormir, ter emoções boas ou más, sentir amor ou raiva são ingredientes universais. Logo, o que vale para o Chico Bento, vale para o mundo.
O que se pretende exportar é esse espírito alegre e comunicativo para o mundo todo. E a mensagem universal das histórias criadas por Maurício é incontestável e não nasceu por acaso. Veio de anos de estudo, planos, trabalho e principalmente, da sensibilidade de uma artista que pretendeu e pretende projetar além das barreiras sociais, ideológicas e geográficas a sua mensagem alegre, otimista e confiante no futuro dos homens ao público leitor mais exigente do mundo: a criança.
As histórias em quadrinhos, além de apresentarem-se como mídia financeiramente acessível, democrática e abrangente, como percebemos na obra de Maurício de Sousa, preparam o cérebro para uma ampla oferta de bens culturais. A linguagem de matriz visual-verbal é muito enriquecedora, de uma potencialidade muito grande no incentivo ao gosto pelo ato de ler.
Grandes leitores, geralmente, não começaram a ler extensos livros de Filosofia, por exemplo, mas sim, leituras atrativas que proporcionaram fruição plena, gerando benefícios intelectuais, psicológicos e sociais, como as histórias em quadrinhos, que, como revela Maria Cristina Xavier de Oliveira (2008, p.28), foram um dos primeiros meios de comunicação a se globalizar, antes mesmo do cinema, do qual as histórias em quadrinhos sempre estiveram muito próximas, tanto em termos históricos (ambos surgem como indústria na mesma época, final do século XIX) como de preferência do público. Aliás, "cabe lembrar que o meio que mais emprestou recursos de linguagem aos quadrinhos foi, sem dúvida, o cinema". (VERGUEIRO, 2009, p.32).
Certamente, os quadrinhos representam hoje, no Brasil e no restante do mundo, um meio de comunicação de massa de grande penetração popular. Nos quatro cantos do planeta, as publicações do gênero circulam com uma enorme variedade de títulos e tiragens de milhares ou, às vezes, até mesmo milhões de exemplares, avidamente adquiridos e consumidos por um público fiel, sempre ansioso por novidades. Mesmo o aparecimento e concorrência de outros meios de comunicação e entretenimento, cada vez mais abundantes, diversificados e sofisticados, como a internet com suas redes de relacionamentos, jogos online e chats, não impediram que os quadrinhos continuassem, neste início de século, a atrair um grande número de leitores.
Enfim, pode-se dizer que o fenômeno história em quadrinhos em termos nacionais está se alavancando cada vez mais. E talvez, mais cedo do que se imagina, possamos resolver alguns problemas de editoração e mercado que ele envolve e principalmente resolver o que aqui nos interessa mais de perto: promover estratégias para a descoberta da leitura como prazer e elemento formador de sua consciência no mundo nos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. A escola deve propiciar, de forma estimulante, a formação de leitores competentes, ou seja, capazes de compreender a diversidade de textos e gêneros textuais, e não somente os encontrados nos livros didáticos, formando, assim, cidadãos que pensam, vêem, sentem, observam, experimentam, criticam, criam, recriam, decidem, atuam, sendo portadores de vidas constituídas de vários saberes e experiências, construtores, participantes ativos e dinâmicos no seu processo de aprender e pensar.
É importante que o gosto pela leitura seja semeado, de modo constante, desde o início da vida escolar, levando em conta que não basta apenas o hábito de ler, mas também o prazer, a compreensão ampla e a contextualização envolvidas neste ato. No próximo capítulo, serão explicitadas algumas atividades que podem contribuir para atingir o objetivo de ampliar, pela leitura das histórias em quadrinhos, a leitura do mundo.
As estratégias do referido projeto foram aplicadas no período de 12 a 19 de julho de 2010 na turma multisseriada de 3º e 4º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Rio Grande do Sul, como citado anteriormente. A característica primordial deste projeto é que ele tem um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa num produto final do qual todos trabalham: o prazer pela leitura. Foram criadas situações em que a linguagem oral, linguagem escrita e produção de textos se interrelacionam de forma contextualizada, tendo como tema os gibis da Turma da Mônica.
Inicialmente, como elemento motivador, foi exibido o filme Cine Gibi, produção lançada em 2004 que conta com a Turma da Mônica como personagens em várias histórias curtas. Como o próprio nome sugere, trata-se de uma revistinha em quadrinhos em formato cinematográfico. Os alunos foram sondados sobre quais personagens eram conhecidos e demonstraram muito interesse na atividade. As histórias em quadrinhos nunca foram tão bem aceitas nos seus 115 anos de existência e o rótulo de subliteratura não é tão forte como outrora, inclusive a professora regente desta turma gostou bastante da iniciativa.
Nos anos iniciais é importante criar uma comunidade de leitores em classe – ou seja , espaços em que todos tenham a chance de participar e opinar. Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Revista Nova Escola, sugere "desenvolver, em cada ano escolar, atividades permanentes ou periódicas concebidas de tal modo que cada um dos estudantes tenha a possibilidade de ler uma história para os demais ou escolher uma história para ler aos colegas".
Delia Lerner, autora da obra Ler e Escrever na Escola – O Real, o Possível e o Necessário, destaca que é uma ótima atividade incentivar os alunos a trocar e indicar livros ou gibis de uma mesmo tema de interesse, no caso deste projeto, a Turma da Mônica. Lener ainda ressalta que é na faixa etária dos anos iniciais é essencial para os alunos desenvolverem autonomia e continuarem seu percurso para se tornar leitores.
Seguiu-se com uma ideia simples: aumentar o acervo de gibis à disposição dos alunos e permitir que eles mesmos escolham e recomendem as melhores revistas uns aos outros, formando uma Roda de Leitura. Foram comentadas e comparadas as histórias e personagens retratados no filme e nas revistas, bem como as particularidades existentes entre as imagens e o texto como os balões-fala, balões-pensamento, onomatopéias, sequências dos quadrinhos no mesmo sentido do texto escrito: da esquerda para a direita e de cima para baixo, etc.
Foi explicado sobre os balões mais comuns: o balão-fala e o balão-pensamento. Paulo Ramos, na obra A leitura dos quadrinhos, esclarece que balão-fala apresenta-se todo contornado, inclusive com um "rabicho" em linha contínua e voltado para quem está falando enquanto o balão-pensamento também é contornado, porém de forma ondulada, quebrada ou de pequenos arcos ligados, sendo a principal característica, seu apêndice que é formado de pequenas bolhas ou nuvenzinhas que saem da cabeça de quem está pensando. Esta compreensão simbólica é essencial no processo de leitura dos quadrinhos.
Foi destacado outro elemento citado por Ramos e peculiar nas histórias em quadrinhos: a onomatopeia. Por meio dela, procura-se transmitir um ruído específico. Na maioria dos casos, ela está associada a alguma situação, o que facilita a compreensão do leitor. Normalmente, as onomatopeias estão intrínsecas à ação, diferentemente dos balões que ficam mais distantes. Por exemplo, quando há uma cena de briga, geralmente, o desenho é de uma poeira onde vemos algumas pernas ou braços e várias onomatopéias: "POF", "SOC", "TUMPT", muitas delas originadas de quadrinhos norte-americanos.
Waldomiro Vergueiro reforça que a "alfabetização" na linguagem específica dos quadrinhos é indispensável para que o aluno decodifique as múltiplas mensagens neles presentes e, também, para que o professor obtenha melhores resultados em sua utilização. Nota-se que as histórias em quadrinhos constituem um sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em constante interação: o visual e o verbal. Cada um desses ocupa, dentro dos quadrinhos, um papel especial, reforçando um ao outro e garantindo que a mensagem seja entendida em plenitude. Alguns elementos da mensagem são passados exclusivamente pelo texto, outros têm na linguagem pictórica a sua fonte de transmissão. A grande maioria das mensagens dos quadrinhos, no entanto, é percebida pelos leitores por intermédio da interação entre os dois códigos. Assim, a análise separada de cada um deles obedece a uma necessidade puramente didática, pois, dentro do ambiente dos gibis, eles não podem ser pensados separadamente.
Considerando estes fatores, nesta atividade, os alunos levaram exemplares de gibis, além dos previamente recebidos como doação para a escola, e os apresentam para o resto da turma. Depois cada criança escolheu um título e o levou para casa. No dia seguinte, a Roda de Leitura formou-se novamente e os estudantes, espontaneamente, contaram e comentaram a leitura. Houve um momento, em que a turma, dividida em pequenos grupos, selecionou uma das histórias lidas para fazer uma dramatização sobre uma das histórias criadas por Maurício de Sousa. Após essa atividade, foi organizada uma gibiteca para os estudantes realizarem leitura não como uma mera obrigação escolar, mas como um momento de diversão, através da escolha livre. Os próprios alunos ajudaram a catalogar as revistas, arrumar as prateleiras e fichas de empréstimo. Houve uma combinação conjunta dos cuidados que se deveria ter com os exemplares e do tempo que cada um ficaria com a posse dos mesmos até a próxima Roda de Leituras.
Também foram entregues aos alunos algumas histórias em quadrinhos com alguns balões em branco, em que eles deveriam usar a criatividade e escrever os diálogos entre os personagens, observando as gravuras e os demais elementos existentes.
Na próxima estratégia, foram exibidas no retroprojetor algumas histórias, quadro a quadro, da Turma da Mônica com os últimos quadrinhos apagados, como no exemplo a seguir (imagem 01).
Imagem 01 - Exemplo de história utilizada no retroprojetor
Nesta história, apesar de não existir diálogos, houve a leitura das imagens e onomatopéias, em que foi possível fazer questionamentos de interpretação oralmente: "O que Cascão estava fazendo no início da história?", "O que saiu errado?", "Por que Cascão ficou assustado?", "Como a história terminará?", "Que tipo de linguagem é predominante?".
Analisando essa e outras tramas inventadas por Mauricio de Sousa, surpreende o fato de que haja críticas que consideram seus personagens deploráveis, com pouca complexidade e sem personalidade. No centro da polêmica está o argumento de que a Mônica usa a violência para solucionar os conflitos e, por isso, é uma má influência. Mas, afinal, que efeitos pode ter a leitura de quadrinhos? Uma personagem que tem a violência física como uma de suas marcas influencia os leitores apenas de modo negativo? Ou estes saberão contextualizar esse comportamento, valorizando outras mensagens, como a amizade e o respeito às diferenças?
Valdomir Vergueiro, coautor de Histórias em Quadrinhos na Educação: da rejeição à prática, afirma que para o leitor, no entanto, Mônica é apenas uma criança, assim como ele. E que, mesmo se comportando agressivamente com seus amigos, não deixa de ser apreciada por ele. O público infantil de Mauricio de Souza compreende que os desentendimentos são normais e não representam o fim do diálogo, da camaradagem, das brincadeiras e tudo o mais que envolve esse período da vida.
Os alunos ouviram a leitura em voz alta de outras tiras, leram, levantaram hipóteses e criaram um final baseado em suas leituras, afinal, no ato de ler deve-se partilhar e construir visões do mundo, produzindo conhecimento, sendo este ato fundamental para a participação social efetiva, conforme estabelece os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Não se trata simplesmente de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim.
Outra atividade realizada foi a criação de histórias em quadrinhos, no laboratório de informática, utilizando o software gratuito Hagaquê desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Universidade Estadual de Campinas, visto que os alunos já haviam criado familiaridade com as características deste gênero textual. Este software é um editor de histórias em quadrinhos com fins pedagógicos que possibilita até mesmo a inserção de fotos e sons, podendo ser facilmente usado por crianças sem muita experiência com computadores e com muitos outros recursos que despertam sua imaginação, que foram gradativamente explicados e explorados: inserção de cenário, imagens, personagens, balões, legendas, gravações, etc (imagem 02).
As histórias em quadrinhos são coerentes e coesas, pois formam um todo de sentido que é transmitido pelas relações entre os diversos elementos gráficos que compõem as figuras de um quadrinho. A coerência se dá pela relação de sentido estabelecida entre a leitura dos elementos gráficos do primeiro quadro e dos subsequentes.
Imagem 02 – Exemplo de esboço de história no software Hagáquê e ferramentas
Nesta atividade, buscou-se oferecer mais um ambiente para desenvolver atividades relacionadas a histórias em quadrinhos. Um ambiente no qual o aluno pôde explorar diversas alternativas de criação e edição, concretizando as mais diversas ideias relacionadas à leitura e produção de HQs.
Este software foi desenvolvido como parte da dissertação de mestrado de Sílvia Amélia Bim, com o auxílio de Eduardo Hideki Tanaka e a orientação da Prof. Dra. Heloísa Vieira da Rocha, podendo ser feito o download em http://www.nied.unicamp.br/~hagaque/ e possui como requisito mínimo o sistema operacional Windows 98 ou superior e memória RAM de 8 MB. As histórias produzidas podem ser salvas no computador e impressas.
Com certeza, o uso de tecnologias nas aulas aliada ao material impresso é uma forma atraente de incentivar a leitura e estimular a criatividade, como foi percebido no projeto, visto que os alunos tiveram uma boa receptividade a estas atividades. A internet, DVD e softwares, enfim, a tecnologia, deve ser uma parceria na formação de leitores e não uma inimiga, como comumente é vista por alguns profissionais da educação.
Nesta aula, os alunos elaboraram histórias em quadrinhos com personagens da Turma da Mônica e outros criados por eles. A atividade foi realizada em duplas, promovendo a interação no momento da produção e foi, sem dúvida, muito proveitosa, pois a simbiose entre linguagem escrita e visual, além dos recursos oferecidos pelo Hagáquê encantou os alunos. Depois de criadas, as histórias foram socializadas e lidas pelos colegas que, conjuntamente, criaram um mural com as produções. Foi também proporcionada a navegação no site da Turma da Mônica, em que foi possível ler online as tirinhas criadas por Maurício de Sousa.
A criação de um teatro de fantoches baseado em histórias lidas pelos alunos foi outra estratégia utilizada para fomentar a leitura. Os fantoches foram confeccionados pelos próprios alunos utilizando cartolina, caneta hicrocor, tesoura, cola e sucata. O uso do teatro, nas suas mais diferentes formas, também é um recurso pedagógico poderoso e lúdico na formação de leitores e na compreensão do que é lido. Regina Zilberman ressalta que "recomenda-se vivamente o Teatro de se ler: o texto teatral e a formação do leitor àqueles que ousarem inovar em sala de aula, sem deixar de lado a criatividade e o gosto pela arte da palavra". A autora afirma que o teatro é um recurso de formação de leitores que pode motivar, contagiar o aluno para o gosto pela leitura, em todos os níveis de ensino ao mesmo tempo que oferece possibilidades de diverti-lo de outras formas.
Outro aspecto interessante do Projeto Histórias em Quadrinhos: Primeiros Passos para a Formação de Leitores nas Séries Iniciais, é que através das leituras de histórias em quadrinhos do personagem Chico Bento foi possível promover a reflexão sobre as variações linguísticas e preconceito linguístico. Segundo Vergueiro o formador de leitores deve demonstrar que a língua é dinâmica, heterogênea e que varia em diferentes aspectos (imagem 03).
Imagem 03 – Para a gramática normativa, Chico Bento fala "errado"
Chico Bento é morador da zona rural, tem aproximadamente 10 anos e seu primo vive na zona urbana. Há as diferenças visuais dos dois, marcadas principalmente pelo cabelo (arrumado de um, despenteado de outro). As diferenças são percebidas também na representação da fala dos dois. O primo se expressa de uma maneira mais próxima à norma culta. Chico Bento é apresentado como o típico caipira. Percebe-se isso pela ortografia ("feiz ocê madrugá"), que procura reproduzir uma maneira própria da fala.
Aos olhos da gramática normativa, o caipira criado por Maurício de Sousa fala "errado". Os alunos foram questionados sobre o conceito de adequado/inadequado, em oposição ao do que é certo/errado e que elementos visuais e textuais definem quem é do campo e quem é da cidade nas histórias em quadrinhos do Chico Bento. Nesta prática, foi realizada uma leitura além da decifração do código escrito, uma leitura de mundo mais ampla. Os alunos acharam o personagem simpático e se identificaram com algumas travessuras vivenciadas por ele.
Há a necessidade de que no trabalho de formação de leitores se compreenda que a leitura e a escrita são formas complementares, fortemente relacionadas, que se modificam mutuamente no processo de letramento – a escrita transforma a fala (a constituição da "fala letrada") e a fala influencia a escrita (o aparecimento de "traços de oralidade" nos textos escritos).
É preciso livrar-se de alguns mitos presentes na escola: o de que existe uma única forma "certa" de falar – a que se parece com a escrita – e o que o de que a escrita é o espelho da fala - e, sendo assim, seria preciso "consertar" a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Enfim, muitos destes preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas – podem comprometer a leitura como fruição, como entretenimento.
Paulo Ramos ainda destaca que o ideal é selecionar quadrinhos que possam contribuir para ampliar o vocabulário e as referências culturais dos alunos, mas que possuam uma narrativa clara e de fácil entendimento, como as já citadas.
A questão não é saber falar certo ou errado, como se percebe nos quadrinhos do personagem Chico Bento, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas.
Os quadrinhos apresentam novas formas de criar textos e de leitura. É uma arte que, ao contrário do que se pensa, precisa ser apreendida e compreendida. O quadrinho é um meio que pode servir a muitos fins, como despertar um olhar criativo, o raciocínio rápido, a concatenação de ideias, o domínio de técnicas de composição e da exploração visual. "Os quadrinhos podem ser um meio de formação de leitores, não passivos, meros receptores, mas ativos, colaboradores importantes na leitura e na construção de novos textos", acredita Maria Cristina Xavier de Oliveira, autora da tese de doutorado A arte dos quadrinhos e o literário. Quem disse que aquilo que você adora ler é "apenas um gibi"? com certeza foi alguém que não participou da Campanha de Desarmamento Infantil, em Recife, onde, em poucas semanas, mais de 500 mil armas de brinquedos foram trocadas por gibis, afirma a referida autora.
O emprego da história em quadrinhos no processo de formação de leitores é, portanto, um manancial rico para os educadores. Como foi observado ao longo deste texto, são várias as possibilidades encontradas nos quadrinhos que podem ser aplicadas no processo educativo, com o intuito de transmitir conhecimentos, despertar o interesse e criar o gosto pela leitura sistemática, conscientizar, fomentar atitudes críticas, desenvolver a aptidão artística e a criatividade.
Conhecer e identificar os elementos que compõem a linguagem característica dos quadrinhos e também estão presentes em sua narrativa auxiliam a análise desta forma de comunicação que também é uma manifestação artística e uma ferramenta pedagógica. Proceder à análise de histórias em quadrinhos coletivamente, em sala de aula ou na comunidade, além de ser um exercício prazeroso e instigante, também aguça o espírito crítico de alunos e professores.
Basta apenas que alguns educadores e pais percam o preconceito ainda existente em relação à história em quadrinhos e passem a considerar este meio de expressão artística como forte aliado dos leitores em formação.
Através deste trabalho, pode-se verificar que as histórias em quadrinhos possuem um valor grandioso no contexto de formação de leitores, principalmente, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, visto que a leitura de lazer tem estreita relação com o desenvolvimento da cultura social, da inteligência individual e da identidade comunitária e grupal, abrindo assim, caminhos para a leitura e fruição, proporcionando momentos especiais de compartilhamento e desfrute.
No intuito de mudar um cenário de apatia em relação à leitura, surgiu a ideia de trabalhar de forma lúdica com as histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, a fim de que os educandos se abram para o universo da leitura, formando-se, desde a tenra idade, leitores conscientes e competentes, comparando o que lêem com as suas vivências e outras formas de linguagem para que se tornem sujeitos críticos e transformadores de sua realidade, afinal o texto, em quadrinhos ou não, serve para comunicar, isto é, expressar, informar, contar, descrever, explicar, desfrutar, argumentar, refletir e fazer entrar em jogo a função poética da linguagem com gosto, fruição, motivação, deleite, experimentação de emoções, de forma recreativa, e não mecânica.
A leitura de histórias em quadrinhos forma leitores que gostam de toda natureza de leituras, não somente de histórias em quadrinhos, com a vantagem de formar uma cultura leitora infantil e comunidades leitoras de grande abrangência e perenidade por toda a vida.
Outro ponto constatado é que a simpatia das histórias em quadrinhos pode ser transmitida aos ambientes de intencionalidade educativa onde sua linguagem e mídia sejam inseridas. O esforço de autoridades e educadores em difundir o gosto pela leitura é potencializado pela formação de acervos de histórias em quadrinhos, como realizado no projeto descrito anteriormente.
Os quadrinhos apresentam novas possibilidades de criação de textos e novas formas de leitura. É uma arte que pode servir a muitos fins, como o de despertar um olhar criativo, o raciocínio rápido, a concatenação de ideias, o domínio de técnicas variadas de exploração visual, podendo ser um meio de formação de leitores, não passivos como meros receptores, mas ativos e colaboradores decisivos no processo de decifração de leituras ou de construção de novos textos. A interligação entre o texto e a imagem existente nestas histórias (elementos gráficos como os balões e as expressões faciais dos personagens) favorece o exercício da compreensão e clareza da leitura, análise e síntese das imagens e ideias, já que ler é muito mais do que decifrar códigos.
Hoje em dia, conforme é previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, é imprescindível no trabalho de formação de cidadãos leitores, propiciar a abordagem de tipos diversificados de textos, como os contidos nos gibis.
Valéria Aparecida Bari (2008, p.05) destaca que a leitura é uma interlocução entre o escritor e o leitor em que, dada à riqueza de significado inserido no mundo lingüístico e de imagens, faz das histórias em quadrinhos uma mídia cuja experiência é intensa, contínua de significados vinculados e vinculantes de pensamento e da realidade, da subjetividade e da objetividade, de modo a potencializar o gosto pela leitura, tornando-a um ato espontâneo, prazeroso e não mais somente uma obrigação escolar.
Enfim, a leitura, no processo de formação de leitores, não deve ser compreendida como uma mera pronúncia automática de textos fora de contexto. Neste sentido, histórias em quadrinhos - próximas do imaginário e vocabulário popular - auxiliam os processos psicológicos superiores na compreensão de conceitos e juízos complexos, propiciando uma leitura reflexiva, já que na atual sociedade do conhecimento, o ato de ler não se restringe à apropriação de informações bibliográficas, mas também representa o acesso e apreciação de diferentes tipos de mídia e linguagens. Leitores competentes contextualizam o texto fictício com a realidade, assim como relacionam o texto e a imagem na leitura dos gibis, contribuindo também para a compreensão de conceitos e relações como a de tempo e espaço, sejam eles psicológicos ou reais.
Desta forma, esse gênero de histórias que integra a linguagem visual e a escrita, ao alcançar diretamente o imaginário infantil, preenche suas expectativas de divertimento e prepara as crianças para a leitura de outras obras. Além disso, os alunos sentem-se mais seguros com uma mídia que lhe é mais próxima e conhecida, suprindo suas necessidades emocionais próprias da infância, no quesito da imaginação e da fantasia. A experiência de folhear as páginas de uma revista em quadrinhos pelos alunos que se encontram na fase das séries iniciais do Ensino Fundamental, pode gerar e perpetuar o gosto por qualquer leitura impressa ou digital, seja qual for o seu conteúdo.
Enfim, a formação de leitores só chega a seu amadurecimento pleno se o indivíduo gostar de ler. Ou seja, o vínculo emocional é um elemento imprescindível na proficiência de leitura. As histórias em quadrinhos, além da facilidade de veiculação de conteúdos complexos aos leitores novatos, amadurecem também a relação emocional entre o leitor e sua leitura.
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Autor:
André
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