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Para a validação da fita CIMDER, confrontamos os resultados obtidos através de sua classificação com os resultados encontrados pela classificação de Gomez. Para isto, montamos uma tabela de contingência onde se considerava desnutrida a criança que apresentasse adequação percentual para o indicador peso/idade inferior a 90% em relação à mediana do padrão antropométrico de referência do NCHS (National Center for Health Statistics) e, normais, as situadas acima desta adequação. As crianças classificadas no amarelo e no vermelho eram consideradas "teste positivo" e, quando no verde, como "teste negativo", conforme mostra a Tabela 1.
Calculou-se, então, a sensibilidade (a/a+c.100), a especificidade (d/b+d.100), o valor preditivo positivo (a/a+b.100), o valor preditivo negativo (d/c+d.100), a taxa de falsos positivos (b/b+d.100) e a taxa de falsos negativos (c/a+c. 100)8.
A fim de se comparar os dados do presente estudo aos obtidos por Batista Filho e col.1 efetuou-se, também, o procedimento empregado pelos citados autores, os quais classificaram como desnutrição apenas os casos de II e III graus (adequação inferior a 75%) e, como teste positivo, os casos classificados sob a condição vermelho da fita CIMDER.
De acordo com a classificação de Gomez, das 1.268 crianças estudadas, 63,2% eram normais. Dos 36,8% casos de desnutrição, 32,2% eram de I grau, 4,3% de II grau e 0,3% de III grau.
A avaliação nutricional através da fita CIMDER, classificou as crianças da seguinte forma: 51,9% normais, 38,9% com desnutrição leve e 9,2% com desnutrição de moderada a grave.
A Tabela 2 apresenta a correspondência entre os resultados dos dois métodos de classificação.
A Tabela 3 apresenta os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, taxa de falsos positivos e taxa de falsos negativos, obtidos a partir dos dados de nossa amostra e dos divulgados por Batista Filho e col.1 e pelo CIMDER3.
Um dos grandes problemas na definição de pontos de corte em sistemas de classificação nutricional (ou em qualquer outro sistema de classificação) é o fato de que as variáveis sensibilidade e especificidade são inversamente proporcionais, ou seja, quando se privilegia a primeira, detecta-se um maior contingente de desnutridos dentro da amostra estudada. No entanto, será grande o número de falsos positivos. Para se reduzir esse inconveniente, é preciso que o indicador ganhe em especificidade, o que pode aumentar o número de falsos negativos e, assim, deixar de fora da triagem grande quantidade de indivíduos realmente portadores da desnutrição.
Para contornar esta dificuldade, Monteiro e col.9 propuseram pontos de corte para a medida do perímetro braquial que apresentassem sensibilidade e especificidade semelhantes. Segundo dados dos citados autores, "para cada faixa anual de idade, haveria um determinado nível do perímetro braquial que separaria, em 75-80% das vezes corretamente, os pré-escolares desnutridos dos demais", sendo que, para os casos moderados e graves, a detecção seria de 95%.
A utilização de pontos de corte onde a sensibilidade e a especificidade da classificação tendam a se igualar, parece bastante útil para o diagnóstico nutricional de populações, de vez que, conforme relata Monteiro e col.9, "os erros cometidos ao se avaliar desnutridos e eutróficos tenderiam a se anular, redundando em prevalência global da desnutrição semelhante a que seria obtida pela classificação de referência". No entanto, quando o objetivo da classificação não é tão somente de determinação de prevalência, mas também triagem e/ou controle, deve-se privilegiar a sensibilidade ou a especificidade, respectivamente.
No presente caso, o interesse foi validar um instrumento simples, prático, acessível aos agentes de saúde de Rondônia, os quais não dispõem de grandes habilidades e infra-estrutura para utilização de métodos mais sofisticados na detecção e triagem de casos de desnutrição no âmbito de sua área de cobertura, o que nos inclina a privilegiar a sensibilidade. Embora os pontos críticos, propostos por Monteiro e col.9, propiciaram valores de sensibilidade e especificidade um pouco melhores do que os obtidos no presente estudo, "é possível que em populações que se afastem muito das condições nutricionais da população que estudamos, não se mantenha a correspondência entre a adequação ponderal e o perímetro braquial. Nesta situação, poderiam ser outros os pontos críticos que melhor identificariam a fronteira entre a desnutrição e a eutrofia (Monteiro e col.9).
Na Tabela 3, as diferenças observadas entre os resultados (Tabela 3 - coluna Ferreira**) e os divulgados por Batista Filho e col.1 (Tabela 3), justificam-se em virtude das diferenças em termos de prevalência e magnitude (graus) da desnutrição das respectivas amostras, pois a sensibilidade tende a aumentar quando a prevalência das formas moderada e grave são maiores, o que ocorreu na amostra de Batista Filho e col.1 em virtude da inclusão de casos hospitalares. No estudo realizado pelo CIM-DER3 , a sensibilidade da fita variou em amostras formadas por indivíduos com desnutrição de I, II e III graus para 92,2%, 97,1% e 100,0%, respectivamente.
Embora Batista Filho e col.1 admitam como satisfatórios os valores obtidos para sensibilidade e especificidade, consideram o valor preditivo positivo (40,0%) bastante baixo para recomendar o uso da fita, nos pontos de corte propostos. No presente estudo (Tabela 3 - coluna Ferreira*) em que se consideraram todos os casos de desnutrição, e não apenas os graus II e III e aceitando como diagnóstico correto, a condição amarelo e vermelho da fita, o valor preditivo positivo foi de 59,0%, muito embora a taxa de falsos positivos tenha se elevado para 31,2%.
Todos os trabalhos de validação do uso da medida do perímetro braquial, aqui citados, apresentam falha em comum com os presentes dados: a utilização da classificação de Gomez como "gold standard". Essa classificação constitui um dos mais antigos sistemas de avaliação do estado nutricional. Na seleção dos pontos de corte, Gomez levou em consideração as características de peso em relação à idade de crianças internadas com desnutrição severa. Segundo Gibson6, o método não possibilita diferenciação entre kwashiorkor e marasmo, nem entre nanismo e emaciação pelo fato de que a estatura não é levada em consideração. Desse modo, crianças com baixo peso para a idade podem representar diferentes situações nutricionais, tais como nanismo (desnutrição pregressa), emaciação (desnutrição aguda) ou nanismo + emaciação (desnutrição crônica), portanto, não estima a duração do episódio. Outra desvantagem surge em virtude da possibilidade de edema. Assim, os resultados obtidos a partir da classificação de Gomez não representam bom padrão para validação de outros métodos, em virtude de suas próprias limitações e pela existência de metodologias mais satisfatórias, como as discutidas por Batista Filho e col.2, baseadas na utilização de percentis ou desvios-padrões nas relações peso/idade, altura/idade e peso/altura. Sugere-se, então, a continuidade desses estudos utilizando-se tais metodologias, o que, no entanto, não destitui o valor dos dados até agora divulgados, de vez que a classificação de Gomez, apesar de seus inquestionáveis óbices, apresenta, em seus pontos de corte, razoável concordância com os níveis percentilares propostos para separação entre desnutridos e eutróficos, concordância que é ainda mais expressiva, quando os pontos de corte são definidos através de desvios-padrões da mediana, conforme mostra a Tabela 4.
Diante do exposto, concluímos pela validade da utilização da fita CIMDER de três cores pelos agentes de saúde em virtude de julgarmos satisfatórios para os objetivos propostos, os valores obtidos nos testes de validação, exceto para a taxa de falsos positivos (31,2%), porém, sendo a fita CIMDER adotada apenas como um "screening" de primeiro nível, a adoção de outros indicadores, mais específicos, em nível de centros de saúde, reduzirá a probabilidade de inclusão de falsos positivos nos programas de controle.
Agradecimentos
Ao Prof. Odécio Sanches, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, por sua assessoria na definição do plano amostral.
1. BATISTA FILHO, M.; NACUL, L.C.; BEZERRA, T.C.A.; FERNANDES, A. S. Validação da cinta "CIMDER" como método de avaliação do estado nutricional de crianças . Rev. Inst. Materno - Infant. Pernambuco, 6:15-21, 1992.
2. BATISTA FILHO, M.; COUTINHO, D.C.; RIBEIRO, M.A. O risco de desnutrição "atual" em crianças brasileiras situadas abaixo do percentil 10 da relação peso/idade, Rev. Inst. Materno - Infant. Pernambuco, 6:99-106,1992.
3. ECHEVERRI, O.; DOENHEM, H.; VILLAFANE, P. Validación de un instrumento para medir el estado nutricinal en niños de 0-6 anos. Cali, Centro de Investigaciones Multi-disciplinárias en Desarrolo Rural, 1979.
4. FERREIRA, H. da S. & OTT, A.M.T. Situação do aleitamento materno em três municípios do estado de Rondônia, Brasil, 1985. In: Congresso Brasileiro de Nutrição, 11o, Salvador, 1987. Anais, Salvador, 1987, p. 66.
5. FERREIRA, H. da S. & OTT, A.M.T. Avaliação do estado nutricional de crianças menores de 5 anos do estado de Rondônia, Brasil. Rev. Saúde Pública, 22:179-83,1988. [ Medline ] [ Lilacs ] [ SciELO ]
6. GIBSON, R.S. Evaluation of anthropometric indices. In: Gibson, R.S. Principles of nutritional assessment. New York, Oxford University Press, 1990. p. 247-60.
7. GOUVEIA, E.L.C. Diagnóstico do estado nutricional da população. In: Chaves, N. Nutrição básica e aplicada. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1978. p. 245-74.
8. HENNEKENS, C.H. & BURING, J.E. Screening. In: Hennekenns, C. Epidemiology in medicine. Boston, Sherry L. Mayrent Ed., 1987. p. 327-45.
9. MONTEIRO, C.A.; BENICIO, M.H.D.; GANDRA, Y.R. Uso da medida do perímetro braquial na detecção do estado nutricional do pré-escolar. Rev. Saúde Pública, 15(supl): 48-63, 1981.
10. MORAIS, M.B. de; FAGUNDES NETO, U.; BARUZZI, R.G.; PRADO, M.C.O.; WEHBA, J.; SILVESTRINI, W.S. Estado nutricional de crianças índias do Alto Xingu e avaliação do uso do perímetro braquial no diagnóstico da desnutrição protéico-calórica. Rev. Paul. Med., 108:245-51, 1990.
[ Medline ] [ Lilacs ]
11. OTT, A.M.T.; COIMBRA JR, C.E.A.; FERREIRA, H. da S.; SMANIO NETO, L.; BRANCO, M.P.S. Diagnóstico das condições de saúde em Rondônia: projeto de pesquisa. Secretaria de Estado de Saúde de Rondônia/CNPq/Banco Mundial, Rondônia , 1984, [mimiografado].
12. SHAKIR, A. & MORLEY, D. Measuring malnutrition. Lancet, 1:758-9, 1974.
1 Trabalho realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Saúde, órgão pertencente à Secretaria de Estado da Saúde de Rondônia, com recursos financeiros do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE).
2 O NUPES foi criado em 1983, vinculado à Secretaria do Estado de Saúde de Rondônia com o objetivo de operacionalizar o componente Pesquisa, integrante do Projeto de Saúde do Programa Integrado de desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste)
Haroldo da S. FerreiraI; Ari M.T. OttII - haroldo[arroba]fapeal.br
IDepartamento de Nutrição do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Alagoas
IIDepartamento de Ciências Biomédicas da Fundação Universidade Federal de Rondônia
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