Não é desconhecido dos operadores do direito, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas.
Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam, como proposta inicial para a solução do problema referente ao hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[1](o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um "pensar" menos dogmático, mais aberto ao "perquerir", tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[2] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).
E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual "o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia"[3]), reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio )[4].
E essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo, até porque não se desconhece que exista uma estreita relação entre direito e ideologia, eis que, como asseverado acima, o direito enquanto técnica de controle social está intimamente ligado à questão do exercício do poder estatal (e isso é ponderado, sob um prisma acadêmico, sem qualquer juízo de valor a respeito da justiça ou injustiça dessa situação, por exemplo, ou se isso seria inexorável ou não, conveniente ou não).
E tal discussão se torna muito evidente e atual, num mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida, por veículos como a internet e a própria mídia, de um modo geral, observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal (como se pode entende-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo, econômicas ?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de "dizer o direito", de forma imparcial).
Tais variáveis são postas em conflito, de forma candente, na questão de massas que se delineia no presente momento, com a discussão das ações que se tem observado de um modo mais ou menos freqüente, nos mais variados juízos pátrios, envolvendo processos das mais variadas matizes (ou seja, envolvendo relações jurídicas de natureza pública e de natureza privada[5]tendo por objeto a garantia de meios materiais para a preservação da saúde dos indivíduos, seja perante o Poder Público, seja perante entidades privadas (como se dá, por exemplo, em relação às empresas mantenedoras de planos de saúde ou de seguro saúde).
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