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Este capítulo abordará brevemente os princípios processuais penais mais comumente mencionados pela doutrina e jurisprudência e que estejam de qualquer forma relacionados com o princípio da dúvida razoável ou reasonable doubt.
Esclarece-se que o objetivo deste capítulo é enfatizar a importância destes princípios constitucionais para a compreensão do tema principal.
2.1 PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA OU PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE
Este princípio adveio de ideais iluministas e se positivou pela primeira vez no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Posteriormente, foi reafirmado na Declaração Americana de Direitos e Deveres, em 1948 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
Disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal brasileira, esclarece que todo acusado é presumido inocente até que seja declarado culpado em sentença condenatória transitada em julgado. Garante, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. De acordo com Guilherme de Souza Nucci[3]as pessoas nasceriam inocentes, sendo este seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao juiz, a culpa do réu.
Decorre ainda deste princípio a excepcionalidade dos tipos de prisões processuais, eis que, como sabido, a prisão preventiva ou temporária somente poderá ser decretada se presentes os elementos autorizadores que justifiquem tal medida (indícios suficientes que constituam suspeita válida de culpa, somados aos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal – garantia da ordem pública, econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal).
2.2 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Encontra-se fundamentado no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal e dispõe que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
De acordo com Edilson Mougenot Bonfim[4]"devido processo legal" é expressão que deriva do inglês due processo of law, constituindo, basicamente, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade. Afirma este autor que a origem histórica do princípio é inglesa (artigo 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem Terra aos barões ingleses), muito embora a concepção moderna do princípio se deva, em grande medida, à construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana.
O devido processo legal é aquele estabelecido em lei e trata-se de uma garantia, atendendo aos ditames constitucionais. Mougenot afirma que a doutrina moderna o considera como "cláusula de segurança" do sistema jurídico, classificando-o em devido processo legal material e devido processo legal formal.
O devido processo legal em sentido material ou substancial refere-se ao direito material das garantias do cidadão, protegendo o cidadão contra qualquer atividade estatal violadora de um direito fundamental. A aplicação deste princípio, em seu sentido material depende da análise de cada caso concreto, a fim de verificar se houve ou não, por parte do Estado, violação de um direito particular.
Já o devido processo legal formal assegura a tutela de bens jurídicos por meio do devido procedimento. Garante que o acusado deverá ser processado segundo forma legalmente prevista, exigindo que o Estado obedeça ao procedimento previamente fixado pelo legislador, vedada a supressão de fases ou a desordem do processo. Como ressaltado por Tucci[5]o substantive due process of law reclama "um instrumento hábil à determinação exegética das preceituações disciplinadoras dos relacionamentos jurídicos entre os membros da comunidade".
2.3 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
Assim dispõe o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Guilherme de Souza Nucci[6]explica de maneira prática que do princípio do contraditório se depreende que de toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar. Este princípio serve para a acusação e para a defesa e de certa maneira também está contido no conjunto das garantias que constituem o princípio do devido processo legal.
Já a ampla defesa garante o direito ao réu de "se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação". De acordo com Mougenot[7]este princípio não supõe uma infinitude de produção defensiva, mas ao contrário, que esta se produza pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado pela lei.
A defesa pode ser exercida de duas formas, por meio da defesa técnica e da autodefesa. A defesa técnica é aquela onde o réu constitui ou nomeia advogado habilitado para representar seus interesses, ou caso não tenha condições de contratar um, poderá ser representado por defensor público ou dativo, nomeado pelo Juízo. A auto defesa é aquela exercida pelo próprio acusado e assegura ao réu o direito de influir diretamente na formação da convicção do juiz (interrogatório judicial) e de comparecer pessoalmente em todos os atos processuais.
Esclareça-se, por fim, que a plenitude de defesa é direito mais pleno e completo que a ampla defesa. Trata-se de direito previsto para os acusados perante o Tribunal do Júri. A diferença entre os dois princípios é evidente, eis que, perante o juiz togado, o acusado tem a possibilidade de apresentar provas e oferecer dados técnicos, onde o magistrado considerará estas provas e a da acusação, e, de acordo com a lei, julgará. Já no Júri, as decisões são tomadas por convicção íntima dos jurados, sem fundamentação, tornando-se indispensável que a defesa atue de modo completo e até mesmo, nas palavras de Nucci, perfeito.
2.4 PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL
Nucci[8]inicia a explanação desse princípio com a análise do conceito da verdade. Para este autor, a verdade é sempre relativa, até findar com a conclusão de que há impossibilidade real de se extrair, nos autos, o fiel retrato da realidade do crime. Cita Malatesta (A lógica das provas em matéria criminal, v. 1, p. 22) afirmando que "certeza e verdade nem sempre coincidem; por vezes duvida-se do que objetivamente é verdadeiro; e a mesma verdade que parece certa a um, a outros parece por vezes duvidosa quiçá até mesmo falsa a outros ainda".
Este princípio impõe ao julgador buscar pela verdade mais próxima possível da absoluta. Conforme assevera Nucci[9]
"Implica provocar no espírito do juiz um sentimento de busca, de inconformidade com o que lhe é apresentado pelas partes, enfim, um impulso contrário à passividade. Afinal, estando em jogos direitos fundamentais do homem, tais como liberdade, vida, integridade física e psicológica e até mesmo honra, que podem ser afetados seriamente por uma condenação criminal, deve o juiz sair em busca da verdade material, aquela que mais se aproxima do que realmente aconteceu"
No mesmo sentido entende Mougenot[10]ao ressaltar que o dever de produção das provas não é somente das partes. Havendo interesses maiores em discussão, a prova será produzida em favor da sociedade.
Ressalte-se que nosso ordenamento contém diversos dispositivos autorizando a determinação de provas por parte do magistrado, como por exemplo os artigos 156, incisos I e II, 209 e 234 do Código de Processo Penal, dentre outros:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.
Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível.
Por último esclareça-se que o princípio da verdade real muito se diferencia da verdade formal, aplicada ao processo civil, eis que nesta o juiz não está obrigado a buscar provas, cabendo a este, em regra, julgar o mérito com as próprias provas produzidas pelas partes.
Este capítulo traçará, brevemente, a origem do in dubio pro reo, abordando seu significado e como vem sendo aplicado nos tribunais brasileiros.
3.1 ORIGEM DO IN DUBIO PRO REO
O princípio in dubio pro reo está intimamente ligado ao princípio da presunção da inocência e sua origem advém, como esperado, do direito romano.
No seu significado atual, começou a surgir no século XVIII, na época do Iluminismo, com o fim de introduzir no processo penal a liberdade individual, até então negada.
Cristina Bissaco, em sua tese de doutorado, "Il canone in dubio pro reo: tra concezione classica e moderna della prova"[11], afirma que a origem do princípio certamente pode ser rastreada ao direito romano pagão. Explica que Ferrajoli e De Dominicis concordam que a origem do princípio remonta a um tratado de Traiano (98-117 d.C), endereçado a um certo Adisidiu Severus e proferida por Ulpianus (Libro Septimo de officio proconsulis-Dog. 48, 12, § 5º). Nele se pode ler: "Sed nec de suspicionibus debere aliquem damnari divus Traianus Adisidio Severo rescripsit: statius enim essi impunitum delinqui facinum nocentis quam inocentem condemnari". De acordo com essa passagem, no caso de meras suspeitas, preferível seria um condenado livre que um inocente condenado. Verifica-se, no entanto, que muito embora o princípio tenha aparecido, ainda estava em formação, eis que "a mera suspeita" já seria causa para a absolvição do acusado.
Após esta passagem, diversos tratados começaram a surgir, inserindo o princípio em seus conteúdos (Celsus, 29 digestorum, D. 1.3.18; Gaius, 3 de legatis ad edictum urbicum, D. 50.17.56; Hermogenianus, 1 ad epitomarum, D. 48.19.42). No entanto, o princípio começou a aparecer com força na idade pós clássica (IV e V d.C), graças a influência do cristianismo (favor miserarum e l"humanitas) sobre o direito clássico. A tolerância exercida aos cristãos resultou no reconhecimento, por Teodosio I em 380 d.C, da religião cristã como oficial do reino e a partir deste momento a igreja entrou na vida e na organização social do Estado, com relevantes consequências também no direito[12]
Bissaco sustenta que uma das obras mais importantes e influenciadoras do princípio teria sido a obra de Paolo, intitulada "Pauli, libri Quinque Sententiarum ad filium?" onde seria retratado um julgamento não unânime, onde um dos julgadores queria a alforria de um escravo comum e o outro não. Esta obra retrataria diversos pontos de vista, dentre os quais, que a dúvida de algum dos julgadores aumentaria o direito daquele sendo julgado, restando por fim o entendimento de que no caso de empate, um a favor e outro contra o acusado, prevaleceria o primeiro.
Assim, o princípio in dubio pro reo foi se materializando até chegar à conceituação atual, que será brevemente abordada nos próximos tópicos.
3.2 CONCEITO DO IN DUBIO PRO REO
In dubio pro reo significa, na dúvida, a favor do réu, ou, na dúvida, soluciona-se em favor do acusado. Menciona-se ainda, o benefício da dúvida, onde pode ser conceituado como favor, mercê, graça.
Távora e Rodrigues Alencar[13]explicam que a dúvida sempre milita em favor do acusado e asseveram que, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do acusado, este último deve prevalecer. Afirmam que este direito está positivado no inciso VI do artigo 386 do Código de Processo Penal, que prevê como hipótese de absolvição do réu a ausência de provas suficientes a corroborar a imputação formulada pelo órgão acusador.
Já Badaró[14]inicia as explicações ressaltando inexistirem diferenças entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade, ressaltando ainda que:
O processo, e em particular o processo penal é um microcosmo no qual se refletem a cultura da sociedade e a organização do sistema político. Não se pode imaginar um Estado de Direito que não adote um processo penal acusatório e, como seu consectário necessário, o in dubio pro reo. A presunção de não culpabilidade é um fundamento sistemático e estrutural do processo acusatório. O princípio da presunção de inocência é reconhecido, atualmente, como componente basilar de um modelo processual penal que queira ser respeitador da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana. Há um valor eminentemente ideológico na presunção de inocência. Liga-se, pois, à própria finalidade do processo penal: um processo necessário para a verificação jurisdicional da ocorrência de um delito e sua autoria.
De acordo com o renomado autor, além de assegurar a todo e qualquer indivíduo um prévio estado de inocência, afastado somente pela plena prova da prática de um delito, a presunção da inocência, sob o aspecto probatório, representa a regra de julgamento a ser utilizada pelo juiz quando houver dúvida sobre fato relevante no processo. O in dubio pro reo liga-se, pois, ao ônus da prova, mais especificamente, ao chamado ônus objetivo da prova.
Nas palavras do autor:
"Trata-se, pois, de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, o contrário do que é garantido pela presunção de inocência, impondo a necessidade de certeza."
Badaró discorre ainda sobre o ônus da prova como fenômeno garantista no processo penal, explanando que a identificação da regra de julgamento com o in dubio pro reo revela o conteúdo garantista do ônus da prova. Assevera[15]
"Inicialmente, todo acusado tem o direito à prova, enquanto possibilidade de se levarem ao processo todos os elementos necessários à demonstração de sua inocência. Ainda que sob um enfoque subjetivo, mesmo não incidindo sobre o acusado o ônus de provar sua inocência, cabendo à acusação o encargo de provar sua culpabilidade, é inegável que existe um interesse do acusado em demonstrar sua inocência. Para tanto, ele alega fatos que lhe são favoráveis. Mas não basta alegar, mesmo tendo o ônus da prova a seu favor, o acusado tem de poder influenciar o convencimento judicial, provando que os fatos que lhe são favoráveis são verdadeiros.
Porém, mesmo que o direito à prova tenha sido plenamente exercido – não só pelo acusado, mas também pelo Ministério Público ou pelo querelante – é possível que, ao final do processo, haja dúvida sobre os fatos relevantes. Eis o momento em que o ônus objetivo da prova no processo penal irá efetivar a garantia da presunção da inocência, impondo a absolvição, como decorrência do in dubio pro reo."
Badaró[16]tece comentários sobre a aplicabilidade do princípio no caso de dúvida quanto ao álibi do acusado, concluindo pela plena aplicação da regra e afirma que não se pode admitir uma presunção relativa em favor da acusação nem uma inversão legal do ônus da prova, que incumbe ao Ministério Público.
Outros processualistas também definem o princípio. Guilherme de Souza Nucci[17]afirma que, na relação processual, em caso de conflito entre a inocência do réu – e sua liberdade – e o poder-dever do Estado de punir, havendo dúvida razoável, deve o juiz decidir em favor do acusado. Exemplifica a previsão de absolvição quando não existir prova suficiente da imputação formulada (artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal). Explana ainda que[18]
"Por outro lado, quando dispositivos processuais penais forem interpretados, apresentando dúvida razoável quanto ao seu real alcance e sentido, deve-se optar pela versão mais favorável ao acusado, que, como já se frisou, é presumido inocente até que se demonstre o contrário. Por isso, a sua posição, no contexto dos princípios, situa-se dentre aqueles vinculados ao indivíduo, sendo, ainda, considerado como constitucional implícito. Na realidade, ele se acha conectado ao princípio da presunção da inocência (artigo 5º, LVII, CF), constituindo autêntica consequência em relação ao fato de que todos os seres humanos nascem livres e em estado de inocência. Alterar esse estado dependerá de prova idônea, produzida pelo órgão estatal acusatório, por meio do devido processo legal."
Após esta breve análise acerca do histórico e conceito do princípio in dubio pro reo, passa-se a verificar como vem sendo aplicado nos tribunais brasileiros.
3.3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS
O Supremo Tribunal Federal, em recente ação penal julgada em 18/11/2014 e publicada em 05/02/2015[19]por meio do Relator Dias Toffoli, absolveu um ex-secretário de estado e atual deputado federal do crime de peculato com base no referido princípio. Afirmou que não restou comprovado que a ordem do desvio de finalidade das doações (que teriam sumido) teria sido feita pelo réu, bem como que, pairando dúvida razoável sobre fato ou existência do crime, deve ser considerado como inexistente, não provado. Diante da fragilidade probatória, aplicou, por fim, o in dubio pro reo e absolveu o acusado.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, nos últimos anos tem entendido de maneira diversa. Aplicando a Súmula 7 (a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial), vem se manifestando no sentido de que a aplicação do in dubio pro reo para absolvição por insuficiência de provas, seria inviável no âmbito daquela Corte, na medida que implicaria em uma análise de todo o contexto fático-probatório, indo em desacordo com a citada Súmula[20]
O Tribunal de Justiça do Paraná vem aplicando o princípio de diversas maneiras. Vejamos.
Em 14/05/2015, a 3ª Câmara Criminal, Relator José Cichoki Neto, manteve a sentença de primeiro grau que desclassificou o delito de tráfico para uso de drogas, com fulcro no in dubio pro reo. Consta do voto que, no dia 24/12/2013, o réu possuía entorpecente em seu poder, bem como que tal droga se destinaria à venda e consumo de terceiros. Ocorre que o Ministério Público não logrou êxito em comprovar que os entorpecentes se destinavam, de fato, à traficância. Conforme ressaltado pelo Juiz de primeiro grau que julgou o processo e citado pelo relator:
"Incumbe à acusação provar de forma inequívoca a destinação mercantil do entorpecente apreendido, ônus do qual não se desincumbiu. A dúvida favorece ao acusado, na medida em que a sentença penal condenatória somente pode embasar-se em elementos concretos de prova ou prova cabal da ação delituosa, do que não se cogita na hipótese"[21].
A 5ª Câmara Criminal, Relator Jorge Wagih Massad, em julgamento ocorrido em 14/05/2015, reformou em parte uma sentença condenatória de roubo, absolvendo a ré quanto ao delito de associação criminosa por escassez probatória e com base no in dubio pro reo, estendendo, ainda, os efeitos da absolvição quanto ao outro réu[22]
Assim, feita esta breve análise dos princípios constitucionais e processuais penais mais relevantes, bem como, da aplicação do in dubio pro reo nos tribunais brasileiros, passa-se ao estudo do standard beyond a reasonable doubt.
Antes de iniciar o estudo deste capítulo, faz-se necessário tecer alguns comentários acerca de duas expressões jurídicas americanas ainda não traduzidas ou não adequadamente traduzidas para o Brasil, quais sejam, "beyond a reasonable doubt" e "standard". Como o primeiro conceito foi trazido recentemente para o Brasil, a sua tradução se deu ao pé da letra, resultando em "além da dúvida razoável". Quanto à palavra "standard", que seria tradução da palavra padrão e que guarda pouca relação com o tema a seguir abordado, esclareça-se que será utilizada a própria palavra em inglês, ante a inexistência de tradução com significado idôneo.
Quanto ao significado de standard, a doutoranda e Juíza de Direito do Paraná, Simone Trento[23]defende que seria a intensidade de prova a ser alcançada para que o juiz possa proferir uma decisão fundada em certo fato jurídico. Este standard indica um ponto mínimo que deve ser alcançado para que se chegue à constatação dos fatos objetos da prova.
Já beyond a reasonable doubt, de acordo com os autores americanos James Q. Whitman[24]e Milley W. Shealey Junior[25]seria um conceito que a própria Suprema Corte Americana falhou em definir com precisão.
Whitman[26]inicia seu artigo afirmando que nos Estados Unidos, pelo menos na teoria, ninguém poderá ser condenado por um crime sem absoluta certeza sobre sua culpa. Explica que se o réu não confessar, todos os elementos essenciais da culpa deverão ser comprovados ao Júri e provados beyond a reasonable doubt. Quanto à expressão, esclarece que não está expressa na Constituição, bem como que passou a ser aplicada nos Estados Unidos a partir de 1798, tendo sido reconhecida pela Suprema Corte americana como standard do direito constitucional somente em 1970. A partir deste momento, a Corte teria passado a insistir na fundamental importância da aplicação deste princípio.
O referido autor americano critica seu próprio sistema, ressaltando que o conceito se perdeu e que para entendê-lo é preciso estudar as origens da expressão reasonable doubt, esquecidas em um mundo moderno e que remontam à teologia cristã.
4.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO STANDARD DE JULGAMENTO AMERICANO "BEYOND A REASONABLE DOUBT"
Originalmente, a expressão reasonable doubt ou dúvida razoável, não destinava-se a proteger o acusado e tinha uma função totalmente diferente, qual seja, de proteger a alma dos jurados contra a condenação ao inferno.
Na tradição cristã antiga, condenar um inocente era um pecado mortal. O propósito da "dúvida razoável" era abordar esta possibilidade assustadora, tranquilizando os jurados que eles poderiam condenar o réu sem arriscar sua própria salvação, contanto que as suas dúvidas sobre a culpa não fossem razoáveis.
De acordo com Whitman, a história da regra da dúvida razoável seria a luta entre os ingleses e os desafios cristãos ocidentais universais. Os cristãos também eram jurados e portanto, se submetiam aos atos de julgamento. Durante a Idade Média inglesa, os jurados não eram obrigados a ditar o veredicto de "culpado" e portanto não colocavam as suas almas em risco, no entanto, no período moderno, o medo da condenação surgiu e esta situação mudou. Os jurados tinham muito receio de condenar alguém quando houvesse a mínima possibilidade de inocência. Veja-se:
"As an eighteenth-century guide to the Englishman"s civic duties ominously reminded its readers: "The Office and Power of these Juries is Judicial, they only are the Judges from whose Sentence the Indicted are to expect Life or Death."
Yet within the Christian tradition this was an "Office and Power" fraught with danger. To be a juror was potentially to "build yourself a mansion in Hell"—"to pawn [your] Soul," as a famous seventeenth-century pamphlet put it. There is plenty of evidence that Christian jurors took this quite seriously, especially at the end of the eighteenth century. As the moral philosopher William Paley described the situation in 1785, jurors experienced[27]"a general dread lest the charge of innocent blood should lie at their doors." Jurors simply did not want to convict, Paley complained: In their "weak timidity," they held it "the part of a safe conscience not to condemn any man, whilst there exists the minutest possibility of his innocence."[28]
Foi em resposta a este medo dos jurados que o standard da dúvida razoável foi introduzido no common law entre 1770 e 1780. Os jurados buscavam preservar a sua consciência, recusando-se a condenar o acusado enquanto tivessem algum grau de dúvida da culpa.
Whitman cita as palavras de John Adams aos jurados no julgamento do Massacre de Boston em 1770, repetindo a linguagem da teologia moral que data da Idade Média, "Where you are doubtful never act: that is, if you doubt of the prisoner"s guilt, never declare him guilty; that is always the rule, especially in cases of life[29]Traduzindo livremente, se os jurados tivessem dúvida, nunca deveriam condenar o acusado, esta seria a regra, especialmente nos casos de vida.
Foi neste contexto religioso, motivado pela relutância à condenação que a dúvida razoável surgiu, assumindo sua forma atualmente conhecida em 1780. A teologia moral cristã sempre deixou espaço para ignorar as dúvidas que não eram razoáveis e a justiça criminal inglesa abraçou este conceito com o objetivo de convencer os jurados de que poderiam condenar os réus sem risco para a segurança de sua salvação, desde que as suas dúvidas não fossem razoáveis.
Whitman explica que o standard da dúvida razoável não teria sido criado para dificultar o julgamento e sim para tornar a condenação mais fácil, assegurando aos jurados que as suas almas estariam seguras caso condenassem o réu. Na sua forma original, nada tinha a ver com a manutenção dos direitos fundamentais e de liberdade. Teria sido resultado de um mundo perturbado por ansiedades morais que não mais nos assolam.
4.2 O CONCEITO DA DÚVIDA RAZOÁVEL NOS DIAS ATUAIS
Miley Junior inicia seu artigo "A reasonable doubt about reasonable doubt"[30] questionando qual seria a definição de razoável. Afirma que o conceito pode ser uma invenção americana, bem como que trata do direito que cada cidadão acusado possui de ter o governo provando seu caso contra ele além de uma dúvida razoável. Esclarece que este direito está no núcleo de liberdade e que seria um baluarte do sistema de justiça criminal.
De acordo com o referido autor, o primeiro caso envolvendo a definição de dúvida razoável ocorreu no julgamento de Miles x. Estados Unidos[31]que envolvia uma acusação de bigamia em Utah. A Corte definiu reasonable doubt da seguinte maneira para os jurados:
"The prisoner"s guilt must be established beyond reasonable doubt. Proof beyond a reasonable doubt is such as will produce an abiding conviction in the mind to a moral certainty that the fact exists that is claimed to exist, so that you feel certain that it exists. A balance of proof is not sufficient. A juror in a criminal case ought not to condemn unless the evidence excludes from his mind all reasonable doubt; unless he be so convinced by the evidence, no matter what the class of the evidence, of the defendant"s guilt, that a prudent man would feel safe to act upon that conviction in matters of the highest concern and importance to his own dearest personal interests."
Conforme tradução livre e adaptada, a culpa do réu deve ser demonstrada além da dúvida razoável. A prova além da dúvida razoável é algo como uma forte convicção, uma certeza moral de que o fato realmente ocorreu, trazendo a segurança para o julgador de que ele, de fato, existiu. Um equilíbrio entre as provas não é suficiente. O jurado em um caso criminal não deve condenar o réu ao menos que as evidências excluam da sua mente toda e qualquer dúvida razoável.
Shealy Junior afirma que no famoso caso de Winship[32]a Corte demonstrou o valor da prova além da dúvida razoável, explicando que o standard seria um dos elementos essenciais para um processo criminal equitativo e tratamento justo. O autor cita trecho do julgamento de Coffing X Unitates States (1895):
"The reasonable-doubt standard plays a vital role in the American scheme of criminal procedure. It is a prime instrument for reducing the risk of convictions resting on factual error. The standard provides concrete substance for the presumption of innocence—that bedrock "axiomatic and elementary" principle whose "enforcement lies at the foundation of the administration of our criminal law."
Atualmente, os dois casos americanos mais importantes e que melhor definiriam a dúvida razoável, de acordo com Shealy, seriam Cage V. Louisiana e Victor V. Nebraska.
Em Cage, a defesa contestou a acusação fundamentando que o tribunal deu inadequada instrução acerca da dúvida razoável para o júri.
A instrução da Corte ao Júri, em tradução livre e adaptada, foi a seguinte[33]
"Se você considerar a dúvida razoável como qualquer fato ou elemento necessário para constituir a culpa do réu, é seu dever dar-lhe o benefício da dúvida e o veredicto de não culpado. Ainda que as evidências demonstrem uma probabilidade de culpa, se ela não for além da dúvida razoável, o acusado deverá ser absolvido. Esta dúvida, no entanto, deve ser razoável e fundada sob uma verdadeira base tangível e não pode derivar de meras conjecturas. Deve ser uma dúvida tão grande que crie uma grave incerteza, levantando em sua mente insatisfação com as provas ou a ausência delas. A dúvida razoável não é uma mera dúvida. É uma dúvida real substancial que um homem médio possa ter. O que é necessário não é uma absoluta ou matemática certeza e sim uma certeza moral."
Esta definição é considerada uma das mais atuais e muito embora ainda haja muita controvérsia sobre o tema, vem sendo utilizada pela doutrina estrangeira e inclusive nacional.
Deltan Martinazzo Dallagnol, em recente obra de 2015 intitulada "As lógicas das provas no processo[34]disserta sobre o standard da dúvida razoável. De acordo com o referido autor, o objetivo do tópico seria introduzir o standard anglo-americano como uma alternativa aos conceitos inadequados de verdade e certeza, na indicação de um nível de convicção suficiente para uma condenação criminal.
Dallagnol menciona[35]
"Gardner e Anderson mencionam que, desde o século XVII, cortes inglesas já reconheceram que a culpa do réu nunca era estabelecida com absoluta segurança: "Um júri poderia não ter certeza da culpa do réu para além de qualquer dúvida porque uma chance sempre existia, não importa o quanto improvável, de que o réu fosse inocente". A partir disso, as cortes passaram a orientar os júris que declarassem o réu culpado quando houvesse "certeza moral". Nos Estados Unidos, a partir de 1850, os julgadores evoluíram para passar a instruir os júris com base no reasonable doubt standard. A dúvida razoável era conceituada então por exclusão: não consiste em uma dúvida meramente possível, pois tudo em assuntos humanos está aberto a uma dúvida possível ou imaginária."
Dallagnol reproduz ainda a instrução citada aos jurados no caso Victor v. Nebraska[36]
"A acusação tem o ônus de provar que o réu é culpado para além de uma dúvida razoável. Alguns de vocês podem ter servido como jurados em casos civis, onde vocês escutaram que é necessário apenas provar que o fato é mais provável do que não verdadeiro. Em casos criminais, a prova da acusação deve ser mais poderosa do que aquilo. Ela deve ser para além de uma dúvida razoável.
Prova para além de uma dúvida razoável é prova que deixa você firmemente convencido da culpa do réu. Há muitas poucas coisas neste mundo que nós sabemos com certeza absoluta, e em casos criminais o direito não requer prova que supere cada possível dúvida. Se, baseado em sua consideração da prova, você está firmemente convencido de que o réu é culpado do crime imputado, você deve considerá-lo culpado. Se, por outro lado, você achar que há uma possibilidade real de que ele não seja culpado, você deve dar-lhe o benefício da dúvida e considera-lo não culpado."
Interessante ainda a abordagem do referido autor quando assevera que a instrução aos jurados seria melhor se afirmassem que o réu deverá ser absolvido quando houver uma possibilidade razoável de que não seja culpado. Afirma que seria uma expressão mais apropriada, pois a aproximação do conceito de reasonable doubt por exclusão, ou pela definição de limites evidentes, na linha da jurisprudência da Suprema Corte: é menos do que uma dúvida substancial e mais do que meras possibilidades.
Internacionalmente o standard é adotado pelo Tribunal Penal Internacional por determinação do Estatuto de Roma, conforme artigo 66, item 3: "para proferir sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável"[37].
Neste capítulo brevemente serão abordadas as diferenças e similitudes entre o princípio in dubio pro reo e o standard beyond a reasonable doubt.
Conforme já anteriormente explicitado, ambos são utilizados na fundamentação das decisões condenatórias, absolutórias ou em Júris.
Conforme já explicitado, ambos são utilizados na fundamentação das decisões condenatórias, absolutórias ou em Júris.
Sendo muito parecidos e de certa forma conexos, o padrão de condenação anglo-americano beyond a reasonable doubt exige que a acusação traga todos os elementos de prova necessários para formar a culpa do réu além da dúvida razoável ou melhor, além de uma possibilidade razoável de inocência.
Diferentemente do in dubio pro reo, o standard americano admite uma condenação quando houver dúvida, desde que esta dúvida seja ínfima, imaginária, não razoável, eis que vivemos em um mundo onde a verdade real nunca (ou quase nunca) será alcançada. O princípio in dubio pro reo não avalia o grau de dúvida do julgador, determinando tão somente que, em caso de dúvida e em respeito ao princípio da presunção de inocência, o acusado deverá ser absolvido.
Neste sentido, disserta Dallagnol[38]ao afirmar que o standard beyond a reasonable doubt assume a realidade de que a verdade e a certeza são inalcançáveis ou inadequadas, e ao mesmo tempo, infunde a necessidade de uma dose bastante significativa de segurança para a condenação criminal. Dentro dessa ideia, o autor ressalta que apenas a dúvida que seja razoável, e não qualquer dúvida, afasta a condenação, nesse sentido devendo ser compreendido o in dubio pro reo.
No Brasil, verifica-se a aplicação deste standard em diversos julgados, principalmente nos julgados com bastante repercussão, como "Mensalão" e "Lavajato".
Em um dos casos mais famosos do Brasil, denominado "Mensalão" (SP 470), aplicou-se o padrão americano de condenação. O relator Joaquim Barbosa cita, em certo momento que as provas e indícios revelaram a procedência da acusação além da dúvida razoável:
"Dentre as provas e indícios que, em conjunto, conduziram ao juízo condenatório, destacam-se as várias reuniões mantidas entre os corréus no período dos fatos criminosos, associadas a datas de tomadas de empréstimos fraudulentos junto a instituições financeiras cujos dirigentes, a seu turno, reuniram-se com o organizador do esquema a participação, nessas reuniões, do então Ministro-Chefe da Casa Civil, do publicitário encarregado de proceder à distribuição dos recursos e do tesoureiro do partido político executor das ordens de pagamento aos parlamentares corrompidos; os concomitantes repasses de dinheiro em espécie para esses parlamentares corrompidos, mediante atuação direta do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e dos publicitários que, à época, foram contratados por órgãos e entidades públicas federais, dali desviando recursos que permitiram o abastecimento do esquema; existência de dezenas de "recibos", meramente informais e destinados ao uso interno da quadrilha, por meio dos quais se logrou verificar a verdadeira destinação (pagamento de propina a parlamentares) do dinheiro sacado em espécie das contas bancárias das agências de publicidade envolvidas; declarações e depoimentos de corréus e de outras pessoas ouvidas no curso da ação penal, do inquérito e da chamada "CPMI dos Correios"; tudo isso, ao formar um sólido contexto fático probatório, descrito no voto condutor, compõe o acervo de provas e indícios que, somados, revelaram, além de qualquer dúvida razoável, a procedência da acusação quanto aos crimes de corrupção ativa e passiva."
Cita-se outros casos do Supremo Tribunal Federal que utilizaram o standard:
EMENTA DIREITO PENAL. AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. OPERAÇÃO SANGUESSUGA. FRAUDE EM LICITAÇÃO. CRIME DO ART. 90 DA LEI 8.666/1993. CORRUPÇÃO PASSIVA. QUADRILHA. DEPUTADO FEDERAL. FALTA DE PROVA HÁBIL. ABSOLVIÇÃO. 1. A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a melhor formulação é o "standard" anglo-saxônico - a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável -, consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 2. À falta de prova suficiente da participação do acusado, Deputado Federal, nos crimes licitatórios praticados com verbas decorrentes de emendas parlamentares de sua autoria, bem como do recebimento de vantagem indevida em decorrência das emendas parlamentares e, ainda, de associação a grupo dedicado à prática de fraudes e peculatos na aquisição de ambulâncias com recursos federais, impõe-se a absolvição. 3. Ação penal julgada improcedente. (AP 521, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 02/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 05-02-2015 PUBLIC 06-02-2015);
EMENTA Queixa-crime ajuizada contra parlamentar. Injúria. Delito praticado por meio de matéria divulgada em periódico escrito. Alegada falta de justa causa por inexistência de dolo específico voltado a atingir a honra da vítima. Necessidade da dilação probatória. Subsunção dos fatos à conduta típica descrita na inicial acusatória. Queixa recebida. 1. A verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa) revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal. A inexistência de dolo específico é questão que deve situar-se no âmbito da instrução probatória, por não comportar segura ou precisa análise nesta fase processual, que é de formulação de um simples juízo de delibação. 2. As condutas em foco, todavia, se amoldam, em tese, ao delito invocado na peça acusatória, sendo que a defesa apresentada pelo querelado não permite concluir, de modo robusto, ou para além de toda dúvida razoável, pela improcedência da acusação. 3. Queixa recebida. (Inq 2968, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/05/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00021)
Interessante trazer trecho do voto do Ministro Relator Celso de Mello (HC 88.875, Amazonas), no qual discorre sobre a presunção de inocência e aplica o standard da dúvida razoável:
"Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa ("nullum crimen sine culpa"), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do "versari in re illicita", banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes . AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.
Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita" (HC 88875, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07/12/2010, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 09-03-2012 PUBLIC 12-03-2012).
O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, tem utilizado o standard para absolver os acusados, relacionando a dúvida razoável com o in dubio pro reo:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 2º DA LEI N. 8.176/1991 E ART. 55 DA LEI N. 9.605/1998. CONCURSO FORMAL. PRESCRIÇÃO. FALTA DE PROVAS.
(...)
4. As provas que sustentam a acusação, além de terem sido integralmente colhidas na fase pré-processual, apresentam dados insuficientes e por vezes até colidentes, não permitindo aferir se os locais descritos na denúncia coincidem com aqueles descritos no relatório de viagem elaborado por servidores do Incra e com o laudo elaborado pela polícia federal, ou mesmo se os fatos ocorreram na mesma data. 5. O estado jurídico de inocência, corolário da dignidade da pessoa humana, exige para a condenação a certeza além da dúvida razoável, não sendo admissível sequer a alta probabilidade. Ausentes elementos de prova aptos a demonstrar os fatos imputados, devem os réus ser absolvidos com fundamento no art. 386, II, do CPP. Ação penal julgada improcedente, absolvendo-se os acusados com fundamento no art. 386, II, do CPP. (APn 719/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/11/2014, DJe 18/11/2014);
AÇÃO PENAL. ACUSAÇÃO EM FACE DE DESEMBARGADOR DO TRT. CRIMES DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO CONTRA A PRESIDENTE DO MESMO TRIBUNAL. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. É certo que "O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia" (Apn 473/DF, CORTE ESPECIAL, Rel. Ministro GILSON DIPP, DJe de 08/09/2008). 2. Entretanto, não se pode elidir, de pronto, o dolo específico do denunciado, na medida em que seu pronunciamento, em praça pública, em frete à sede do Tribunal, aos brados em carro de som, distribuindo cópias do seu "comunicado", atribui condutas delituosas a seus pares e sugere eventos difamatórios. 3. "A inexistência de dolo específico é questão que deve situar-se no âmbito da instrução probatória, por não comportar segura ou precisa análise nesta fase processual, que é de formulação de um simples juízo de delibação. Caso em que as condutas em foco se amoldam, em tese, aos delitos invocados na peça acusatória, sendo que a defesa apresentada pelo querelado não permite concluir, de modo robusto ou para além de toda dúvida razoável, pela improcedência da acusação" (Inq 2036/PA, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CARLOS BRITTO, DJ de 22/10/2004). 4. Denúncia recebida. (APn 712/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/11/2013, DJe 08/04/2014).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também tem aplicado o padrão americano em vários de seus julgados:
PENAL. OPERAÇÃO RODIN. FASE 2. INCIDENTE DE FALSIDADE. INAUTENTICIDADE DE DOCUMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO IN DUBIO PRO REO. INEXISTÊNCIA. 1. Tendo a perícia técnica aferido a autenticidade da assinatura aposta no contrato e a inexistência de elementos de falsificação em relação às folhas, formatação do texto, manchas de impressão e rubricas, correto o juízo singular que julgou improcedente o incidente de falsidade. 2. Inexistência de violação ao princípio constitucional in dubio pro reo, pois que, em favor do recorrente, à luz da prova pericial produzida, não milita dúvida razoável. 3. A circunstância de o recorrente ter, ou não, estado presente na ocasião da assinatura do contrato, o que alegadamente seria sustentado através da prova testemunhal, é questão que totalmente refoge ao âmbito do incidente de falsidade, o qual se limita a aferir a veracidade do documento impugnado. (TRF4 5055178-80.2013.404.7100, Sétima Turma, Relatora p/ Acórdão Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 01/06/2015);
PENAL. PROCESSUAL PENAL. PECULATO-FURTO (ARTIGO 312, § 1º, CÓDIGO PENAL). AUTORIA. COMPROVAÇÃO (ARTIGO 239, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL. TIPICIDADE. DISTINÇÃO COM PECULATO POR ERRO DE OUTREM (ARTIGO 313, CÓDIGO PENAL). 1. Se o conjunto do acervo probatório demonstra que a conduta típica narrada na denúncia foi praticada pela ré, e não dúvida razoável em favor da defesa, confirma-se a decisão que constatou provada a autoria. 2. Se a agente remove o objeto do local em que fora colocado e o introduz em sua bolsa, apropriando-se dele, não há peculato mediante erro de outrem (artigo 313, Código Penal), mas, sim, peculato-furto (artigo 312, § 1º, Código Penal). (TRF4, ACR 5008785-76.2013.404.7107, Sétima Turma, Relator p/ Acórdão Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 19/05/2015);
PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. 1. Ainda que o tipo penal do artigo 19, da Lei 7.492/86 tenha no dolo genérico o seu elemento subjetivo, o qual prescinde de finalidade específica para a prática do delito em questão, este, de fato, não restou devidamente comprovado na espécie, além de não haver prova de que um dos acusados não enquadraria, de fato, na categoria de agricultor familiar. 2. Não se está a afirmar, inequivocamente, a inocência dos réus, tampouco que eles não teriam, com certeza, agido mediante fraude para a obtenção do financiamento. Entretanto, a acusação não logrou provar terem eles cometido os delitos, de modo que, havendo dúvida razoável na hipótese dos autos, deve-se decidir pelo modo mais favorável aos acusados. (TRF4, ACR 5018287-94.2012.404.7100, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Victor Luiz dos Santos Laus, juntado aos autos em 14/05/2015).
Diversos tribunais por todo o Brasil têm aplicado o standard americano, inclusive o Tribunal de Justiça do Paraná, conforme se verá logo adiante. Pertinente se faz tecer comentários acerca da aplicação do referido padrão americano de condenação nas sentenças de primeiro grau referentes ao caso "Lava Jato", disponíveis no site do Ministério Público Federal[39]e ainda em grau recursal.
Na Ação Penal nº 502621282.2014.4.04.7000/PR[40]o Juiz Federal Sérgio Fernando Moro fala da admissão da prova indireta para a caracterização do crime de lavagem, ressaltando que o crime de lavagem de dinheiro reveste-se usualmente de certa complexidade, sendo difícil revelá-lo e prová-lo. Para Moro, admitir a validade da prova indireta para a caracterização do crime de lavagem não é diferente do que ocorre com outros crimes e isso não enfraquece as garantias do acusado, pois a prova, ainda que indireta, deve ser convincente para satisfazer o standard da prova acima de qualquer dúvida razoável. Entende, por fim, que quanto ao crime de lavagem estaria provada acima de qualquer dúvida razoável, a materialidade e a autoria.
Por fim, acrescenta-se a esta coletânea de julgados alguns acórdãos do Tribunal de Justiça do Paraná, que vem utilizando o standard juntamente com in dubio pro reo:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO TENTADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA - PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO - INADMISSIBI- LIDADE - PROVA QUE AUTORIZA A MANUTENÇÃO DA IMPUTAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO.1. O pedido de absolvição sumária exige certeza total da respectiva excludente, de modo que, havendo dúvida razoável, a pronúncia deve ser mantida.2. A desclassificação do crime de competência do Tribunal do Júri só é possível quando houver prova segura da alegada ausência da intenção de matar.
(TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1307706-2 - Marmeleiro - Rel.: Campos Marques - Unânime - - J. 07.05.2015);
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.APELAÇÃO 1. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. ACERVO PROBATÓRIO SEGURO A ATESTAR A RESPONSABILIDADE PENAL DO ACUSADO.PALAVRA DAS TESTEMUNHAS EM CONSONÃNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.ASSOCIAÇÃO PERMANENTE E DURADOURA NÃO COMPROVADA. ELEMENTO ESSENCIAL DO TIPO.ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. SEM ALTERAÇÕES A SEREM EFETUADAS QUANTO AO DELITO DE TRÁFICO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.APELAÇÃO 2. TRÁFICO DE DROGAS.ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA NÃO DEMONSTRADA.APELO DA DEFESA OBJETIVANDO A ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS.POSSIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL PARA MANTER A CONDENAÇÃO.PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ASSOCIAÇÃO PERMANENTE E DURADOURA NÃO COMPROVADA. ELEMENTO ESSENCIAL DO TIPO.ABSOLVIÇÃO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, COM EXPEDIÇÃO DE 2ALVARÁ DE SOLTURA SE POR "AL" NÃO ESTIVER PRESA."(...) Se estiver provada a excludente de ilicitude ou de culpabilidade, cabe a absolvição do réu. Por outro lado, caso esteja evidenciada a dúvida razoável, resolve-se esta em benefício do acusado, impondo-se a absolvição (in dubio pro reo) (...)". (Nucci, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008). (TJPR - 5ª C.Criminal - AC - 1312510-9 - Andirá - Rel.: Maria José de Toledo Marcondes Teixeira - Unânime - - J. 30.04.2015.
Após sucinta análise de julgados, passa-se a conclusão do presente trabalho.
Façamos uma breve recapitulação dos temas abordados no presente trabalho.
Após a introdução, analisou-se no segundo capítulo os principais princípios processuais penais, quais sejam, princípio da presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade; princípio do devido processo legal; princípio do contraditório e da ampla defesa e princípio da busca da verdade real.
No terceiro capítulo, estudou-se a origem e conceito do princípio in dubio pro reo, concluindo-se que a origem do princípio pode ser rastreada ao direito romano pagão. Verificou-se ainda que o princípio apareceu com força na idade pós-clássica, devido a influência do cristianismo sobre o direito clássico, podendo ser conceituado como uma regra de julgamento a ser utilizada pelo juiz em favor do acusado quando houver dúvidas sobre fatos relevantes no processo.
Citou-se Badaró, sob o entendimento que a regra deve ser aplicada, pois não se pode admitir uma presunção relativa em favor da acusação nem uma inversão legal do ônus da prova.
Alguns julgados foram colacionados, concluindo-se pela plena aplicação da regra in dubio pro reo pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do Paraná. O Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, tem optado pela inaplicabilidade do princípio no âmbito daquela Corte, na medida que implicaria em uma análise fático-probatória, indo em desacordo com a Súmula 7 daquela Corte.
No quarto capítulo, após introdução aos princípios processuais penais e breve estudo acerca do in dubio pro reo, iniciou-se os estudos do standard americano.
Em um primeiro momento, mostrou-se a importância do estudo do histórico da dúvida razoável, concluindo-se que o standard teria sua origem na tradição cristã antiga, bem como que o seu objetivo original seria proteger a alma dos jurados contra a condenação ao inferno, eis que à época, condenar um inocente seria um pecado mortal. Citou-se Whitman, um dos estudiosos da evolução histórica do reasonable doubt, concluindo-se que o standard teria sido criado para tornar o julgamento, por parte dos julgadores, mais fácil.
Na sua forma original, o standard não estaria relacionado à manutenção dos direitos fundamentais e dos ideais de liberdade. O referido padrão de julgamento garantiria, à época, que as almas dos jurados estariam seguras caso optassem pela condenação do acusado.
Quanto ao conceito da dúvida razoável nos dias atuais, explorou-se que seria um baluarte do sistema de justiça criminal anglo-americano, bem como que o standard seria um dos elementos essenciais para um processo criminal equitativo e tratamento justo. A prova além da dúvida razoável seria algo como uma forte convicção, uma certeza moral de que o crime ocorreu, trazendo segurança suficiente para o julgador que o fato realmente existiu.
Citou-se diversos julgados americanos, onde procurava-se instruir o júri acerca do standard reasonable doubt. Em um dos principais julgamentos americanos, definiu-se que a dúvida razoável, para merecer a absolvição, deveria ser fundada sob uma verdadeira base tangível e não poderia derivar de meras conjecturas. A dúvida deveria ser grande, criando grave incerteza e trazendo aos julgadores uma insatisfação com as provas produzidas.
Explorou-se a obra de Deltan Martinazzo Dallagnol, onde o referido autor abordou o standard como uma alternativa aos conceitos inadequados de verdade e certeza, na indicação de um nível de convicção suficiente para uma condenação criminal.
No quinto capítulo, abordou-se as diferenças e similitudes entre o princípio in dubio pro reo e o standard beyond a reasonable doubt, inferindo-se que, diferentemente do in dubio pro reo, o standard americano admitiria uma condenação, mesmo quando houvesse dúvida e desde que esta dúvida fosse ínfima, imaginária, não razoável.
Por último, colacionou-se alguns julgados brasileiros, demonstrando a aplicação do padrão americano no Brasil. Exemplificou-se a aplicação do referido standard em diversos julgados, inclusive no "Mensalão" e na "Lavajato".
Conforme restou demonstrado no presente trabalho monográfico, o reasonable doubt trata-se de um standard anglo-americano que aos poucos vem sendo inserido nos julgamentos brasileiros.
É sabido que a verdade real dificilmente será atingida, motivo pelo qual alguns julgadores vêm sustentando suas decisões na dúvida razoável.
Como ter certeza que aquele homicídio foi realmente praticado pelo agente? Testemunhas visuais podem ser confundidas, vídeos podem ser editados, as provas podem ser interpretadas de diversas maneiras. Ainda, um julgamento realizado por um ser humano ou diversos deles, sempre estará suscetível a interferências, como erros e emoções do próprio julgador. Como garantir que o julgador, ao tomar conhecimento da prática delituosa, não se apegue a primeira impressão, condicionando todo o processo a este entendimento? (Quadro mental paranoico do Julgador[41]Todos estes questionamentos vêm sendo discutidos durante muitos anos, quiçá séculos , ainda sem aparente solução.
A verdade real é inalcançável e esta autora defende que o standard americano, desde que devidamente aplicado nos tribunais brasileiros, pode contribuir para a compreensão de que os julgamentos não são perfeitos pois a prova é quase sempre imperfeita, admitindo interpretações diversas.
Veja-se que em nenhum momento foi defendido que o in dubio pro reo não deverá ser aplicado no caso de dúvidas quanto à fato relevante. Pelo contrário, o que se defende aqui é que uma tese de absolvição deverá ser devidamente fundamentada, explorando a viabilidade da dúvida e a probabilidade de inocência do acusado.
A dúvida, para ensejar a absolvição, deverá ser tamanha que cause ao julgador um constrangimento moral no caso de condenação. Persistindo dúvida comum, àquela repleta de hipóteses imaginárias ou conjecturas inventadas pela defesa, deverá ser admitida a condenação, sem qualquer desrespeito aos princípios de presunção de inocência e de liberdade.
Verifica-se, portanto, que o standard beyond a reasonable doubt é um padrão probatório plenamente compatível com o direito processual penal brasileiro, respeitando os princípios de presunção de inocência e in dubio pro reo.
Ressalta-se por fim que, de acordo com a teoria defendida por esta autora, admitir a existência de dúvidas no julgamento poderá levar a uma condenação ou absolvição, lembrando que a condenação estará sempre condicionada a existência e produção de provas além da dúvida razoável.
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Ônus da prova no processo penal. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais.
BISSACO, Cristina. Il canone in dubio pro reo: tra concezione classica e moderna della prova. Itália. Pádova. Tese de doutorado disponível em http://paduaresearch.cab.unipd.it/259/1/TESI_DOTTORATO_BISSACCO.pdf. Acesso em 20/05/2015, às 09:00 hrs.
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BRASIL. PARANÁ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. AC - 1279521-6. Relator: José Cichocki Neto. 3ª C.Criminal – Congonhinhas. Unânime. J. 14.05.2015. Disponível no site www.tjpr.jus.br/jurisprudencia em 25.05.2015, às 19:46hrs.
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BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AP 678, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 18/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO. DJe-024. Pub. 05-02-2015. Disponível no site www.stf.jus.br em 25.05.2015 às 09:30hrs.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho àqueles que diariamente lutam pela justiça, àqueles que lutam contra a corrupção e que acreditam em um Brasil melhor. Ainda, à minha família, meu pai Moacir, minha mãe Rosangela, meu irmão Roberson, minha irmã Uliana e aos meus cunhados, Amanda e Nerick. Obrigada pela força. Amo vocês.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao professor Marcos Antonio da Cunha Araújo pelos ensinamentos e pela orientação, fundamentais para a consecução deste trabalho.
Agradeço ainda ao meu irmão e Procurador da República, Roberson Henrique Pozzobon, pela inspiração que me proporciona diariamente enquanto luta contra a corrupção na Operação Lava Jato.
Autor:
Thayse Cristine Pozzobon
thaysecristine_[arroba]hotmail.com
Orientador: Prof. Marcos Antonio da Cunha Araújo
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Preparação à Magistratura em nível de Especialização. Escola da Magistratura do Paraná.
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO PARANÁ
XXXII CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA
NÚCLEO CURITIBA
Curitiba, 09 de julho de 2015.
[1] Livre tradução de trecho do artigo "As origens da Dúvida Razoável" - publicado no site www.digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1/
[2] Livre tradução de trecho do artigo "O outro lado da dúvida razoável como regra no Judiciário" - publicado no site http://www.filodiritto.com/index.php?azione=visualizza&iddoc=1564
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Rio de Janeiro. 11ª edição. Editora Forense. 2014. P. 111.
[4] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2010. P. 70.
[5] TUCCI, Rogerio Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 2ª edição. São Paulo. RT. 2004. P. 63.
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Rio de Janeiro. 11ª edição. Editora Forense. 2014. P. 114.
[7] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2010. P. 73-75.
[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Rio de Janeiro. 11ª edição. Editora Forense. 2014. P. 145.
[9] Id., p. 146.
[10] BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2010. P. 79.
[11] BISSACO, Cristina. Il canone in dubio pro reo: tra concezione classica e moderna della prova. Itália. Pádova.Tese de doutorado disponível em http://paduaresearch.cab.unipd.it/259/1/TESI_DOTTORATO_BISSACCO.pdf. Acesso em 20/05/2015, ás 09:00 hrs.
[12] BISSACO, Cristina. Il canone in dubio pro reo: tra concezione classica e moderna della prova. Itália. Pádova.Tese de doutorado disponível em http://paduaresearch.cab.unipd.it/259/1/TESI_DOTTORATO_BISSACCO.pdf. Acesso em 20/05/2015, ás 09:00 hrs.
[13] TÃVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador. 7ª edição. Editora juspodium. 2012. P.70.
[14] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Ônus da prova no processo penal. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. P. 245-248.
[15] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahi. Ônus da prova no processo penal. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2003. P. 294-298
[16] Id., P. 294-298.
[17] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Rio de Janeiro. 11ª edição. Editora Forense. 2014. P. 112-113.
[18] Id., P. 112-113.
[19] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AP 678, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 18/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO. DJe-024. Pub. 05-02-2015. Disponível no site www.stf.jus.br em 25.05.2015 ás 09:30hrs.
[20] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1251621/AM, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2014, DJe 12/11/2014; HC 278.124/PI, Rel. Ministro MARCO AURéLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 18/06/2014. Disponível no site www.stj.jus.br em 25.05.2015, ás 10:10hrs.
[21] BRASIL. PARANÃ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÃ. AC - 1279521-6. Relator: José Cichocki Neto. 3ª C.Criminal - Congonhinhas. Unânime. J. 14.05.2015. Disponível no site www.tjpr.jus.br/jurisprudencia em 25.05.2015, ás 19:46hrs.
[22] BRASIL. PARANÃ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÃ. AC - 1290828-0. Rel.: Jorge Wagih Massad. 5ª C.Criminal. Região Metropolitana de Londrina. Foro Central de Londrina. Unânime. J. 14.05.2015. Disponível no site www.tjpr.jus.br/jurisprudencia em 25.05.2015, ás 19:55hrs.
[23] TRENTO, Simone. Os Standards e o ônus da prova: suas relações e causas de variação. Revista de Processo. Vol. 226 | p. 163 | Dez / 2013. DTR\2013\11579
[24] WHITMAN, James Q. The Origins of Reasonable Doubt. 2005. Faculty Scholarship Series. Paper 1. Disponível em http://www.digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1 no dia 15/05/2015 ás 08:20hrs. Tradução e interpretação livre.
[25] SHEALY JUNIOR, Milley W. A reasonable doubt about reasonable doubt. Disponível em http://www.law.ou.edu/sites/default/files/files/FACULTY/02%20Shealy.pdf no dia 15/05/2015 ás 08:25hrs. Tradução e interpretação livre.
[26] WHITMAN, James Q. The Origins of Reasonable Doubt. 2005. Faculty Scholarship Series. Paper 1. Disponível em http://www.digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1 no dia 15/05/2015 ás 09:00hrs. Tradução e interpretação livre.
[27] PALEY, The Principles of Moral and Political Philosophy (Indianapolis, 2002), 391-392 (1785). For "innocent blood": Matt. 27:4 (Judas).
[28] WHITMAN, James Q. The Origins of Reasonable Doubt. 2005. Faculty Scholarship Series. Paper 1. Disponível em http://www.digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1 no dia 15/05/2015 ás 08:20hrs. Tradução e interpretação livre. P. 1 a 6.
[29] Id. P. 8.
[30] SHEALY JUNIOR, Milley W. A reasonable doubt about reasonable doubt. Disponível em http://www.law.ou.edu/sites/default/files/files/FACULTY/02%20Shealy.pdf no dia 15/05/2015 ás 08:25hrs. Tradução e interpretação livre.
[31] Id., P. 8. Tradução livre e adaptada.
[32] Id., P. 13. Tradução livre e adaptada.
[33] Id., P. 16. Tradução livre e adaptada
[34] DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2015. 1ª edição. P. 267.
[35] Id., p. 268.
[36] Id., P. 270.
[37] BRASIL. ESTATUTO DE ROMA. Aprovado pelo Decreto Legislativo 112/2002 e promulgado pelo Decreto 4.388/2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm . Acesso em 10.06.2015, ás 10:00hrs.
[38] DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2015. 1ª edição. P. 267.
[39] Sentenças disponíveis no site http://www.lavajato.mpf.mp.br
[40] Disponível em http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/decisoes-da-justica/documentos/sentenca-acao-penal-502621282-2014-4-04.7000 . Acesso dia 11/06/2015, ás 21:12hrs.
[41] Trata-se de uma tese explorada pelo processualista italiano Franco Cordero e trazida para o Brasil pelo professor Jacinto Coutinho.
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