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A população foi composta por 545 professores de idades entre 20 e 69 anos, média de 37,8 anos, exercendo funções de magistério em média há 13,2 anos. A maioria (67,4%) não havia recebido qualquer orientação sobre o sistema visual ou treinamento sobre saúde ocular na escola, nos últimos três anos.
As figuras 1 a 3 registram as percepções dos professores sobre sinais e sintomas indicativos dos erros de refração, que apresentam conseqüências visuais. Observa-se que os respondentes distinguem mais corretamente os sinais de miopia (70,8%), do que os sinais de hipermetropia (42,9%) e de astigmatismo (40,9%). Nota-se uma porcentagem significativa das respostas "não sei", para ambos os casos: hipermetropia (31,3%), astigmatismo (28,6%).
Proporção significativa de respondentes apontou sinais e comportamentos indicativos da presença de miopia na criança (24,7% e 23,8%), ou seja, 48,5% (Tabela 1).
A maioria dos entrevistados respondeu que a criança míope levanta-se da carteira (69,0%) ou "aperta" os olhos (68,5%), para enxergar melhor o que está escrito no quadro negro. Uma menor parcela dos respondentes (41,0%) declarou que o escolar portador de miopia apresenta indisciplina; apenas 4,1% dos docentes têm a percepção que a criança míope prefere atividades de leitura (Tabela 1).
Quanto aos sinais e alterações de comportamento da criança hipermétrope sem correção óptica, registram-se proporções reduzidas de respondentes na escolha das manifestações indicadas na tabela 2; por exemplo, apenas 7,6% mencionam todas as respostas oferecidas. A maior parcela dos entrevistados (40,9%), apontou dificuldades na leitura e na escrita, além de: dores de cabeça (31,1%), olhos vermelhos pós esforço visual (22,8%), cansaço pós leitura (18,1%), tontura e enjôos (17,7%) quando o escolar apresenta hipermetropia. Apenas 7,6% dos entrevistados responderam que o escolar hipermétrope tem preferência por esportes.
No que se refere ao astigmatismo, apenas 16,3% dos professores mencionam todas as manifestações apresentadas na tabela 3. O sinal menos reconhecido pelos respondentes consiste na presença de "olhos vermelhos" (19,6%). Entre os mais apontados destacam-se apresentação de "vista embaçada" (45,4%) e o desinteresse por atividades que exigem esforço visual (40,9%), além de dores de cabeça (33,0%) e esfregar os olhos (26,5%).
Os resultados das tabelas 1, 2, e 3 evidenciam que os docentes têm conhecimento de alguns "sinais de alerta" dos erros de refração. Ressalte-se, entretanto, a proporção deles que declararam não saber quais seriam os sinais indicativos de miopia (10,0%), hipermetropia (28,0%), e astigmatismo (22,8%).
Quanto à percepção sobre o grau de gravidade dos erros de refração, observa-se que a maioria considera todos os problemas oculares mencionados muito graves, com exceção de conjuntivites (Tabela 4).
A promoção da saúde ocular apresenta o princípio básico de melhoria da qualidade de vida do indivíduo, mediante a obtenção da capacidade visual que lhe permita o desenvolvimento de suas potencialidades e participação na sociedade(9). A saúde e a qualidade de vida dependem do inter-relacionamento de múltiplos fatores psicossocioculturais e do ambiente, que possibilitam ou reforçam comportamentos do indivíduo(10). O conhecimento em relação à saúde ocular constitui um desses fatores, influindo na importância que as pessoas atribuem à visão e aos cuidados para preservá-la(3).
O professor detém a tarefa precípua de transmissão de conhecimentos na escola, que pode incluir a orientação em saúde ocular para alunos e familiares. Para a realização dessa atividade, é necessário preparo específico que permita aos docentes a aquisição de conhecimentos, desprovida de distorções, provenientes de alguns mitos muitas vezes aceitos como verdades(11). Entretanto, entre os professores que integraram o presente estudo a maioria declarou não ter sido orientada ou ter recebido qualquer tipo de treinamento sobre saúde ocular nos últimos três anos.
As ametropias podem provocar sintomas de astenopia e/ou comportamentos, passíveis de serem observados na escola pelos professores; essas alterações, conseqüentes da condição visual, muitas vezes não são percebidas pelos familiares(12).
A hipermetropia, devido ao esforço acomodativo, pode causar cefaléia, hiperemia conjuntival. Tanto os sintomas pela presença de astenopia, como a deficiente acuidade visual nos altos graus de hipermetropia, podem tornar a criança desinteressada pela leitura e por trabalhos manuais(2).
Os sintomas de astenopia são mais acentuados no astigmatismo de pequeno ou médio porte, observando-se acuidade visual sensivelmente baixa nos altos graus dessa ametropia(2).
Quando os graus de miopia apresentam-se maiores do que -0,50 dioptrias, não corrigidas a criança limita as atividades que exijam visão à distância preferindo a leitura ou atividades que permitam trazer o objeto próximo aos olhos. Para melhorar a acuidade visual "aperta os olhos", levanta-se da carteira para copiar a lição do quadro negro, pode tornar-se inquieta ou tímida(2). A razão da preferência da criança míope por atividades de leitura, ser o sinal menos conhecido pelos professores, deve-se provavelmente ao fato de ser a leitura, atividade pouco praticada hoje em dia, inclusive em sala de aula.
Os erros de refração foram considerados problemas oftálmicos graves pela maioria dos respondentes, porém ainda proporção significativa os considera de pouca ou nenhuma gravidade ou não souberam referir. Os erros de refração foram referidos como problemas quase tão graves quanto a ambliopia e o estrabismo, fato que evidencia desconhecimento em relação a esses problemas oculares. Isto reflete a percepção dos professores em relação às conseqüências negativas que a não identificação de erros de refração e a não prescrição da correspondente correção óptica podem trazer para o desenvolvimento do escolar. A ambliopia e o estrabismo podem resultar de erros refracionais não detectados e não tratados precocemente.
A conjuntivite e o tracoma constituem doenças infecciosas. A conjuntivite é a doença infecciosa ocular mais comum, auto-limitada, que evolui para a cura sem seqüelas na maioria dos casos. O tracoma foi considerado o mais grave distúrbio, talvez por ser doença de notificação compulsória e demandar sempre uma ação imediata da equipe de saúde da região, na busca ativa de casos.
O fato de que os representantes consideraram erro de refração como um agravo importante, de repercussão visual, provavelmente representa o efeito de alguma intervenção educativa na escola por programas de oftalmologia sanitária, ou de atenção à saúde do escolar.
Convém ressaltar, contudo, que a percepção da gravidade de uma doença baseia-se não apenas no conhecimento científico disponível, mas também em concepções populares de origem cultural e na interpretação de experiências vivenciadas(11).
Tendo em vista os resultados do presente estudo e considerando-se a importância do papel do professor na identificação do aluno com problemas de visão, faz-se necessária a orientação dos docentes, visando ampliar seu conhecimento e compreensão a respeito do papel fundamental que desempenham nas ações de saúde ocular na escola.
Sugere-se a implantação e efetivação de Programa de Saúde Ocular em todo o sistema público de ensino, visando desenvolver ações de prevenção da incapacidade visual e da cegueira, promoção e recuperação da saúde ocular.
Purpose: Identification of the perception that teachers belonging to the public education system have concerning the refractive errors in the eye occurring at school age in order to subside training programs for teachers aiming at the detection of, and subsequent assistance to, ophthalmic problems in schoolchildren.
Methods: A transversal study carried out with a population of first-degree elementary school teachers, covering all public schools of the southern region of São Paulo, Brazil. A structured questionnaire based on an exploratory story was handed out.
Results: The population comprised 545 subjects distributed among 120 elementary schools. The average age of the population was 37.8 years, with an average length of teaching time of 13.2 years. The majority of them (67.4%) did not receive orientation on ocular health in the last three years. The teachers distinguished more accurately the symptoms of myopia (70.8%) than those of hyperopia (42.9%) and astigmatism (40.9%). A significant number (48.5%) of them pointed out signals and behaviors indicative of the presence myopia in schoolchildren; 40.9% indicated difficulties in reading and writing in hyperope children without optical correction. "Blurred vision" (45.4%) and disinterest for activities demanding visual effort (40.9%) were the most indicated manifestations in astigmatic children. All refractive errors in the eye were classified as very serious disorders by the teachers.
Conclusion: Distorted and/or insufficient knowledge was disclosed among elementary school teachers, about refractive errors occuring at school age.
Keywords: Refractive errors/diagnosis; Ophthalmology/education; Visual acuity; School health; Health promotion; School health services
1. Verdaguer TJ. One world, one voice, one vision. Arq Bras Oftalmol 1998; 61:5-6.
2. Kara-José N, Alves MR. Problemas oftalmológicos mais freqüentes em escolares. In: Conceição JAN. coordenadora. Saúde escolar: a criança, a vida e a escola. São Paulo: Sarvier; 1994. p. 195-203.
3. Temporini ER. Prevenção de problemas visuais de escolares: conduta de professores do sistema de ensino do Estado de São Paulo, Brasil. Rev Bras Saúde Esc 1990;1:68-75.
4. Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Campanha Veja Bem Brasil ¾ 1998: manual de orientação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; 1998.
5. Kara-José N, Temporini ER. Avaliação dos critérios de triagem visual de escolares de 1ª série do 1º grau. Rev Saúde Pública 1980;14:205-14.
6. Alves MR, Kara-José N. O olho e a visão: o que fazer pela saúde ocular de nossas crianças. Petrópolis: Vozes; 1996. 151 p.
7. Piovesan A, Temporini ER. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Rev Saúde Pública 1995;29:318-25.
8. São Paulo (Estado). Comissão Conjunta da Secretaria da Saúde e da Educação. Plano de Oftalmologia Sanitária Escolar. São Paulo: Serviço de Oftalmologia Sanitária do Instituto de Saúde; 1976.
9. Temporini ER. Promoção da saúde ocular. Arq Bras Oftalmol 1999;62:82-4. [ Lilacs ]
10. Briceño-Leon R. Siete tesis sobre la educacion sanitária para la participacion comunitária. Cad Saúde Pública 1996;12:7-30.
11. Armond JE, Temporini ER. Crenças sobre saúde ocular entre professores do sistema público de ensino no município de São Paulo - SP, Brasil. Rev Saúde Pública 2000;34:9-14.
12. Temporini ER. Percepção de professores do Estado de São Paulo, sobre seu preparo em saúde do escolar. Rev Saúde Pública 1988;22:411-21.
Trabalho realizado na Faculdade de Saúde Pública e Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo.
1Professor Adjunto nas disciplinas de Saúde Pública e Epidemiologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro. Diretora do Centro para Organização da Atenção à Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.
2 Professor Associado, Assessor de Pesquisa na disciplina de oftalmologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
3 Professor Livre-Docente na Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e na Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
Jane de Eston Armond1, Edméa Rita Temporini2, Milton Ruiz Alves3 - ertempor[arroba]usp.br
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