Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Geografia dos clubes de futebol. O caso português (página 2)

José Alberto Afonso Alexandre

O futebol enquanto actividade lúdico-desportiva conheceu, assim, uma adopção não sincrónica no território nacional, que anda associada ao dinamismo económico e social e às dimensões espaciais e temporais a eles inerentes.

O processo de institucionalização do futebol, ou seja, a criação das Associações Distritais difere no tempo: Lisboa foi a primeira em 1910, seguindo-se Portalegre em 1911, o Porto (1912) e posteriormente o Funchal em 1916. Entre 1921 e 1930 individualizou-se outra etapa, mais importante e decisiva, durante a qual 14 distritos procedem à institucionalização das respectivas associações (Braga, Bragança, Vila Real, Aveiro, Viseu, Coimbra, Leiria, Santarém, Setúbal, Évora, Beja, Faro, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada). O período final corresponde à criação das associações de Castelo Branco (1936), Guarda (1940) e Viana do Castelo (1971). Esta descrição faz evidenciar a existência de dois focos inovadores no espaço nacional e um padrão de difusão baseado no efeito de vizinhança dependente de uma hierarquia urbana.

O futebol foi-se propagando a todo o país, encontrando maiores dificuldades de penetração em áreas cujos contactos com os dois centros difusores registavam índices de baixa intensidade. O futebol reforça e ilustra a fragmentação do território português revelando a sua dicotomia e oposição manifestada sob tantos outros aspectos. A faixa litoral que adere em primeiro lugar, em contraste com a faixa interior, em especial a região interior norte e centro que o adopta mais tardiamente.

Em Portugal a adopção do futebol esteve, sem dúvida e de certa forma, dependente da hierarquia económica, nomeadamente urbana e industrial.

A nível local, surgiram clubes de carácter marcadamente classista (Operário, Fósforos, etc.), mas que posteriormente se fundiram com outros clubes passando a ser clubes de um município, distrito, região, etc., como aconteceu com o União de Santarém, de Tomar ou de Leiria. A inserção de um clube num espaço mais vasto vai-lhe diluindo qualquer conteúdo classista, conferindo-lhe, cada vez mais um símbolo territorial, como acontece quando qualquer clube nacional joga nas competições europeias, em que passa a ser o clube da maioria dos portugueses, ou o mesmo acontece quando um clube da Madeira vem jogar ao Continente.

III - FUTEBOL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL E LOCAL - Situação Actual

Se nos debruçarmos mais detalhadamente sobre o fenómeno, que é o Futebol e a sua difusão espacial, verificamos que ele espelha, de uma forma muito concreta, as diferenças que se notam por esse país fora. Os clubes não vivem do nada, por isso precisam de capital para manterem a sua existência, e mesmo para poderem subir de escalão se for possivel. Claro está, que a maioria dos capitais, provêm de empresas, de indústrias, de alguns serviços e de outras actividades capazes de financiar os clubes que as solicitam. Mas essas actividades, sobretudo do sector secundário e pontualmente do sector primário e terciário, não se localizam uniformemente pelo território nacional, havendo regíões onde são mais abundantes e outras onde são menos. Obviamente que onde elas existam, maiores probabilidades há de existirem clubes de futebol.

O fenómeno futebolístico explica assim, parcialmente, o contexto do desenvolvimento urbano-industrial das diversas áreas do território nacional. A evolução da distribuição espacial dos clubes de futebol acompanhou as transformações verificadas no processo de desenvolvimento português, havendo uma relação entre a expansão do futebol com o crescimento urbano-industrial. Este processo originou uma concentração da sua prática, quer enquanto modalidade desportiva, quer como espectáculo, nas áreas de maior densificação urbana e maior implantação industrial. Aparece, predominantemente ligado ao fenómeno industrial, o que se explica pela adesão por parte da população mais jovem e por outro lado a adesão do proletariado industrial a criar associações e colectividades desportivas e recreativas.

Mas o futebol não vive apenas de investimentos monetários por parte das empresas. O futebol é também, e como já se disse, um espectáculo que se pretende rentabilizar através das massas populacionais que o admiram e o companham. Daí, não se poder, também, ignorar a relação que há entre o futebol e os quantitativos demográficos. Por outro lado, não há futebol se não existirem particantes, e numa região onde a densidade é elevada, maiores possibilidades há de se formarem e recrutarem jogadores, possibilitando a instituição de um clube de futebol. Da mesma forma que as actividades do sector secundário não se distribuiem homogeneamente, também a distribuição demográfica nacional não é homogénea, variando de região para região, do norte para o sul, do litoral para o interior, reflectindo-se inevitavelmente no fenómeno futebolístico.

Para melhor compreender esta problemática, analisaram-se diversas variáveis a nivel de Portugal continental: ligadas ao futebol em si mesmo, como a distribuição de clubes que marcaram presença na primeira divisão em dois períodos - 1959/1964 e 1992/1997 -, o potencial futebolístico em duas épocas - época 60/61 e época 96/97, e o número de praticantes de futebol ; ligadas a factores acima referidos, como a distribuição da densidade populacional (1960 e 1991), e a distribuição da população activa, no sector secundário (1960 e 1991).

III-1. Distribuição espacial dos clubes da I Divisão: 1959-64 e 1992-97

Se analisassemos todas as presenças de clubes na primeira divisão, desde que esta existe em Portugal, verificaríamos, de uma forma mais acentuada, a evolução e a tendência de localização dessas mesmas presenças. Mas uma análise dessa dimensão é dispensável, uma vez que o simples estudo dos períodos 1959-1964 e 1992-1997, é suficiente para tirar as mesmas conclusões.

Nos cartogramas da figura 1, podemos verificar que, no período 59/64, Lisboa, Porto e Setúbal detinham o maior número de clubes presentes na primeira divisão, com um ligeiro ascendente do distrito do Porto. Seguem-se Faro e Braga, cada qual com duas presenças, restando Évora, Coimbra, Guarda e Aveiro, com apenas um clube presente durante esses cinco anos. No total, 21 clubes marcaram presença na primeira divisão durante esse período. Como podemos ver, nota-se já o fenómeno da litoralização. Apenas dois clubes, Sp. Covilhã e Lusitâno de Évora, representam o interior de Portugal. Ao nivel da dicotomia norte/sul, não se sente ainda muito ; podemos dizer que o sul ganha pela diferença mínima (11 clubes contra 10 a norte do Rio Tejo).

Figura 1 - Presenças na I Divisão entre 1959-1964 e 1992-1997, por distritos em Portugal Continental.

No período mais recente, 1992/97, continuam a destacar-se os distritos de Lisboa e Porto, mas este último com quase o dobro de Lisboa, criando-se já um fosso entre o Norte e o Sul. Braga vem contribuir ainda mais para essa diferença com o seus quatros clubes, tornando-se o terceiro distrito com maior número de clubes presentes. Seguem-se Aveiro com dois, Faro, Leiria, Portalegre e Vila Real ambos com um clube.

Comparando ambos os cartogramas e verificando a evolução de um período para o outro, podemos retirar algumas ilacções: diminuição do número de clubes da divisão primeira na área de Lisboa e o aumento, em proporção idêntica, na área do Porto ; tendência para se acentuar o peso das áreas urbano-industriais do norte-litoral (concretamente distritos do Porto e Braga); redução de importância relativa do norte e centro inetrior, bem como da área de Lisboa; no centro litoral mantém-se a característica mais marcada, não se destacarem equipas primo-divisionárias, pois dificilmente se consegue manter mais do que uma equipa na I divisão (sobe o U. Leiria desce a Académica); no sul, nota-se uma ligeira diminuição do peso relativo do Algarve, enquanto o Alentejo mantém o seu; por fim, e ao nível de distritos, referir que Braga veio substituir o de Setúbal, e o facto de se manter o número de distritos (9) sem qualquer presença na I divisão.

Das equipas do Continente que disputaram o Campeonato Nacional da I Divisão nos dois períodos analisados, cerca de 47, 41 pertenciam à faixa litoral e apenas 4 à faixa interior, sendo 2 pertencentes ao arquipélago da Madeira. Ao longo destes períodos, os distritos de Viana do Castelo, Bragança, Viseu, Castelo Branco, Santarém e Beja nunca tiveram nenhuma equipa na I Divisão e apenas Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Aveiro e Faro tiveram equipas de forma contínua, os restantes distritos, Guarda, Vila Real, Coimbra, Leiria, Évora, Portalegre tiveram clubes com presenças efémeras nos campeonatos.

Esta análise permite-nos verificar que a actividade futebolística exprime aquilo que se tem vindo a constatar desde a sua implantação em Portugal nos finais do séc. XIX, a bipolarização do país: das 47 presenças na I Divisão Nacional, 22 pertencem aos distritos de Lisboa e do Porto que com os de Braga, Setúbal e Faro concentram 36 dos 47 clubes.

O Algarve funciona como um caso particular, cuja excepcionalidade se prende com a actividade turística e a construção civil, uma vez que a base industrial que explicou a emergência de clubes como o Olhanense e o Lusitano de Vila Real de Sto. António foi ultrapassada devido à crise da indústria das conservas de peixe.

Há, portanto, uma dominância das duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e a afirmação pouco marcada do centro litoral e do Algarve, sempre bipolarizado e com flutuações decorrentes do carácter próprio das suas actividades económicas : turismo e construção civil. É patente, sem dúvida, uma subida para norte do centro de gravidade dos clubes da I divisão. Os clubes que desceram de divisão da área de Setúbal provinham todos de concelhos industriais (Desportivo da CUF, Barreirense e Seixal), na área industrial de Lisboa, desce o Atlético, subindo o Estoril e o Estrela da Amadora., ambos localizados em zonas de intenso ritmo de construção civil e especulação fundiária, usufruindo dos capitais que movimentam. Na área metropolitana do Porto, observa-se o aparecimento de clubes de pequenos núcleos urbanos com forte implantação industrial, predominando a indústria têxtil e o calçado (Vila do Conde, Famalicão, Santo Tirso, Paços de Ferreira, Leça, etc.).

Os distritos que nunca tiveram clubes na I Divisão Nacional inserem-se em áreas rurais, com fraco desenvolvimento industrial (Bragança, Castelo Branco, Viana do Castelo). As equipas (de concelhos) do interior no campeonato da I Divisão correspondem sempre a aglomerados urbanos e a conjunturas particulares, o que explica a sua efémera permanência. O Sporting da Covilhã esteve neste escalão quando a indústria têxtil atravessava um período de prosperidade. As únicas equipas alentejanas que chegaram ao escalão maior são de dois dos maiores centros urbanos: Évora (Lusitano) e Portalegre (Campomaiorense - ligado à indústria do café), e conseguiram-no em períodos cuja agricultura da região atravessava uma certa euforia. Por outro lado, a áreas de recente expansão industrial tem correspondido a ascensão de alguns clubes como o U. Leiria.

Conclui-se, portanto, que, sendo a primeira divisão aquela que exige os maiores apoios financeiros, os clubes que a atingem, necessariamente, se localizam junto deles. E desta forma, podemos verificar, através da distribuição dos clubes que passaram na I divisão, quais as zonas do país mais desenvolvidas, ou mesmo industrializadas, capazes de sustentar, no aspecto financeiro, um clube de futebol ao mais elevado nível em Portugal. As áreas envolventes dos distritos de Lisboa e Porto são, sem dúvida, aquelas que movimentam maior número de capitais, sendo por conseguinte, as que patrocinam o grosso dos clubes de futebol na I divisão. São, por excelência, os dois grandes centros do nosso país, por onde passa toda a vida económica, social e cultural. Não é, pois, de admirar, que sejam áreas preenchidas pelas actividades do secundário e do terciário, sectores privilegiados na sustentação dos clubes.

No resto do país existem zonas, não tão desenvolvidas como Lisboa e Porto, mas que têm conseguido manter um certo equilíbrio no seu desenvolvimento económico; são áreas que reflectem e ressentem bem as flutuações económicas das conjunturas nacionais, ou mesmo internacionais. Correspondem aos distritos que colocam sempre, ou alternando de tempos a tempos, um clube na divisão maior do futebol português: Coimbra, Aveiro, Faro, Leiria, Vila Real, Setúbal, Guarda, Viseu. Quando a conjuntura não é favorável, nenhum clube marca presença, quando a conjuntura é favorável, há, por vezes, até dois clubes na primeira divisão.

O distrito de Braga é um distrito que, nos últimos anos, tem vindo a reforçar o peso do litoral, e concretamente, a faixa Aveiro-Porto-Braga. Alia dois importantes factores, que mais nenhum distrito português consegue reunir, na mesma proporção que o distrito de Braga. Para além de ser hoje um distrito bem desenvolvido ao nível do sector secundário, é o distrito português com maior índice de juventude. Desta feita, maiores probabilidades há de sobressaírem bons jogadores capazes de desequilibrar e de catapultar a sua equipa para bons resultados. Este distrito, juntamente com o de Aveiro, compensam com algumas subidas, as descidas registadas no distrito do Porto, e vice-versa, mantendo-se assim o crescente poderio futebolístico nortenho.

Se já há muito que o litoral tinha "derrotado" o interior, verifica-se agora um certo ascendente da "equipa" do norte. Mais desenvolvido, mais povoado que o sul, e sobretudo, muito mais arreigado às suas equipas, com uma mística muito própria, o norte, no seu ponto mais alto que é o Futebol Clube do Porto, reúne à sua volta toda uma região, toda uma gente que sente e defende a sua marca nortenha contra o sul, especialmente Lisboa, nas figuras do Sport Lisboa e Benfica e Sporting Clube de Portugal.

III-2. Distribuição do potencial futebolístico

O Potencial Futebolístico é uma variável, pela qual podemos deduzir o peso futebolístico, de uma certa área, região, distrito, ou mesmo concelho. Chega-se a este índice, atribuindo um peso a cada clube, em função da divisão em que se encontra e na proporção do número de clubes em cada divisão; o somatório reflecte o respectivo peso dessa área ou região. No nosso caso, calculou-se o potencial futebolístico para cada um dos distritos, em dois períodos: para a época futebolística 1959/60 e para a época 1996/97. Em seguida, comparou-se estes resultados, cartografados na figura 2, com as densidades do território nacional, e com a distribuição da população activa no sector secundário, ambos por distritos, correspondentes aos períodos do potencial futebolístico.

No período correspondente à época 59/60, o potencial futebolístico reflectia, já nessa altura, a importância do factor litoralidade na distribuição dos distritos com maior peso futebolístico: Lisboa, com 52.2 valores, é, obviamente, o distrito com maior potencial futebolístico, seguindo-se depois os distritos de Setúbal (34.8), Porto (32.79) e Coimbra (20.07). Acima do valor 60 não se regista qualquer distrito, predominando os distritos com valores compreendidos entre 0 e 19.99, no total de 14, o que espelha, no geral, um baixo potencial futebolístico nacional.

Na época de 96/97, verifica-se um certo aumento do potencial na globalidade. O Porto assume-se indiscutivelmente como o distrito com maior peso, passou de 32.79 para 85.04, sendo o único distrito a ultrapassar os 60 valores. Lisboa mantém-se na casa dos 52 valores, tendo agora a companhia do distrito de Braga com 44.34. O distrito de Aveiro é único que se situa entre os 20 e os 39.99, com 38.8, seguindo-se os restantes distritos com valores abaixo dos 20.

Da evolução de um período para o outro ressaltam várias conclusões. Em primeiro lugar o aumento global do potencial futebolístico, significando, portanto, um aumento do número de clubes na época mais recente, a que não é alheio o facto da antiga II divisão, estar hoje dividida na Divisão de Honra e na II divisão ; há hoje mais 92 clubes que em 1960. Dos 18 distritos, apenas 6 (Setúbal, Coimbra, Évora, Beja, Viana do Castelo e Leiria) diminuíram o seu potencial, 1 manteve-se - Lisboa, enquanto que os restantes 11 aumentaram o seu peso. No entanto, apesar destes ligeiros aumentos e diminuições, há 14 distritos que se mantêm dentro da classe mais baixa.

Em segundo, os saltos verificados pelos distritos Porto e Braga, em detrimento, respectivamente de Lisboa e Setúbal, mudando-se assim o núcleo forte do potencial futebolístico do sul para o norte; ainda para mais o distrito de Aveiro vem ajudar nessa supremacia, substituindo o distrito de Coimbra.

Verifica-se, portanto, para o período de 1960, que é o factor da litoralidade aquele que mais influência na distribuição do potencial futebolístico, enquanto que no período mais recente, o potencial futebolístico aumentou, para além do interior para o litoral, também do sul para o norte.

Mas estas mudanças não se constituem por si só, elas têm subjacentes factores que são primordiais para o fenómeno futebolístico, como por exemplo a localização dos sectores de actividade, em especial o secundário, e a distribuição da densidade populacional.

Assim, a expressão do fenómeno desportivo de uma região pode espelhar o respectivo nível de desenvolvimento económico, social e demográfico. As mudanças operadas na distribuição dos clubes de futebol no território nacional reflectem as flutuações verificadas nas estruturas económicas e sociais locais.

A análise retrospectiva dos clubes que disputam os principais campeonatos nacionais, como das cidades e territórios que lhe servem de base económica e social de apoio, reflectem a situação conjuntural que certas empresas conheceram e o papel determinante que a actividade industrial, o turismo, o comércio ou mesmo a agricultura tiveram na evolução de certas regiões. Assim aconteceu com clubes como: o Riopele, CUF, Lusitano de Évora, Lusitano de Vila Real de Santo António, Juventude de Évora, Chaves, Sporting da Covilhã, Olhanense, Portimonense, Elvas, Marinhense, Caldas, União de Tomar, Ginásio de Alcobaça, Recreio de Águeda, União de Leiria, etc.

Como já foi referido, e tomando por referência a distribuição das equipas de futebol participantes nos escalões nacionais seniores nas épocas atrás referidas, de imediato se evidenciam as assimetrias estruturais caracterizadoras do nosso país : contraste entre a faixa litoral e a faixa interior, o norte e o sul, além da oposição entre as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e o restante território nacional. A estes contrastes, não é alheio o facto de entre Braga e Setúbal se concentrarem 2/3 da população residente (1991), 4/5 do PNB e 9/10 do produto industrial (R. Jacinto, 1993). Há, portanto, uma relação, quase directa, entre os distritos mais povoados e mais desenvolvidos economicamente, e os clubes com maior potencial futebolístico. Podemos visualizar isso mesmo nos cartogramas que acompanham a figura 2.

III-3. Distribuição dos clubes de futebol e população activa no sector II

Se compararmos o potencial futebolístico de ambos os períodos, com a distribuição da população activa no sector secundário em 1960 e 1991 (ainda não há dados disponíveis para o ano de 1997, para uma comparação mais directa com o potencial de 1997), verificamos que há uma certa sobreposição dos distritos com maior potencial sobre os distritos de maior percentagem de actividades do sector secundário. Reparamos que em 1960 há dois grandes grupos com percentagens entre 25% e 49.9% - Braga, Porto, Aveiro e Castelo Branco, Leiria, Lisboa e Setúbal - correspondendo a cada grupo, pelo menos um distrito com elevado potencial futebolístico: Porto para o primeiro grupo, Lisboa e Setúbal para o segundo. As áreas com menor percentagem de população activa no sector secundário, são também aquelas com menor índice de potencial: Bragança e Vila Real.

Apesar de não haver correspondência temporal entre os dados da população activa do sector secundário e o potencial futebolístico na época 96/97, verifica-se, mesmo assim, uma ligação estreita entre estas duas variáveis. Assim, em 1991 é notório um aumento global da percentagem de pessoas que trabalham no sector secundário ; não há distritos abaixo de 12.5%, enquanto que já existem outros acima dos 50%, situação precisamente contrária em 1960, ou seja, havia distritos com percentagens inferiores a 12.5% e não havia distritos com percentagens superiores a 50%. A este aumento geral, corresponde também, e como já foi analisado, um aumento do potencial futebolístico de 1960 para 1997, frisando-se assim ainda mais a correspondência, ou a dependência, do potencial futebolístico em relação às actividades do secundário. Se atentarmos nos cartogramas, podemos ver que à faixa com maior potencial futebolístico - Braga, Porto e Aveiro corresponde uma maior percentagem de população a laborar no sector secundário. Lisboa, também com um valor elevado de potencial, justificar-se-á, para além do sector secundário, com a forte percentagem no sector terciário.

O sector secundário é, sem dúvida, o sector que mais capital desenvolve capaz de influenciar o desenvolvimento dos clubes de futebol, e, por consequência, capaz de influenciar a distribuição do potencial futebolístico. Dentro desse sector, há actividades pontuais que, usufruindo de uma conjuntura favorável, permitem a ascensão de clubes de futebol. A população activa no sector das pescas juntou-se ao sector secundário, já que muitos centros piscatórios, pelas características sociológicas das suas populações decorrentes do tipo de trabalho e das relações de produção desenvolvidas, têm condições propícias à prática de desportos de competição. Todavia, a pesca desenvolve outras actividades subsidiárias ou de transformação dos seus produtos (conserva de peixe, embalagens, etc.), assim aconteceu em Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Peniche, Portimão, Olhão, Vila Real de Santo António, sem menosprezar a actividade turística que tem também um papel de relevo.

A transformação da estrutura da população activa é um factor importante no reforço da litoralização do povoamento em Portugal, através das migrações internas. E sabemos bem a importância da litoralização, quer para as populações quer para o fenómeno futebolístico.

Assim, o processo de desenvolvimento industrial sofreu, a partir dos anos 60, um enorme impulso, com a abertura do sector aos capitais estrangeiros, dominados pelos grandes grupos económicos que se fixaram em Portugal. Consequentemente, assistiu-se a um aumento progressivo da população no sector secundário - 23% em 1950 - superando a partir da década de 60 a mão-de-obra ocupada no sector primário, cujos excedentes foram parcialmente absorvidos por aquele sector, ou por alguns serviços que então foram criados. Não admira, pois, que as migrações internas se deslocassem predominantemente para o litoral em busca de trabalho no sector secundário ou terciário. Em 1970, nalguns distritos do litoral - Aveiro, Braga, Porto e Setúbal - o sector secundário era já preponderante e ocupava 40% da população activa, enquanto no distrito de Lisboa o sector terciário ocupava 60% dos activos. Assistimos, portanto, nestas últimas décadas, a transformações importantes para a economia do nosso país, que se reflectem, mais tarde ou mais cedo, na distribuição dos clubes de futebol em Portugal. As migrações internas que se verificaram nos últimos anos para o litoral, à procura trabalho, e as respostas das empresas e do sector secundário em geral a essa procura, poderá significar um certa prosperidade do sector, gerando-se, para além de aumentos populacionais de certas zonas, um aumento na circulação de capitais, muitos destes injectados em clubes de futebol. Ao longo do tempo, as zonas mais industrializadas e mais desenvolvidas, capazes de dar resposta a solicitações de emprego e de financiamento aos clubes, evoluem no espaço, conforme a localização das infra-estruturas que lhe servem de apoio. Ora, essa variação no espaço reflecte-se também nos clubes, que acompanham as polarizações das actividades que os sustentam. Talvez por isso, que desde meados da década de 70, se assiste a uma deslocação progressiva do centro gravitacional do futebol português da faixa Setúbal-Lisboa para o norte do país. A perda de importância do eixo Setúbal-Lisboa e o posicionamento do centro de gravidade do futebol português a norte sobre o eixo Aveiro-Porto-Braga reflecte as transformações operadas na estrutura económica, social e territorial do país. O choque petrolífero, o fim do domínio das colónias e o processo de reestruturação do aparelho produtivo instalado na Península de Setúbal, onde se instalou uma recessão mais profunda, contribuíram para acentuar a bipolarização do país, perdendo importância relativa a área de Lisboa, ganhando-a, em contrapartida a área metropolitana do Porto. Pois esta área, com um processo produtivo e espacial diferente, assente em industrias viradas, sobretudo, para a exportação (têxtil, confecção e calçado) e ainda pelo alargamento das suas funções administrativas com a instalação de variados serviços públicos e privados de nível elevado, tem denotado uma situação de grande amplitude de crescimento económico. Este surto de desenvolvimento do distrito Porto foi acompanhado pelo desenvolvimento simultâneo de outros centros urbanos dele dependentes localizados nos distritos de Braga e Aveiro, além da urbanização difusa que caracteriza a região.

Podemos, então, dizer que há condições propícias ao desenvolvimento do futebol em núcleos ou áreas marcadamente urbanas, onde os sectores secundário e terciário detêm as maiores percentagens. É por isso mesmo que em Lisboa e no Porto o futebol assume um grau mais elevado de espectáculo e os clubes são geridos em termos empresariais, tendo sobretudo os três maiores (Benfica, Sporting e o Porto) todo o país (e o estrangeiro) como área de recrutamento permanente e muito especialmente as áreas industriais da periferia de cada uma das cidades. Para as equipas dos escalões mais baixos continua a existir uma relação estreita entre o ambiente socio-económico e o desenvolvimento da prática futebolística entre camadas mais jovens, sendo os ambientes caracterizados pelo predomínio da classe operária os mais propícios para a sua prática.

Assim, há uma maior propensão das camadas jovens do proletariado industrial para a prática do futebol permanente e orientada para a eventual profissionalização. Também porque as alternativas de outros desportos são menores (relativamente às da burguesia), e sendo o futebol um desporto de equipa, é no ambiente da fábrica, entre colegas, que se vão constituindo as equipas de amadores, primeiro, de profissionais mais tarde ; por outro lado, porque o futebol aparece como o horizonte mais válido e atingível para a ascensão social. São por estas e por outras razões que o sector secundário é o mais propício ao estímulo da prática do futebol. No sector primário, essencialmente a população agrícola, não tem tempo disponível, e o desgaste físico não permite a prática de um desporto desgastante, que implica continuidade. Por outro lado as condições para a constituição de formas associativas no espaço rural não são tão evidentes como nos meios industriais. Nas áreas onde predomina o sector terciário, a diferença não é tão evidente, embora, outros desportos, como o andebol, o basquetebol, o voleibol, o hóquei em patins, sejam praticados sobretudo em áreas urbanas ou suburbanas onde predomina a população activa no sector terciário. Contudo, não parece evidente a prevalência do sector secundário sobre o terciário no que respeita à prática do futebol.

Com a afirmação do futebol/espectáculo/empresa, verifica-se o controlo cada vez maior dos clubes/empresas por parte de grupos organizados, que pouco ou nada têm a ver com a génese da prática futebolística, enquadrada em colectividades, que se verificava anteriormente. Esta nova situação implica a assunção de novas práticas paralelas: a afluência de aderentes aos estádios, transmissões televisivas, totobola, publicidade, jornalismo desportivo, etc. O futebol transformou-se nas sociedades modernas, num veículo de comunicação privilegiado para as empresas e respectivos empresários que desejam, deste modo, conquistar novos mercados, melhorar a sua imagem ou conquistar notoriedade social, utilizando-o como meio de afirmação não apenas colectiva, mas também individual.

Vimos, portanto, a importância que as actividades do secundário têm para o futebol e vice-versa. Se os clubes precisam do capital das empresas, muitas destas, e os seus respectivos patrões, precisam dos clubes para publicitar a sua marca ou os seus produtos, para, de certa forma, se afirmarem no mercado ao qual pertencem, e também para um certo prestígio pessoal. Há, sem dúvida uma relação muito estreita entre as actividades económicas e o ambiente futebolístico. Quanto mais os clubes evoluírem, quer ao nível de divisão, quer ao nível de prestígio, maiores probabilidades há de serem contactados por empresas que se pretendem dar a conhecer através deste forte meio que é o futebol. Este, não sendo primordial, acaba por ser, de certa forma um importante factor na vida económica do país.

Mas o fenómeno futebolístico é também capaz de gerar capitais, sobretudo o futebol ao mais alto nível. Estamos a pensar no marketing que rodeiam os clubes, nas assistências aos jogos, na venda de jogadores formados nos clubes, etc. Mas estes aspectos não dependem exclusivamente dos clubes, depende de outros factores, como por exemplo os quantitativos populacionais.

III-4. Distribuição dos clubes de futebol e densidade populacional

O futebol é um espectáculo, e se é um espectáculo é preciso que haja espectadores, podendo estes, se forem em grande número e de uma forma regular, deixar nos cofres dos clubes quantias importantíssimas para o seu sustento. Por outro lado, não há clubes se não houver jogadores, e áreas fracamente povoadas, menos possibilidades têm de verem ali formado um clube de futebol e de terem jogadores para a sua prática. Por esta e por outras razões, não podemos deixar de analisar a relação existente entre o futebol e os quantitativos populacionais.

No cartograma da figura 2, podemos comparar ou relacionar o potencial futebolístico com as densidades populacionais dos distritos portugueses. Através da figura, respeitante a 1960, podemos ver que os distritos com maior densidade localizam-se junto ao litoral, sendo Lisboa e Porto o expoente máximo com uma densidade superior a 300 hab/km2. O potencial referente ao mesmo ano, demonstra também, como já vimos atrás, uma certa litoralização. Contudo, há mais distritos com elevada densidade no litoral do que distritos com elevado potencial. Não há uma relação tão directa entre estas duas variáveis como a relação existente entre as actividades do secundário e o potencial, uma vez que, é mais importante para os clubes financiamentos do que propriamente a população em si. No entanto, casos como o de Castelo Branco, um dos distritos com maior percentagem de população activa no secundário, e com menor potencial futebolístico em 1960, pode ter explicação na sua baixa densidade populacional.

No ano do último recenseamento, verifica-se o agravamento da desertificação do interior a favor do litoral. O distrito da Guarda, que em 1960 se situava entre os 50 e os 100 hab/km2, vê-se agora a baixar para um densidade inferior a 50 hab/km2 , ficando toda a faixa do interior, desde Bragança até Beja, com as densidades mais baixas do país. Para reforçar ainda mais esta ideia, vemos os distritos de Aveiro e Setúbal aumentarem as suas percentagens. A correspondência no potencial em 1997 é quase perfeita nos distritos do norte litoral de Portugal: Braga, Porto e Aveiro são, simultaneamente, os distritos com maior potencial e com maior percentagem de densidade. No sul, o distrito de Setúbal sobe, de 1960 para 1991, para a classe imediatamente a seguir, ao nível da densidade, não lhe correspondendo, porém, a mesma subida no potencial, pelo contrário, desce mesmo para a classe mais baixa, apesar de se manter dentro dos mesmos valores em relação à população activa no secundário. Não há, portanto, aqui correspondência entre a densidade e o potencial. Este caso do distrito de Setúbal explica-se pela queda da sua importância industrial, reflectindo-se, como é óbvio, nos clubes que dessa supremacia dependiam, como são os casos do Barreirense, do Amora, do Seixal, clubes estes que retomam hoje a sua caminhada nos escalões nacionais mais baixos.

Figura 2xxx

Em relação ao número de praticantes, há, necessariamente, uma relação directa, na medida em que, como já se disse, onde houver maior número de população, maiores probabilidades há de existirem praticantes de futebol. Na figura 3 podemos visualizar dois cartogramas : um respeitante ao número de praticantes de futebol amadores e profissionais, o outro correspondente ao número de futebolistas por 1000 habitantes.

Figura 3 - Praticantes de Futebol por distrito em Portugal Continental

Em relação ao primeiro, vemos que os distritos do litoral, desde Braga até Setúbal, apresentam os valores máximos, contrapondo-se aos distritos do interior - Bragança, Castelo Branco e Portalegre - com menos quantidade de praticantes amadores e profissionais. No segundo cartograma, nota-se uma distribuição diferente da anterior. Os distritos de Viana do Castelo, Guarda, Évora e Beja, acabam por ser aqueles com maior número de praticantes em 1000 habitantes, não correspondendo, porém, e como por ventura se esperaria, aos maiores aglomerados urbanos do país: Lisboa, Porto, Setúbal. A explicação reside no facto do futebol ser um desporto que permite aperfeiçoamentos técnicos sem grandes investimentos, daí que áreas com menos infra-estruturas e meios técnicos, sobressaiam em relação a outras, quando se analisa o número de praticantes por 1000 habitantes.

Ainda dentro deste assunto, respeitante aos praticantes, podemos dizer que, actualmente com o novo processo de contratação de jogadores, já não é factor decisivo a existência de áreas industriais para seleccionar os jogadores, mas sim poder económico e financeiro para os contratar, pois geralmente, nos clubes da I Divisão, os jogadores são "comprados" a outros clubes da mesma divisão ou de escalões inferiores nacionais ou estrangeiros. Embora clubes como o Benfica ou o Porto tenham a sua própria escola de jogadores, investindo na formação própria enquanto iniciados e juvenis. Este fenómeno leva à profissionalização do jogador de futebol, desenvolvendo uma teia complexa de produtores-intermediários-consumidores, gerando assim um grande negócio.

Assim, os clubes com uma capacidade financeira mais reduzida estão impossibilitados de reterem os bons jogadores e de assegurarem a contratação de jogadores mais caros, e quando os contratos são feitos são quase sempre de curta duração, gerando uma acentuada instabilidade no plantel. Esta mobilidade de jogadores criou uma maior dependência do factor capital, facultando a clubes de fraca prática do futebol a constituição de equipas fortes, desde que dispusessem de grandes recursos financeiros. Isto permitiu que clubes de forte tradição futebolística fossem perdendo a posição ocupada durante anos (caso da Académica, do Lusitano de Évora, CUF, Casa Pia, etc.), porque não tinham grandes disponibilidades financeiras. Por outro lado, áreas sem tradição futebolística, mas onde o capital era abundante, caso do NW português, possibilitou a aquisição de jogadores a clubes de outras áreas e a sua consequente subida de escalão até à sua afirmação.

Decorrente desta nova conjuntura, verifica-se a expansão do futebol como espectáculo, organizando-se os clubes cada vez mais em moldes empresariais. Esta evolução implica um maior desenvolvimento das relações com potenciais investidores, ficando a dependência relativamente ao desenvolvimento urbano-industrial para segundo plano, ao contrário do que existia anteriormente.

Julgamos que a densidade populacional em Portugal, não é o factor essencial que influencia na distribuição dos clubes de futebol, mas que pode ajudar muito, disso não há dúvidas, como vimos anteriormente. Portugal é um país relativamente pequeno, e há mesmo quem defenda, que, para o país que temos a nível populacional, há muitos clubes de futebol. Hoje os estádios estão vazios. Apenas os clássicos, onde intervêm Benfica, Porto ou Sporting, conseguem arrastar multidões, mesmo assim hoje já não se vê um Estádio da Luz completamente cheio. Os factores são vários que contribuem para esta situação. Em primeiro lugar a atitude e a mentalidade do nosso futebol: joga-se para não perder, enquanto que em Inglaterra, ou mesmo em Espanha, joga-se para ganhar, não importando para isso sofrer golos, sendo o único objectivo marcar mais que o adversário. Daí que muita gente se tenha vindo a desiludir com o futebol, pois pagam para ver um espectáculo, e por vezes o que acontece são cenas lamentáveis como aconteceu na última festa da Taça de Portugal. Logo a partir daqui, inicia-se um ciclo vicioso negativo, no qual, não havendo espectadores, não há receitas, não havendo receitas, não pode haver boas equipas apetrechadas com jogadores de craveira nacional, ou mesmo internacional, não havendo bons jogadores não pode haver aquele espectáculo que as pessoas procuram ao domingo à tarde; e os jogadores que constituem as equipas, desmotivam, porque em vez de verem pessoas a puxar pela sua equipa, não, vêem apenas o cimento das bancadas à sua volta. De que vale a alguns distritos serem razoavelmente densificados, senão têm uma equipa à qual possam manifestar o seu apoio humano e monetário? O que se verifica, é que muitos clubes de futebol, esgotam os seus apoios e patrocínios na totalidade, uma vez que não podem contar com receitas semanais de entradas no estádio. Não admira, portanto, a situação de endividamento dos clubes de futebol por esse país fora.

Há, no entanto, outro aspecto importante que não devemos esquecer, e que decorre da conjuntura económica que o país atravessar. Hoje, cada vez mais, os portugueses continuam com falta de poder de compra, e obviamente não vão desperdiçar dinheiro no futebol, quando ele é preciso para outros fins mais importantes. Ainda para mais, os clubes para fazer face às suas dívidas, vêem-se obrigados a aumentar os bilhetes dos jogos, afastando muita gente que não pode pagar tais quantias.

Vejamos o caso da nossa vizinha Espanha. Logo à partida, devemos referir que a Espanha tem 4 a 5 vezes mais a nossa população, o que à priori deixa maiores probabilidades de encher os estádios. Depois, não esquecer que a Espanha divide-se em regiões, cada qual com o seu clube (ou mais do que um), que são muito arreigadas ao seu espaço, à sua sociedade, ao seu dialecto, aos seus interesses, ao seu clube de futebol, etc. Nota-se, portanto, um apoio incondicional à sua bandeira, que por vezes são os próprios clubes, que não se verifica em Portugal. Cá, apenas se nota uma certa rivalidade entre o norte e o sul, e ficamos por aqui quanto aos apoios das regiões aos seus clubes. Mas não poderia ser de outra forma, uma vez que há regiões que nem sequer têm clube de futebol. Há, portanto, em Espanha, por detrás dos clubes, um calor humano constante, que aliado a bons espectáculos, decorrentes de boas equipas e bons jogadores, sustentam os clubes. São receitas dos sócios, das entradas, do marketing, das transmissões televisivas, etc, há toda uma máquina que gira à volta do futebol, que movimenta milhões, causando inclusivamente problemas sociais, como é o caso do movimento das mulheres contra os próprios maridos que trocavam as suas esposas pelo futebol. Penso, portanto, que um país bem apetrechado com população, tem meio caminho andado para o êxito desportivo, e não só apenas na prática do futebol. Depois cabe aos clubes, aos dirigentes, às associações, e a todas as pessoas ligadas ao futebol, rentabilizar, aproveitar e encaminhar de forma correcta todos os apoios possíveis inerentes à população. Não é com casos, como os que se verificam actualmente no futebol português, que caminhamos nesse sentido.

Em Portugal a tendência é precisamente contrária, em vez de se progredir, regride-se. Enquanto muitos dirigentes estiverem no futebol com outras intenções, mais pessoais, pretendendo uma ascensão económica e social através da imagem futebolística, não se pode transformar o futebol num espectáculo puro e honesto. Mas não ficamos por aqui. A própria política tem sabido aproveitar-se de um fenómeno que arrasta milhões, podendo daí tirar dividendos muito bem recebidos no seio de alguns partidos políticos. Hoje, as maiores tiragens informativas, são de jornais desportivos, concluindo daqui a atenção que o povo português dá aos casos do nosso futebol. E os políticos sabendo disso, tentam arrastar e cativar para as suas ideologias, algumas personalidades bem fortes do nosso mundo futebolístico, que representam um clube, e por consequência, milhares de sócios.

Partindo de um simples factor, que é a densidade, vamos cair em muitos outros aspectos indissociáveis do futebol, e sobre os quais não podíamos deixar de fazer referência. Era imperativo falar deles, ou estar-se-ia a fingir que o mundo do futebol é apenas um simples jogo, no qual duas equipas pretendem "meter a bola na baliza adversária".

IV - CONCLUSÃO

Hoje, o mundo do futebol não se resume a um simples jogo. Considerado como "desporto-rei", o futebol mexe à sua volta com outros mundos, inevitavelmente indissociados ao seu ambiente, que lhe são dependentes e que o fazem depender, conferindo-lhe uma marca interelacional com quase todos os aspectos da vida: económicos, sociais, culturais, demográficos, espaciais, políticos, etc. Não admira, portanto, que através do futebol, e partindo dele, se possa estudar e analisar algumas dessas vertentes, que se reflectem nesta prática desportiva.

Sendo espacial por natureza e com uma forte dimensão geográfica, o futebol não pode deixar de ser objecto de reflexão para os geógrafos e para a Geografia. A distribuição dos clubes no território, o potencial de cada distrito, as áreas com maior número de praticantes, relacionados com outras variáveis, nomeadamente, demográficas e económicas, espelham também as diferenças que se verificam por esse país fora.

No entanto, primeiro que tudo, o futebol é um jogo, um divertimento, uma festa que ajuda a passar o tempo, para muitos, e que é fonte de rendimento para outros. Constitui, sem dúvida, uma das principais actividades de tempos livres sobre toda a extensão do território português. Tanto ao nível internacional como nacional, o futebol representa um espaço de diálogo, pela identificação que engenha como pela cobertura que permite. Faz esquecer ou desviar as tensões sociais, pois os desafios aparecem, sobretudo para o público, como lutar pela afirmação da possessão ou a consolidação de direitos sobre um território

Mas para além do espectáculo que encerra em si mesmo, o futebol tem uma outra face, sem a qual esse espectáculo não seria possível. Os clubes não vivem do nada, precisam de apoios, na sua maioria financeiros, não descorando, porém, os apoios humanos, sem os quais, festa alguma era possível. Daí a relação muito próxima que se verifica entre a localização dos clubes de futebol com as áreas de maior desenvolvimento económico e de maior pressão demográfica. A relação entre o potencial futebolístico e a percentagem de população activa no sector secundário, é quase directa, ou seja, a distritos com maior percentagem no sector secundário, corresponde também distritos com maior potencial. Desta relação sobressaem duas áreas: a de Lisboa, que tem vindo a perder ligeira importância, e a faixa Aveiro-Porto-Braga que se assume hoje como o centro industrial e futebolístico do país. Em relação aos aspectos mais demográficos, a relação não é tão directa como a anterior, no entanto, as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto são as mais coincidentes, com os valores mais elevados de potencial e de densidade, e obviamente, com maior número de praticantes amadores ou profissionais.

Destas análises, entre o futebol e as variáveis económicas/demográficas, confirma-se, mais uma vez, o fenómeno da litoralização que assola Portugal. Os distritos com maior potencial, maior densidade e com maior percentagem de população activa no secundário, localizam-se na faixa litoral. Esta assimetria é evidente e a desertificação do interior verifica-se a outros níveis, inclusive futebolísticos. As indústrias procuram as áreas de maiores rendimentos, e essas estão no litoral, arrastando consigo movimentos demográficos internos, e favorecendo os clubes da área onde se situam. Sendo o litoral, e especialmente o norte-litoral, a área do país com melhores infra-estruturas, melhores condições ao desenvolvimento urbano-industrial, e com maior pressão demográfica, não admira, portanto, que o centro gravitacional do futebol português se localize aí. Pelo contrário, o interior, deserto de pessoas, infra-estruturas, indústrias, etc., funcionando como factor de repulsão, não cria condições de desenvolvimento aos clubes de futebol. Por conseguinte verifica-se um número baixíssimo de clubes, diminuindo cada vez mais à medida que subimos de divisão, assim como valores baixos de potencial nos distritos do interior.

Mas as assimetrias não se notam apenas do litoral para o interior. De norte para sul também se verificam algumas diferenças, principalmente evolutivas no tempo. De 1960 para 1997, todas as variáveis (potencial, densidade, população activa e presenças na I divisão) demonstram uma mudança do centro principal, quer futebolístico, quer demográfico, quer económico, do sul ( Lisboa-Setúbal) para o norte (Aveiro-Porto-Braga). O futebol confirma o poderio nortenho, sendo, indubitavelmente, reflexo do grau de desenvolvimento, principalmente económico, que a região norte tem vindo a processar, ultrapassando em larga escala a zona sul.

Se dissemos atrás que o futebol é espacial por natureza, dizemos agora que também é social, político e cultural. O futebol mexe com tudo e com todos. Para além dos seus aspectos técnicos e tácticos, o jogo encerra à sua volta toda uma cadeia de relações, que passam pelos dirigentes, sócios, árbitros, empresários, simpatizantes e mesmo políticos. O nosso futebol é muito fértil nessas relações humanas fora das quatro linhas. Utiliza-se o futebol como meio de alcançar outros objectivos que nada dizem ao jogo em si, mas que servem para promoções pessoais, interesses empresariais, defesa de territórios, defesa clubística para além das leis, estratégias políticas, etc. E quando assim acontece, torna-se impossível ignorar e passar ao lado de tudo isso. Depois jornais e televisões dão-lhes a cobertura suficiente para colocar um país inteiro a falar de futebol , em vez de discutir a regionalização ou a moeda única. Quando o futebol chega ao mais elevado nivel da nossa sociedade pelas razões que todos nós conhecemos actualmente, obrigando a intervenções do Presidente da República ou do Governo, significa que algo não vai bem no mundo do futebol em Portugal.

Conclui-se, portanto, que o mundo do futebol, para além da competição desportiva que encerra nos seus praticantes, pode ser o reflexo da sociedade, da economia, da cultura que cada país desenvolve. Os resultados, pelo menos em Portugal estão à vista: o maior número de clubes e até os melhores clubes, associam-se directamente às melhores áreas industriais e urbanas, e mesmo demográficas, sendo possível cartografá-las, podendo daí analisarem-se assimetrias regionais e nacionais; por outro lado, a cumplicidade recíproca que sociedade e futebol mantêm, analisando-se daí os aspectos humanos e as consequências sociais que futebol acarreta.

O futebol é, sem dúvida, um barómetro do território, sendo o testemunho de uma maneira de ser, de estar e até de uma certa sociologia, a que a Geografia nunca pode estar alheia, pelo contrário, deve procurar variáveis diferentes das habituais, para aprofundar questões que lhe são próprias, como é o caso do futebol como reflexo das assimetrias regionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Publicações Específicas:

-ARROTEIA, J. C. (1989) - "Aspectos da Dinâmica Recente da População Portuguesa". Biblos, LXV, FLUC, Coimbra, pp. 69-89.

-BARRETO, A. (19??) - (.......)

-FONSECA, M. L. & ABREU, D. (1984) - "Transformações na Estrutura da População Activa Portuguesa 1970-1981". Finisterra, XIX, 37, CEG, Lisboa, pp. 129-136.

-GASPAR, Jorge (1971) - "Aspectos Geográficos do Futebol em Portugal". in Brotéria, Lisboa, Separata, 19 p.

-GASPAR, Jorge et all (1982) - "Transformações recentes na Geografia do Futebol em Portugal". Finisterra, XVII, 34, CEG, Lisboa, pp. 301-324.

-JACINTO, Rui & MALTA, Paula (1993) - "Desporto, Sociedade e Território: o Futebol na Região Centro". Cadernos de Geografia, 12, IEG, Coimbra, pp. 41-60.

-NAZARETH, J. M. (19??) - "A Dinâmica Populacional".in Demografia e Valores da Sociedade Portuguesa, (...).

  • Estatísticas:

- (...)

  • Imprensa Escrita:

- "A Capital": 04JAN97

- "Diário de Noticias": 07MAR60, 06MAR61, 05MAR62, 04MAR63, 02MAR64, 05MAR90, 04MAR91, 09MAR92, 01MAR93, 07MAR94, 06MAR95, 04MAR96.

Dados do Autor:

Nome: José Alberto Afonso Alexandre

E-mail: jaaalexandre[arroba]gmail.com ou jaaalexandre[arroba]hotmail.com

Mestre em Inovação e Políticas de Desenvolvimento (Universidade de Aveiro)

Licenciado em Geografia (Universidade de Coimbra)

Publicação em «monografias.com» de:

«O planeamento estratégico como instrumento de desenvolvimento de cidades de média dimensão», (https://www.monografias.com/pt/trabalhos/planeamento-cidades/planeamento-cidades.shtml);

«Rumo à sustentabilidade: o planeamento urbano participativo», (https://www.monografias.com/pt/trabalhos2/sustentabilidade-urbana/sustentabilidade-urbana.shtml);

O turismo em Portugal: evolução e distribuição, (https://www.monografias.com/pt/trabalhos2/turismo-portugal/turismo-portugal.shtml).

 

 

Autor:

José Alberto Afonso Alexandre

jaaalexandre[arroba]gmail.com

1996



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.