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É fundamental, que se mantenham vivos os propósitos dos programas de oftalmologia sanitária nas escolas, evitando o desinteresse e o desgaste, que podem ocorrer na condição de rotina de serviço já implantado(9).
Para o planejamento e implementação de ações preventivas em oftalmologia, faz-se necessário unir os conhecimentos científicos disponíveis sobre problemas oftalmológicos ao conhecimento da realidade objeto dessas ações(14).
Segundo dados do Ministério da Educação, existiam, no país, 5.800.000 (cinco milhões e oitocentas mil) crianças matriculadas na 1ª série de escolas públicas. A quase totalidade das crianças em idade escolar nunca passou por exame oftalmológico. Estima-se que 10% dessas crianças necessitam de óculos e 10% apresentam outros problemas oftalmológicos(15).
O primeiro programa de amplitude nacional, visando os escolares da 1ª série do ensino fundamental, foi realizado em 1998: Campanha Nacional de Prevenção à Cegueira e Reabilitação Visual – Veja Bem Brasil. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) organizou e realizou o evento, beneficiando um milhão e quinhentos mil escolares, submetidos à triagem visual, com envolvimento de 4 mil oftalmologistas, 40 mil professores e 8 mil escolas. A partir de 1999, as campanhas subseqüentes foram realizadas em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com a finalidade de suprir as deficiências da atenção à saúde ocular das crianças brasileiras chamadas Campanha Nacional de Reabilitação Visual "Olho no Olho". Em 1999, a Campanha atendeu 2 milhões e 280 mil escolares em 480 municípios com mais de 50 mil habitantes. Em 2000, atendeu 3 milhões e 100 mil escolares, envolvendo 4.500 oftalmologistas, 75 mil professores, 607 municípios com mais de 40 mil habitantes. Foram encaminhadas 300 mil crianças para exame oftalmológico, prescritos e doados 120 mil óculos(6-7,16).
No estado de Alagoas (BR), em 1999, dos 45.000 alunos matriculados na 1ª série do ensino fundamental, a Campanha "Olho no Olho" beneficiou 23.000 (51,11%) crianças em 6 municípios. Na cidade de Maceió (AL), existiam cerca de 21.000 crianças matriculadas e foi realizada triagem em 16.000 (76,19%) alunos. Em 2000, 9 municípios do estado de Alagoas foram alcançados pela campanha(17).
O objetivo desta pesquisa foi avaliar aspectos da Campanha "Olho no Olho" – 2000, na cidade de Maceió, na perspectiva de pais de escolares encaminhados para consulta, observando suas dificuldades no entendimento e na participação da Campanha, possibilitando sua avaliação para propostas de alterações visando obter-se maior eficácia.
Foi realizado um estudo descritivo, em uma população de 1.996 crianças das escolas públicas da rede estadual, encaminhadas para consulta após triagem realizada pelos professores, na Campanha "Olho no Olho" em 2000, na cidade de Maceió. Aplicou-se questionário a 263 (13,17%) pais de crianças, escolhidos por sorteio para obtenção de amostra aleatória. As entrevistas foram realizadas no período de agosto a outubro de 2001, portanto, entre 8 e 10 meses após a data marcada para a consulta médica.
Foram investigados: a opinião dos pais ou responsáveis sobre as diversas etapas da Campanha e aspectos sociais dos pais ou responsáveis das crianças encaminhadas à consulta. As entrevistas foram realizadas nos domicílios por 3 assistentes de pesquisa, universitários do curso de psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), previamente treinados. Explicou-se, ao responsável, a finalidade da pesquisa, solicitando sua colaboração.
Dos 263 pais ou responsáveis procurados, 52 (19,69%) não foram encontrados, sendo substituídos, por sorteio, em igual número.
Foram entrevistados pais de 263 crianças encaminhadas à consulta, das quais 89,35% compareceram à consulta e 82,98% foram acompanhadas pelo entrevistado. Os principais motivos para faltar à consulta (10,65% faltaram) foram a falta de dinheiro para o transporte (28,57%), criança doente (14,29%) e pais trabalhando (14,29%). Alegaram esquecimento, 10,71% dos entrevistados, 3,57% estavam doentes, e 28,57% alegaram outros motivos. Não foi mencionada a ausência de importância do comparecimento à consulta (Tabela 1).
Quanto ao local da realização das consultas, 82,13% foram feitas por mutirão em escola da região (Tabela 2); 69,7% dos entrevistados referiram como bom o local do atendimento (Tabela 3).
A cada grupo de, aproximadamente, 35-40 crianças que chegavam na sala da consulta, já com cicloplegia, um médico explicava aos pais o porquê e como seria a consulta e que, se fosse necessário a prescrição de óculos, seria informado à criança, e os óculos seriam entregues na escola, num prazo de 30-40 dias. Dos entrevistados, 73,85% acharam que a informação sobre a prescrição ou não de óculos na consulta foi satisfatória.
Foram prescritos óculos a 47,23% das crianças (Tabela 4); dessas, 87,39% receberam os óculos; 65,77% dos entrevistados disseram que não houve demora na entrega dos óculos; 69,07% disseram que a criança gostou dos óculos recebidos; 79,38% das crianças estavam usando os óculos na época da entrevista.
A opinião dos entrevistados sobre a Campanha foi 49,81% boa e 41,83% ótima (Tabela5).
Dos entrevistados, 69,96% eram mães das crianças e 66,92% sabiam ler. A renda da família era até 151 reais (1 salário mínimo na época) em 20,91% dos entrevistados, entre 152 e 300 reais em 50,95% e entre 301 e 500 reais em 22,43% (Tabela 6). Referiram uso de óculos 15,59% dos respondentes.
A necessidade de maior enfoque na área de educação em saúde quanto aos aspectos de promoção e preservação da saúde visual tem sido ressaltada em diversos estudos(18- 20).
Um estudo para avaliação de correção óptica e condições de uso dos óculos em escolares na cidade de Campinas – SP, submetidos a exame oftalmológico e tendo recebido óculos gratuitamente em Campanha ("Olho no Olho" – 2000) seis meses antes, obteve 84,3% de comparecimento após 3 convocações, realizadas com o objetivo de eliminar barreiras ao comparecimento(21).
A Campanha "Olho no Olho", realizada em 2000, nas escolas da rede estadual, em Maceió, teve um alto índice de comparecimento à consulta (89,35%), e boa participação dos pais conduzindo os filhos à consulta (82,98%). A consulta médica realizada em mutirão nas escolas da região e aos sábados, tendo os pais como principais acompanhantes dos escolares, pode facilitar a compreensão desses pais sobre a necessidade do uso dos óculos na infância, com o seu reforço em casa, especialmente se for aproveitado o momento para melhor informá-los sobre saúde ocular.
Vale ressaltar que os padrões de educação e socioeconômicos, os hábitos e crenças de uma comunidade são fatores que influenciam na importância que o indivíduo dá a sua visão e estimula o seu grau de cuidado no sentido de protegê-la(9,22).
O ideal é que a totalidade dos pais ou responsáveis saiba se foram prescritos óculos, ou não, após a consulta. Na pesquisa, 73,85% dos entrevistados ficaram satisfeitos com essa informação. Para melhorar esse resultado, sugere-se que seja feito um comunicado individual por escrito, simples e direto, contendo essa informação e orientando sobre a importância do uso e cuidados com os óculos.
A escolha da óptica para confecção dos óculos, no ano 2000, foi feita por meio dos coordenadores médicos. Em geral, trabalhou-se com ópticas locais, que assumiram um compromisso com esses coordenadores, primando pelo serviço e prazos acordados, além de se situarem na própria cidade, como forma de agilizar o atendimento. A pesquisa mostra resultados satisfatórios nessa forma de trabalho, observados por informação dos pais (65,77% declararam não ter havido demora na entrega dos óculos). Dos 34,33% que afirmaram o contrário, em parte, possivelmente, isto foi devido à demora dos próprios médicos ao repassarem as receitas à óptica, ou da Secretaria Estadual de Educação na distribuição na escola.
Os entrevistados disseram que 69,07% das crianças gostaram dos óculos, 79,38% estavam usando os óculos, decorridos 6 a 8 meses após a entrega dos mesmos.
Os pais mostraram-se satisfeitos com a Campanha (91,64% de aprovação). A compreensão dos pais sobre os propósitos de um programa de saúde na escola é importante, uma vez que a maior responsabilidade pela saúde das crianças pertence a eles(23).
Houve significativa participação das mães no acompanhamento dos filhos à consulta (69,96%), reforçando ser esse um bom momento para se oferecer informações sobre uso e conservação dos óculos, bem como sobre prevenção, tratamento e reabilitação de dificuldades visuais.
Estudo sobre aspectos médico-sociais no atendimento oftalmológico de escolares do sistema público de ensino em São Paulo relatou que, diante de altas taxas de absenteísmo nas consultas de uma Campanha de Saúde Ocular, deve-se analisar se os pais ou responsáveis pelas crianças não foram suficientemente informados pela escola sobre a importância da Campanha ou se não tiveram condições de vencer barreiras que não foram identificadas(23).
A população alvo da Campanha é carente, com baixa renda familiar (71,86% até 300 reais - 2 salários mínimos na época), realçada pelo maior motivo de falta à consulta ser a falta de dinheiro para o transporte (28,57%), dados também encontrados pelo estudo referido acima(23). Os resultados indicam, ainda, baixo índice de escolaridade dos pais ou responsável pelas crianças (33,08% não sabem ler). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 25,1% das famílias do nordeste do país, têm renda mensal de até 1 salário mínimo, enquanto que, no sudeste, o valor é de para 8,1% e, no sul, de 8,0%(24).
A avaliação da saúde ocular do entrevistado mostrou baixa freqüência do uso de óculos (15,59%), o que pode dificultar o entendimento sobre a necessidade de correção óptica.
Baixas condições socioeconômicas e culturais dificultam o acesso da criança ao exame oftalmológico(23).
Os erros refracionais apresentam-se como causa importante de limitação nas idades pré-escolar e escolar, tendo em vista o processo ensino-aprendizagem. É de reconhecida importância a necessidade de detecção precoce desses problemas visuais, o que possibilita sua correção ou minimização visando o melhor rendimento da criança(20).
Há uma enorme demanda reprimida em oftalmologia, tanto pela dificuldade de acesso quanto pela cobertura insuficiente do sistema de saúde e também pela incapacidade da população mais carente de completar o tratamento adquirindo os óculos, quando indicados(6).
O estudo das percepções dos pais ou responsáveis dos escolares encaminhados para atendimento médico na Campanha "Olho no Olho" – 2000 em Maceió-AL mostrou alto nível de comparecimento das crianças e dos seus pais à consulta em mutirões aos sábados. Mostrou também pais satisfeitos com a Campanha. Produção e entrega dos óculos com resultado satisfatório no modelo 2000. Evidenciou, ainda, que a população-alvo apresenta baixo nível de escolaridade e econômico, bem como a necessidade de melhor informação à família do escolar sobre saúde ocular e sobre a prescrição e uso de óculos durante a consulta.
Dessa forma, há um contingente grande de crianças que necessitam de cuidados oftalmológicos, para melhor desempenho na escola e conseqüente melhor desenvolvimento cognitivo. A Campanha "Olho no Olho" tem-se mostrado de real utilidade pública, mediante exame oftalmológico e distribuição de óculos gratuitamente, especialmente no nordeste do Brasil. O estudo e avaliação dessas ações possibilitam refletir sobre formas de melhorar as condições de permanência do aluno na escola e da saúde ocular no país.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), pelo apoio a este estudo.
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7. Kara José N, Alves MR. Manual de orientação ao professor. Campanha Nacional de Reabilitação Visual "Olho no Olho", 2001. Patrocinado pelo Ministério da Educação/FNDE. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia; 2002.
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23. Alves MR, Temporini ER, Kara-José N. Atendimento oftalmológico de escolares do sistema público de ensino no município de São Paulo – aspectos médico-sociais. Arq Bras Oftalmol 2000;63:359-63. [ Lilacs ] [ Adolec ]
24. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio. Síntese de indicadores. Rio de Janeiro: IBGE; 2002.
Sheila Mota CavalcanteI; Newton Kara JoséII; Edméa Rita TemporiniIII - ertempor[arroba]usp.br
IPós-graduanda nível Mestrado em Oftalmologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
IIProfessor Titular da Universidade de São Paulo - USP e Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
IIIProfessora Livre Docente em Metodologia de Pesquisa em Saúde. Assessora de Pesquisa da Disciplina de Oftalmologia da Universidade de São Paulo - USP e Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
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