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Quociente de inteligência de crianças e adolescentes obesos através da escala Wechsler (página 2)

Natacha Toral; Betzabeth Slater; Isa de Pádua Cintra; Mauro Fisberg

 

4. Material e método

Foi feito estudo transversal, com população de escolares obesos e eutróficos, no período compreendido entre 1991 e 1993. Caracterizaram-se como obesos os pacientes que apresentaram relação peso para estatura igual ou superior a 140% (P/E » 140%), do padrão do National Center for Health Statistics (NCHS) (OMS16, 1983). Este grupo foi constituído por 65 crianças e adolescentes (36 do sexo masculino e 29 do sexo feminino), na faixa etária de 8 a 13 anos e 11 meses. O grupo foi formado com pacientes novos atendidos pela Disciplina de Nutrição e Metabolismo do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo. O grupo-controle foi composto por 35 crianças eutróficas (18 do sexo masculino) de escolas públicas de primeiro grau, de acordo com as seguintes características antropométricas: peso para a estatura entre 90 a 110% (P/E > 90 e < 110%) e estatura para a idade maior ou igual a 95% ( E/I » 95%), utilizando-se os padrões de referência do NCHS (OMS16, 1983). As duas amostras foram pareadas individualmente nas variáveis idade, escolaridade e faixa de renda. As crianças dos dois grupos foram submetidas, individualmente, à aplicação da "Wechsler Intelligence Scale for Children" (WISC)22. Neste teste, todos os itens de determinado tipo são agrupados em subtestes e dispostos em ordem crescente de dificuldade. O resultado bruto de um sujeito, em cada subteste é convertido em resultados-padrão, normalizados de acordo com o grupo de idade. Existem tabelas com esses resultados-padrão para cada intervalo de 4 meses, entre as idades de 5 a 15 anos, os quais são expressos em função da distribuição com média 10 e desvio-padrão de 3 pontos. Os resultados-padrão de subtestes são somados e convertidos num Quociente de Inteligência (QI) de desvio com média 1001. O WISC foi aplicado, obedecendo as instruções específicas contidas em seu manual que também orientou a correção e análise dos resultados22. O teste utilizado é adaptado para a população nacional e é de uso corrente nos ambulatórios de nutrição e psicologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)22. Para análise dos resultados foram utilizados testes estatísticos, não paramétricos, de acordo com as variáveis em estudo, a natureza da distribuição dos valores e a variabilidade das medidas estudadas. Foram aplicados os seguintes testes: Mann-Whitney para duas amostras independentes, análise da variância por postos de Kruskal-Wallis, Quiquadrado para tabelas 2 x 2, coeficiente de correlação de Spearman19. Para todos os testes fixou-se em 5% (p< 0,05) o nível para rejeição da nulidade.

5. Resultados e discussão

Encontramos diferenças estatisticamente significantes nos resultados de QI (Figura 1), sendo que o grupo eutrófico apresentou melhor desempenho no teste de inteligência do que o grupo de obesos. O QI médio dos eutróficos (91,24) se localizou dentro da faixa de Normalidade (90-109), enquanto que o dos obesos ficou dentro da classificação "médio inferior" (85,97). Analisando a amplitude de QI constatou-se que o menor QI do grupo de obesos foi 56, contra 74 do grupo de eutróficos, ou seja, diferença de aproximadamente 20 pontos o que situou o menor resultado dos obesos na classificação "débil mental", enquanto que o dos eutróficos se localizou na faixa limítrofe, de acordo com a classificação do manual do teste22.

Também se observou diferença relevante ao se comparar o maior QI dos dois grupos: 118 para os eutróficos e 107 para os obesos.

No caso dos adultos, a literatura levanta como possível explicação, para melhor desempenho de eutróficos, nos testes de inteligência, a hipótese de que existem fatores causais comuns à obesidade e ao desempenho intelectual reduzido10,20. Tais fatores são de natureza genética ou ambiental. No caso das crianças e adolescentes, de acordo com nossa experiência fundamentada na problemática psicológica da criança obesa4,6,14, optou-se por buscar explicações que caminham pela esfera emocional, já que a função intelectual não pode ser desvinculada de outras funções psíquicas e compreendida fora do sistema dinâmico e complexo do qual faz parte.

A ênfase sobre os motivos psicológicos e emocionais que podem levar a criança a ser obesa recaem sobre as falhas estruturais da relação mãe/filho, vínculo através do qual a personalidade se desenvolve14,17. Também os processos cognitivos e intelectuais dependem das experiências emocionais precoces. Várias teorias (especialmente a psicanalítica) confirmam essas suposições. Luzuriaga11 considera que a inteligência pode ser usada contra si mesma. É como se a inteligência, com a finalidade de não conhecer conteúdos dolorosos, fosse empregada na própria destruição. Dessa forma as funções intelectuais, tais como percepção dos objetos externos e internos, memória, concentração e outras, sofrem a ação dos mecanismos defensivos (negação, racionalização e outros) a tal ponto que as possibilidades de desenvolvimento intelectual e afetivo do indivíduo são destruídas. As experiências emocionais precoces, nas quais a relação com a mãe tem fundamental importância, influenciam a formação do pensamento, nos processos de simbolização e discriminação da criança15.

Birch3 faz menção à interação e estimulação propiciadas pelas mães de crianças obesas, fazendo referência ao reduzido número de respostas diretas ou indiretas durante a realização de jogos, apesar de haver maior solicitação por parte das crianças, em comparação às fornecidas pelas mães de crianças magras, mostrando que as primeiras, oferecendo menor estimulação prejudicam o desenvolvimento intelectual de seus filhos.

Na obesidade, são relatadas freqüentemente características como dependência, agressividade mal elaborada e dificuldade de se sentir em igualdade de condições para competir com indivíduos de seu meio4,6,14,18. É provável que essas características associadas ao funcionamento psiquíco mais lento e mais primitivo do indivíduo obeso, não contribuem para que ele tenha como foco de interesse a ambição intelectual que o levaria a investir mais nesse aspecto.

Quando se separa os dois grupos estudados em valores menores ou maiores/iguais à faixa média de QI (Tabela 1), observa-se que percentualmente existe diferença, já que 63,1% dentre os casos do grupo de obesos apresentam resultados de QI total inferior à faixa média22, contra 45% do grupo eutrófico. Entretanto, o teste do quiquadrado não apresentou diferença significante. Apesar disso, vale ressaltar algumas diferenças. Assim, no grupo de obesos (Figura 2), 4,6% dos casos apresentaram resultados de QI total inferiores a 70, o que corresponde à debilidade mental. Entre os eutróficos não se encontrou nenhum caso de debilidade mental, mas por outro lado, o resultado médio encontrado foi superior em 2,8% dos casos, ao passo que no grupo de obesos nenhum caso atingiu tais escores. Neste grupo, 24,6% das crianças conseguiram QIs classificados na faixa limítrofe (QI 70-79), contra 14,3% dos eutróficos. A classificação médio-inferior (80-89) foi obtida por 33,8% dos obesos e 31,4% dos eutróficos. Nesta faixa os resultados foram muito similares nos dois grupos. Na faixa média (90-109) se localizaram 36,9% dos obesos contra 51,5% dos eutróficos, o que significa que mais da metade destes últimos, estudados no presente trabalho apresentaram QI médio, o que só ocorre com aproximadamente um terço dos obesos. Esses resultados explicam, em parte, a diferença a favor dos eutróficos no resultado geral.

O grupo de obesos revelou menor amplitude de conhecimentos e estreitamento do campo de interesses em relação ao grupo eutrófico (Tabela 2). Oliveira e Santiago15, relacionam inúmeros fatores que contribuem para a falta ou diminuição da disponibilidade da criança em relação às informações do meio ambiente. Tensões na família, rivalidade excessiva, componentes de ciúme e inveja, acentuada exigência ou desinteresse dos pais, dificuldade de enfrentar a falta de gratificação imediata de seus impulsos, e outras, concorrem em maior grau para o desenvolvimento de conflitos intrapsíquicos na criança, dependendo de suas fantasias. São essas que, freqüentemente, desviam sua atenção das informações apresentadas pela realidade para outras situações externas ou internas que lhe são mais importantes. Estudos anteriores mostram que esses fatores estão presentes na criança obesa 4,6,14. Talvez eles tenham influído negativamente, apesar de não permitirem estabelecer relações de causa e efeito, já que as questões emocionais não foram controladas no presente estudo.

Menores condições de velocidade e destreza também foram encontradas no grupo de obesos, quando comparados ao grupo eutrófico. A lentidão característica dos obesos pode ter se refletido nos resultados.

Quando foram correlacionados os valores de QI com a adequação de P/E, foi encontrada correlação inversa significante, embora pequena ( r = 0,21). A literatura mostra a existência de relação inversa entre os índices de obesidade e os resultados dos testes de inteligência em populações de adultos jovens9,21.

Tanto o grupo de obesos quanto o de eutróficos manifestaram, em algum grau, certa problemática emocional e não revelaram diferença quanto ao potencial intelectual.

A importância do presente estudo, em relação à criança e ao adolescente obeso, é ampliar o conhecimento sobre seu funcionamento do ponto de vista intelectual e cognitivo, não como forma de estigmatizá-la, mas para que se compreenda o porquê desses resultados e assim se enfatize a necessidade de prevenção do distúrbio e se encaminhem as soluções passando também por uma abordagem relacionada com a questão da aprendizagem. Desta forma quando não for possível prevenir, e o distúrbio já estiver instalado, deve-se ter a preocupação de aprender maneiras de desenvolver o potencial intelectual que eles revelam, para não contribuir para estabelecer o estigma.

Agradecimentos

Ao Professor Fernando José de Nóbrega, Christianne Nascimento, Marcel Chaves de Castilho e Souza, Cecília Michiko Itami Forti, Clenivalda França dos Santos, Ivone da Conceição Gomes e Marcos Rosa de Lima pela ajuda e apoio nas várias fases do trabalho. Aos Professores Neil Ferreira Novo e Yara Juliano pela colaboração e realização do tratamento estatístico.

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* Pesquisa subvencionada pela CAPES. Parte de Dissertação de Mestrado apresentada por Alba L. R. Campos à Universidade Federal São Paulo, 1994.

Alba L. R. Campos, Dirce M. Sigulem, Denise E. B. Moraes, Arlete M. S. Escrivão e Mauro Fisberg - fisberg[arroba]uol.com.br

Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP - Brasil



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