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Hoje pouco se faz em relação à inserção do estudante na universidade, cabendo somente a ele aprender e compreender o formato educacional. As instituições de ensino, na maioria dos casos, limitam-se a oferecer os cursos e a infraestrutura necessária, mas não têm a preocupação com os diversos fatores que dificultam a inclusão. No cenário atual, o estudante tem que aprender por si a adquirir capacidades de adaptação ao ambiente acadêmico, o que pode gerar novos medos e anseios em relação à sua formação.
No contexto acadêmico atual na área do design, o professor tem a importante função de contribuir para que as barreiras da criatividade sejam eliminadas no início do curso, proporcionando aos estudantes um contexto motivador. Compreendendo que a heterogeneidade entre os alunos estará sempre presente, o professor deve utilizar ao máximo sua criatividade para que o ensino possa estimular os ingressantes. Sendo este um desafio, uma vez que o currículo do curso de design nos primeiros dois semestres, tanto em universidades privadas como públicas, abrange matérias introdutórias e conceituais que, apesar de necessárias, podem distanciar os estudantes de vislumbrar a prática profissional de um designer.
O ensino de conteúdos conceituais e teóricos no início da graduação transmite, em alguns casos, uma falsa impressão da atividade profissional caso o professor não consiga comunicar as diversas relações das matérias introdutórias com o restante das disciplinas, culminando em decepções frente às expectativas dos estudantes, as quais resultam em críticas ao curso, à universidade, ao professor e até mesmo à sua escolha profissional. Para garantir que o estudante ingressante compreenda a necessidade de determinados conteúdos, é essencial o exercício e incentivo da criatividade no ensino das matérias introdutórias, conectando-as com a realidade profissional, para manter a motivação do discente nos estudos, entendendo aquelas matérias como etapas necessárias para a sua formação.
Algumas das matérias introdutórias, como Desenho, História da Arte e História do Design podem resultar em um resultado negativo devido a grande quantidade e qualidade de conteúdo criativo abrangido e requisitado. Ao se deparar com obras de grandes ícones da arte e do design as reações, ao contemplador, são diversas, resultando tanto na inspiração como na baixa estima. Nas aulas de desenho, os alunos com poucas habilidades podem criar grandes barreiras ao se compararem com outros alunos cuja prática já esteja mais apurada.
O professor, com base nas questões supracitadas, deve demonstrar aos alunos que todos, independente dos conhecimentos e competências atuais, podem desenvolver as habilidades necessárias para a prática profissional. Nota-se que a criatividade no curso de design é de essencial importância para a formação profissional tanto no processo de ensino quanto por parte do corpo discente, e quando convergentes, aliadas às características pessoais positivas do professor, torna-se possível a existência de um ambiente criativo independente do apoio institucional. Para tanto, o profissional do ensino na área do design deve atentar a diversos fatores como buscar formas variadas para aproximar o objeto de estudo aos estudantes, identificar o potencial criativo de cada aluno, propor reflexões desafiadoras ao intelecto, aceitar e respeitar as ideias dos alunos, estar atento às atualizações tecnológicas em sua área de atuação e conectá-las com as matérias sempre quando possível, estimular a resolução de problemas pela análise de todos os aspectos, adquirir conhecimentos relacionados à criatividade para identificar as barreiras a serem transpostas e aplicar em sua prática de ensino atitudes facilitadoras para motivar e aguçar a criatividade dos alunos, direcionando-os a ampliar suas capacidades imaginativas e aprimorar suas habilidades.
A criatividade não foi sempre compreendida como uma capacidade inata ao ser humano e o resultado criativo como fruto de diversos fatores relacionados à expressão desta. Somente no decorrer do século XIX, com o advento da psicologia moderna por William James e trabalhos de estudiosos como Francis Galton, Édouard Tolouse, Charles Spearman e posteriormente Freud, no século XX, é que a criatividade passou a ser estudada e mensurada, resultando em diversas definições.
Segundo Lubart, a criatividade, na perspectiva de Platão, é uma característica que tem sua origem proveniente das divindades.
"Platão dizia que um poeta não pode criar sem que a musa lhe inspire e deseje. O poeta, indivíduo extraordinário porque foi escolhido pelos deuses, exprime ideias criativas que ele recebeu. Hesiódo, evocando este mesmo conceito, relatou como as filhas de Zeus tomaram um ramo e, oferecendo-lhe, lhe insuflaram a canção divina, que permitiu a ele revelar a glória dos deuses". (LUBART, apud DACEY e LENNON, 2007, p. 11).
Por mais divergente que seja tal perspectiva das concepções modernas, é coerente com o do contexto social da época. E mesmo com a intensa atividade artística e literária, as capacidades humanas eram muitas vezes vinculadas a benevolências divinas, e a criatividade era tida como uma dádiva consequente de ações relacionadas aos deuses.
No entanto, mesmo após Aristóteles ter desenvolvido a ideia de que a inspiração tem origem no interior do indivíduo e no Renascimento, bem como no século XVIII, as discussões filosóficas a respeito da criatividade terem se distanciado da qualificação divina de suas manifestações, personalidades como Beethoven, que se dizia influenciado por um "espírito" quando compunha, e o escritor inglês Rudyard Kiplin, o qual afirmava existir um demônio familiar que o acompanhava na criação dos livros (LUBART, 2007), ainda defendiam a criatividade como aspecto originário de entes comuns às suas formações religiosas, não considerando a origem de tal capacidade como inata ao ser humano.
Inicialmente, o foco de atenção no estudo da criatividade era a arte e a literatura, por serem os meios nos quais mais se concentra a diversidade das expressões humanas e por chamarem mais atenção devido às quebras de paradigma que estas atividades possibilitam. Freud, considerando a arte e a literatura como culturalmente aceitáveis, dizia que estas eram como meios em que os artistas e escritores utilizavam para expressar os desejos inconscientes, e que esta criatividade manifestada era resultante das tensões entre a realidade consciente e pulsões inconscientes (LUBART, 2007). Até hoje a criatividade é considerada, em grande parte, como característica intrínseca das atividades que existem fora das áreas relacionadas à indústria, negócios e política, sendo que quase sempre a necessidade do indivíduo criativo é esquecida nas áreas de atuação relacionadas a tais atividades.
Considerando que a criatividade é uma capacidade inata ao ser humano, e entendendo que todos, independente da formação social, cultural e educacional, podem manifestá-la, com pouco ou muita intensidade, a atividade criativa pode ser vivenciada em diversas áreas da atuação humana. O ato de criar estende-se além das atividades artísticas, conforme afirma Ostrower:
"Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse "novo", de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenómenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar." (OSTROWER, 1977, p. 9).
É possível então compreender que o "novo", ou seja, a criação, pode se estender para as mais diversas atividades humanas. Seja ao dar uma nova utilização a um objeto, misturar timbres em uma música, propor outro significado para uma ideia, mesclar teoremas matemáticos, entre outros. Todas essas atividades envolvem as capacidades criativas do ser humano, que ao compreender as funções e relações de determinado objeto de pensamento, configura novas relações e associações de forma tão natural que muitas vezes dentro de instantes já pode propor novas soluções, relações ou significados.
A sensação do ato criativo passa geralmente despercebida, como exemplo no ato de adquirir novos conhecimentos. Quando se aprende um novo conteúdo, nosso cérebro reage realizando associações e trazendo novos significados a outras ideias e conhecimentos com base no que está sendo adquirido. Dentro do processo de aquisição do conhecimento a criatividade é um agente atuante para que os novos conhecimentos tenham maior significância para aquele que o apreendem, considerando seus contextos sociais. Os novos conhecimentos, por sua vez, são organizados no cérebro e guiados pelas sensações e sentimentos em uma estrutura complexa.
O simples ato de olhar e pensar em uma cor pode ser o motivo para a realização de um ato criativo. Ao olhar para um horizonte com montanhas, onde as condições atmosféricas da Terra tornam a cor azul predominante, pode-se ter sensações de imensidão e solidão, assim como também a sensação de liberdade, entre outras. O resultado pode ser a serenidade que a sensação de liberdade nos traz, ou a tristeza da solidão. E assim, o mesmo azul pode ser utilizado de diferentes formas atribuindo a esta cor significados objetivamente distintos. Os mais diversos caminhos criativos são possíveis quando aliados aos fatores, inatos e formados, de cada indivíduo e a criatividade atua em quase todos os momentos, em variada intensidade.
Não há uma idade para se tornar criativo, pois a partir do primeiro momento de vida estamos aptos para iniciar nossa trajetória criativa. As crianças utilizam sua criatividade sem perceber e sem barreiras. Ilustrando isso, segundo Ostrower (1977, p. 127), "Nas crianças, a criatividade se manifesta em todo seu fazer solto, difuso, espontâneo, imaginativo, no brincar, no sonhar, no associar, no simbolizar, no fingir da realidade e que no fundo não é senão o real. Criar é viver, para a criança". De fato, nós já nascemos criativos, mas as barreiras à criatividade começam a existir, na maioria dos casos, depois que deixamos a infância. A partir das próximas etapas da vida, quando já se configura no indivíduo os valores e significados da sociedade e cultura em que vive, cada vez mais barreiras são construídas e as ideias que nascem em nossa mente chegam à superfície, ou ao consciente, como emaranhadas em teias de preconceito e rejeições preestabelecidas, sendo que muitas das ideias são eliminadas, não chegando a ser consideradas, exploradas e lapidadas. Nesse estado, nosso processo criativo já sofre interferência dos referenciais adquiridos de acordo com a inserção cultural de cada indivíduo. Estas interferências, que ocorrem tanto na área emocional como física, são capazes de limitar o designer, considerando que:
"A qualquer objeto também corresponde uma imagem referencial estruturada em nós, que abrange todo um contexto de qualificações. Assim, quando pensamos em "mesa", já pensamos em termos de uma determinada configuração, um tampo quadrado ou retangular ou redondo e com quatro pés, o próprio objeto dentro de um dado ambiente e com dadas valorizações do meio cultural, de utilidade doméstica, padrões funcionais e de conforto, de materiais usados, do sentido estético, etc. Quando vemos uma mesa, espontaneamente comparamos a mesa, objeto-real, à mesa internalizada, imagem-referencial" (OSTROWER, 1977, p. 61).
Portanto, considerando a influência das questões culturais e sociais na formação do indivíduo, entende-se que estas podem limitar o processo criativo. Esse fenômeno é chamado em inglês, pelos estudiosos da área, de functional fixedness e é bem ilustrado ao pensar na funcionalidade de um objeto simples, como uma caixa. Segundo Lubart (2007, p. 35), "[...] a função da caixa já é definida dentro do juízo das pessoas, o que torna a caixa e sua função mais dificilmente dissociáveis. Os conhecimentos prévios podem, portanto, reduzir a flexibilidade do pensamento".
Para que o processo criativo possa ocorrer mesmo dentro desse contexto, onde existem fortes relações entre os referenciais externos e as imagens referenciais internalizadas, é preciso focar no desenvolvimento das próprias capacidades criativas, para que a criatividade pessoal rompa as barreiras provenientes de fatores externos e enxergue além das vivências adquiridas. De certa forma, é necessário criar novamente assim como uma criança o faz, tornando possível um mundo onde tudo possa tomar formas e cores diferentes, dentro do imaginário de cada indivíduo. Aliando tal capacidade ao intelecto desenvolvido e às experiências de vida.
A produção de ideias originais, muitas vezes de modo inesperado, é característica da criatividade na superação de obstáculos durante a realização de diversas tarefas; e o desenvolvimento do homem, que está intrinsecamente ligado ao bem-estar, bem como à adaptação dos indivíduos e à diversidade presente nos mais variados ambientes, sendo estes aspectos consequência da influência da criatividade na qualidade da vida humana (JOLY; SANTOS; SISTO, 2005). Percebe-se que todas as atividades humanas podem contribuir de forma criativa para o desenvolvimento da sociedade, quando em benefício do homem em harmonia com o meio ambiente.
As manifestações criativas podem ocorrer de diversas formas dentro de uma mesma área de atuação humana e os caminhos percorridos nesse processo, sejam conscientes ou inconscientes, revelam que em qualquer atitude criativa, a percepção do ser humano como agente do processo afasta os resultados do acaso, e nos diferencia do mesmo. O potencial criador do homem se apresenta durante toda a história como um fator de transformação constante, afetando tanto o mundo físico como contextos culturais, devido às necessidades que são geradas e descobertas consequentes do anseio pelo aprimoramento de si e do meio ambiente. Tudo isto resulta num aprendizado que torna o homem capaz de interceder com antecedência diversas situações e problemas. A respeito da relação dessa capacidade do intelecto que se une à criatividade, Ostrower (1977, p. 10) afirma: "[...] a percepção consciente na ação humana se nos afigura como uma premissa básica da criação, pois além de resolver situações imediatas o homem é capaz de a elas se antecipar mentalmente [...]".
Aproximando a definição de criatividade para o contexto do curso de design, onde se propõe o ambiente criativo como fator essencial para o sucesso acadêmico, temos a seguinte definição:
"A criatividade é a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova e adaptada ao contexto na qual ela se manifesta [...]. Essa produção pode ser, por exemplo, uma ideia, uma composição musical, uma história ou ainda uma mensagem publicitária" (LUBART, 2007, p. 16).
O trabalho do designer é em muitos casos uma adaptação, que pode ocorrer em etapas, dentro de diversos contextos diferentes e de forma concomitante ao desenvolvimento da sociedade, em paralelo à evolução das tecnologias. O criar dentro do universo do design é muitas vezes uma experimentação, originada de diversas ideias, com posteriores melhorias. O criar no universo do design não é a realização de uma obra de arte, mas sim a busca de uma ou várias soluções para determinado objetivo, de forma inteligente e se possível inovadora, tendo como foco o bem-estar do homem integrado ao ambiente e o trabalho estético com os sentidos.
No design, o processo criativo durante a realização de um trabalho pode ocorrer de diversas formas, dependendo primeiramente das características pessoais de cada profissional. Mas existe uma prática que é comum e na qual surgem variadas ideias e possíveis soluções para um único problema, além de ser configurada nas análises das relações entre o usuário e produto:
"Nessa relação, o usuário sempre atua, age ou opera recebendo e trocando informações com o produto (eventualmente, também com o meio ambiente ou entorno), por meio de um ou mais canais receptores, como percepções visuais, auditivas, táteis, olfativas, gustativas e cinestésicas" (GOMES FILHO, 2006, p. 40).
A partir da análise inicial das relações entre usuário e produto, que pode ser desde uma revista até uma aeronave, por exemplo, o designer inicia seu processo criativo levando em consideração as funções básicas do produto, as quais são guiadas pela relação entre usuário, produto e seu uso. As funções básicas são divididas, de acordo com Gomes Filho (2006), entre função prática, função estética e função simbólica. A função prática é embasada na adequação do produto em relação às características fisiológicas de utilização. A função estética do produto ocorre na interação com o usuário envolvendo os processos de percepção, que tendem a ser influenciados por aspectos psicológicos relacionados aos sentidos. A função simbólica envolve aspectos relacionados à formação cultural do usuário e experiências relacionadas a sensações anteriores, que influenciam na maneira como as características do produto são interpretadas e aceitas.
Todos esses fatores fazem parte do processo criativo do designer e funcionam como uma ponte entre a fase analítica do problema e a fase onde a criatividade é utilizada livremente para a geração da maior quantidade de ideias possíveis dentro de um determinado contexto. Portanto, na atividade do designer as análises conceituais precedem e constroem as bases para a realização do trabalho e "Finalmente, permeando e norteando o conjunto de bases conceituais, coloca-se a de criatividade, que é naturalmente inerente à atividade de concepção [...]" (GOMES FILHO, 2006, p. 44).
De acordo com o que foi discutido acima, a criatividade é inerente à condição humana e ocorre de forma natural e espontânea. O indivíduo pode manifestá-la em todas as atividades com maior ou menor intensidade dependendo de sua experiência, estado emocional, condições sociais e culturais.
A arte é o campo mais vasto e rico para a expressão do potencial criativo do homem, pois não envolve somente a tomada de decisões e resoluções de problemas de modo criativo, mas envolve também sentimentos que muitas vezes funcionam como um guia durante o processo de criação. Uma vez que o artista se propõe a criar sem considerar as opiniões de um grupo ou sociedade, os limites da crítica não alcançam o intuito e ímpeto criador. Portanto, somente a realização plena de suas capacidades em prol da manifestação artística, que tem como essencial, segundo Ostrower (1977, p. 86), "[...] a condensação poética da experiência como via de conhecimento da realidade [...]".
Para que o potencial criativo seja aproveitado ao máximo, o artista não deve criar limites ou barreiras relacionadas a receios de críticas quaisquer. E como afirma Mandarino, em seu Manifesto Versatilista (2007) "[...] Um crítico de arte analisa uma situação sempre de um ponto de vista profundamente limitado, porque limitados são os seus conhecimentos [...]". Entende-se como crítico de arte aquele que possui amplos e profundos conhecimentos do meio artístico, sendo dotado da capacidade de definir, reconhecer e associar diversas características entre obras. Considerando que as críticas de um profundo conhecedor de determinado assunto são vulneráveis pelas limitações existentes somado ao processo criativo, o qual busca a eliminação de barreiras, a criatividade de uma obra de arte não deve ser julgada.
A criatividade na arte está relacionada mais a uma mobilização interior, onde é caracterizada pela intensidade emocional, do que o mundo exterior, o qual está imerso em conceitos e definições representadas por limitações. O adequar, na arte, se rende a uma adaptação livre de diversas consequências de ações durante o processo criativo, sendo o erro inexistente, considerando o contexto.
"Quem, no entanto, haveria de definir o certo ou o errado? Nem mesmo o artista poderia explicar para si o porquê de suas ações e decisões, ou talvez defini-los em conceitos (é claro que não há necessidade de fazê-lo, pois na obra o artista se define inteiramente). Propondo, optando, prosseguindo, ele parece impulsionado por alguma força interior a induzi-lo e a guia-lo, como se dentro dele existisse uma bússola [...]" (OSTROWER, 1977, p. 71).
Esta "bússola" que guia o artista, e que nada mais é do que a mobilização de todos os seus sentidos, de suas experiências e memórias resultantes em ações e desejos presentes, é a livre expressão ser perante a realidade. Produzir arte é fundir os elementos da vida num ato poético, seja na pintura, na música, na dança, na literatura, na escultura e quaisquer manifestações artísticas possíveis. Portanto na criatividade existem liberdades não compreensíveis pelo processo analítico a fundamentar uma crítica.
Diante de obras de arte, nossa percepção é estimulada em níveis elevados e muitas vezes, ao identificar a criatividade expressada nas obras e deixar fluir as sensações e memórias que elas nos trazem, não encontramos uma maneira de verbalizar o próprio entendimento.
"Acontece com frequência vermos e sentirmos certas qualidades numa obra de arte sem poder expressá-las com palavras. A razão de nosso fracasso não está no fato de se usar uma linguagem, mas sim porque não se conseguiu ainda fundir essas qualidades percebidas em categorias adequadas. A linguagem não pode executar a tarefa diretamente porque não é via direta para o contato sensório com a realidade; serve apenas para nomear o que vemos, ouvimos e pensamos" (ARNHEIN, 1980, introdução).
Esse tipo de situação só pode ser identificado nas obras artísticas, por serem oriundas da criatividade peculiar de cada artista que realiza sua obra de forma livre. Os processos criativos utilizados na composição das obras de arte diferem em muito das criatividade aplicada para fins de mercado, onde existem regras e exigências externas a serem cumpridas.
Existe uma distância considerável ao observar uma pintura de Rembrandt e uma publicidade. Mesmo as publicidades do início do século XX, caracterizadas em sua maioria por ilustrações e pinturas, são incomparáveis ao trabalho dos grandes pintores. A mesma distância pode ser encontrada entre uma escultura de Michelangelo e a conceituada cadeira Eames, por exemplo. Mas essa distância não é relacionada às qualidades técnicas, capacidades intelectuais ou habilidades manuais, e sim ao conceito e objetivos de cada obra.
Temos ainda uma diferença cronológica. A presença da arte na humanidade é datada nos tempos mais antigos e seu início se confunde dentre as origens das diversas culturas. O design é muito mais recente, impulsionado principalmente pelas necessidades de mercado. Segundo Gome Filho (2006, p. 13), "O desenvolvimento das bases conceituais em design surgiu a partir de estudos e pesquisas realizados sobre diversificados produtos industriais [...]". Apenas após a primeira revolução industrial no século XVIII e com a sua propagação pela escola Bauhaus, o design passou a ser conhecido como uma área de atuação. Apesar disso, é possível identificar aspectos que configuram os fundamentos do seu conteúdo na evolução da humanidade, pois as diversas invenções desenvolvidas pelo homem, desde simples utensílios até grandes habitações, são originárias da resolução de problemas de modo criativo de acordo com necessidades presentes. Muitos conceitos do design gráfico, por exemplo, podem ser encontrados até mesmo no cotidiano do homem primitivo:
"A comunicação visual, em seu sentido mais amplo, tem uma longa história. Quando o homem primitivo, ao sair à caça, distinguia na lama a pegada de algum animal, o que ele via ali era um sinal gráfico. O olho do seu espírito avistava nas pegadas o próprio animal.
As representações gráficas podem ser sinais, como as letras do alfabeto, ou formar parte de outro sistema de signos, como as sinalizações nas estradas. Quando reunidas, as marcas gráficas – como as linhas de um desenho ou os pontos de uma fotografia – formam imagens. O design gráfico é a arte de criar ou escolher tais marcas, combinando-as numa superfície qualquer para transmitir uma ideia" (HOLLIS, 2000, p. 1).
Entende-se, portanto, que desde as primeiras evidências de processos criativos da humanidade, existe a utilização de conceitos que hoje conhecemos como pertencentes à área do design, tanto para identificar como comunicar. Entretanto, o design que é conhecido como profissão é muito recente. Como atividade, é praticado de acordo com as necessidades de mercado, abrangendo diversas vertentes da área que podem ser agrupadas em sete grupos, sendo eles: Design de Produto, Design Gráfico, Design de Moda, Design de Ambientes, Redesign, Design Conceitual e Design de Interfaces (GOMES FILHO, 2006). Os conceitos são voltados unicamente para a comunicação do produto ou serviço com o consumidor final. Seja por mídias impressas, digitais e audiovisuais, o design é inerente à indústria e supre necessidades existentes dentro das demandas de mercado.
A arte, por sua vez, ocorre de maneira natural no ser humano, sendo uma forma de expressão livre, onde os sentimentos encontram e definem o próprio artista. Não é, portanto, necessariamente ligada a nenhuma forma de necessidade de mercado, pois supre essencialmente as necessidades emocionais e psicológicas do ser humano no contexto da liberdade e projeção material através dos processos de comunicação.
Design, portanto, não é arte, mas muito de seus conceitos são originados dos movimentos artísticos. Por outro lado, é um equivoco definir o design, por ter origem nos conceitos artísticos, como uma evolução das artes plásticas. E nem mesmo pensar que o design tem sua importância diminuída perante a grandeza proporcionada pela arte, ou mesmo devido a libertação que lhe é característica e tanto fascina os seres humanos. Antes, o design toma emprestado muitas das qualidades existentes nas resultantes artísticas para aplicar, de forma coerente e inteligente, seus conceitos nas mais diversas realizações, não apenas por necessidades de mercado, mas para a qualidade de vida e bem-estar social. O design traz assim a estética da arte ligada à funcionalidade de cada trabalho, buscando sempre romper barreiras e inovar em uma ação integradora do homem com o produto e do produto com o ambiente.
Em todas as áreas de ensino no nível superior a criatividade deve estar presente, tendo a função de estimular os estudantes na busca por soluções eficientes e inovadoras para os desafios profissionais. Mas ao nos referirmos ao curso de Design, o ambiente criativo é um pré-requisito para que o aprendizado ocorra de forma significativa e possibilite a formação de profissionais que consigam atuar no mercado de trabalho de forma plena. Este ambiente, o qual favorece a eliminação de barreiras e o estímulo a ideias é necessário, tendo em vista que o foco deste ofício está na busca de soluções, integrando tecnologias e configurando formas em diversas situações. As limitações existem, mas a criatividade do designer pode tornar seu campo de atuação uma área inesgotável para o fazer e o criar. No entanto, a criatividade precisa ser desenvolvida desde o início do curso de acordo com as matérias estudadas, ambientando o aluno ao cenário de demanda criadora que ele encontrará na atuação profissional. Desta forma, os desafios encontrados na universidade devem projetar parte dos desafios profissionais numa curva crescente. Para tanto, o ensino do design precisa ter foco no desenvolvimento de habilidades e capacidades criativas, também numa curva crescente, desde o início do curso.
Pode-se considerar que para alunos do primeiro ano, as habilidades que precisam ser desenvolvidas são aquelas que exigem um grande esforço da capacidade imaginativa, sendo esta essencial no processo de criação. Utilizar o pensamento divergente para obter o maior número de possibilidades visando a solução de um problema; experimentar materiais, cores e formas, relacionando esses três elementos; analisar detalhadamente os fatores pertencentes a determinado produto e sua relação com o homem e imaginar variadas utilidades para um único objeto. O exercício destas habilidades auxilia no aprimoramento da capacidade criativa dos alunos, que a partir da experimentação e da imaginação passam a romper limites no processo criativo, fazendo com que as ideias ocorram num fluxo maior e sejam conectadas com mais facilidade.
No desenvolvimento das capacidades criativas através do ensino, o professor pode encontrar muitas barreiras nos estudantes, provenientes de diversos fatores. Seja social, pessoal ou cultural, são fatores que influenciam no aprendizado, desempenho e aprimoramento das habilidades necessárias para a formação de um profissional criativo. Um desses fatores identificados é a transição para a vida acadêmica, onde muitas dificuldades estão presentes, principalmente no cenário brasileiro, e muitas são as barreiras à criatividade encontradas pelos estudantes ingressantes no início dos cursos universitários. Segundo Joly:
"[...] as universidades brasileiras recebem estudantes com uma grande heterogeneidade em relação a suas características pessoais e sociais e que esses ao ingressarem na universidade enfrentam diversas mudanças relacionadas às exigências de adaptação requisitadas pelo novo ambiente acadêmico" (JOLY; SANTOS; SISTO, 2005, p. 17)
A diversidade da cultura brasileira e as grandes diferenças sociais presentes na população reúnem na universidade estudantes com características muito distintas. Estes fatores podem influenciar o grupo tanto de forma positiva como negativa. As influências positivas são caracterizadas pela diversidade, que proporcionam uma ampliação do saber por meio da interação, e no conviver com as diferenças, o qual retrata a realidade do mercado de trabalho. As influências negativas podem resultar das dificuldades encontradas a partir da identificação das diferenças pessoais e sociais no desenvolvimento dentro do ambiente acadêmico. Ambas as resultantes se evidenciam na realização de trabalhos em grupo, os quais são necessários para que o estudante aprenda a desenvolver conceitos e realizar projetos de forma coletiva.
São presentes também as mudanças relacionadas à rotina de trabalho durante a graduação e as rotinas de estudos diferentes do encontrado no ensino médio. A falta de tempo, no caso dos estudantes que dependem de seus empregos, ocasionalmente resulta em uma menor dedicação às matérias estudadas, sendo esta uma questão evidenciada por tal rotina e corriqueiramente notada pelo corpo discente como vinculada às origens das barreiras geradas na expressão criativa (JOLY; SANTOS; SISTO, 2005). No entanto, mesmo com os diversos fatores que podem prejudicar a criatividade do aluno, um estudo realizado por Wechsler e Nakano (2011, p. 257) demonstra que "[...] pode-se observar a existência de grande potencial criativo existente nos estudantes e o importante papel que as universidades possuem no sentido de facilitar o desenvolvimento de talentos nas mais diversas áreas". A universidade, portanto tem seu papel e responsabilidade não somente em fornecer as condições necessárias de infraestrutura e corpo docente para os estudantes, mas também auxiliar de alguma forma nessa fase de transição. Porém, independente da posição e ações da universidade na integração dos estudantes ingressantes, o professor pode e deve desempenhar sua função com foco na quebra de barreiras à criatividade no início do curso. E isto poderia ser aplicado a cada matéria específica, diminuindo a distância do estudante àquela área de conhecimento, fazendo com que ele compreenda como pode utilizar as informações adquiridas para benefício próprio tanto no aprimoramento pessoal como na sua atuação profissional.
De forma geral, no que se diz respeito às universidades na realidade brasileira, pouco também se faz em relação à adaptação do estudante ao ambiente acadêmico. Além disso, poderia ser foco de estudo a atualização de parte da grade curricular dos cursos de design com base no desenvolvimento das novas tecnologias, tanto de comunicação como de impressão, que foram desenvolvidas além do esperado nos últimos 10 anos e afetam diretamente a atividade profissional do designer. O currículo orientado à repetição linear de conteúdos, que também ocorre em matérias como História da Arte e História do Design, poderia ser realizada de uma maneira em que o ensino beneficiaria a aprendizagem autônoma na busca por novos conhecimentos, ao serem trabalhadas as capacidades cognitivas com maior relação à manifestação da criatividade (WECHSLER; NAKANO, 2011). Para isso, é necessário que ocorra uma relação maior entre o estudante e o conteúdo histórico, para que ele compreenda o valor cultural e simbólico que os feitos da humanidade em sua área de conhecimento possuem e que podem influenciar tanto na valorização do seu trabalho, ao agregar influências de outros artistas, como no processo criativo que se torna mais rico e livre à medida que seu conhecimento se expande e se aprofunda dentro de sua área e em áreas relacionadas. Esta seria uma forma de desenvolver no estudante a capacidade de pesquisa, aguçando sua curiosidade em relação ao conteúdo, o que resultaria numa aprendizagem com significados claros e reais na perspectiva do estudante.
Embora a grade curricular não tenha evoluído junto com as tecnologias e com os estudos psicológicos na área do ensino, ela ainda é funcional. Porém seu aproveitamento é intrínseco ao desempenho dos professores, que podem optar por permanecer nos limites das matérias estudadas ou conectá-las com as atualizações tecnológicas, expandindo o conteúdo e proporcionando o sentido completo de acordo com o estado da arte. Para que isso de fato ocorra, os profissionais no ensino do design precisam estar atualizados não somente às diversas novidades da sua área de atuação, mas também à criatividade, que é uma das principais capacidades utilizadas na área tanto profissional como acadêmica. Isto deveria ser constatado e trabalhado desde a formação de novos professores, e não somente no nível superior, uma vez que o ensino médio também apresenta os mesmos fatores. Mas infelizmente a realidade se apresenta de outra forma, pois
"[...] A situação não é muito diferente no ensino superior, conforme apontamento de Alencar e Fleith (2010), ao constatarem que a grande maioria dos professores universitários desconhece o que vem sendo pesquisado a respeito de criatividade, o que dificulta a organização de programas e ambientes de aprendizagem, ensino e avaliação facilitadores para que estudantes, em cursos superiores tomem consciência de seu potencial para criar, o desenvolvam e o expressem" (WECHSLER, NAKANO, 2011, p. 30).
A falta de conhecimento na área da criatividade por parte do corpo docente pode então prejudicar diretamente o desempenho e o desenvolvimento das capacidades criativas dos estudantes. Uma vez que o professor é o mediador entre o objeto de conhecimento e os estudantes, o seu desempenho negativo no ensino afeta diretamente a compreensão e apreensão das informações, podendo causar uma fragmentação do conteúdo e provocar dúvidas desnecessárias e prejudiciais para o pensamento criativo no momento da aquisição dos novos conhecimentos. E mesmo os professores que possuem conhecimentos a respeito da criatividade, encontram dificuldades no ambiente de ensino, pois segundo Wechsler e Nakano (2011, p. 40) "[...] os professores percebem a importância da criatividade, porém parecem ter dificuldade em adotar estratégias de ensino que favoreçam a criatividade discente". Portanto, é preciso que haja maior atenção na área da criatividade na formação de novos professores e atualização dos professores já atuantes. Isto também não ausenta os professores de buscarem por si conhecimentos que favoreçam com que a criatividade seja intensificada na sua atuação dentro do ambiente acadêmico.
A necessidade do conhecimento aprofundado da criatividade por parte do corpo docente no curso de design tem seu real valor também na capacidade de identificação das barreiras à criatividade que podem estar presentes nos estudantes, apresentando características diversas. Existem muitos fatores que podem bloquear ou estimular a criatividade dos estudantes e podemos definir que, segundo Joly e outros (2005, p. 123) "[...] Quando há fatores, os de natureza social quanto pessoal, que proporcionam diminuição ou perda do potencial criativo, denominam-se barreiras à criatividade [...]". Estas barreiras precisam ser identificadas pelo professor e trabalhadas da melhor forma desde o início do curso. Porém, muitas vezes é possível encontrar outros fatores que fogem das características pessoais de cada estudante por ser fruto de nossa realidade social.
"Pressupostos cultivados em nossa sociedade, como a necessidade de tudo ter utilidade, ou ter que dar certo, ser perfeito, não poder divergir das normas impostas pela cultura vigente, contribuem para diminuir as possibilidades de expressão do potencial criativo, dificultando que a pessoa queira experimentar, ousar, divergir, segundo Alencar (1989/1996). Além disso, a ênfase no pensamento analítico, convergente e lógico, acrescido aos processos de condicionamentos de muitos anos, podem vir a determinar uma menor utilização das potencialidades criativas pelo indivíduo" (JOLY; SANTOS; SISTO, 2005, p. 124).
A experimentação e ousadia são essenciais para que o aluno no curso de design se desenvolva e obtenha resultados positivos. De fato, os fatores culturais podem impedir que essas potencialidades criativas sejam utilizadas em um nível adequado para a realização das tarefas e até mesmo impedir que sejam utilizadas em sua plenitude. Seria adequado ao professor que, após identificar as barreiras à expressão criativa nos alunos, trabalhasse em um novo condicionamento para libertação das ideias, concedendo liberdade à experimentação dentro da área de conhecimento em questão. O incentivo à experimentação já se torna algo positivo uma vez que esta ação tem uma função motivadora, porém a própria experimentação poderia não resultar em manifestações criativas devido ao condicionamento de muitos anos. Desta forma, cabe ao professor guiar os alunos para uma experimentação criativa, demonstrando a quebra de paradigmas e o pensamento livre para o desenvolvimento da tarefa, que é característica no trabalho de um designer profissional.
A cautela no feedback após analisar os resultados criativos obtidos pelos alunos seria adequada, pois não cabe a comparação dos trabalhos dos estudantes no início do curso com os trabalhos de profissionais formados e atuantes na área. Identificar os traços criativos e as potencialidades dentro de um trabalho com poucas habilidades técnicas é uma virtude para professor de design. Seria adequado então projetar aquelas potencialidades presentes para uma época após a aquisição de experiências e conhecimentos adquiridos até o final do curso. Pois como podemos perceber o conhecimento também é essencial na manifestação da criatividade:
"De acordo com numerosos autores, a criatividade não pode ser exercida sem um certo nível de conhecimento, (Ericsson, Krampe, e Tesc-Romer, 1993; Fedhusen, 1995; Wiley, 1998). Hayes (1989) dirigiu vários estudos sobre os compositores, pintores e poetas. Em um estudo com 76 compositores, muito conhecidos, Hayes observou em quase todos os casos que um período de 10 anos separava o início dos estudos de música da primeira obra considerada como criativa pelos críticos. Pode-se, portanto, pensar que é necessário adquirir uma certa base de conhecimento antes de produzir obras criativas" (LUBART, 2007, p. 34).
Os resultados obtidos no estudo de Hayes de fato podem ser aplicados em outras áreas, principalmente às relacionadas à arte, as quais o exercício das habilidades criativas ocorre paralelamente à aquisição de novos conhecimentos, muitas vezes num processo interminável. Tendo isso como base, o incentivo aos estudantes pelos trabalhos realizados deve ser feito considerando o estado do conhecimento atual, identificando assim as potencialidades e relatando as áreas a serem trabalhadas. Isto auxiliará o estudante a também projetar suas potencialidades e evitará criar barreiras no processo criativo originadas pelo receio ao erro, potencializando sua capacidade imaginativa e a experimentação.
O incentivo à experimentação e o feedback positivo são ferramentas importantes para o professor, pois a necessidade de reconhecimento pela realização de atividades simples também existe e pode ditar o caminho e projeção do desenvolvimento do aluno se presente no processo de ensino. Essas ações podem trazer muitos benefícios tanto para o corpo docente como para o discente, porém a realização do incentivo e do feedback só é possível por meio do bom relacionamento com os alunos, que traz inúmeros benefícios e aproxima o professor dos estudantes. O bom relacionamento tem sido visto por estudiosos como parte dessa estrutura funcional para o professor criativo, que aliado aos conhecimentos didáticos e aos profundos conhecimentos de sua área de atuação faz com que o professor se torne um facilitador no processo criativo dos estudantes. O oposto tem uma função inibidora e é profundamente prejudicial ao desempenho e expressão da criatividade.
"[...] Especificamente no ensino superior, um estudo de Santeiro, Santeiro e Andrade (2004) mostrou que, na opinião de estudantes universitários, o professor facilitador da criatividade seria aquele que apresenta um bom conhecimento de técnicas instrucionais, que possui preparação em termos dos conteúdos a serem ministrados, boa comunicação e bom relacionamento com os alunos. Já o professor inibidor de criatividade estaria preso aos métodos de ensino tradicional, seria arrogante, não incentivando o questionamento e incitando medo nos alunos [...]" (WECHSLER; CÁSSIA NAKANO, 2011, pág. 35).
Uma vez que uma das funções do professor é comunicar ideias, no curso de design temos esta ação num nível elevado. Muitas ideias a serem trabalhadas têm origem em conteúdos mais abstratos, conceituais, e menos físicos, mas que devem ser sempre traduzidos de forma física. Sendo assim, se faz necessário para o professor dominar tanto em amplitude como em profundidade o objeto de conhecimento a ser trabalhado e a partir daí comunicar tais ideias com clareza, sabendo inclusive esclarecer o mesmo conceito de formas variadas. Isto torna o professor de design como facilitador da criatividade, contribuindo com o bom desempenho do estudante. Mas para que o professor consiga atuar dessa forma, é preciso que tenha conhecimento a respeito das capacidades criativas para entender como aproximar e esclarecer ideias abstratas aos alunos, fazendo com que eles possam traduzir os conceitos de forma física, seja visual ou verbal.
Dentro desse contexto se faz necessária e conveniente a prática do brainstorm. Este método, criado por Alex Osborn (1965) visa focar as capacidades imaginativas, sem restrições ou julgamentos, com a finalidade de produzir o maior número possível de ideias e assim, através do filtro e junção das possibilidades geradas durante o processo, obter uma ou mais soluções efetivas e criativas (LUBART, 2007). A prática do brainstorm é indicada não somente no ambiente corporativo, pois proporciona diversos benefícios para o processo imaginativo, e segundo Torre (2008, p. 158), "[...] a faculdade imaginativa que nos leva a representar, prever e produzir é estimulada e alimentada pelo brainstorming. Ela ajudará a desvendar os fatos, os problemas e as soluções, apoiando-se nas múltiplas sugestões do grupo". O ambiente acadêmico é propício para a prática do brainstorm, pois a quantidade de alunos é adequada para a produção de grande quantidade de ideias e esta prática se torna benéfica para a expressão criativa ao não limitar as ideias para a solução de um problema.
Outro fator importante que pode favorecer a criatividade dos estudantes é o bom humor. Na atuação do professor, o estado de humor é imediatamente identificado pelos estudantes e de certa forma reflete de forma positiva ou negativa na apreensão do conteúdo e na qualidade do ambiente de ensino. O bom humor por parte do professor já é um fator facilitador para a criatividade ao tornar o ambiente mais agradável e pode influenciar positivamente os alunos.
Em relação ao estado emocional dos estudantes, as tarefas realizadas podem influenciar diretamente no desempenho da criatividade, pois naturalmente nem todas as atividades acadêmicas são aceitas com o mesmo nível de interesse.
"Abele concluiu que o estado emocional positivo favorece eficazmente a criatividade, quanto maior for o interesse que ela desperta. O estado emocional negativo seria favorável apenas quando a tarefa a realizar é interessante e, portanto, útil ao indivíduo para regular seu humor" (LUBART, 2007, p. 63).
Tanto o estado emocional positivo quanto o negativo podem trazer benefícios para a criatividade na realização de tarefas. A geração de interesse, que pode ser caracterizada de diversas formas, como produzir um bom trabalho para ser incluído no portfólio, adquirir novas habilidades que resultarão numa melhor qualificação ou obter uma nota boa, são ações que podem favorecer a criatividade quando o estudante estiver num estado emocional positivo. O interesse então pode ter origem na realização da tarefa, na recompensa que a ela está vinculada ou em ambos os casos. O estado emocional negativo parece ter outra função e favorece a criatividade de uma forma completamente diferente. É como se ocorresse uma compensação, pois se a tarefa é interessante e o estado emocional do aluno é negativo, a realização da tarefa pode, de certa forma, desviar as influências negativas, sejam elas psicológicas ou patológicas, por meio do ato da concentração em uma atividade, que direcionará sua mente para a realização da tarefa. Sendo assim a ação e as atividades que envolvem a realização de determinada tarefa, podem regular seu humor e até mesmo impulsionar a criatividade.
Temos visto que existem fatores complexos, tanto internos como externos que influenciam todo o processo criativo e o desenvolvimento dos estudantes em suas capacidades e habilidades para a expressão criativa. Os sentimentos não poderiam deixar de influenciar no processo criativo e não devemos encará-los como obstáculos, mas sim como algo natural pertencente ao processo, pois assim como a criatividade os sentimentos fazem parte da natureza humana. Podemos ainda compreender melhor o funcionamento da criatividade a partir de alguns aspectos.
"Ao ser cientificamente estudada, a Criatividade é considerada um fenômeno humano complexo que é conhecido através de quatro aspectos habituais de sua manifestação: 1 – do ponto de vista da pessoa criativa, 2 – do ponto de vista do processo criativo, 3 – do ponto de vista do produto criativo, 4 – do ponto de vista das influências ambientais" (SAKAMOTO, 2004, p. 23).
Como já afirmado, todos os seres humanos são criativos, porém denominamos pessoa criativa o indivíduo que demonstra sua criatividade com frequência por meio de ideias e obras. A partir das manifestações criativas desses indivíduos é possível estudar o processo criativo utilizado para a realização de tarefas ou resolução de problemas, compreendendo os caminhos psicológicos percorridos para o resultado final. O produto criativo, que é o resultado das manifestações criativas do indivíduo, também pode ser analisado observando suas características e propósitos em relação ao contexto no qual foi produzido. As influências ambientais se referem à cultura e sociedade dentro da qual as obras criativas estão inseridas e que interferem no indivíduo, no processo e no produto criativo.
Os aspectos da manifestação da criatividade estão presentes na vivência universitária no curso de design e devem ser aliados ao ensino, influenciando e motivando os estudantes de forma positiva a trabalharem e acreditarem em suas capacidades e habilidades como seres humanos.
A criatividade é um assunto vasto e complexo que tem sido muito questionado e estudado durante a história. Muitos filósofos, artistas, psicólogos e cientistas têm voltado seus interesses para essa área de conhecimento e trabalhado muito para compreender essa manifestação da capacidade humana que é a responsável pela evolução e sobrevivência da humanidade durante a história, a criatividade.
Pela sua excelência e poder admirável de surpreender os seres humanos, a criatividade foi muito mistificada nos tempos antigos e posteriormente passou a ser compreendida como um fenômeno natural, sendo fruto da capacidade que temos para interagir com o mundo e tudo o que nos cerca. A manifestação criativa, que antes era considerada como dom exclusivo de pintores, artesãos, poetas, escritores e músicos é reconhecida hoje como parte integrante do potencial de cada indivíduo, precisando apenas ser despertada em alguns casos e exercitada para que seja aplicada em qualquer área da atuação humana.
A arte tornou-se ao longo da história o campo mais vasto e rico para a manifestação criativa, o que é confirmado pelo grande número de obras e grandes artistas. No surgimento e transição dos diversos movimentos artísticos, que resultaram da evolução das sociedades e pensamento humano, a arte foi o campo que mais demonstrou como a criatividade é flexível, adaptável e ilimitada, sendo que muitas vezes o nosso vocabulário não é suficiente para descrever as obras. Sendo um espaço para a expressão do conhecimento e entendimento que o ser humano tem do mundo, a criatividade pode manifestar-se na arte de forma livre.
No design, os processos criativos são guiados por diversos propósitos e fatores, e acontecem de forma diferente quando comparado à arte. Presente nas mais antigas formas de comunicação e nos produtos de utilização humana, as características do design, também influenciadas pelos movimentos artísticos, fazem com que essa profissão tenha se tornado essencial e com forte presença na sociedade. A criatividade no design tem o foco de produzir soluções e produtos que tragam benefícios para o bem estar do homem em sua relação com o ambiente. No entanto o processo criativo é precedido de estudos e análises diversas para então ser utilizado de maneira estratégica. Os processos criativos, para o designer, ocorrem diariamente e são necessários para a realização de seu trabalho.
Reconhecendo a importância da criatividade e ao pensar novamente na função do designer e na necessidade dos professores proporcionarem o ensino criativo para a formação dos futuros profissionais, devemos entender que a criatividade tem grande poder de influência na qualidade de vida, pois está inserida em diversas atividades humanas, e dependemos que o ser humano consiga cada vez mais aprimorar suas capacidades criativas para poder evoluir e melhorar a qualidade de vida. A criatividade está ligada, portanto, à função do designer na sociedade. A busca por soluções nas diversas áreas de atuação desse profissional, sempre com foco no bem-estar do ser humano e da sociedade, na integração com o meio ambiente de forma não nociva e na utilização de novas tecnologias. São atividades de grande responsabilidade, pois afetam a vida humana e o planeta, e que para serem realizadas necessitam que o profissional tenha criatividade aguçada e uma imaginação quase ilimitada.
Para que o designer seja criativo o seu campo de estudo deve ser explorado de forma criativa. É na universidade onde o exercício de suas capacidades criativas devem ser estimuladas, fazendo com que suas habilidades possam ser aprimoradas e utilizadas de forma plena. Nesse contexto, a contribuição do professor, de maneira criativa e comprometida com o desenvolvimento dos alunos é um fator chave para a geração de profissionais criativos e inovadores.
MUGLIA WECHSLER, Solange; CÁSSIA NAKANO, Tatiana [Organizadoras]. Criatividade No Ensino Superior: uma perspectiva internacional. 1ª edição. São Paulo: Vetor Editora, 2011.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 25ª edição. Petrópolis: Vozes, 2010.
MANDARINO, Denis. Manifesto Versatilista. São Paulo, Julho de 2007. Disponível em:
SAKAMOTO, Cleusa Kazue. O Gênio Criador. 1ª edição. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
JOLY, Maria Cristina Rodrigues Azevedo; SANTOS, Acácia Aparecida Angeli dos; SISTO, Fermino Fernandes. Questões do Cotidiano Universitário. 1ª edição. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
LUBART, Tody. Psicologia da Criatividade. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2007.
GOMES FILHO, João. Design do objeto: bases conceituais. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
TORRE, Saturnino de la. Criatividade Aplicada: recursos para uma formação criativa. São Paulo: Madras, 2008.
ARNHEIN, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora: nova versão. São Paulo: Cengage Learning, 2011.
Autor:
Alexandre Ferraresi Iervolino
iervolino[arroba]outlook.com
Pós-graduando em Docência no Ensino Superior pela FMU e Bacharel em Design de Produto - FMU.
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