This article presents data on morbidity and mortality due to "external causes" among the Brazilian elderly and a review of the Brazilian and international literature on the theme. The data refer to the period from 1980 to 1998. The main sources were the Mortality Information System (SIM) and the Hospital Information System of the Unified National Health System (SIH-SUS). The basic cause of death was evaluated according to the 9th Review of the International Classification of Diseases (ICD9) for 1980 to 1995 and based on the 10th Review since then. The Brazilian and international literature review was based on texts from MEDLINE, LILACS, and Informa. Accidents and violence are the 6th most common cause of death among individuals 60 years of age and older in Brazil. The majority of hospitalizations from external causes involve lesions from falls and injuries to older pedestrians by motor vehicles. However, violence against elderly Brazilians is more widespread and varied than this, as reflected by cases of physical, psychological, sexual, and financial abuse and neglect that fail to reach the health care system; rather, such cases are "taken for granted", seen as basically natural within the daily routine of family relations and various forms of social and public policy neglect.
Keywords: Violence; Aging Health; Health Services
Este artigo apresenta dados sobre mortalidade e morbidade em idosos brasileiros por "causas externas", bem como uma revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema. As informações referem-se ao período de 1980 a 1998. Como fontes principais, utilizaram-se bancos do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS). Avaliou-se a causa básica dos óbitos segundo a 9a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID9), de 1980 até 1995; e de acordo com a 10a revisão, a partir de então. A revisão da literatura nacional e internacional teve por base textos do MEDLINE; do LILACS e do Informa. Acidentes e violências são a sexta causa de morte de idosos com 60 anos de idade ou mais no Brasil. A maioria das internações por causas externas são devidas a lesões e traumas provocados por quedas e atropelamentos. As violências contra idosos, porém, são muito mais abrangentes e disseminadas no país, evidenciando-se em abusos físicos, psicológicos, sexuais e financeiros e em negligências que não chegam aos serviços de saúde: ficam 'naturalizadas', sobretudo, no cotidiano das relações familiares e nas formas de negligência social e das políticas públicas.
Palavras-chave: Violência; Saúde do Idoso; Serviços de Saúde
Com este artigo, pretende-se contribuir para compreender a situação de violência que boa parte dos idosos brasileiros vivencia. Esta contribuição se encaminha em dois sentidos: apresentar uma análise exploratória sobre os dados de morbidade e de mortalidade por violência desse grupo populacional e discutir a dimensão do problema por meio de uma revisão da bibliografia internacional e nacional, enfatizando, a partir de uma visão mais ampliada, as principais questões universais e específicas que esse grupo populacional vive. Tendo em vista as diferentes delimitações encontradas sobre o assunto, neste texto considera-se como idosa a população de 60 anos em diante, ponto de corte mais comumente adotado internacionalmente, sobretudo, nos estudos epidemiológicos.
As violências contra pessoas mais velhas precisam ser vistas sob, pelo menos, três parâmetros: demográficos, sócio-antropológicos e epidemiológicos. No primeiro caso, deve-se situar o recente interesse sobre o tema, vinculado ao acelerado crescimento nas proporções de idosos em quase todos os países do mundo. Esse fenômeno quantitativo repercute nas formas de visibilidade social desse grupo etário e na expressão de suas necessidades. No Brasil, por exemplo, dobrou-se o nível de esperança de vida ao nascer em relativamente poucas décadas, em uma velocidade muito maior que os países europeus que levaram cerca de 140 anos para envelhecer.
No entanto, apesar de toda essa veloz mudança, a maioria dos velhos está na faixa de 60 a 69 anos (a faixa onde a vitimação por violência, incide mais freqüentemente), constituindo-se em menos de 10% da população total. Já na Europa, são os grupos acima de 70 anos os que mais crescem (Veras, 1994). De qualquer forma, sendo mais de 13 milhões de cidadãos brasileiros, é impossível que os idosos e os problemas que lhes dizem respeito passem despercebidos no país. Embora a vitimação dos velhos seja um fenômeno cultural de raízes seculares e suas manifestações, facilmente reconhecidas, desde as mais antigas estatísticas epidemiológicas, esse problema não tem se apresentado como relevância social. Neste momento histórico, a quantidade crescente de idosos oferece um clima de publicização das informações produzidas sobre eles, tornando-as um tema obrigatório da pauta de questões sociais.
Antropológica e culturalmente, a idade cronológica é ressignificada como um princípio norteador de novos direitos e deveres. Isso quer dizer que a infância, a adolescência, a vida adulta e a velhice não constituem propriedades substanciais que os indivíduos adquirem com o avanço da idade. Pelo contrário, "o processo biológico, que é real e pode ser reconhecido por sinais externos do corpo, é apropriado e elaborado simbolicamente por todas as sociedades, em rituais que definem, nas fronteiras etárias, um sentido político e organizador do sistema social" (Minayo & Coimbra Jr., 2002:14).
Geralmente, nos diferentes contextos históricos, há uma atribuição de poderes para cada ciclo da vida. Mas também faz parte da história um "desinvestimento" político e social na pessoa do idoso. A maioria das culturas tende a separar esses indivíduos, segregá-los e, real ou simbolicamente, a desejar sua morte. Em um estudo sobre diferentes etnias africanas Riffiotis (2000) demonstra como, nessas tribos onde impera uma rígida divisão de funções etárias, essa intenção de aniquilamento político dos velhos é ritualizada, pois em uma determinada fase da vida, eles são levados para morrerem, em cavernas distantes dos seus povoados. Em nossas sociedades, esse desejo social de morte dos idosos se expressa, sobretudo, nos conflitos intergeracionais, maus-tratos e negligências, cuja elaboração cultural e simbólica se diferencia no tempo, por classes, por etnias, e por gênero.
Seria de esperar, então, que os velhos se conformassem com seu lugar na divisão culturalmente atribuída de direitos e deveres por ciclos de vida. Mas não é o que parece ocorrer. A forma como a sociedade adulta e jovem discrimina os velhos se contrapõe às expectativas que eles alimentam sobre as comunidades em que vivem. É ainda hoje bastante significativa a pesquisa do antropólogo Simmons (1945) sobre a visão e a expectativa de velhos em 71 sociedades indígenas, em relação a suas tribos e ao lugar que ocupavam. Essa investigação não foi replicada, mas, pela sua relevância merece ser citada quase 60 anos após ser feita. O autor afirma que, em todas elas, encontrou os seguintes desejos expressos pelos idosos: viver o máximo possível; terminar a vida de forma digna e sem sofrimento; encontrar ajuda e proteção para a sua progressiva diminuição de capacidades; continuar a participar das decisões da comunidade; prolongar, ao máximo, conquistas e prerrogativas sociais como propriedades, autoridade e respeito. Será que, em nossa sociedade contemporânea, variariam as expectativas da população mais velha?
No caso brasileiro, as violências contra a geração a partir dos 60 anos se expressam em tradicionais formas de discriminação, como o atributo que comumente lhes é impingido como "descartáveis" e "peso social". Por parte do Estado, esse grande regulador do curso da vida, o idoso hoje é responsabilizado pelo custo insustentável da Previdência Social e, ao mesmo tempo, sofre uma enorme omissão quanto a políticas e programas de proteção específicos. É bem verdade que em 1994 foi promulgada a Lei Federal 8.842 (Brasil, 1994), buscando ordenar a proteção aos idosos. No entanto, como é o caso de muitas leis no Brasil, a implementação é ainda precária. No âmbito das instituições de assistência social e saúde, são freqüentes as denúncias de maus tratos e negligências. Mas nada se iguala aos abusos e negligências no interior dos próprios lares, onde choque de gerações, problemas de espaço físico, dificuldades financeiras costumam se somar a um imaginário social que considera a velhice como "decadência" (Minayo & Coimbra Jr., 2002).
A epidemiologia evidencia os indicadores com os quais o sistema de saúde mede a magnitude das violências no cotidiano da vida, das instituições e do próprio Estado. Para isso, usa o conceito de causas externas que é preciso diferenciar de violência. Causas externas constituem uma categoria estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para se referir às resultantes das agressões e dos acidentes, traumas e lesões. "Violência" é um conceito referente aos processos, às relações sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais. As violências contra idosos, também, freqüentemente, são denominadas maus tratos e abusos, mas vou me omitir de fazer uma avaliação sobre as últimas duas noções, utilizando-as como sinônimo de violência. Esse conjunto de termos se refere a abusos físicos, psicológicos e sexuais; assim como a abandono, negligências, abusos financeiros e autonegligência. Ressalto, por pertinente, que a negligência, conceituada como a recusa, omissão ou fracasso por parte do responsável pelo idoso em aportar-lhe os cuidados de que necessita, é uma das formas de violência mais presentes tanto em nível doméstico quanto institucional em nosso país. Dela advêm, freqüentemente, lesões e traumas físicos, emocionais e sociais para a pessoa. Ambos os termos, causas externas e acidentes e violências devem ser usados quando se trata do impacto desses fenômenos sobre a saúde, pois referem-se a resultantes e a processos relacionais e ambos estão oficializados no documento de Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, do Ministério da Saúde (MS, 2001).
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